6.7.13
As sondagens valem o que valem, mas..
O Expresso de hoje revela os resultados de uma sondagem feita anteontem, 4 de Julho, no auge do tsunami que atingiu o país.
Para além de outras considerações, registe-se que o número de inquiridos que afirmam que a saída para a crise deve passar por eleições antecipadas (37,2%) é praticamente igual ao dos que desejam que o PSD continue no governo, apoiado pelo CDS, com ou sem Portas (36.6%). Julgo que não arriscaria muito de apostasse que esta última percentagem subiria em flecha se a sondagem fosse feita hoje, depois de se saber que o casal desavindo fez as pazes.
Duas razões possíveis, eventualmente cumulativas: apesar de tudo a «estabilidade» é quem mais ordena e / ou não se acredita maioritariamente (bem longe disso...) que um governo resultante de uma ida às urnas viesse a ser melhor que o actual, mesmo que este não dure muito.
Tudo isto apesar de PS, CDU, BE, centrais sindicais e vários movimentos sociais se baterem por eleições antecipadas e de Arménio Carlos ter dito hoje, na concentração da CGTP em Belém, que «a maioria esmagadora do povo português» as quer. Não parece. E não vale a pena dizer-se que todas as sondagens são más porque também não é verdade.
. Três tempos e uma crise política
Excertos do artigo de Sandra Monteiro em Le Monde Diplomatique (edição portuguesa) deste mês:
Neste regime de austeridade instaurado pela crise financeira, e depois económica e social, a crise política não é um acontecimento isolado no tempo nem uma instabilidade passageira que possa ser, por si só, resolvida com a substituição dos protagonistas políticos. Por muito que haja alturas, como agora, em que seja amplamente consensual que sem a substituição desses protagonistas, devolvendo a palavra ao povo em eleições, não haverá qualquer possibilidade de inverter o rumo de empobrecimento e recessão de que é feito o enredo trágico em curso.
Neste regime, aquilo a que chamamos crise política é a fase que se instala quando se torna evidente para a maioria da população que a resposta austeritária, seja ela aplicada com maior ou menor convicção, está estruturalmente desenhada para rebaixar as condições de vida dos que menos têm, das classes populares às classes médias e aumentar os lucros dos mais poderosos. A crise política não é, neste sentido, um mero episódio com estes ou aqueles protagonistas, mais «incompetentes» ou com mais «sensibilidade social», mas uma etapa que tenderá a repetir-se com vários actores, por vezes por causa deles e outras apesar deles. Em processo de aceleração, poderá triturar lideranças políticas, umas atrás das outras, como se de uma linha de montagem se tratasse, e poderá determinar a morte, o rearranjo e até o surgimento de novos actores político-partidários, deixando porventura irreconhecível a paisagem que hoje conhecemos, em Portugal como noutros países. (...)
Esta fase, cuja duração é impossível de prever, não terminará com a substituição de sucessivos protagonistas que interpretem o mesmo guião – apenas tenderá a encurtar os ciclos em que estes actuam. A crise política só terminará quando este desacreditado mas ainda poderoso austeritarismo der lugar a outras escolhas, num processo que exigirá uma clara compreensão dos bloqueios e das potencialidades nacionais e internacionais, que envolverá escolhas difíceis orientadas para o bem-estar da maioria, e que implicará alianças políticas e sociais fortes. (...)
Neste sentido, são três as áreas em que se joga o sucesso das políticas futuras de quem estiver determinado em inverter o rumo seguido pela coligação liderada por Passos Coelho e governar em benefício da maioria: a austeridade, a dívida e a inserção europeia. (...)
Austeridade, dívida e inserção europeia têm de ser objecto de uma acção política integrada, de modo a propiciar a formação de alianças claras e fortes. A todos os actores político-partidários é pedida uma definição da sua disponibilidade para afrontar as estruturas europeias e os condicionalismos que os credores impõem no âmbito de um lucrativo projecto ideológico orientado para a destruição do Estado social, da democracia e do trabalho com direitos. É tempo de pôr fim ao disfuncionamento total em que o país e a Europa se estão a afundar. As greves e demais protestos que os trabalhadores portugueses têm feito, em condições de enorme dureza, já apontaram o caminho que desfaz falsos consensos e anuncia um novo começo.
Na íntegra AQUI.
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5.7.13
Pergunta inocente
O Presidente da República não tem isenção de horário de trabalho, que lhe permita receber os partidos ao Sábado? Tem de esperar por Segunda-Feira? Ou vai a banhos para a Coelha?
- Cavaco versus Tomás
Quem tem idade para se lembrar tem vindo a referir, nos últimos dias, o glorioso tempo em que Salazar se julgava presidente do Conselho de Ministros e já não o era, para sublinhar que já não temos governo sem que o próprio o saiba ou reconheça (*). Excepto que, in illo tempore, era mais fácil não deixar o poder não cair no chão e Américo Tomás anunciou ao país, sem problemas, a nomeação de Marcelo Caetano.
Claro que isto de democracias é um verdadeiro incómodo para um presidente da República porque há que prever cenários, temer os mercados, telefonar à Merkel, aturar o Portas, levar o Passos Coelho a sério e, ainda por cima, ouvir os partidos! Quanto não daria Cavaco Silva para fazer calmamente um discurso semelhante a este, ele que tem agora, exactamente, a mesma idade que o saudoso almirante tinha em 1968:
(*) A fotografia de Salazar é de Abril de 1969. Sete meses depois de ter deixado o cargo, sem que ninguém tivesse coragem para lho dizer, Salazar falava ao país.
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Pessimista me confesso
Por muito que me custe – e custa mesmo – concordo quase totalmente com esta meia dúzia de linhas que Manuel Esteves escreve hoje no Negócios (*):
«O país está neste momento num beco sem saída: de um lado, a parede da Europa; do outro, o precipício. Os portugueses caminham em plano inclinado para o precipício.
A verdade é que haja um segundo programa de assistência financeira ou um simples programa cautelar, a cantiga da austeridade será a mesma. Com ou sem eleições, a política governativa será idêntica. Seja qual for a coligação governamental que resulte das eleições alemãs de Setembro, pouco mudará no que os alemães pensam e querem para nós.»
Quaisquer que sejam as decisões tomadas nos próximos dias, a curto prazo espera-nos um futuro negro porque não estão reunidas as condições para que não o seja. Melhores tempos virão porque os países não morrem (e nós já passámos por crises bem graves embora a memória seja curta), mas reservo o meu optimismo para um futuro mais longínquo. E não me ajuda, nem motiva, tentar acreditar em chavões bacocos, mais ou menos irrealistas e enganadores, só porque são politicamente correctos.
(*) O link pode só funcionar mais tarde.
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4.7.13
Coragem, portugueses!
Ainda sem sabermos que governo nos espera, é bom recordar que sobrevivemos a isto:
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Aconteceu alguma coisa?
Apresso-me a divulgar a crónica de Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje, antes que se torne totalmente obsoleta pela aceleração do ritmo dos acontecimentos.
«Afinal, o ex-ministro das Finanças falhou mais metas e objectivos do que se pensava: tentou demitir-se várias vezes mas só atingiu o objectivo à terceira (...)
[Ele tem uma] angústia: correu tudo muito mal e ainda por cima só durou dois anos. Não estão reunidas as condições para continuar o péssimo trabalho e por isso mais vale sair. Sobretudo porque, segundo ele, o Governo fica mais coeso após a sua saída.
Mas agora no momento em que escrevo este parágrafo, Paulo Portas demitiu-se. Diacho. Mais uma previsão de Gaspar que falhou.»
Na íntegra AQUI.
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Roleta russa apontada à cabeça dos portugueses
«O escritor espanhol Miguel de Unamuno, no seu "Portugal, povo de suicidas", escreveu: "Dizia-se e repetia-se que toda a agitação em Portugal era uma tempestade num copo de água, obra unicamente dos políticos".
A crise actual é isso mesmo: uma roleta russa jogada por políticos com uma pistola apontada à cabeça dos portugueses. Serão estes que poderão sentir o impacto final e letal. (...)
A leviandade política reinante conduziu o país, depois de dois anos de sacrifícios sem fim e sem resultados práticos, para este beco sem saída. Mas o que assusta é o desprezo com que estas manobras políticas dispensam os portugueses, como se a eles estivesse apenas reservado o papel de espectadores arruinados. Se custa ver um Governo dividido em busca de quem pode ser apresentado como culpado do desastre, pior é a sensação de que Cavaco Silva está alheado de tudo o que se passa. (...)
Vive-se um tempo em que não é este Governo que está podre. É este regime e esta elite que em vez de governar Portugal se governa a si própria. Como tem feito de forma constante nos últimos séculos. É assim que Portugal se suicida. Ou alguém o suicida.»
Fernando Sobral
O link pode só funcionar mais tarde.
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3.7.13
Palhaços! Respeitem-nos
Já que nem arrisco qualquer condenação em tribunal, digo e repito que o comportamento dos responsáveis dos dois partidos do governo, nas últimas 48 horas, só me merece um qualificativo: PA-LHA-ÇOS! Desamparem a loja, rua que se faz tarde. Respeitem-nos.
(Sem ofensa para os verdadeiros palhaços, obviamente.)
. A efeméride mais oportuna que imaginar se possa
Na situação verdadeiramente kafkiana em que nos encontramos, recordemos que Franz Kafka nasceu em Praga, em 3 de Julho de 1883.
Renúncia
Era muito cedo, pela manhã, as ruas estavam limpas e vazias, eu ia à estação. Ao comparar a hora no meu relógio com a do relógio de uma torre, vi que era muito mais tarde do que eu acreditara, tinha que apressar-me bastante; o susto que me produziu esta descoberta fez-me perder a tranquilidade, não me orientava ainda muito bem naquela cidade. Felizmente havia um polícia nas proximidades, fui ter com ele e perguntei-lhe, sem fôlego, qual era o caminho. Ele sorriu e disse:
– Queres conhecer o caminho através de mim?
– Sim – disse –, já que não posso encontrá-lo por mim mesmo.
– Renuncia, renuncia - disse e voltou-se com grande ímpeto, como as pessoas que querem ficar a sós com o seu riso.
E o Google Doodle de hoje:
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2.7.13
Bem-vindos ao mundo surreal
O primeiro-ministro não aceitou o pedido de demissão de Paulo Portas. Requisição civil: este está obrigado a serviços mínimos?
Parece estar confirmado que, amanhã, Mota Soares e Assunção Cristas também pedirão a demissão. Vão receber o mesmo tratamento?
Parece estar confirmado que, amanhã, Mota Soares e Assunção Cristas também pedirão a demissão. Vão receber o mesmo tratamento?
Ensandeceu-se mesmo?
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É já amanhã
- Boaventura de Sousa Santos, Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa; dirige actualmente o projecto ALICE - Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências o mundo.
- Carlos Vianna, dirigente da Casa do Brasil em Lisboa.
- Flávia Carlet, membro da RENAP, Rede Nacional de Advogados Populares do Brasil.
- José Carlos de Vasconcelos, advogado e jornalista, membro da direcção editorial da revista Visão e director do Jornal de Letras.
- Leonardo Avritzer, Professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Projeto Democracia Participativa (PRODEP) da UFMG.
E depois do Adeus
Excertos de um importante texto de Pedro Santos Guerreiro, no Negócios de hoje (*):
«Trocar Vítor Gaspar por Maria Luís Albuquerque não é mudar de política. É trocar um obstinado com poder por uma obstinada sem poder. A obstinação não é em si mesmo um problema, mas num Governo em que Passos Coelho nunca mandou nem deixou mandar, quem mandará agora? A troika, ainda e sempre? Ninguém? (...)
Foi esta gente que elegemos, em que confiámos, que mandatámos, é esta gente que permanece gozando de uma contestação sem violência e da tolerância social à austeridade. Não foi o país que falhou. Foi o Governo e a Europa. E é esta gente que revela não perceber a grandeza e exigência do seu mandato. Gaspar percebeu-o. Saiu. E ao sair deixou uma carta que diz tudo. (...)
Não tivemos azar na destruição da procura interna da economia. Foi deliberado. O fracasso confesso de Gaspar é o fracasso de uma política económica dita liberal, que teve como ideólogos pessoas que aqui foram chamadas de estupidamente inteligentes, incluindo António Borges, Braga de Macedo e, claro, Vítor Gaspar. (...)
A economia está a morrer. Em parte porque as previsões do modelo falharam. Mas a expiação é maior do que o bode. A economia está a morrer também porque o Governo falhou gravemente no desmantelamento dos interesses instalados, que afinal permanecem. A economia está a morrer também porque o Governo falhou gravemente no corte da despesa permanente e na reforma do Estado, o que levou a sucessivos golpes de austeridade, ora colossais, ora enormes. A economia está a morrer porque em vez de comando há desnorte, tira-se, repõe-se, retira-se, opõe-se medidas a medidas, prolongando a incerteza e aniquilando a confiança. A economia está a morrer porque além de semear o mal que era (e era) necessário semear, o Governo não teve uma ideia, uma proposta, uma política que surpreendesse. (...)
Desta vez o mundo não mudou. Portugal não mudou. O Estado não mudou. Tudo está desgraçadamente o mesmo. O país livrou-se de Vítor Gaspar. Mas quem sente leveza depois disso não percebe nada do que está a acontecer em Portugal. Tomara nós que o problema fosse Gaspar. Vítor gastou-se, a austeridade não.»
(*) O link pode só funcionar mais tarde.
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1.7.13
Salgueiro Maia
Façamos uma pausa na telenovela governativa desta tarde para recordarmos que Salgueiro Maia faria hoje 69 anos.
Antes de rumar a Lisboa, na madrugada de 25 de Abril de 74, na parada da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, dirigiu estas palavras a 240 soldados:
«Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!»
E vieram todos.
Algumas horas mais tarde, e depois de muitas intervenções operacionais, coube-lhe ser, pelas 16:30, o protagonista do momento decisivo:
Um detalhe mas que talvez valha a pena frisar: Salgado Maia ainda nem tinha 30 anos quando tudo isto aconteceu. Não se considerou demasiado jovem para a função. Aos 29 anos é-se adulto.
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Gaspar demitiu o governo
Leia-se, devagar como seu autor deve tê-la escrito, a longa carta de Vítor Gaspar, agora divulgada. Não é só, e nem tanto, um pedido de demissão como uma declaração de impossibilidade de o governo exercer a sua função, tal como o próprio a definiu. Vítor Gaspar demitiu Passos Coelho.
. Tudo mais ou menos bloqueado?
Se até «eles» o dizem... Pedro Adão e Silva em entrevista ao i:
«O centro-esquerda está numa encruzilhada. Podemos chegar a um momento de um enorme bloqueio político e de não haver respostas para os problemas que enfrentamos. (...)
Não quero parecer muito pessimista, mas há bons motivos para estarmos pessimistas. No entanto, temo bem que o PS ainda ganhe as eleições - caminhamos no sentido da alternância - mas seja uma passagem pelo poder muito breve e devastadora para o Partido Socialista. Da mesma forma que o PSD sairá devastado nas próximas eleições legislativas. Vamos ter uma desagregação do PSD, se houver eleições daqui a um ano ou daqui a dois, o PS ganhará as eleições mas ficará rapidamente muito desgastado. Não podemos cair na ilusão de que uma pequena diferença nas políticas e um discurso mais humanista fará uma grande diferença no médio prazo. Não fará. Poderá ser um balão de oxigénio, mas não fará uma grande diferença. Por outro lado, os partidos dos países das periferias, que não por acaso são as democracias mais tardias, não têm um grande enraizamento social. Portanto, quando sujeitos a uma grande intempérie, caem e não têm raízes para se reerguerem. (...) Há um problema de défice de enraizamento. O caminho de lenta agonia que temos trilhado na Europa é difícil de sustentar politicamente nos países da periferia. (...)
A direita tem uma narrativa coerente, está a viver o seu momentum. É totalmente absurda e falha do ponto de vista político, mas a combinação de austeridade económica com punição moral - uma combinação paradoxal entre liberalismo e puritanismo - corresponde a um sentimento generalizado em alguns países. O problema é que a esquerda não tem uma narrativa alternativa suficientemente eficaz e coerente. Mas é um facto que em Portugal chegámos a uma loucura tal que só devolver o país à razoabilidade já fará alguma diferença - por exemplo, não fazer coisas estúpidas como este governo faz sistematicamente.» (Os realces são meus.)
P.S. - Nunca o Sérgio Godinho me pareceu tão oportuno (até fala de «maduro» e de «seguro»):
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Ainda as pensões – regressar ao tema para que não seja esquecido
«A rubrica de despesas da segurança social em pensões e outras prestações sociais é de grande dimensão, pelo que se compreende a atracção pela sua utilização, numa óptica de redução da despesa pública, com cortes horizontais.
É fácil, é barato e dá milhões.
A estratégia de comunicação utilizada para justificar esta medida que provoca, em pessoas bem formadas, uma grande incomodidade, também é fácil de perceber: referir alguns casos singulares normalmente associados a cidadãos com visibilidade pública e/ou política, em que a reforma é elevada e desajustada ao período de contribuição efectiva, ignorando a esmagadora maioria de reformados cuja reforma provém de dezenas de anos de descontos e em que, nalguns casos, se pudessem ter optado por sistemas de capitalização autónomos receberiam valores muito superiores.
E todo este processo é conduzido como se não existissem alternativas.
Entretanto a gigantesca máquina do Estado, central e local, continua a gastar verbas consideráveis na rubrica de Fornecimentos e Serviços Externos, com a aquisição de bens e serviços, conduzindo ao seguinte paradoxo que nenhum gestor empresarial consegue entender. (...)
O corte nas pensões actuais, sobre pessoas que já não podem reagir compensando essa perda de rendimento por outra actividade, e que fizeram um contrato, em que acreditaram, onde os descontos de uma vida de trabalho davam direito a um fim de vida digno é uma indignidade que ninguém com princípios e valores pode aceitar.»
O link pode só funcionar mais tarde.
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30.6.13
O Brasil volta à política?
Nas colunas do Público, Alexandra Lucas Coelho tem vindo a publicar apontamentos, despretenciosos e certeiros, que me têm ajudado a tentar entender um pouco melhor «o miolo» do que está a acontecer no Brasil. É hoje o caso, uma vez mais, num texto publicado na Revista 2 (sem link), do qual aqui ficam alguns excertos.
«Tudo somado — a violência policial descontrolada, as conquistas concretas dos manifestantes, a tentação antidemocrática —, nada me parece tão decisivo como o regresso do Brasil à política, desde que começou o clamor nas ruas. Ou, dito de outra forma, o regresso da política à política: tudo implica todos, todos são cidadãos. Há uma semana, no auge do rebentamento, pareceu-me que, no seu melhor, seria uma espécie de maturidade. Reforço. (...)
Efeito colateral: exercida assim sobre as classes médias, ou sobre todos a eito, esta violência [policial] democratizou o abuso que só os favelados conheciam. Ou seja, estes dias na rua foram também os dias em que o Brasil que não costuma apanhar sentiu na pele como a polícia pode perder o domínio, e o que acontece quando isso acontece. Isso só pode unir mais os brasileiros, diluir as fronteiras entre os cidadãos de direito e os que têm estado fora do alcance do direito, e fazer essas classe médias cobrarem tudo das suas polícias. Em suma, a haver um bom resultado desta violência será uma polícia com menor margem para abusar, mais vigiada por todos, mais consciente. (...)
Esta semana, uma ONG dispôs 594 bolas de futebol no relvado diante do edifício, um dos mais belos de Brasília, aquele côncavo e convexo de Oscar Niemeyer, com duas torres a meio. É uma imagem poderosa no que pode convocar: sim, este é o país do futebol, mas este deve ser muito mais que o país do futebol. E os 594 representantes dentro do edifício foram eleitos só com uma missão: trabalhar para o país. (...)
E aqui entra uma tentação que também ficou exposta no tumulto das ruas brasileiras: a razia antidemocrática. A tolice dos protestos sem foco, ou disparatados até à caricatura, é quase impossível de evitar, uma espécie de doença infantil das manifestações. Mas houve um momento que resvalou para outra coisa, uma espécie de militância antipartidos de tom totalitário. A degradação do Congresso, a corrupção no PT e suas alianças de interesse, o patético PSDB do governador paulista Alckmin e do eterno-candidato Serra, e por aí fora, não provam que a democracia é má. Provam que a democracia é má quando é má, quando se afasta de si própria. E quem diz democracia diz política.» (O realce é meu.)
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Com imagens percebe-se melhor
(Via Jorge Nascimento Rodrigues)
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