21.6.14

Corrupção dos poderosos, pequenos vícios dos de baixo



«Não aceito a culpabilização sistemática dos mais pobres e mais fracos e da classe média, por terem vivido “acima das suas posses”, mesmo quando não o fizeram. E mesmo quando havia uma casa a mais, um carro a mais, um ecrã plano a mais, um sofá a mais, um vestido ou um fato a mais, umas férias a mais, uma viagem a mais, recuso-me a colocar estes “excessos” no mesmo plano moral dos “outros”. Algum moralismo salomónico, que coloca no mesmo plano a corrupção dos poderosos e dos de cima com os pequenos vícios dos de baixo e do meio, tem como objectivo legitimar sempre a penalização punitiva de milhões para desculpar as dezenas. É por isto que esta crise corrompe a sociedade e vai deixar muitas marcas, mesmo quando ninguém se lembre de Portas e de Passos.»

José Pacheco Pereira, no Público de hoje.
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Porque hoje é Sábado




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Mais um êxodo: o dos refugiados políticos



Pelo Expresso de hoje, fico a saber que, desde Setembro de 2013, os estrangeiros com asilo político concedido por Portugal, há mais de três anos, foram equiparados aos outros emigrantes e a portugueses em situação de carência, tendo por isso visto os subsídios sociais diminuídos em cerca de 70%. Ora, como fazem notar pessoas ligadas a esta problemática, «os refugiados não podem ser considerados imigrantes, vêm a fugir à guerra, não podem voltar para o país de origem, não têm família a quem pedir ajuda, não têm redes de apoio». Mais: só lhe é permitido trabalhar legalmente no país que os acolhe, fora de Portugal só lhes resta a clandestinidade.

As consequências não se fizeram esperar: sem serem conhecidos números exactos, estima-se que mais de 70% das 450 pessoas do universo em questão já tenham deixado o nosso país e «os que ainda cá estão, a ter de escolher entre pagar a renda ou comer, já só pedem para sair. Não têm esperança que a situação mude, preferem trabalhar ilegalmente noutro país da União Europeia».

Mais um êxodo que vai acontecendo sem que nos apercebamos: não são nossos familiares, dificilmente atinge amigos próximos. Mas trata-se de humanos como nós, com vidas bem mais duras do que possamos sequer imaginar.

Números? «Até este ano, Portugal recebia 30 refugiados por ano, mas essa quota foi aumentada para 45. Um número muito diferente dos 20 mil sírios que a Alemanha recebeu desde o final do ano passado ou dos 7000 da Suécia.»

A Alemanha e a Suécia são ricos? E nós não seremos apenas mesquinhos, não sabendo sequer lidar com um grupo tão pequeno de pessoas que forçamos a fugir? 
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Lido por aí (58)


@João Abel Manta

* Refugees at Levels Not Seen Since World War II (Nick Cumming-Bruce)

* El nuevo rey, tan formalito, tan obediente, (Arturo González)

* A nova direita (António Guerreiro)
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20.6.14

Ainda sobre a invasão da Avenida da Liberdade



É tal a minha fúria com a realização do mega pic nic, amanhã, na Avenida da Liberdade, que só posso rever-me num texto que Paulo Chitas publicou hoje na Visão online: A cidade é nossa.

Repito o que já escrevi: não há qualquer motivo racional para que este arraial pimba se realize no centro da cidade, e não num espaço livre sem prejuízo para os lisboetas. Se até se pode vir para o pic nic do Porto, de comboio, por 10 euros, não haveria qualquer dificuldade em proporcionar transportes gratuitos dentro da capital ou para os seus arredores. Sinto-me gozada, tenho vergonha: não é assim que se vive e se promove esta bela cidade – nivelando por baixo.

Alguns excertos do texto de Paulo Chitas, que assino por baixo:

«Qual é a legitimidade da Câmara para fechar uma avenida da capital, durante uma semana? A trupe de António Costa justifica a necessidade de privar os cidadãos (munícipes e outros) do coração da capital pelo facto de se tratar de algo "com grande impacto e gratuito".
De facto, tem grande impacto mas certamente não é do tipo a que aludem os magos da autarquia. A circulação automóvel se é que alguém consegue circular na Avenida da Liberdade, depois das experiências de gestão do tráfego da autarquia – ficou condicionada durante uma semana. E será interdita durante alguns dias. (...)
Ao contrário do que António Costa parece crer, a cidade é nossa. Não é dele. O mandato que os eleitores da capital lhe atribuíram foi para a governar e não para a resgatar aos seus utilizadores. Como o seu mandato foi expressivo fez uma campanha de grande eficácia, ganhou a autarquia por uma larga maioria – a sua responsabilidade é tanto maior. Poucas vezes tantos confiaram tanto num político – e isso devia merecer da sua parte um especial cuidado na forma como gere a cidade. (...)
A displicência com que se faz uso dos espaços e das infra-estruturas de todos é um sinal preocupante do que vai na cabeça de António Costa. Afinal, o homem propõe-se governar Portugal...»

Nem mais.
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Maldito Mundial



João Quadros, no Negócios:

«Era forçoso fazer uma crónica sobre o mundial de futebol – e urgente, se ainda quiser ir a tempo de abordar a temática da participação da nossa selecção – mas a vontade é muito pouca.

Comecemos por um esclarecimento: eu acho errado misturar política e desporto. Já disse ao meu filho que, mesmo que ganhemos ao FMI no domingo, não ficamos melhor do que estávamos. Mas a verdade é que, para mim, a nossa participação, no que valia a pena, acabou na passada segunda-feira. Não é uma taça com 6,17 quilos em ouro que me vai fazer esquecer os noventa quilos da Merkel a rir. A não ser que os defrontemos outra vez. Mas, se me derem a escolher, prefiro fazê-lo quando eles voltarem a ser "uma de Leste e outra de cá". Foi muito penoso ver a alegria da Merkel. Uma coisa é ela rir-se de nós, outra é nós darmos-lhe alegrias. São duas coisas muito diferentes, e eu detesto a segunda. No Tratado Orçamental, devia vir uma cláusula que impedisse os líderes dos países do Euro de festejar golos acima dos 2-0. Há níveis de felicidade que deviam ser passíveis de multa. Não é justo ser-se bom nos números e no desporto. Ou se é choninhas ou evoluído muscularmente. Não é justo ter-se tudo. Se nem com o melhor do mundo lhes fazemos frente, e somos esmagados, esqueçam isso de trocar o Seguro pelo Costa, que é andar a perder tempo. A nossa Selecção foi um Hollande de chuteiras. (...)

Tem sido um mundial horrível. É como se nós, os países do sul, tivéssemos andado a viver futebolisticamente acima das nossas possibilidades. A selecção espanhola exibiu-se a níveis de antes da entrada para a União Europeia. Nós sofremos a maior derrota de sempre nas participações em fases finais. Só agora é que os norte-coreanos se sentiram vingados de 66; até têm esperança que a seguir venha a luz eléctrica.» 
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Quando penso nestes mega horrores



... queria estar a milhas, nem que fosse no Burkina Faso. 
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O Tratado que divide as águas



A crónica semanal de José Manuel Pureza (JMP), hoje, no DN, não pode ser mais certeira e oportuna, já que, de facto e indiscutivelmente, «para a reflexão estratégica que o País tem de fazer já sobre os seus próximos dez anos, o Tratado Orçamental é o divisor de águas.»

Em termos de forças partidárias com representação na Assembleia da República, até agora tem sido claro o posicionamento em cada um dos lados dessa linha divisória: PSD, CDS e PS num deles, PCP e BE no outro. Continuará a sê-lo no caso de António Costa levar a carta a Garcia e, simultaneamente, vier a tornar-se o próximo primeiro-ministro de Portugal? Talvez ainda seja cedo para conclusões, mas, por tudo o que vi e li até agora, não posso deduzir, de todo, que o PS venha a mudar radicalmente de posição.

Acontece (e volto a citar JMP) que «o Tratado Orçamental é a constitucionalização da austeridade, ou seja a sua eternização como matriz das políticas para Portugal. As forças políticas e sociais que o tomam como um determinante inultrapassável dos nossos próximos dez anos assumem, com maior ou menor convicção, a austeridade como um caminho que tem de continuar a ser feito, a ser aprofundado, sem cedências nem tergiversações».

E ainda: « O arco do Tratado Orçamental tem, assim, para Portugal, um programa de perpetuação e agravamento da austeridade. Olha para o País daqui a dez anos e todo o caminho até 2024 estará balizado pelo Tratado Orçamental e pela austeridade que ele supõe. Pode depois adornar a imagem com discursos de modernização, de equidade territorial ou de regresso à paixão pela educação. O certo é que, refém da lógica implacável das metas impostas pelo Tratado Orçamental, tudo isso não é senão retórica ou fantasia enganadora para eleitores disponíveis para comprar ilusões. Assumir o Tratado Orçamental como um dado e ao mesmo tempo ser um bocadinho contra ele é algo que é politicamente desonesto. Assumir o Tratado Orçamental como constituição de facto e exprimir ao mesmo tempo vontade de que haja uma convergência das esquerdas é algo não só insanavelmente contraditório como politicamente leviano e incentivador da decepção e da apatia.»

Ou seja, e dando outra vez nomes aos bois (salvo seja...): António Costa pode encher dez Tivolis, e ter cem vezes mais jeito e melhores características para ser secretário-geral do PS, mas isso não chega. Manterá o seu partido encostado à direita, e alinhará fatalmente com esta, se apenas propuser acções de maquilhagem para o Tratado Orçamental. E os que esperam dele a libertação deste governo austeritário sairão uma vez mais frustrados. 
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19.6.14

Lido por aí (57)


@João Abel Manta

* Riqueza (Almudena Grandes)

* Athens Airport offers jobs to youth with salary just the transportation cost

* Recuérdalo tú (Antonio Muñoz Molina)
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Os economistas não fazem ideia do que estão a falar




Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje:

«Primeiro, Cavaco Silva previu uma espiral recessiva. E a economia começou a crescer timidamente. Agora, Cavaco Silva disse que o medo devia dar lugar à esperança. E a economia dá sinais de recuo e estagnação. De duas, uma: ou a economia anda a zombar do Presidente da República ou eles, na Universidade de York, dão doutoramentos a quem não percebe nada do assunto. (...)

Os economistas não fazem ideia do que estão a falar, o que é ao mesmo tempo tranquilizador e preocupante. É tranquilizador porque podemos discutir economia em pé de igualdade com eles. Para saber a razão pela qual é preocupante, basta ler o jornal ou olhar para o recibo do ordenado.»

Na íntegra AQUI.
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Por causa de uma coisa assim



... levou Pepe um cartão vermelho! 
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Ele faz 70



Sim, Chico Buarque nasceu em 19 de Junho de 1944. O tempo voa e o menino virou velho. Belíssimo, ainda hoje. Palavras para quê?








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18.6.14

Quando os padres convocavam contramanifestações



Há 39 anos, por esta hora, eu estava no Campo Santana, em Lisboa, numa manifestação à porta do Patriarcado que tinha ali a sua sede, de apoio aos trabalhadores da Rádio Renascença. Não era a primeira vez que o fazia: antes do 25 de Abril, participara em vários protestos contra o cardeal Cerejeira, por atitudes que ele tomava, ou omitia, nas relações entre a Igreja portuguesa e o governo em tempos de ditadura. Tipicamente, acabávamos sempre refugiados no átrio ou, pelo menos, protegidos pelo gradeamento que, no passeio, rodeava a porta principal – reacção instantânea quando se aproximavam os tradicionais Volkswagen creme nívea da PSP.

Mas, em 18 de Junho de 1975, os ventos eram já bem diferentes e foram outros que se refugiaram dentro da sede patriarcal. Passo a explicar, mas muito resumidamente, porque foi longo e complexo o chamado «caso da Rádio Renascença».

Quando a Revolução aconteceu, a Rádio Renascença (RR) era uma das três grandes estações de radiodifusão, a par da Emissora Nacional e do Rádio Clube Português, com um ambiente relativamente livre dentro dos limites existentes e não foi por acaso que sobre ela incidiu a escolha para a transmissão de Grândola como senha para os militares avançarem. Mas, curiosamente, foi lá que teve lugar a primeira greve em serviços de informação, logo no dia 30 de Abril, por uma profunda divergência entre jornalistas e directores a propósito da cobertura da chegada a Portugal de Mário Soares e de Cunhal. A estação esteve parada cerca de 19 horas, os trabalhadores ocuparam o espaço e o conselho de gerência acabou por abandonar o local. Este foi apenas o primeiro capítulo de uma atribulada história que duraria até Dezembro de 1975, data em que a gestão da estação foi definitivamente devolvida à Igreja.

Pelo meio, o tal episódio de 18 de Junho de 1975. Durante mais uma crise interna, sindicatos
representativos de vários sectores – jornalistas, revisores de imprensa, tipógrafos e telecomunicações – convocaram uma manifestação a ter lugar junto do Patriarcado. E teria sido apenas mais um evento, entre muitos semelhantes que aconteciam quotidianamente, não se tivesse dado o caso de ter havido uma convocatória para uma contramanifestação, feita por muitos padres, a pedido do conselho de gerência da RR (texto na imagem, aqui ao lado).

Estava lançado o rastilho para um confronto que teve tiros para o ar dados pela PSP e pela Polícia Militar, muitas pedradas e cerca de 40 feridos, com os manifestantes pró-Patriarcado refugiados no interior do edifício e evacuados já de madrugada em camiões militares.

Antes, durante e depois, foram divergentes os apoios recebidos por cada um dos lados. A UDP foi a primeira organização política a apelar para a participação na manifestação de apoio aos trabalhadores, acompanhada, entre outros, pelo MES, LCI, LUAR, PRP/BR, CMLP, ORPCML, Associação de ex-Presos Políticos Antifascistas, várias comissões de trabalhadores (com realce para a dos TLP), e organizações católicas como a JOC e Cristãos pelo Socialismo. Contra a manifestação, embora com diferentes nuances, declararam-se o PS, o PPD, o CDS, o PDC e o PCP. Estranho? Olhem que não, olhem que não! 
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Despedimentos na Controlinveste


Moção exigindo a suspensão do processo de despedimento colectivo e a negociação de alternativas que preservem os postos de trabalho, aprovada ontem, em vários plenários, pelos jornalistas ao serviço das publicações da Controlinveste e da rádio TSF.



MOÇÃO

Considerando que:

1. Os órgãos de comunicação social detidos pelo Grupo Controlinveste, pelo prestígio, qualidade e profunda ancoragem no território desempenham um papel insubstituível na sociedade e junto das populações, que pode e deve ser reforçado, assim como encerram um importante potencial de energia e criatividade que pode e deve ser aproveitado;

2. Os trabalhadores em geral e os jornalistas em particular têm demonstrado, ao longo da existência dos órgãos em que trabalham e em particular nos últimos anos, uma inigualável dedicação e empenho, estando disponíveis – dentro de limites aceitáveis – para redobrados esforços no sentido do fortalecimento dos projectos editoriais em que trabalham;

3. Não obstante os resultados económicos dos últimos anos – a que os trabalhadores são alheios – se perspectiva uma progressiva recuperação do mercado e o Grupo reforçou recentemente, de forma substancial, os seus recursos financeiros;

4. Um despedimento colectivo, além do mais com o volume anunciado (140 trabalhadores, além de 20 a abranger por rescisões ditas de mútuo acordo), representaria uma redução dramática da força de trabalho, nomeadamente nas redacções, já profundamente exauridas devido a idêntica medida em 2009, que atingiu meia centena de jornalistas, e, desde então, a sucessivas rescisões e encerramento de publicações como o “Tal & Qual”, o “24 Horas”, o “Global Notícias” e a “Notícias de Sábado”;

5. Tal redução, tanto nas redacções-sede como nas redacções secundárias de Lisboa e Porto, bem como em importantíssimas capitais de distrito (Viana do castelo, Braga, Coimbra, Faro e funchal), colocaria seriamente em causa a capacidade operacional dos órgãos de informação abrangidos e comprometeria gravemente o serviço que prestam ao público;

6. O despedimento de 24 jornalistas no “Diário de Notícias”, 20 no “Jornal de Notícias”, sete na TSF, três no “Dinheiro Vivo”, dois em “O Jogo” e dois na “Notícias Magazine”, bem como a redução em metade do corpo de fotojornalistas da Global Imagens compromete fatalmente a sua capacidade de responder em tempo, quantidade e qualidade às necessidades de serviço;

7. Não pode ser aceite nem a substituição de jornalistas profissionais por colaboradores ou mesmo estudantes, nem a precarização ainda maior dos profissionais ao serviço do Grupo;

8. Apesar de apresentado como solução necessária e indispensável para a inversão dos saldos das empresas e do Grupo, embora ainda não se conheçam o projectos de relançamento, o despedimento colectivo pode revelar-se gravemente prejudicial e até fatal,

Os jornalistas ao serviço dos vários órgãos de informação detidos pelo Grupo Controlinveste, reunidos em plenários descentralizados no Porto e em Lisboa, em 13, 16 e 17 de Junho, decidem:

1.º - Exigir a suspensão do processo de despedimento e a abertura da discussão com as organizações representativas dos trabalhadores sobre medidas alternativas, de modo a preservar os postos de trabalho.

2.º - Realizar iniciativas de informação às populações, designadamente através de panfletos a distribuir nas ruas das principais cidades, alertando-as para a grave situação vivida pelos jornalistas e as consequências para o direito à informação.

3.º - Dinamizar um Manifesto público de apoio à luta dos jornalistas e dos trabalhadores, defendendo a manutenção dos postos de trabalho e a manutenção e relançamento dos órgãos de informação do grupo.

4.º - Realizar vigílias simultâneas, em Lisboa e Porto, abertas à participação de organizações sociais, cívicas, culturais, personalidades de amplos sectores e artistas.

5.º - Mandatar o Sindicato dos Jornalistas para convocar uma greve de 24 horas a observar em data a anunciar.

Aditamento discutido e votado no plenário de hoje em Lisboa: 

6.º - Os trabalhadores exigem às direcções editoriais que assumam, consequentemente, a sua quota-parte de responsabilidade neste processo, já que os resultados provam que as dificuldades do grupo não se explicam apenas com razões externas.

OBS: Além do aditamento do ponto 6.º da decisão, a presente versão contém alguns acrescentos nos considerandos números 4, 5, 6 e 8, também aprovados no mesmo plenário. 

(Daqui)

Vem aí outra guerrinha, olaré se vem!



E outro candidato, perfeito, aqui tão perto, não é?!!!
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É isto, infelizmente somos isto



«Vivemos de felicidades pequeninas, e inventamos esses instantes com a intuição secreta de que são precários e fugazes. Pouco temos a que nos pegar. Os amigos ou aqueles que estimamos vão-se embora, para outros sítios ou para sempre, encerrando o anel que parecia ligar-nos. Agarramo-nos, com o desespero de quem nada tem a perder e nada tem a ganhar, ao gosto de uma palavra, a um sonho ou, até, a um jogo de futebol , criando a ilusão de que somos felizes. Mas é sempre uma felicidade pequenina, e nós sabemo-lo com a noção dessa fatalidade irrevogável. Fomos alguma vez grandes? Inculcam-nos a ideia de que sim. Mas grandes para quem? Fomos nas caravelas, criámos um leito de nações deitando-nos com tudo o que era mulher. Talvez a nossa grandeza resida aí: no gosto e no apreço pela mulher. (...)

Agora, neste mesmo instante, é o Cristiano Ronaldo, que se passeia num Lamborghini para satisfazer a nossa inveja. Ele é a nossa vingança momentânea, também ela momentânea e precária, enchemos as praças públicas, transferindo para ele as nossas frustrações e as nossas derrotas. Perdemos. Levámos uma cabazada, e o inchaço da pequenina esperança, tudo pequeno sempre muito pequeno, esvaziou-se como um balão. Lá vamos, cantando e rindo, diz o hino mentiroso. Lá vamos.

Depois, esquecemos tudo. Até a miséria esfarrapada do nosso esfarrapado viver. Protestamos sem ira nem cólera. Protestamos com estribilhos e dizeres em cartazes, e vamos à vida que se faz tarde. Somos o Mundial! Gritam as televisões, todas as televisões, durante todo o dia, e enviados especiais embevecidos, comentadores severos, especialistas engravatados e graves ensinam-nos as razões por que perdemos. Lá vamos, cantando e rindo. (...) Lemos os jornais, os que lêem, claro!, e o fastio é tanto que só sabemos de futebol: decoramos os nomes, os lances e as jogadas, nada de mais nada. Somos assustadoramente ignorantes, iletrados contundentes, fecham-se escolas, reduz-se o dinheiro para o ensino, os miúdos vão para as aulas em jejum, e temos, temos é como quem diz..., três jornais diários consagrados ao futebol, fora o que escorre, uma multidão de programas de, sobre e com futebol e adjacências; o mesquinho na mesquinhez elevado ao quadrado.»

Baptista-Bastos

17.6.14

Lido por aí (56)


@João Abel Manta

* Que PS vai sobrar depois disto? (Ana Sá Lopes)

* Da lo mismo un rey que un presidente? (Augusto Klappenbach)

* Enjeitados da pátria (Paulo Morais)
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Vem aí o mega pic-nic do eng. Belmiro



No próximo Sábado regressa à Avenida da Liberdade o Mega Pic-Nic organizado pelo Continente. É a 6ª versão e pretende-se enaltecer «os valores da cultura tradicional e o apoio à Selecção Nacional de Futebol» – intenções nobilíssimas, sem dúvida! Como já é tradição, «o fim do dia será abrilhantado com o concerto do Tony Carreira».

Mas para que couves, carneiros e outros serem vivos estejam presentes neste evento, «com grande impacto e gratuito que a cidade de Lisboa oferece aos cidadãos», segundo José Sá Fernandes ( e eu a julgar que era Belmiro de Azevedo que oferecia – sempre a aprender), o trânsito estará altamente condicionado naquela área central da cidade, praticamente durante uma semana, a partir de hoje.

Parece que o pic-nic não pode ter lugar no Terreiro do Paço por causa de obras, nem no Parque Eduardo VII porque fazem por lá transmissões de futebol. Mas não haverá nenhum outro local disponível no concelho de Lisboa (que não se retire o protagonismo à CML, my god!)? Um estádio de futebol, por exemplo, com o linóleo com desenho de calçada portuguesa, comprado para as Marchas Populares, a cobrir o relvado (para desgosto de eventuais cabrinhas picniqueiras...)? Aquele recinto da antiga Feira Popular, que pertence agora nem sei a quem? Etc. etc., etc. E os jardins do Palácio de Belém não seriam uma excelente alternativa?

Para além do mais, prevê-se chuva para o próximo fim-de-semana! Pobres bichos, encharcados lisboetas, desgraçado Tony Carreira...

Antevisão. Em 2011, no mesmo local, foi assim:



Chamem-me elitista que não me importo, mas acho isto horrível! (E, sim, sei que também se faz nos Campos Elíseos, penso que sem bichos.)
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Coragem, camaradas, só faltam 31 anitos!



... e Portugal já existe há mais 840.

Fundo de resgate do euro continuará a vigiar Portugal até 2045.
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Já que não se calam, junto-me a eles



Ou seja: como que o país fechou para tudo o resto e só parece interessar-se por futebol, leia-se Bagão Félix num comentário bem humorado ao jogo de ontem (hoje, no Público).

«O Sul intervencionado soçobrou perante o Norte luterano. Portugal perdeu por 0-4 contra os teutões. A Espanha baqueou por 1-5 frente aos holandeses. A Grécia levou três de um país não europeu, mas membro do FMI. A Irlanda nem lá foi. Ao todo, 1-12! A culpa é da troika, evidentemente. A chanceler alemã esteve na Baía com um acordeão, o primeiro-ministro português ficou em Lisboa por causa de um acórdão.

Ultrapassar a fase de grupos continua a ser possível. Quanto aos EUA, na Casa Branca o cão de água português Bo e a companheira Sunny apoiam-nos e para ganhar ao Gana é só preciso jogar com ganas. (...)

Antes do jogo, a expectativa era radiante e a adjectivação prolixa espalhou-se virulentamente: “Este é o ano de Portugal”, “O mundo vai parar para ver a selecção”, “Fé a 100%” assim foram as primeiras páginas dos jornais desportivos.

Somos assim. Nestes dias, o nosso estado de alma quase dá cabo de um afinado sismógrafo. Na escala de Richter, passámos da euforia descocada alimentada ad nauseam pelas televisões e da sobranceria de artistas endeusados para uma depressão cavada com índices de confiança mais baixos e mais realistas.» 
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Emigração e imigração



Excelente apresentação gráfica, com dados desde 2010. Para cada país, clicar no respectivo nome na coluna da esquerda para Emigração e na da direita para Imigração. 
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Muito obrigada



Ao Delito de Opinião, e em especial ao Rui Rocha, por o Brumas ser considerado o «blogue da semana». Dizer-se que, por aqui, se encontra «uma perspectiva lúcida de esquerda, sem concessões nem rodriguinhos» é o melhor elogio que me poderia ser feito.

Há anos que o Delito é uma paragem diária obrigatória também para mim, estando o Rui e alguns dos seus colegas entre os bloggers que leio sempre e que mais aprecio. 
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16.6.14

Falhou

Futebol ao sol e sombra



Como todos los uruguayos, quise ser jugador de fútbol. Yo jugaba muy bien, era una maravilla, pero sólo de noche, mientas dormía: durante el día era el peor pata de palo que se ha visto en los campitos de mi país.

Como todos los uruguayos, quise ser jugador de fútbol. Yo jugaba muy bien, era una maravilla, pero sólo de noche, mientas dormía: durante el día era el peor pata de palo que se ha visto en los campitos de mi país.

Como hincha, también dejaba mucho que desear. Juan Alberto Schiaffino y Julio César Abbadie jugaban en Peñarol, el cuadro enemigo. Como buen hincha de Nacional, yo hacía todo lo posible por odiarlos. Pero el Pepe Schiaffino, con sus pases magistrales, armaba el juego de su equipo como si estuviera viendo la cancha desde lo más alto de la torre del estadio, y el Pardo Abbadie deslizaba la pelota sobre la línea blanca de la orilla y corría con botas de siete leguas, hamacándose sin rozar la pelota ni tocar a los rivales: yo no tenía más remedio que admirarlos, y hasta me daban ganas de aplaudirlos.

Han pasado los años, y a la larga he terminado por asumir mi identidad: yo no soy más que un mendigo de buen fútbol. Voy por el mundo sombrero en mano, y en los estadios suplico:

- Una linda jugadita, por el amor de Dios.

Y cuando el buen fútbol ocurre, agradezco el milagro sin que me importe un rábano cuál es el club o el país que me lo ofrece.

Eduardo Galeano
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Cidadão esclarecido vale por dois


Verídico, hoje, numa Junta de Freguesia de Lisboa: «Quero inscrever-me nas eleições, porque claro que a CML sabe quando são e quero votar no presidente, o Sócrates.» 
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Vícios na vida, virtudes financeiras



A União Europeia tomou mais uma decisão para ajudar os países que a compõem a verem o PIB crescer de um dia para o outro. Não por via do desenvolvimento (velharias...), mas obrigando a contabilizar as receitas provenientes de prostituição, droga e contrabando. Como as avaliará correctamente parece ser ainda um mistério, mas já se adianta que, em Portugal, trarão um acréscimo de 0,4% àquele sacrossanto indicador – 680 milhões de euros não são trocos e nem o Tribunal Constitucional será chamado a escrutiná-los!

Mas há uma hipocrisia em tudo isto, que é importante desmascarar e penso que Celso Filipe o faz correctamente, em artigo publicado hoje no Negócios:

«François de La Rochefoucauld, um moralista francês que viveu no século XVII, identificou assim a natureza do comportamento hipócrita: "A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude" sentenciou o aristocrata, que à época se distinguiu como fazedor de máximas. (...)
Dispense-se os moralismos e o que fica é uma flagrante contradição na forma como uma actividade é avaliada. Aos olhos da lei [em muitos países] a prostituição, a droga e o contrabando são vistos como crime, mas para quem faz contas são apenas actividades não autorizadas que ainda assim contribuem para a riqueza de um país. (...)
O Sistema Europeu de Contas vestiu a pele de François de La Rochefoucuald e do alto da sua frieza contabilística impõe uma situação que os pruridos morais preferem escamotear. O passo seguinte a dar pelos governos, em Portugal como noutros países da Europa, é o de que transponham a normalidade aritmética criada pelo Sistema Europeu de Contas para os respectivos sistemas jurídicos. Enquanto coexistirem dois sistemas diferentes para classificar uma mesma coisa o senhor de La Rochefoucuald irá andar por aí a apoquentá-los.» 
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15.6.14

Divirtam-se e aprendam


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Aquilo que eu não fiz


De Tiago Bettencourt (citado por Nicolau Santos, no Expresso Economia desta semana):

Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz

não me fazem ver que a luta é pelo meu país

Eu não quero pagar depois de tudo o que dei

não me fazem ver que fui eu que errei

não fui eu que gastei

mais do que era para mim

não fui eu que tirei

não fui que comi

não fui eu que comprei

não fui eu que escondi

quando estavam a olhar

não fui eu que fugi

não é essa a razão

para me quererem moldar

porque eu não me escolhi

para a fila do pão

este barco afundou

quando alguém aqui chegou

não fui eu que não vi

Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz

não me fazem ver que a luta é pelo meu país

Eu não quero pagar depois de tudo o que dei

não me fazem ver que fui eu que errei talvez do que não sei


talvez do que não vi

foi de mão para mão

mas não passou por mim

e perdeu-se a razão

tudo o bom se feriu

foi mesquinha a canção

de esse amor a fingir

não me falem do fim

se o caminho é mentir

se quiseram entrar

não souberam sair

não fui eu quem falhou

não fui eu quem cegou

já não sabem sair

Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz

não me fazem ver que a luta é pelo meu país

Eu não quero pagar depois de tudo o que dei

não me fazem ver que fui eu que errei

meu sono é de armas e mar

minha força é navegar

meu norte em contraluz

meu fado é vento que leva

e conduz

e conduz

e conduz
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Mais uma


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O mundo anda bicéfalo



Dois papas em Roma, muito em breve dois reis em Espanha, por aqui a já antiga bicefalia no Bloco de Esquerda (culpada de todos os males que afectam esse partido, quando bom seria que fosse esse o seu principal problema).

Eis senão quando saltam para a arena, com estrondo e surpresa, duas cabeças para o PS. Uma espécie de OPA lançada por António Costa a uma liderança, considerada fraquíssima, de António José Seguro pôs o país político em polvorosa e os simples mortais, que ainda se interessam por esses temas, tentam entender os meandros de uma distinção, que parece ser de vida ou de morte, entre «primárias» e «directas». 

O que parece inacreditável para quem está de fora, e independentemente do juízo que se faça da escolha de Costa quanto ao timing e ao método para avançar, é que Seguro não perceba que a sua teimosia em querer alongar o prazo para o desfecho da questão é perdedora à partida: muito provavelmente para ele próprio (porque é muito pouco provável que o presidente da CML não ganhe o que quer que seja, mais tarde ou mais cedo), garantidamente para o PS cuja massa eleitoral nunca lhe perdoará se tiver dificultado, na secretaria, um combate para que foi desafiado na rua e se, desse modo, lançar o partido na rampa para uma provável derrota eleitoral.

Enfim, a cereja em cima do bolo seria que Cavaco inventasse um duplo para falar de sacrifícios futuros, enquanto ele apregoa esperança, e que continuasse os discursos quando tem fanicos.

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