A propósito da abertura ao público de documentos sobre os anos da Revolução Cultural, Antonio Muñoz Molina escreve hoje um belo artigo no suplemento Babelia de El País.
«El Archivo Municipal de Beijing, cuenta The New York Times, acaba de hacer públicos 16 volúmenes de documentos sobre los años de la Revolución Cultural, y aunque están muy censurados dan una idea de lo que sucedía en China (…) A los niños los adiestraban para denunciar a los padres como contrarrevolucionarios. El "pensamiento de Mao" era la guía infalible para resolverlo todo, "la delincuencia juvenil, los atascos de tráfico, la química en la agricultura, la venta ilegal de pichones". En una clase de matemáticas los estudiantes tenían que cantar dos canciones revolucionarias y estudiar y discutir al menos seis citas de Mao antes de pasar a los números. Comités especiales se creaban a fin de garantizar cada año la producción de las 13.000 toneladas de plástico necesarias para las tapas de todos los millones de ejemplares del Libro Rojo que se publicaban.»
A notícia foi pretexto para Muñoz Molina relatar o entusiasmo pela figura de Mao Tse Tung, que encontrou quando chegou a Madrid como estudante, em meados dos anos 70. Com o Partido (comunista, entenda-se) demasiado antiquado para «as antenas subtis do snobismo universitário», os jovens antifranquistas curvavam-se perante o líder chinês que vivia na Cidade Proibida e que escrevia não só tratados filosóficos como pequenos poemas revolucionários. Vibravam sobretudo com o «Livro Vermelho» e repetiam com reverência que Os imperialistas são tigres de papel.
Tudo isto chegou a Portugal e eu também tenho dois livrinhos vermelhos, um em francês – «Citations du Président Mao Tsé-Tung» – e outro, um pouco maior e já em português – «Escritos Militares de Mao Tsé-Tung». Sintomaticamente, estão numa prateleira mesmo aqui atrás, bem encostados a várias edições da Bíblia. Com uma diferença: devo ter lido meia dúzia de páginas dos pensamentos de Mao e as bíblias têm um ar bem manuseado. O meu percurso só passou por Pequim há meia dúzia de anos, como turista, e é verdade, sim: a Cidade Proibida é uma verdadeira maravilha.
Nunca tive um poster do camarada Mao, as paredes dos meus quartos de juventude foram sobretudo habitadas por Martin Luther King e pelos barbudos latino-americanos, mesmo quando ainda nem sabia quem era Korda.
Juventudes diferentes, grandes marcas que, constato hoje talvez mais do que nunca, se cravam bem fundo e ficam para sempre – para o bem e para o mal, como tudo na vida.
«El Archivo Municipal de Beijing, cuenta The New York Times, acaba de hacer públicos 16 volúmenes de documentos sobre los años de la Revolución Cultural, y aunque están muy censurados dan una idea de lo que sucedía en China (…) A los niños los adiestraban para denunciar a los padres como contrarrevolucionarios. El "pensamiento de Mao" era la guía infalible para resolverlo todo, "la delincuencia juvenil, los atascos de tráfico, la química en la agricultura, la venta ilegal de pichones". En una clase de matemáticas los estudiantes tenían que cantar dos canciones revolucionarias y estudiar y discutir al menos seis citas de Mao antes de pasar a los números. Comités especiales se creaban a fin de garantizar cada año la producción de las 13.000 toneladas de plástico necesarias para las tapas de todos los millones de ejemplares del Libro Rojo que se publicaban.»
A notícia foi pretexto para Muñoz Molina relatar o entusiasmo pela figura de Mao Tse Tung, que encontrou quando chegou a Madrid como estudante, em meados dos anos 70. Com o Partido (comunista, entenda-se) demasiado antiquado para «as antenas subtis do snobismo universitário», os jovens antifranquistas curvavam-se perante o líder chinês que vivia na Cidade Proibida e que escrevia não só tratados filosóficos como pequenos poemas revolucionários. Vibravam sobretudo com o «Livro Vermelho» e repetiam com reverência que Os imperialistas são tigres de papel.
Tudo isto chegou a Portugal e eu também tenho dois livrinhos vermelhos, um em francês – «Citations du Président Mao Tsé-Tung» – e outro, um pouco maior e já em português – «Escritos Militares de Mao Tsé-Tung». Sintomaticamente, estão numa prateleira mesmo aqui atrás, bem encostados a várias edições da Bíblia. Com uma diferença: devo ter lido meia dúzia de páginas dos pensamentos de Mao e as bíblias têm um ar bem manuseado. O meu percurso só passou por Pequim há meia dúzia de anos, como turista, e é verdade, sim: a Cidade Proibida é uma verdadeira maravilha.
Nunca tive um poster do camarada Mao, as paredes dos meus quartos de juventude foram sobretudo habitadas por Martin Luther King e pelos barbudos latino-americanos, mesmo quando ainda nem sabia quem era Korda.
Juventudes diferentes, grandes marcas que, constato hoje talvez mais do que nunca, se cravam bem fundo e ficam para sempre – para o bem e para o mal, como tudo na vida.