1.2.10

Manuel Serra, 1931 - 2010




Morreu ontem à noite mais um grande lutador antifascista em Portugal.

É na Juventude Operária Católica, aos 17 anos, que Manuel Serra toma consciência da pobreza, repressão e injustiças que o rodeiam – o motor de arranque para uma longa e agitadíssima caminhada.

Já como oficial da marinha marcante, integra-se na corrente mais extremista da campanha de Humberto Delgado para a presidência da República, em 1958, onde defende o recurso à luta armada para o derrube do regime.

Na noite de 11 para 12 de Março, chefia os civis no falhado Golpe da Sé, sendo detido e levado para o Aljube onde permanece seis meses, depois de cinco dias de tortura de sono. Numa primeira fuga espectacular, sai pelo seu pé do Hospital Curry Cabral onde se encontrava internado: vestido de padre, segue directamente para a embaixada de Cuba em Lisboa, onde pede asilo. Apesar de vigiado em permanência por quatro agentes da PIDE, chefiados por Rosa Casaco, estuda um novo plano de fuga, muda de visual muito rapidamente, cortando o cabelo e a barba, e aproveita uma mudança de turno para, uma vez mais, sair em pleno dia para a embaixada do Brasil, já que o seu objectivo era precisamente juntar-se a Humberto Delgado naquele país.

Parte em Janeiro de 1960 e começam então os preparativos para o que viria a culminar no golpe de Beja, em 1 de Janeiro de 1962. Depois dos factos que são do conhecimento público, Manuel Serra tenta esconder-se no sul do país, mas acaba por ser detido em Tavira. Segue-se então um mês de grande violência, com tortura de sono e espancamentos, um julgamento com condenação a dez anos de prisão e longas estadias em Peniche e em Caxias. Liberto no início de 1972, é ainda detido por um curto período em Novembro de 1973.

Tudo somado, quase doze anos passados em prisões da PIDE.

A seguir ao 25 de Abril, é um dos fundadores do MSP (Movimento Socialista Popular) que mais tarde se integra no Partido Socialista com grupo autónomo, mas divergências internas precipitam a saída, em Janeiro de 1975, para a criação da FSP (Frente Socialista Popular). No quadro deste pequeno partido, participa nas campanhas de Otelo Saraiva de Carvalho para a presidência da República. Em 1980, foi um dos fundadores da FUP (Força de Unidade Popular).

Ontem, tudo acabou. Ficará na história dos belos lutadores da resistência em Portugal, que aliaram a coragem à aventura e até ao prazer do risco. Na memória dos que o conheceram pessoalmente, restará um enorme sorriso e um coração do tamanho do mundo – será sempre assim que o recordarei.


(Fotografia e fonte para a elaboração deste texto: Rui Daniel Galiza e João Pina, Por teu livre pensamento. Histórias de 25 ex-presos políticos portugueses, Assírio & Alvim)

P.S. - Para a nossa imprensa de referência, neste caso o Público, Manuel Serra nasceu para a vida política depois do 25 de Abril. E juntam-se umas larachas para completar a história. Grande jornalismo!
E a esquerda.net não faz melhor! Tivesse sido ele de um grupúsculo m-l e saberiam tudo... (Entretanto, o esquerda.net corrigiu a notícia que está agora completíssima.)

14 comments:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Se calhar isto é mais lenda do que história.
Em 1975, no tempo em que os fiéis ainda votavam em quem o pároco os mandava votar, o pároco de uma pequena aldeia de Melgaço queria sugerir aos paroquianos o voto no CDS, único partido que naquela altura não prometia o comunismo ou a via para lá chegar.
Mas não era tarefa simples, porque a paróquia tinha muitos analfabetos e ainda não estava desenvolvida a linguagem dos símbolos que, mais tarde, tornou a vida dos párocos muito mais simples: votai nas setinhas, evitai a mão fechada, fugide da foice e do martelo como do demo...
De modo que, após uma análise das candidaturas e tomando como bom o pressuposto que o boletim de voto estaria disposto por ordem alfabética, o bom pároco mandou, na missa, votar no terceiro(suponhamos) partido.
Não estava...
De modo que nessas primeiras eleições da democracia poruguesa, na mesa de voto dessa paroquia nos confins do Minho, o partido mais votado foi a FSP!
LOL (a vantagem do LOL sobre o :-) é o facto de o LOL poder ser dito, e não apenas limitado a uma representação gráfica...)

Joana Lopes disse...

É bem possível, houve muitas histórias desse tipo nas primeiras eleições.

José Barroso Dias disse...

Joana, nunca tive o privilégio de o conhecer pessoalmente, mas tínhamos amigos comuns que descreviam o Manuel Serra exactamente da forma que tu o fizeste aqui.Por esses relatos e também por outros de um amigo que nós temos em comum, sempre admirei a sua coragem e a sua frontalidade. Mais um que parte e vamos ficando mais pobres. Vamos ficando "sem memória" sendo por isso cada vez mais importante reforçar "Os Caminhos da Memória".

Joana Lopes disse...

Zé,
Estás a falar do Zé Paulo, certo? Ainda hoje lhe vou telefonar.

José Barroso Dias disse...

Sim, o nosso amigo Zé Paulo. Da última vez que estive com ele na sua acolhedora casa, eu estava com a minha mulher que não conhecia as suas Histórias. Passámos algumas horas a ouvi-lo e ambos tentámos convencê-lo a escrever as suas vivências/memórias. Disse-nos que não o faria, mas que teria muito que contar. É pena, mas compreendo. Foram umas horas encantatórias. Foi durante esta conversa espantosa que o Zé Paulo me falou e recomendou o teu livro que eu ainda não conhecia. Comprei-o alguns dias depois.... penso que já te terei dito que é magnífico.

Joana Lopes disse...

Já insisti muito com ele para que escrevesse, mas não o fará e é uma pena.

Paula Cabeçadas disse...

Obrigada Joana. A tua referência foi a que publiquei no meu blogue.

Joana Lopes disse...

Obrigada eu, Paula. Um abraço

Rui Galiza disse...

Um pequeno apontamento que não esqueci.
Entrevistei o Manuel Serra num rigoroso dia de inverno. Foi aqui há poucos anos, para a edição de um livro sobre ex-presos políticos. Recebeu-me amavelmente nas instalações da sua empresa. Dedicava-se à aquicultura, numa zona que é conhecida como Praias do Sado. O Manuel "fazia" peixe. Tinha maternidade, engorda e outras coisas mais que me explicou, enquanto me passeou pelos tanques cosntituídos pelas antigas salinas do sado reaproveitadas para uma nova actividade.
Enquanto o entrevistei, fomos interrompidos várias vezes por assustados empregados. A chuva era de tal ordem que os tanques ameaçavam transbordar. Estavam em pânico... O contexto pareceu-me dramático. Lá fui dizendo "veja lá, se calhar não é a melhor altura"... Ele manteve a calma, respondeu-me que o tempo passado às mãos da PIDE sempre tinha servido para alguma coisa, no que à gestão do stress em situações limite dizia respeito.
Gostei do Manuel Serra, um homem que gracejava com o facto de, em parte, ter seguido o exemplo de Sto António ao dedicar-se aos peixes, "já que os homens não me quiseram ouvir... .

Joana Lopes disse...

Muito obrigada por este comentário, Rui.
Vim agora da igreja onde está o corpo do MS e falou-se de si e do seu livro . Várias pessoas tinham lido este post (ou o que está nos Caminhos) que só consegui escrever rapidamente com o seu contributo.

Luís Bonifácio disse...

Era uma figura curiosa este "Manecas das intentas".
Enfim, lá foi mais um que fazia falta.
Este país está cada vez menos interessante.

Sobre a FSP nas primeiras eleições, lembro-me de um vizinho meu em Matosinhos que instruiu a mulher (analfabeta) a votar PS - "Não te esqueças muher, põe a cruz no quadradinho à frente do simbolo da mão fechada.
Em plena sala de convivio do Liceu a pobre senhora levou uma sova, pois perante duas "mãos fechadas", optou pela que tinha florzinhas (FSP).

Joana Lopes disse...

Há muito que não aparecia por aqui, Luís Bonifácio...
O que diz sobre a FSP vai ao encontro do que o M.V.Pires diz no primeiro comentário.

pedro disse...

boa tarde
de que livro da Joana Lopes falam um pouco mais acima

Joana Lopes disse...

Pedro, daquele que está referido no texto do post.