29.9.18

O gosto dele



Pedro Mexia no Expresso, Revista, 29.09.2018:

«Faz em breve dez anos que João Bénard da Costa deixou a Cinemateca Portuguesa, por motivos de saúde que levariam ao seu falecimento poucos meses depois. Pergunto-me às vezes como o lembrará quem não o conheceu, quem nunca o viu e ouviu a apresentar uma sessão, quem nunca comprou um jornal por causa dos seus textos, quem nunca o identificou com o cinema.

Havia e há outros historiadores, outros críticos, outros programadores, e consigo pensar em quem soubesse tanto quanto ele; mas poucos fizeram tanto, poucos tinham uma personalidade tão carismática, e nenhum escrevia tão bem. Uma prosa totalmente idiossincrática que combinava erudição, graça, elegância, malícia, a autobiografia e a divagação, a evocação e o enigma. Os textos durarão muito mais do que a memória do homem João Bénard da Costa, como é fatal que aconteça. Ele esteve em todos os lugares onde se afirmou o cinema de qualidade na segunda metade do século passado, os cineclubes, a Gulbenkian, a Cinemateca, e haverá quem recorde esse legado. Mas os textos ficarão quando essa memória se tiver esbatido, textos que são como que uma aula intimista, um entendimento profundo entre uma comunidade invisível que acredita também no que é visível.

Claro que, entretanto, a sensibilidade mudou, como mudou a experiência cinematográfica. O cânone fragmentou-se, o papel da crítica desvaneceu-se, perdeu-se a ligação à sala escura, a televisão e as novas plataformas são frequentemente mais estimulantes do que o cinema, e assim por diante. Tudo o que era sólido se desfez no ar. Para dar um exemplo elucidativo: há agora quem argumente que o cinema de Ingmar Bergman irá perder progressivamente importância, ou até que já perdeu. Um crítico tão sofisticado quanto Jonathan Rosenbaum defendeu essa tese, baseado em suposições “sociológicas” espúrias e em rejeições “ideológicas”. Mas se Ingmar Bergman (que para tantos significou um enorme assombro estético e existencial) se tornasse irrelevante, isso diria mais sobre a obra de Bergman ou sobre a época em que Bergman deixasse de ser pertinente? Não quero forçar a comparação, que não é bem uma comparação, embora ainda há dias tenha relido o extraordinário ensaio de águas profundas que Bénard escreveu para o catálogo Bergman; o que quero dizer é que há sempre maneira de desvalorizar alguém acentuando-lhe a condição histórica, da qual, aliás, ninguém está excluído. Bergman poderá parecer menos óbvio quando a angústia metafísica, o rigorismo moral, a inquietação sexual ou o descontentamento burguês não sejam assuntos tão urgentes como já foram, mas é difícil imaginar que algum desses motivos desapareça por completo, ao ponto de tornar Bergman ilegível.



China: os números ultrapassam a nossa capacidade de imaginação




«O programa de 10 dias de transporte ferroviário de passageiros, estabelecido para atender à elevada demanda do feriado do Dia Nacional, foi oficialmente iniciado ontem (28). É esperado que cerca de 129 milhões de pessoas viagem durante este período.»
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Refugiados: um prémio merecido para a Grécia




Tsipras: «We are proud because at the time when other countries in Central Europe were building walls and fences, the Greeks opened their hearts».
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A chazada marcelista



Daniel Oliveira no Expresso diário de 28.09.2018:

«Aníbal Cavaco Silva aguentou dois anos calado. Ou pelo menos sem opinar sobre o mandato do seu sucessor. Mas, com a direita passista e mediática (redundância) em fúria com a saída da procuradora, transformada contra a sua vontade em Passionaria do justicialismo, ele não aguentou. Achou que estava ali um chamamento. E se Passos saltou do seu túmulo político, Cavaco saiu do seu jazigo. Para dizer, esperando que o país estremecesse: “Sou levado a pensar que esta decisão política de não recondução de Joana Marques Vidal é talvez a mais estranha tomada no mandato do Governo que geralmente é reconhecido como geringonça”.

Este regresso dos mortos-vivos não teve nada a ver com António Costa ou com Joana Marques Vidal. O alvo era apenas um: o homem que lhes tirou o palco à direita. Mas nenhum teve a coragem de o nomear. Porque os dois sabem que Marcelo Rebelo de Sousa é, continua a ser, muitíssimo mais popular à direita do que qualquer um deles. Tentaram, por isso, fazer uma tabelinha: criticando Costa, de quem os seus eleitores não gostam, acertavam em Marcelo, associando-o ao primeiro-ministro.

Só que Marcelo sabe mais a dormir do que Cavaco e Passos a jogar crapô. Em vez de se fazer de morto, esperando que a bala lhe passasse ao lado, pôs-se à frente dela e gritou o óbvio, para quem conhece a Constituição da República (artigo 133º): “A nomeação da procuradora-geral da República foi uma decisão minha e de mais ninguém. Portanto, o que me está a dizer é que o Presidente Cavaco Silva, no fundo, disse que era a mais estranha decisão do meu mandato”. Poucas vezes se viu, na política nacional, tamanho ricochete. Foi só o verdadeiro visado de um ataque dizer ao sonso que era ele o visado do ataque. A extraordinária popularidade de Marcelo e a extraordinária impopularidade de Cavaco tratam do resto.

Depois de explicar ao antigo Presidente que “quem nomeia a procuradora são os Presidentes, não os Governos”, Marcelo fechou a conversa com uma chazada: “Entendo que, desde que tenho estas funções, não devo comentar nem ex-Presidentes, nem amanhã quando deixar de o ser, futuros Presidentes. Por uma questão de cortesia e de sentido de Estado.” Há quem julgue que ter sentido de Estado é não tirar selfies e fazer um ar sisudo. Mas a falta de sentido de Estado de Cavaco é uma constante da sua vida. Desde momentos graves, como aquele em que, perante a possibilidade de nomear um Governo que não desejava, insultou um quinto dos eleitores portugueses (que votaram BE e PCP), aos mais pequenos, quando foi espalhando piscinas pelos palácios por onde passou, como se fossem casas suas. Ou quando publicou nos seus diários diálogos recentes com políticos no ativo, traindo o dever de reserva que lhe era exigido. Totalmente alheio ao espírito democrático e republicano, Cavaco nunca percebeu que era ele que passava pelos cargos, não eram os cargos que passavam por ele.

A vida política de Cavaco Silva acabou sem qualquer dignidade, com níveis de impopularidade nunca conhecidos por um Presidente eleito, distante do seu povo e contentando-se em representar uma fação política. Como o homem que raramente se engana e nunca tem dúvidas, que para ser tão sério como ele seria preciso nascer duas vezes, tem sobre si uma imagem deformada pela vaidade e pela soberba, acredita ter sobre os portugueses um poder que há muito perdeu. Cavaco Silva julga que os portugueses olham para si e veem o mesmo que ele vê quando se olha o espelho. Estava à espera do momento certo para dar a ferroada ao Presidente que o fez esquecido em poucos dias. Julgou que quando falasse o país pararia, Costa tremeria, Marcelo se esconderia. Não percebeu, nunca perceberá, que um ataque seu não beliscaria o Presidente. Que uma das razões para Marcelo ser popular é ter vindo depois de Cavaco. É não ser Cavaco. É ser o oposto de Cavaco. Com o ataque sonso que fez e a severa chazada que recebeu, apenas deu ao Presidente, depois de uma decisão politicamente difícil, mais umas vitaminas. Se aparecem reticências em relação a Marcelo, o melhor que lhe pode acontecer é o país lembrar-se que antes era Cavaco.»
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28.9.18

Há 44 anos foi assim



Ler AQUI.
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28.09.1932 - Víctor Jara



Víctor Jara faria hoje 86 anos e ainda podia andar por cá se não tivesse sido assassinado por um comando militar secreto, em 1973, cinco dias depois do golpe em que morreu Salvador Allende. Em Julho deste ano, foram finalmente condenados os seus nove assassinos.

Recordar algumas das suas «clássicas»:





 

Yo pregunto a los presentes
si no se han puesto a pensar
que esta tierra es de nosotros
y no del que tenga más.

Yo pregunto si en la tierra
nunca habrá pensado usted
que si las manos son nuestras
es nuestro lo que nos den.

¡A desalambrar, a desalambrar!
que la tierra es nuestra,
tuya y de aquel,
de Pedro, María, de Juan y José.

Si molesto con mi canto
a alguien que no quiera oír
le aseguro que es un gringo
o un dueño de este país.
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Estalinismo, PSD versão 2.0


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O capitão Fernandes afinal era um menino!



… com as 1.000 G3 desviadas de Beirolas em 1975.

Para somar a Tancos, isto:

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O populismo jornalístico



«São demasiado optimistas as manifestações públicas de regozijo por Portugal permanecer até agora impermeável ao populismo. Há um ambiente populista na nossa sociedade, alimentado e amplificado pelos actuais dispositivos desenvolvidos pelos media televisivos, radiofónicos e, cada vez mais, também pela imprensa escrita (um populismo onde os políticos se sentem investidos na condição de jornalistas e os jornalistas assumem a condição de políticos). Há um clima deletério que os media atiçam sempre que há uma ocasião favorável, recorrendo à teatralização e à dramatização que solicitam os afectos e criam clivagens irracionais, pessoalizações passionais, dilatações demagógicas. O último pico de calor neste ambiente de populismo difuso foi a substituição da Procuradora Geral de República, Joana Marques Vidal. Como pudemos verificar, o resultado do processo, como é próprio do populismo, acaba por ser a despolitização — a despolitização generalizada da matéria política. Quem tomar atenção aos pequenos e grande sinais, com olhar de analista, descobre facilmente que a escrita jornalística, mesmo nos jornais que gostam de se reclamar como “de referência” (algo hoje tão inexistente como o unicórnio), se inclina cada vez mais — num gesto que se vai naturalizando e tornando-se mimético — perante este ambiente, induzindo uma audiência e afastando progressivamente o público mais exigente. Experimentemos olhar para três títulos de artigos recentes: “Oh Joana, pensar que estivemos tão perto” (Pedro Candeias, Expresso), “Aprende, Joana: em Portugal quem manda é o PS” (João Miguel Tavares, PÚBLICO), “Joana e Lucília” (editorial do PÚBLICO, por Ana Sá Lopes,). Quem é esta Joana, nomeada com a mesma familiaridade (pelo menos nos dois primeiros artigos, o de Ana Sá Lopes é, quanto a este aspecto, de mais baixa intensidade) com que se nomeia a colega de turma? É a PGR. De repente, passa-se da função-PGR para a pessoa que a exerce, na sua identidade civil. Ou seja, passa-se da entidade pública para a pessoa privada. O jornalista expõe a pessoa enquanto tal, na sua nudez, como se tivesse a prerrogativa da objectivação e do tu cá, tu lá, criando uma proximidade artificial e arrogante que, na sua lógica extrema, vai dar ao “oh palhaço!” da invectiva popular. Se verificarmos com atenção, este tipo de títulos está hoje disseminado na nossa imprensa, mesmo quando depois nem correspondem ao tom mais sóbrio dos artigos. Mas não são apenas os títulos “sexy” que caracterizam este regime populista da escrita jornalística. Para fazer subir a temperatura populista, esta escrita jornalística recorre ao artifício da teatralidade, da tirada lúdica ou humorística: o jornalista ocupa o lugar da “vox doxa”, faz falar uma improvável “sociedade civil”. Tudo isto é servido por uma linguagem simples, por um vocabulário e uma sintaxe que são a forma necessária e consubstancial dos conteúdos simples, das ideias elementares. O editorialismo difuso e primário deste “building journalism”, que é um jornalismo sentado (aquele a que pertence hoje toda oligarquia instalada nos jornais), contaminou a escrita jornalística. E é fácil perceber que esta escrita se empenha, consciente ou inconscientemente, em imitar o modelo retórico e teatral das redes. Não se trata, aqui, de demonizar as redes. Mas a escrita jornalística (compreendo, com esta designação, também as secções de opinião) deveria ser outra coisa diferente. Não deveria, sobretudo, contribuir para as ondas de gritaria, tagarelice e teatralização enfática que emergem constantemente no espaço público. Essa escrita está destinada a falar apenas para o público que ela cria. É suicidária.»

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27.9.18

Manuela Moura Guedes?




«Manuela Moura Guedes vai ter um espaço de análise e comentário no Jornal da Noite da SIC. (…) Aos 62 anos, a ex-jornalista vai substituir Miguel Sousa Tavares, que trocou a estação de Carnaxide pela estação de Queluz.»

Que mais estará para nos acontecer? Que deuses ofendemos para que nos seja infligido tal castigo?

Recordar é viver:


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Dica (814)




«A raíz del conflicto entre el estado borbónico español por un lado y el gobierno independentista catalán por el otro, han aparecido en los discursos de los nacionalistas de los dos polos – el españolista y el catalanista – toda una serie de aseveraciones que distorsionan claramente la realidad que nos rodea. Es necesario y urgente, por lo tanto, que se muestren tales aseveraciones como mera propaganda política que se promueven para defender sus intereses puramente partidistas (la movilización de sus bases) a costa del bien común,que sale perjudicado por el aumento de tales tensiones.»
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Cavaco: não conseguiu ficar calado




Claro que o cidadão Aníbal Cavaco Silva tem toda a liberdade de se exprimir lá em casa, na rua, ou nos corredores de alguma conferência. Mas não perdia nada em ficar calado, sobretudo para evitar dizer disparates. Alguém imagina Ramalho Eanes ou Jorge Sampaio em tristes figuras como esta?
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Manter a dignidade quando o crime vira anedota



Daniel Oliveira no Expresso diário de 26.09.2018:

«Não preciso dizer que nada sei sobre o que realmente aconteceu em Tancos. Como muitos portugueses, há algum tempo que desconfiava que a coisa vinha de dentro ou tinha a cumplicidade interna. Mas as minhas suspeitas valem zero porque não se baseiam em qualquer prova. Sabe-se que o principal suspeito é um ex-militar e que terá havido cumplicidade da Polícia Judiciária Militar (PJM) na devolução das armas. A acusação é gravíssima mas não posso dizer que fiquei espantado. O mesmo não digo em relação à detenção do diretor da Polícia Judiciária Militar. Fiquei espantadíssimo.

Se as coisas são o que parecem, não é o crime que virá a envergonhar as Forças Armadas. Não é sequer a insegurança. É o ridículo. Havia um tipo que tinha gamado umas armas, coisa sem importância. Mas aquilo, vai-se lá saber porquê, apareceu na televisão. Ele assustou-se e quis desfazer o erro. Como o ladrão era um ex-militar, tinha um amigo na GNR que falou com outro que conhecia um gajo lá na PJM. E trataram de devolver tudo e até mais um bocadinho, que um homem perde-se no inventário. Isto é o que parece mas não pode ser, porque transformava a nossa tropa numa anedota.

Do que se percebeu até agora, houve, talvez por a história ser ao mesmo tempo tão grave e tão estúpida, algum cuidado institucional por parte do Ministério Público. A procuradora-geral da República teve um encontro com o ministro da Defesa. O diretor do DCIAP e Joana Marques Vidal fizeram a entrega formal da notificação da detenção a Azeredo Lopes e esta só foi concretizada depois, por militar de patente superior. Este tipo de cuidados não são geralmente compreendidos no clima demagógico que tomou a vida pública. Mas eles são essenciais. Uma das funções da Justiça é preservar as instituições públicas e isso implica que, em cada investigação, o dano que se causa deve ser o estritamente necessário para que se faça justiça.

Ter a Polícia Judiciária (PJ) a deter o diretor da PJM não é coisa que se veja todos os dias. Para a maioria isto será motivo de celebração: a Justiça não teme ninguém. Compreendo, mas a minha primeira reação é a oposta: é motivo de grande preocupação. Guardo a satisfação para o fim, quando se fizer justiça e esperando que o crime tenha ao menos um pouco mais de dignidade do que suspeito. Esta detenção é um passo de gigante e põe, quase tanto como a suspeita, em perigo a credibilidade da instituição militar ao mais alto nível. Apesar eu não ser um militarista, acredito que devemos preservar a imagem das instituições públicas.

Por isso, tenho a convicção de que esta detenção resultou de indícios muitíssimo claros que envolvem diretamente e de forma inequívoca o diretor da PJM. E nem por um segundo quero que me passe pela cabeça que há, neste processo, qualquer tipo de guerra corporativa. Estando envolvido o topo da hierarquia militar numa história tão estranha, estou certo que não assistimos a irresponsabilidades como aquela busca ao Ministério das Finanças por causa de uns bilhetes de futebol.

Não porque eu ache que os militares estão acima da lei e não devam ser investigados quando há suspeitas sérias de crimes. Pelo contrário, há algum tempo que acho que algumas instituições militares vivem como se fossem um Estado dentro do Estado (na realidade, acho mesmo em relação a algumas instituições da Justiça). Os contornos desta história mostram, aliás, os perigos de qualquer instituição viver fechada em si mesma. Mas recuso aquela ideia muito em voga de que a persecução da Justiça possa ignorar a preservação das instituições públicas. Porque sem elas a Justiça está condenada: só há Justiça com democracia e só há democracia com instituições fortes. Assim sendo, a única coisa que se exige é ponderação e bom-senso. Os cuidados da procuradora-geral, ao fazer um contacto prévio com o ministro da Defesa, fazem-me acreditar que desta vez alguém percebeu isso. Até porque suspeito que no fim o ridículo de toda esta história será tão grande que é melhor dar aprumo ao que não tem aprumo nenhum. Já nem a roubar há disciplina.»
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26.9.18

Gal Costa, 73 anos



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Há 50 anos, a primeira noite sem Salazar



Meio século é muito tempo, mas nunca esquecerei aquela hora que marcou o fim do salazarismo. Não por ter tido qualquer esperança na «Primavera» marcelista, iniciada naquela noite de Outono de 1968, mas porque foi um marco. E ainda «oiço» o discurso histórico e sinistro de Américo Tomás quando anunciou a substituição de Salazar por Marcelo Caetano:



No dia seguinte tomou posse o novo governo e, do discurso de MC, ficaria a célebre uma frase: «Não me falta ânimo para enfrentar os ciclópicos trabalhos que antevejo.» (Texto do discurso aqui.)

Sabendo o que se seguiu entre 1968 e 1974, não é fácil perceber hoje que muitos, mesmo resistentes antifascistas, tenham criado grandes expectativas com a nomeação de Marcelo. Mas foi um facto: a «Primavera Marcelista» alimentou grandes sonhos quanto ao sucesso de uma «evolução na continuidade». Não durou muito, o desfecho é conhecido.

Começariam as «Conversas em Família»:


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E quanto a Tancos…




Por enquanto, tudo isto se parece cada vez mais com «A Guerra» de Solnado, mas sem graça nenhuma. E sem ponta de vergonha em várias caras.
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A seis meses de voltar a casa



«Se eu gostaria de um segundo referendo ao Brexit? Claro que sim! Ao menos podíamos acabar com esta loucura de uma vez por todas.

Se estou de acordo com um segundo referendo? Claro que não! O voto foi universal e democrático, livre, em consciência, mesmo se às vezes nem por isso, mas a democracia é assim mesmo e a vontade da maioria é soberana. Não, não gostámos do resultado, mas respeitamos a vontade geral.

Faltam seis meses para o Reino Unido sair da União Europeia e nada está decidido: não há acordo comercial, não se sabe quem vai entrar ou sair e como, as duas Irlandas continuam sem uma fronteira física e ainda bem, os bancos estão a dar à sola e as grandes indústrias também, o custo de vida aumenta aqui na ilha e a procissão ainda vai no adro. Já toda a gente gosta dos imigrantes e o problema real é um e um só: a economia!

Nada está garantido e os direitos dos cidadãos da União Europeia também não. De modo a evitar o êxodo massivo de quem um dia veio para terras de Sua Majestade, o governo grita que não, que não vale a pena entrar em pânico, pedir a cidadania ou o cartão de residência. Mas o governo não somos nós e quem não é britânico não tem nada a ganhar, antes pelo contrário. Se nos tiram o emprego de pouco vale ter um papel nas mãos. Deus nos acuda.

Uma coisa é certa, e esta meta já existe: depois de Março de 2019 só entra no Reino Unido quem já tiver contrato de trabalho e um ordenado base de 30 mil libras por ano. Ir à aventura, à procura de emprego como nós viemos, acabou. Sair de Portugal para o Reino Unido porque se domina a língua acabou (e se talvez me desenrasque com um comme si comme ça, o alemão nem se fala).

Ao todo, três milhões de europeus vivem e trabalham no Reino Unido. Na eventualidade de um não acordo, os britânicos estarão sempre em primeiro. Tudo o resto, incluindo três milhões de europeus, passará a ser supérfluo. Vão-se os anéis e ficam os dedos, e como bons anéis que somos, quando esse dia chegar, não precisaremos que a polícia nos bata à porta. De cabeça erguida, caminharemos pela rua fora, com as malas e a vida nas mãos, para nunca mais regressar ao Reino Unido.

Ouvi agora notícias sobre a possibilidade de eleições antecipadas em Novembro. Serão bem-vindas, mas num cenário onde a maioria absoluta trabalhista é pouco provável, não se enganem, o Brexit vai mesmo para a frente, com ou sem acordo, e pelos vistos sem.»

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25.9.18

«Pela Democracia, pelo Brasil»



Mais de 300 personalidades brasileiras, entre as quais Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque lançaram um Manifesto intitulado «Pela Democracia, pelo Brasil»

Texto na íntegra AQUI.
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Tancos



Ainda acabaremos por saber como apareceram as armas, sem se vislumbrar se e como desapareceram.
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Sónia Braga, ela mesma



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Dra. Maria de Belém,o assunto é sério



«Maria de Belém, responsável pela comissão do Governo para rever a Lei de Bases da Saúde, afirmou que o Bloco, na sua proposta, defende que "se deve proibir a intervenção dos privados" na saúde. Esta afirmação é falsa.

Em primeiro lugar, a proposta para uma nova Lei de Bases não é do Bloco. Foi criada por António Arnaut, do PS, e João Semedo, do Bloco, que a entregaram a ambos os partidos. Fizeram-no porque entenderam que a atual lei já não defende o SNS e que estava criado o contexto para uma reforma do Serviço Nacional de Saúde que protegesse o seu caráter público e universal, preparando-o para o futuro. O Bloco assumiu essa responsabilidade, mas a proposta não é só nossa, é um projeto de muita gente de Esquerda.

Em segundo lugar, a proposta Arnaut-Semedo não quer simplesmente "proibir a intervenção de privados". Leia-se o projeto de lei, na alínea f) do n.0 1 da Base II: "O setor privado da saúde sem ou com fins lucrativos e os profissionais em regime liberal desenvolvem a sua atividade em complementaridade com o setor público".

Correia de Campos optou por uma estratégia semelhante, alegando que existem quatro vias para o SNS: a "mercantil", em que o Estado convenciona com os privados; a "radical", que passa por tornar todo o sistema público; a "nada fazer", que entrega o sistema à deterioração; e a "reformista", defendida por Correia de Campos, que alimenta o regime de parceria público-privada, em que "o mercado não é hostilizado, mas regulado", e o Estado é usado em "funções estratégicas e reguladoras".

Como bem lembrou Constatino Sakellarides, uma das vozes mais autorizadas sobre saúde em Portugal, numa sessão sobre a nova Lei de Bases, tanto Belém como Correia de Campos entram neste debate a partir de uma ficção. A ficção do radicalismo da proposta que tudo quer nacionalizar, contra a qual propõem a via "reformista". Acontece que essa proposta radical não existe, logo, não há quatro alternativas para o SNS, nem três.

Reparem que, segundo Correia de Campos, a via "reformista" é, na verdade, um sistema de PPP em que o Estado surge como regulador. Há pouco por isso que a distinga da via "mercantilista" a não ser a forma de relação com o privado. Esse será também o resultado da via "nada fazer", uma vez que o SNS já está a ser canibalizado pelos privados que aparecem como substitutivos do público, em vez de complementares.

Por muito que custe a quem quer evitar decisões difíceis, este debate faz-se em torno de uma só escolha essencial. Ou se quer um SNS forte, público e universal, ou não.»

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24.9.18

Itália: assim vamos




«O ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, anunciou no Facebook a aprovação por unanimidade no Conselho de Ministros do novo decreto anti-imigração que, entre outras coisas, acaba com os vistos por razões humanitárias a estabelece o perigo social como motivo para expulsar um requerente de asilo.»

Não parece, mas ele aí está



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Marielle Franco por Vhils



... num mural em Monsanto, Lisboa.
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Da democracia na Europa




«A “construção” europeia está ainda a tempo de escapar à desintegração? Desde o malogro do projeto de Tratado Constitucional em 2005, abrem-se fissuras cada vez mais inquietantes, sem que nada pareça poder tirar os líderes europeus do seu sono dogmático. Nem os revezes eleitorais repetidos, nem a fractura eonómica entre países da zona euro, nem o refinanciamento de banqueiros irresponsáveis à custa dos contribuintes, nem a descida da Grécia aos infernos, nem a incapacidade encontrar uma resposta comum aos fluxos migratórios, nem o "Brexit", nem a impotência face aos diktats americanos impostos a despeito dos tratados assinados, nem o aumento da pobreza, das desigualdades, dos nacionalismos e da xenofobia, permitiram iniciar à escala da União Europeia um debate democrático sobre a crise profunda que esta atravessa e sobre os meios de a superar.

É certo que, na ausência de espaço público europeu, a questão das políticas da União pode ser debatida apenas a nível dos Estados-Membros. Ora, não sendo este nível nacional aquele onde são definidas essas políticas, os debates nacionais resumem-se à questão de saber se devemos “suportar” a Europa da forma como ela disfunciona ou pura e simplesmente sair. Albert Hirschman mostrou num livro famoso que se abrem três possibilidades aos membros de uma instituição em crise ou em declínio: a tomada de palavra dos que a criticam para a reformar (voice), a defecção dos que a deixam (exit) ou a fidelidade, ainda que insatisfeita, dos que hesitam em abandoná-la ou criticá-la (loyalty) [1]. Encontrando-se os verdadeiros órgãos dirigentes da União Europeia (a Comissão, o Tribunal de Justiça, o Conselho e o Banco Central) fora de alcance dos eleitores, os cidadãos europeus têm o sentimento de serem privados de voice e de não terem, portanto, outra escolha que não seja entre a fidelidade e o apelo ao abandono (exit). Os “debates” nacionais sobre a União Europeia reduzem-se assim de maneira caricatural a um torneio entre “pro” e “anti” Europa. Sendo qualificados de antieuropeus todos os que criticam o funcionamento da UE, o número destes não cessa de engrossar e com eles o dos partidos ou governos que adoptam relativamente a ela um ponto de vista etnonacionalista.

Consideramos esta lógica binária enganadora e suicida. É falso que não haja outra alternativa que não seja a de apoiar cegamente as instituições europeias ou de as rejeitar inteiramente. Ao excluir qualquer possibilidade de reformar democraticamente a União Europeia, este falso dilema entre “Eurólatras” e “Euroniilistas” apenas pode conduzir à sua lenta decomposição. Ora, sem mesmo termos de invocar o regresso das tensões e violências identitárias que acompanhariam inevitavelmente tal decomposição, a necessidade de solidariedades europeias impõe-se para fazer face às interdependências dos Estados em domínios como a ecologia, as migrações, as novas tecnologias ou os equilíbrios geopolíticos no mundo. O nosso propósito não é o “de peritos” que pretendem dar lições aos povos ou aos seus líderes. É o de pensadores com opiniões políticas diversas que, analisando o funcionamento da União Europeia a partir de diferentes Estados-Membros, partilham um mesmo diagnóstico alarmante.

A principal razão para o afastamento crescente dos cidadãos relativamente à União Europeia é o divórcio entre os valores em que esta assenta e as políticas que conduz. Estes valores são os proclamados pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, segundo a qual “a União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade; assenta nos princípios da democracia e do Estado de direito”. Esta traição diz respeito, antes de mais, ao princípio de democracia, mas é também evidente relativamente ao princípio de solidariedade.



23.9.18

O Sol quando nasce é para todos


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23.09.1973 – O dia em que Neruda morreu



Pablo Neruda morreu em 23 de setembro de 1973, apenas 12 dias após o golpe de Estado no Chile, oficialmente em consequência de um cancro na próstata.

Se houve sempre dúvidas quanto à veracidade desta causa, elas agravaram-se há cerca de cinco anos quando o motorista do poeta afirmou que ele terá recebido uma injecção letal numa clínica de Santa Maria, em Santiago do Chile, para impedir que se exilasse no México como era sua intenção. Com base nestas declarações, o Partido Comunista do Chile apresentou uma denúncia formal à Justiça, foi aberto um processo e, em Abril de 2013, foi iniciada a exumação dos restos mortais do poeta (sepultado juntamente com a sua última mulher no jardim da casa em Ilha Negra), que foram enviados para análises em Espanha e nos Estados Unidos. Na clínica em questão, nunca foi possível encontrar a ficha médica de Neruda, nem a lista dos trabalhadores presentes.


Entretanto, em 2017, ficou mesmo provado que não morreu de cancro na próstata.



Mas hoje é dia de o recordar em vida, com a sua voz inconfundível:





Os empregados de limpeza da net




Se têm 40 minutos, e se são do tempo em que os animais já não falavam mas os portugueses ainda percebiam francês, dediquem-nos a esta reportagem, feita com enorme precaução e sigilo sobre os milhares de pessoas que, em Manila, nas Filipinas, fazem a limpeza da web. São empresas subcontratadas pelas grandes empresas da web nossas conhecidas incluindo, naturalmente, Facebook. Um funcionário experimentado chega a visualizar 25 mil imagens por dia, das quais uma parte significativa é eliminada: decapitações, atrocidades, terrorismo (de 37 organizações deve ser tudo eliminado), pornografia, sexo, etc. seguindo o guião que cada uma das empresas fornece. Não podem dizer o que fazem, o que ganham, onde trabalham. Muitos desistem e ficarão com sequelas psicológicas ou mesmo psiquiátricas para toda a vida.

Este trabalho é feito por denúncias e há milhões por dia. Eventualmente por meio de busca. 
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Quando é que o passado passa?



«Não, não é um detalhe. Numa cultura como a nossa que satura de simbolismo a morte, os seus rituais e a sua espacialidade, é evidente que ter deixado intacto o Vale dos Caídos revela bem com qual das memórias espanholas se confunde o discurso da reconciliação que a transição pós-franquista quis impor para calar a exigência de depuração de responsabilidades. Um monumento que se quis esmagador desde a sua génese, que comemorava, não a paz mas a vitória de uma parte da Espanha sobre a outra, nunca foi e não pode ser um instrumento de reconciliação, como as reportagens de Manuel Louro aqui no PÚBLICO bem mostraram. Deve, isso sim, ser contextualizado e revelado como o emblema de vingança que Franco quis que ele fosse.

Tudo somado, que Franco seja exumado do Vale dos Caídos e transferido para uma sepultura comum, e privada, é politicamente muito simbólico – e perfeitamente básico numa democracia que rejeite explicitamente a ditadura e o fascismo –, mas francamente do menos importante para conseguir que o Estado espanhol enfrente as suas responsabilidades históricas e legais. Muito mais grave do que perpetuar a decisão do rei Juan Carlos de o ter enterrado lá é que todos os governos espanhóis desde o final do franquismo se tenham recusado a resolver o problema humano, político e legal dos espanhóis assassinados nos territórios gradualmente ocupados pelos franquistas durante a guerra de Espanha (1936-39), na retaguarda e longe da frente de combate, e nos anos do pós-guerra (pelo menos até 1951), um número entre 110 e 160 mil, segundo as fontes, cujos corpos não foram encontrados, exumados e devidamente identificados. Nesta contabilidade não se incluem, naturalmente, os cerca de 40-50 mil mortos em território republicano, cujos corpos passaram por aquele processo e foram homenageados e compensadas as suas famílias ao longo dos 40 anos da ditadura franquista.

Desde há muito que a ONU urge o Estado espanhol a cumprir as suas obrigações internacionais, recordando que o desaparecimento forçado é um crime que não prescreve, ao contrário do que pretendem governantes e magistrados. Quando o juiz Baltasar Garzón aceitou, em 2008, abrir uma investigação judicial sobre um total de 114.266 casos de “desaparecimentos forçados” e sequestro de crianças (filhas de mães republicanas) que configuram crimes contra a humanidade, praticados ou encobertos pelo regime franquista entre o início da guerra civil (1936) e dezembro de 1951 – porque o franquismo continuou a matar em massa mesmo depois do final da guerra, em abril de 1939 –, uma tempestade política abateu-se sobre ele. O Ministério Público espanhol, numa das mais vergonhosas avaliações que do passado genocida de uma ditadura uma instituição judicial possa ter feito, recorreu da abertura desse processo, considerando que aquelas mortes às mãos de autoridades militares e políticas não passavam, afinal, de um conjunto de “delitos comuns” que teriam prescrito à luz da Lei de Amnistia de 1977 – a mesma que a ONU tem insistido que a Espanha revogue por forma a que ela própria possa cumprir as obrigações previstas nos tratados internacionais que subscreveu: em 1985, a Convenção Internacional contra Tortura e, em 2007, a Convenção Internacional contra os Desaparecimentos Forçados, que estabelece, preto no branco, que “os Estados subscritores tomarão as medidas apropriadas para investigar” os “desaparecimentos forçados que sejam obra de agentes do Estado ou de pessoas ou grupos de pessoas que atuam com a autorização, o apoio ou a aquiescência do Estado”. Ao entender que não se podem julgar hoje “crimes contra a humanidade”, porque “a legalidade penal internacional não existia no momento da comissão dos factos”, a Justiça espanhola parece achar que também não se podiam julgar os nazis em Nuremberga por um tribunal que, justamente, tipificou pela primeira vez na história o “crime contra a humanidade”.

Direita, PSOE e juízes conseguiram bloquear a investigação expulsando Garzón da carreira judicial, em 2012. Dois anos antes, a Justiça argentina, ao abrigo do princípio de justiça universal (o mesmo princípio que permitiu que em Espanha se abrisse um processo contra Pinochet), abria uma ação contra os responsáveis “pelos delitos de genocídio e/ou crimes contra a humanidade que tiveram lugar em Espanha” entre 1939 e 1977. A Justiça espanhola recusa-se desde então a colaborar com a investigação e em deter, extraditar ou sequer interrogar vários acusados, sobretudo ex-ministros de Franco.

Magistratura e poder político podem dizer o que quiserem, mas o passado só passa quando as vítimas dele disserem que passou.»

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