28.1.23

Luís Moita

 


Telefonei-lhe há três dias, não atendeu nem devolveu a chamada. Fiquei quase sem dúvidas de que estaria pior, mas não pensei que o fim estivesse tão perto: morreu hoje.

Conheci-o ainda na adolescência, como irmão que era da Xexão, minha colega de escola e amiga de sempre. Mas foi quando éramos já bem adultos que vivemos juntos tantas fases importantes das nossas vidas que o dia de hoje é mais uma machadada na minha – e grande. Ainda há poucas semanas ele comentava que já restavam por cá poucos dos que connosco viveram e lutaram, em várias arenas de tempos negros, por uma vida mais decente para este país. Menos um.

Deixo para os obituários a justiça que certamente farão à sua vida grande. Pouco mais me apetece escrever. O Luís era um homem muito inteligente, muito bom, sempre com um sorriso afável mesmo nos momentos mais difíceis. É tudo.
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Pete Seeger

 


Deixou-nos há nove anos, em 27.01.2014, com 94, mas nunca o esquecemos.

Na década de 60, tornou-se um dos ícones da música de protesto contra a guerra e na defesa dos direitos civis. Transpirava força e optimismo, ajudou muitos a lutar.

Sobre a vida de Pete, ler um texto e ver cinco vídeos AQUI.
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Este altar-mor é uma pira

 


«A polémica com os custos da Jornada Mundial da Juventude – nomeadamente o do seu altar-mor – é uma ode à incapacidade de planear, como aqui escreveu já Andreia Sanches, e simboliza no seu esplendor o distanciamento (irreconhecimento) que existe entre as elites política e clerical e o povo, o que vai totalmente contra a mensagem principal do pontificado do Papa Francisco.

Nesta absoluta falta de empatia (para lembrar o que disse Jacinda Arden, a ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, no momento da despedida) o papel da Igreja foi determinante e as declarações do bispo Américo Aguiar de que se tinha "magoado" a ouvir o preço total são bastante insuficientes – ou pelo menos revelam uma caridade em causa própria que, enfim, às vezes dá jeito.

O país acordou agora para uma coisa que está em preparação desde 2019? Parece que sim, até porque ninguém sabia de nada e o não saber de nada, já se sabe, é um karma dos responsáveis políticos, religiosos e afins nacionais. Mais ou menos ignorando os custos totais, todos eles pensaram que tudo se resolvia através de uma espécie de laissez faire, laissez passer. A "mágoa" do bispo auxiliar de Lisboa veio tarde e a más horas, como aqui escreveu a Helena Pereira.

Carlos Moedas diz que, apesar de ser só presidente da câmara há pouco mais de um ano, vai "dar o corpo às balas". Insiste que o palco da discórdia deve dar jeito para a Web Summit, para a requalificação de uma zona de Lisboa e que a câmara se limitou a seguir o guião da Igreja. Valha-nos Deus. Moedas tem razão numa coisa: falta muito pouco tempo para a Jornada Mundial da Juventude e todo este debate devia ter sido feito antes.

E não foi porquê? Porque ninguém quis saber. A sério, toda a gente embarcou na treta do "retorno", uma conversa insuportável que tem justificado gastos incomportáveis do erário público. Assim como a realização do Euro 2004 em Portugal resultou na construção de estádios inúteis, verdadeiros elefantes brancos, porque iria haver muito retorno, a Jornada Mundial da Juventude está desde já manchada pelo mesmo problema.

Num momento de crise económica, uma crise que afecta sobretudo os mais jovens e aqueles que têm profissões essenciais à vida da comunidade – professores, médicos, polícias –, o gasto em obras faraónicas deste género é inaceitável e incompreensível.

E é de bradar aos céus (o Estado é laico, a língua não) que os responsáveis políticos e da Igreja, que se manteve em silêncio até quinta-feira, não consigam perceber por que gastar um valor destes em tempos de crise, de inflação e de tempos duros para os mais frágeis e classe média é incompreensível. Basicamente, repete-se aqui o que se passou com o Governo no caso da indemnização da ex-secretária de Estado do Tesouro enquanto gestora da TAP. Ninguém percebeu que, para o cidadão comum, estas coisas não são normais.

A ideia de que "as contas certas" só existem e são propagandeadas quando se trata de justificar porque não se pode aumentar os salários dos pobres e da classe média – e para o resto, a questão resolve-se sempre – está a fracturar indelevelmente o tecido social. A manifestação marcada para este sábado pelo sindicato dos professores STOP – entretanto alargada a outras profissões e basicamente "a toda a gente" – pode ser um barómetro.

Foi interessante ver a evolução do pensamento do Presidente da República esta semana. Provou-se novamente que Marcelo consegue ler os sinais do povo antes dos outros, o que o levou a rodopiar em torno dos custos da Jornada. Primeiro, questionou; depois, aceitou as explicações de Carlos Moedas de que o recinto do altar (agora convertido em pira) servia para outras coisas, como para a Web Summit; finalmente, percebendo que o cidadão comum não estava a gostar da brincadeira, voltou a subir a voz sobre os custos e pediu explicações. Pelo meio, um atrito com a Igreja: um porta-voz da Conferência Episcopal veio dizer à comunicação social que Marcelo sabia dos custos desde o início. A verdade é que o bispo Américo Aguiar acabou a confirmar que Marcelo não sabia.

O clima de irresponsabilidade não é um exclusivo do Governo. Quando as instituições de um país se estão nas tintas para "o ar dos tempos" abrem as comportas a todos os populismos. E a culpa não é da comunicação social, como alguns gostam de dizer.»

Ana Sá Lopes 
Newsletter do Público, 27.01.2023
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JMJ – Outro altar???

 



Acreditem, acreditem que é verdade. Mas atenção: este projecto, que nem sei como qualificar, (ainda?) não foi aprovado.
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27.1.23

Cera perdida

 


Vaso de Cera Perdida "Feuillages composés", 1914.
René Lalique.


Daqui e não só.

«Cire Perdue significa Cera Perdida. Basicamente, um modelo seria esculpido em um bloco de cera. A cera seria então envolta em gesso. O gesso era aquecido e a cera escorria, deixando o desenho da cera no interior do molde de gesso. O vidro derretido seria então derramado ou soprado no espaço deixado pela cera que faltava. Depois de resfriado, o gesso seria quebrado para revelar a duplicata de vidro do modelo de cera original. Cada Cire Perdue é único, pois o molde é quebrado para extrair a peça. No entanto, vários designs próximos podem ser feitos, e alguns modelos R. Lalique Cire Perdue foram feitos em 2 a 6 cópias muito próximas. A grande maioria das ceras perdidas eram vasos, mas também foram criados números muito menores de cinzeiros, estátuas, frascos de perfume, relógios, luminárias e outros itens.»
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Edmundo Pedro

 


Cinco anos sem um grande homem e um grande amigo que morreu a poucos meses de chegar aos 100.

Um resumido «percurso existencial» escrito pelo próprio AQUI.
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Lê-se, relê-se e não se acredita

 



«A Igreja Católica "tem em conta a situação económica presente" e determinou que a Jornada Mundial da Juventude será "autofinanciada". Conta com o trabalho de voluntários e o investimento de parceiros como o governo e as autarquias. As contas da Fundação JMJ, criada para organizar a visita do Papa, quase só têm donativos.»

«Houve aqui alguém que se enganou» - como tão bem nos disse José Mário Branco.
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Jornada Mundial da Juventude: a Igreja e a “burrice”



 

«Ninguém sai bem na fotografia. Nem a Igreja, nem a Câmara de Lisboa, nem o coordenador do projecto da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), nem o Governo. O que é que andam afinal a fazer? A verdade é que, somando cada uma das partes, o cidadão comum ainda não percebeu quanto dinheiro e como anda a ser gasto para a recepção da JMJ e do Papa Francisco, em Agosto, no Parque Tejo, em Lisboa.

Ao terceiro dia de polémica, a Igreja Católica, empurrada pelo Presidente da República, tentou explicar a razão de um palco-altar para a JMJ custar cerca de cinco milhões de euros. O bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, confessou ter ficado surpreso e magoado. Não chega. O presidente da Câmara de Lisboa diz que ser “o centro do mundo tem um valor”. Isso, por si só, não é justificação. O coordenador do projecto das JMJ, José Sá Fernandes, afinal, diz ao PÚBLICO que não coordena nada, só representa o Estado central, e Carlos Moedas nem lhe mostra o que anda a fazer. Não dá para acreditar.

A JMJ em Lisboa foi anunciada em 2019 e é o maior evento que o país alguma vez organizou. Vai haver com certeza retorno financeiro - pode-se repetir a discussão que houve a propósito da Web Summit ou do Euro2004. O que não pode é ser tratada de uma forma mais displicente ou leviana do que um acampamento de escuteiros.

Será preciso investir muito dinheiro, será preciso também explicá-lo bem aos cidadãos. “Fazer um erro novo é humano, repeti-lo é burrice”, dizia esta quinta-feira Américo Aguiar. Pois bem, do lado da Igreja já se percebeu que sobra arrogância. Cada vez que está em apuros, em vez de reconhecer com humildade o problema, chuta em frente. Do lado do Estado, sobra desprezo pelos dinheiros públicos. Do Governo aos autarcas, todos acham que a melhor maneira de agir é esconder e fazer de conta que ninguém dá por nada.

(Enquanto isso, falta ainda saber quanto a Câmara de Oeiras vai gastar com a cerimónia de reunião do Papa com os 10 mil voluntários da JMJ, que decorrerá em Algés, no local onde habitualmente se realiza o festival de música NOS Alive. A autarquia diz que o gasto total “não está totalmente apurado”.)

Ninguém sai bem na fotografia e quem se queixe de que se está perante um ataque à Igreja Católica só por ser a Igreja Católica a promover este encontro que pense duas vezes.»

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26.1.23

No desatar é que está o busílis

 


(Frase de Aparício Torelly a propósito do Brasil.)
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Ajustes directos para JMJ?

 

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Altar(es) para o papa



 

Isto ainda acaba com o papa a dizer missa no Palácio de Belém, com Marcelo como acólito!

(Expresso, 26.01.2023)
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Sondagem – alerta vermelho

 


Pela primeira vez, o PSD ultrapassa o PS.

Ver notícia AQUI ou AQUI
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O apartheid urbano

 


«Recentemente num jantar entre amigos surgiu a palavra apartheid para expressar a segregação existente entre a comunidade branca e a comunidade negra na região de Lisboa. A este propósito, reflectiu-se sobre a "gravidade" da palavra apartheid e a legitimidade de a utilizar para expressar esta ideia.

Para alguns, esta apropriação significaria um esvaziamento do seu potencial incriminatório, numa clara referência ao regime de segregação racial que vigorou na África do Sul entre 1948 e 1993. Para outros, esta desigualdade — apesar de não ser consagrada pela Constituição — está presente no território metropolitano: os lugares, empregos, quotidianos e oportunidades de grande parte dos portugueses afro-descendentes são iminentemente mais frágeis, contingentes e invisíveis. Interessou-me ampliar este exercício, partindo do princípio de que “a aparência cega e as palavras revelam”, como refere Oscar Wilde.

Para além do apartheid étnico-racial, avolumam-se outras formas de marginalização na cidade, na sociedade e no território do país. Podemos convocar a palavra apartheid quando a especulação e a desregulação do mercado imobiliário se traduz numa grave crise no acesso à habitação. Podemos convocar a palavra apartheid quando os beneficiários de vistos gold e os nómadas digitais gozam de isenções de impostos ao mesmo tempo que os residentes locais são "despejados" ou lutam para pagar as contas de supermercado e a renda da casa.

Podemos convocar a palavra apartheid quando os imigrantes dormem em tendas debaixo do fumo dos viadutos ou em camaratas sem condições nos campos agrícolas onde trabalham. Podemos convocar a palavra apartheid quando a inflação galopa sobre as condições de vida, os salários não crescem e as condições de empregabilidade se tornam cada vez mais incertas. Podemos convocar a palavra apartheid quando os profissionais de educação são precarizados e obrigados a percorrer distâncias maiores do que as do pensamento para ensinar.

Podemos convocar a palavra apartheid quando o sistema de saúde é limitado no seu funcionamento, prejudicando o bem-estar das populações. Podemos convocar a palavra apartheid, quando o desenvolvimento não chega às zonas rurais do interior, beneficiando exclusivamente as cidades, os turistas e os seus cocktails. Podemos falar de apartheid quando ouvimos falar de alegados esquemas e indemnizações milionárias, ao mesmo tempo que se pedem sacrifícios à população em nome da guerra, do controlo da dívida, ou de outro argumento qualquer.

Podemos convocar a palavra apartheid, em suma, quando ocorre a alienação entre o sistema político-económico e os cidadãos que este deve servir. Como diz Sérgio Godinho, "só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação". Sem estes pilares da democracia e da justiça social, grande parte da população será condenada à exclusão, mesmo que a "aparente" capa da Constituição consagre todos os direitos.»

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25.1.23

Pingentes

 


Pingente de ouro e esmalte com o perfil de uma mulher tendo a cabeleira salpicada por uma série de opalas e com o cabelo preso por um diadema com diamante e esmeraldas, cerca de 1900.
L. Gautrait (e Léon Gariot para a corrente).

Daqui.
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Contra Regra (2)

 


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Folga à 4ª feira

 


António Costa pode respirar fundo: nenhum novo caso ou casinho no governo, o «Altar» da Jornada Mundial da Juventude 2023 ocupa todos os palcos. Hoje o dia é para Carlos Moedas. Ufa!
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Ao lado dos professores, pais e alunos que lutam pela escola pública

 


«É com estes que sempre alinhei e continuarei a alinhar enquanto tiver voz. A luta dos professores, numa determinação e intensidade nunca vista, traz ao de cima a degradação a que chegou este grande pilar de qualquer sociedade democrática.

Antes de me pronunciar por esta luta que, a todas as horas, nos entra em casa, através de todos os canais de televisão nacionais, detenhamo-nos na referida degradação, afirmando, desde já, que não estou aqui para agradar ou desagradar a quem quer que seja. Estou apenas a revelar a análise que faço de um problema nacional que sempre me preocupou.

À semelhança do que se passou com a Primeira República, a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há quase 50 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar conhecimento, civismo, cidadania, em suma, à sociedade que libertou. Entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à liberdade e à democracia está a educação. E, aqui, a Escola falhou completamente. Se não mudarmos grande número dos paradigmas que têm sido os nossos, não merecemos os cravos que os militares de Abril nos ofereceram.

A iliteracia cultural e científica, mesmo aos níveis mais básicos, de uma parcela importante da nossa população, a irracionalidade e violência associada ao futebol são prova dessa absoluta falência e a sucessiva e elevada abstenção em actos eleitorais, são a prova provada desse falhanço.

Parcela importante da nossa população, a quem a Escola deu diplomas, mas não deu a educação, a formação e a preparação essenciais a uma cidadania plena. Educação, formação e preparação, três grandes défices que o Dr. António Costa, em começos do seu mandato como primeiro-ministro, vai para sete anos, disse serem sua grande preocupação. Défices que o populismo, a que a democracia deu voz, a arrasta para um modelo de sociedade que a História já mostrou que sempre, a todos, amordaçou. No que respeita o nível e exigência de ensino nas nossas escolas, não aprendemos nada com o ideal da Instrução Pública posto em prática na Primeira República. No preâmbulo do Decreto de 29 de Março de 1911, lê-se: “Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias.”

Pergunto muitas vezes que infelicidade caiu sobre uma significativa parcela do nosso povo, que rejeita, com o sorriso da ingenuidade ou da iliteracia, tudo o que convide a pensar, a reflectir sobre si mesmo e sobre o que o rodeia. Um mundo, tantas vezes, nas mãos de políticos incompetentes e oportunistas de que a nossa sociedade está cheia, onde, de há muito, impera a corrupção, o vírus do futebol profissional e a promiscuidade entre a política, o poder económico e a justiça.

Uma parcela que bebe toda a alienação que lhe é servida de bandeja por uma comunicação social, em grande parte, prisioneira de interesses ligados ao grande capital.

Ocorre-me dizer que levamos quase cinco décadas, em que o “gosto pelo saber” foi institucionalmente substituído pela preocupação com o “sucesso escolar”, visando as estatísticas. Claro que há muitos bons professores que contrariam esta política, mas a generalidade do sistema que governa este importantíssimo sector da vida nacional, mais do que ensinar, promove a amestragem dos alunos a acertarem nas questões que lhes são colocadas nos exames finais. Neste quadro decepcionante, todos perdemos. Perdem os professores, amarrados que estão a directrizes que não controlam, perdem os alunos e, em consequência, perdemos todos e perde Portugal.

Postas esta considerações prévias, voltemos à luta dos professores.

Devo começar por dizer que tenho pena do ministro da Educação e do seu apagado secretário de Estado, ao vê-los vaiados por multidões de manifestantes. Acompanho o seu desconforto no papel de escudo do seu próprio Governo face à pressão reivindicativa de professores, pais e alunos. É por demais evidente que o Dr. João Costa vai para a mesa das negociações com os representantes dos professores, bem ciente das “linhas vermelhas” que não pode ultrapassar ou, melhor dizendo, que o ministro das Finanças lhe impõe. Mas o que me vem à ideia, é que ele as aceita, porque, caso contrário, já teria “batido com a porta”.

Mais uma vez, é minha convicção que os temas ou pontos em debate, todos, sem excepção, não passam de remendos num edifício obsoleto, de há muito a precisar de ser demolido, alicerces incluídos, para, em seu lugar, surgir outro, concebido e levado a cabo, numa profícua colaboração entre governos e oposições, para durar três ou mais legislaturas e que envolva gente verdadeiramente capaz de o concretizar, visando com especial atenção:

• as dotações orçamentais adequadas; a formação e a avaliação (a sério) dos professores, os programas e os manuais de ensino;
• a escolha criteriosa dos titulares da respectiva pasta; uma completa revolução na respectiva máquina ministerial;
• a necessária dignificação dos professores, num conjunto de acções, envolvendo salários compatíveis com a sua relevância na sociedade, colocações, libertação de todas as tarefas que não sejam as de ensinar e outras, postas em evidência nas suas reivindicações.

A terminar, saúdo os professores (sem esquecer os educadores) das nossas escolas e reafirmo que os considero os pilares da sociedade e, uma vez mais, dizer a governantes e governados que é necessário e urgente restituir-lhes a atenção, o respeito e a dignidade a que têm jus.»

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24.1.23

Vasos

 


Vaso de vidro Arte Nova, Kunstmuseum Den Haag, Haia, 1904.
Ludwig Moser.


Daqui.
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É isto

 

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Dois papas, dois altares, um ovo e um espeto

 


Vem aí a Jornada Mundial da Juventude, só faltam seis meses, e chovem protestos pela diferença de custos na construção de um altar onde Bento XVI celebrou uma missa, no Terreiro do Paço e em 2010 (sem Jornada Mundial da Juventude), e aquele que se prepara para que Francisco faça o mesmo no Parque das Nações.

Digo já, no que me toca, que os jovens podiam ficar nos seus países e fazerem tudo por streaming, com o papa numa janela da Praça de S pedro, bem fardado mas de sandálias, que ninguém veria, porque deve estar então calor em Roma.

Mas não é essa questão. Em 2010, ter-se-á gastado entre 200 e 300 mil euros para a instalação de um palco no Terreiro do Paço, fala-se de 4,2 milhões de euros para a obra de 2023. Mas, pelo que leio, compara-se um ovo com um espeto, uma vez que esta obra é realizada no âmbito da requalificação da totalidade do parque situado junto à foz do rio Trancão. Além disso, a estrutura não será desmontada, mas sujeita apenas a modificações de modo a ser usada em futuros eventos de várias espécies.

Portanto, «camaradas» das redes sociais: se não querem dar razão aos que definem estas como a cloaca da informação (alô Pacheco Pereira, alô Miguel Sousa Tavares), não espalhem atoardas por maldade ou só para serem engraçados, guardem o fel e as graçolas para outras causas. Há tantas com o pão nosso de cada dia!
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Desconstruir padrões

 


«O termo "jacindamania" não nasceu por acaso. A primeira-ministra neozelandesa tornou-se um ícone global ao ascender aos 37 anos à chefia de Governo, e manteve-se em alta fora de portas mesmo quando as sondagens internas a mostraram em queda ou quando medidas radicais como a proibição de venda de tabaco a todos os nascidos após 2009 causaram debate. O inesperado anúncio da sua renúncia não poderia deixar de ter cobertura em todo o Mundo.

Símbolo de progressismo e feminismo, Jacinda Ardern usou a empatia como arma política e esse é, a par da autenticidade, um dos traços mais evidenciados nos perfis que dela são feitos. Outro é o estilo raro de liderança, que rompeu com cânones tradicionais como a agressividade e a dominação. Traços que muitas mulheres se esforçaram por reproduzir no poder, de forma a serem reconhecidas. Tendo conseguido introduzir mudanças na narrativa clássica, Jacinda acaba por ser vítima desses mesmos padrões. A sua renúncia está a ser apontada como desistência ou prova da difícil conciliação entre trabalho e vida familiar, como se, uma vez atingido o poder ou o topo, fosse inevitável e obrigatório querer permanecer nele.

Nos cinco anos em que esteve no comando, a primeira-ministra enfrentou o pior atentado de sempre na Nova Zelândia, a pandemia, uma erupção vulcânica e uma crise económica, ao mesmo tempo que foi mãe e se afirmou ao gozar um direito tão básico como a licença de maternidade. Deixa em herança indicadores como o emprego em máximos históricos ou a licença de parentalidade paga a 26 semanas. Assumir o desgaste é não apenas natural como quase inevitável e só a nossa falta de figuras de referência na política explica o quanto consideraríamos mais cómodo que Jacinda fizesse o que dela era esperado.

O gesto de Jacinda Ardern, incluindo quando se dirige diretamente à filha e ao companheiro, é profundamente político e sintetiza princípios democráticos essenciais. Desde logo, no desapego ao poder e na autoexigência com que avalia as características que uma chefia de Governo exige - mesmo se, longe dos debates pequeninos a que assistimos sobre as condições para um governante envolvido em polémicas processuais se manter do cargo, estiver em causa apenas energia e disponibilidade total. Depois, porque Jacinda assume aquela que deve ser a aspiração de qualquer ser humano: a liberdade (social, emocional, política e financeira) para escolher, em cada momento, exatamente onde se quer estar.»

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23.1.23

Anéis

 


Anel Arte Nova com ouro, diamantes e rubis, cerca de 1900.
Georges Fouquet.


Daqui.
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Machu Picchu

 



Isto é terrível, pela violência que não tem fim no Peru e que obrigou a que o acesso a Machu Picchu fosse encerrado. Sem o comboio em funcionamento, a medida tomada era inevitável.
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Habitação?

 


Este anúncio é verdadeiro. Palavras para quê?
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23.01.1928 – Jeanne Moreau

 


Jeanne Moreau chegaria hoje aos 95 e morreu em Julho de 2017, depois de uma carreira muito longa de actriz, realizadora e cantora, iniciada em 1950, e uma filmografia impressionante com cerca de 130 títulos. Trabalhou com uma lista notável de realizadores, entre os quais Luis Buñuel, Wim Wenders, Michelangelo Antonioni, Orson Welles, François Truffaut, Louis Malle, também Manoel de Oliveira, e não só.

AQUI, pode ser recordada em vídeos com a sua participação em Gebo et l’Ombre, de Manoel de Oliveira, Le Tourbillon em Jules et Jim de François Truffaut, e um belíssimo duo com Maria Bethânia.
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Aumentos das tarifas de telecomunicações: quem parte e reparte?

 


«As três operadoras de telecomunicações escreveram aos seus clientes a anunciar um aumento das tarifas já contratadas até aos 7,8%. Falando do “contexto macroeconómico e geopolítico” ou do “aumento substancial e generalizado dos preços”, referindo umas o “aumento dos custos de energia, combustível, logística e equipamentos, este último muito relacionado com a escassez de chips, fundamentais no nosso setor de atividade” e outras os “aumentos significativos nos preços da energia, prestação de serviços e das matérias-primas”, avançaram no que parece ser uma ação concertada, recorrendo todas ao máximo legal permitido para contratos em vigor (o cálculo da inflação).

A opacidade pública das contas da generalidade das empresas não permite que os clientes escrutinem se o aumento dos chips e da energia justifica que o custo geral aumente o mesmo que a média nacional da inflação, num negócio de serviços. Se até as concessionárias de autoestradas quiseram aumentar o mesmo que a inflação, num investimento que já tinha sido feito, temos razões para desconfiar. Os aumentos parciais de custos terão de ser muito acima da inflação para justificarem aumentos globais a todos os clientes – as empresas não estão a ser montadas do zero, fornecendo diariamente o material que sofreu grande aumento de preço.

Só saberemos se nos enganam quando fizermos com estas empresas o que já vimos com as distribuidoras e as energéticas: olharmos para os seus lucros. Por isso, uma lei que tribute lucros inesperados é tão importante nesta fase: para evitar os aumentos de preços oportunistas por parte de quem aproveita a boleia da inflação geral.

TRABALHADOR, O ÚNICO FORNECEDOR QUE NÃO COBRA O AUMENTO DE CUSTOS

Mas, para o que aqui quero debater, o mais interessante é saber se a preocupação em cobrar de acordo com a inflação é correspondente à preocupação em pagar de acordo com a inflação. Até porque pelo menos uma das empresas refere o aumento dos custos em “prestação de serviços”. É bom recordar que os trabalhadores também vivem o “atual contexto macroeconómico e geopolítico” e um “aumento substancial e generalizado dos preços”, com aumento dos preços da energia, da alimentação ou das prestações das suas casas. Seria normal fazerem o que fazem estas operadoras e a generalidade das empresas: apresentarem a fatura, pedindo imensas desculpas, mas sem grande espaço para negociações. Até porque o desemprego está baixo e não é fácil as empresas irem procurar outros “fornecedores”. Acontece que os trabalhadores são os únicos fornecedores proibidos de fazer atualizações iguais à inflação.

A única empresa de que tenho números, por ser a única que aceita sindicalismo na sua casa (sendo a antiga PT, que era pública, sobram, contra a vontade do acionista, resquícios de democracia) é a MEO/Altice. É a que, tendo seis mil trabalhadores (as outras duas não terão muito mais de mil), tem negociação coletiva. O salário mínimo passou para 800 euros, um aumento de 40 euros (5%). Os salários brutos até 1300 aumentaram 2%; entre 1300 e 2300, 1%; acima de 2300, zero. Ou seja, todos muito abaixo da inflação e do aumento da fatura apresentada aos clientes. Clientes que também são trabalhadores que tiveram, eles mesmos, aumentos abaixo da inflação.

Segundo consegui apurar, a Vodafone costumará aumentar, em anos normais, próximo da inflação. Veremos este ano. Quanto à NOS, foi-me impossível saber, porque os sindicatos nem entram na empresa. Uma e outra aumentam discricionariamente os seus trabalhadores, porque não têm, como não tem a maioria das empresas, para alegria dos nossos liberais e tragédia dos nossos trabalhadores, negociação coletiva. É à vontade do patrão.

Não persigo as empresas de telecomunicações. Este é apenas um caso interessante para perceber como funciona a transferência de rendimentos em crise inflacionista e desmontar a banha da cobra que nos andam a vender. As empresas retiram rendimento dos seus clientes particulares e não transferem esse rendimento, na mesma proporção, os seus trabalhadores.

Ao contrário de outros “fornecedores”, os trabalhadores não parecem ter a capacidade de transferir o aumento dos seus “custos operacionais” para o aumento do preço do serviço que prestam. No conjunto da sociedade, isto significa que se retira dinheiro dos trabalhadores que, não sendo redistribuído na mesma proporção, é transferido para as empresas ou para os fornecedores dessas empresas. Por isso assistimos a lucros recorde de quem aproveita a inflação geral para aumentar preços, mesmo quando não corresponde a igual aumento de custos. Alguém está a ficar com o dinheiro perdido pelo único agente económico impedido de acompanhar, no que cobra, a inflação, que é o trabalhador.

O CARTEL QUE TRATA DE SI, OS TRABALHADORES NEM POR ISSO

Claro que podíamos sempre mudar de operadora. Mas as três empresas que dominam o mercado anunciaram aumentos muito próximos do legalmente permitido para contratos já assinados, num processo que, pelo menos na prática, se aproxima da cartelização – as telecomunicações são um dos sectores onde há mais indícios dessa prática (aqui e aqui). E todas ao mesmo tempo. E sabendo, já agora, que têm grande parte dos clientes agarrados a fidelizações que têm como função impedir a concorrência.

Normalmente, os trabalhadores deveriam fazer o mesmo que fazem as empresas: imporem um aumento de salários (as suas “tarifas”). Para isso, teriam de paralisar a atividade até terem aumentos iguais à inflação. Como se vê pela TAP ou pelos professores, contariam com a antipatia dos media, o que se refletiria na antipatia dos restantes trabalhadores, porque seriam acusados de prejudicar a sociedade e a economia. Mas, como os seus patrões, viveriam bem com isso em nome da racionalidade do seu “negócio”, que é prestar um serviço de forma economicamente viável, não apenas para sobreviver.

O poder de cada trabalhador perante uma grande empresa é próximo de zero. Por isso, há bem mais de um século, os trabalhadores organizaram-se em sindicatos. Só que, em Portugal, o poder dos sindicatos foi praticamente destruído, com a destruição da contratação coletiva. E não só. Com o empenho cívico de muitos trabalhadores, que engoliram toda a propaganda antissindical (contra si próprios) e, ao contrário dos seus patrões, acreditam que não precisam de se organizar para defenderem os seus interesses, porque o “mérito” do seu trabalho lhes garantirá um futuro mais risonho do que aos demais. Em Portugal, a sindicalização caiu de 60,8%, em 1978, para apenas 15,3%, em 2016. A perda de peso negocial e de peso dos salários no PIB acompanhou este processo, uma relação direta entre dois fatores já assinalada pelo insuspeito BCE.

Com um desemprego historicamente baixo, esta é a única razão para os trabalhadores, que até têm a vantagem de uma oferta escassa e a capacidade de impor os seus preços, serem os únicos que não conseguem refletir o aumento dos seus custos no aumento dos seus rendimentos. Porque prescindiram desse direito, sendo o elo mais fraco numa crise inflacionista.

A ESPIRAL INFLACIONISTA E QUEM A VENDE

Esta desigualdade tem apoio de políticos que, sendo maioritariamente eleitos por trabalhadores, os deveriam representar. Incluindo alguns que se dizem socialistas. Aquilo a que António Costa chama “risco de espiral inflacionista” por via do aumento dos salários fica demonstrado ser falso, neste caso. São as próprias empresas a não dar relevância ao peso dos salários nos seus custos e não é provável que, se os salários destes trabalhadores acompanhassem a inflação, levasse a um aumento da procura de serviços de telecomunicações, criando uma pressão inflacionista, com escassez de oferta. Tudo se limitaria a ficar na mesma, porque na mesma ficaria o salário real.

Os salários são dos poucos custos que, com apoio político, está a ser impedido de acompanhar a inflação. São o dique inútil à inflação. Isto não resulta de um erro de cálculo, quando já todos perceberam que esta contenção salarial apenas está a esmifrar os trabalhadores para compensar o aumento de outros custos. As crises inflacionistas são uma oportunidade para mudanças estruturais. Neste caso, uma oportunidade para reduzir o peso relativo dos salários na economia (que em Portugal já está abaixo da média europeia) e dividir um pouco pior o bolo do rendimento (que em Portugal já é muito desigualmente dividido). Ao ponto de as estratégias económicas e financeiras para lidar com a inflação serem a de provocar crise económica e, com ela, aumentar o desemprego para reduzir pressão sobre os salários.

No dia em que os trabalhadores, sobretudo os do privado, se preocuparem tanto com a saúde das finanças das suas empresas como os patrões se preocupam com a saúde financeira dos seus trabalhadores não terão receio de fazer o que faz qualquer fornecedor: explicar que os seus custos aumentaram e que o preço do seu trabalho tem de acompanhar esse aumento. Para impor este direito, têm acesso à greve, um dispositivo criado para reequilíbrio de poder. É, apesar de tudo, dos poucos contratos de fidelização que resta a quem trabalha. Ou, então, continuar cada um por si, na esperança de ser menos lixado que o vizinho.

De pouco vale a indignação com estes aumentos em comparação com os aumentos salariais. As operadoras de telecomunicações, como as restantes empresas, aumentam o que cobram porque podem. Os salários não sobem ao mesmo ritmo porque os trabalhadores deixaram de se organizar para usarem os instrumentos que a lei lhes garante para imporem a sua vontade. Odeiam sindicatos e greves? Ficarem para trás é o preço que pagam. As empresas organizam-se e cobram o que podem. Os trabalhadores não, e recebem o que os patrões querem.»

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22.1.23

Candeeiros

 


Candeeiro em vídeo de íris, gravado com ácido, decorado com motivos florais e electrificado com duas lâmpadas. Cerca de 1900.
Émile Gallé.

Daqui.
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Mas é a realidade

 

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22.01.1961 – O assalto ao Santa Maria

 


Há 62 anos, algures no mar das Caraíbas, doze portugueses e onze espanhóis, comandados por Henrique Galvão, assaltaram um navio em que viajavam cerca de 1.000 pessoas, entre passageiros e tripulantes, e protagonizaram aquela que foi, muito provavelmente, a mais espectacular das acções contra a ditadura de Salazar.

Mesmo sem atingirem os objectivos definidos – chegar a Luanda, dominar Angola e aí instalar um governo provisório que acabasse por derrubar as ditaduras na península ibérica – conseguiram chamar a atenção do mundo inteiro que noticiou, com estrondo, a primeira captura de um navio por razões políticas, no século XX. (Em Portugal, julgo que as primeiras notícias só foram publicadas no dia 24!)

Os aliados da NATO não reagiram como Salazar pretendia ao acto de «pirataria» e só cinco dias mais tarde é que a esquadra naval americana localizou o navio. Depois de várias peripécias e negociações, o Santa Maria chegou ao Recife em 2 de Fevereiro e os revolucionários receberam asilo político.

Volto à questão da repercussão internacional, que foi muito grande, porque a vivi pessoalmente. Estudava então em Lovaina, na Bélgica, e acordaram-me às primeiras horas da manhã para me dizerem que um navio português tinha sido assaltado por piratas, em pleno alto mar. Entre a perplexidade generalizada e o gozo («ces portugais!…»), os poucos portugueses que então lá estudávamos passámos horas colados a roufenhos aparelhos de rádio, sem conseguirmos perceber, durante parte do dia, o que estava concretamente em jogo, já que não eram identificados os piratas nem explicados os motivos da aparatosa aventura. Quando, já bem tarde, foi referido o nome de Henrique Galvão, e descrito o carácter político dos factos, respirámos fundo e pudemos finalmente dar explicações aos nossos colegas das mais variadas nacionalidades. Houve festa e brindou-se à queda da ditadura em Portugal – para nós iminente a partir daquele momento, sem qualquer espaço para dúvidas...

A ditadura não caiu mas levou um abanão. O assalto ao Santa Maria foi o pontapé de saída de um annus horribilis para Salazar, ano que iria terminar com a anexação de Goa, Damão e Diu. (Pelo meio, em Fevereiro, começou a guerra colonial...)

Vivemos hoje numa outra galáxia, tudo isto parece quixotesco e irreal? Mas não foi.: Henrique Galvão, Camilo Mortágua e companheiros foram «os nossos heróis» daquele início da década de 60.

A ler: O desvio do Santa Maria e o princípio da Guerra do Ultramar.

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Os professores portugueses não sabem ensinar

 


«Peço desculpa, mas é a dura realidade. Os professores portugueses não sabem ensinar. Não há outra razão para estarem há anos a tentar explicar a mesma coisa a vários ministros da Educação e nenhum deles ter ainda percebido. A culpa não pode ser dos ministros, que são gente sofisticada e esperta. E também não é da matéria, que é fácil de compreender: não há condições mínimas para os professores fazerem o seu trabalho. No entanto, os ministros não têm conseguido entender a lição. É evidente que a culpa é dos professores, que continuam agarrados a métodos pedagógicos antiquados. Tentam expor o problema aos ministros, umas vezes em reuniões privadas, outras em manifestações. Procuram simplificar a matéria, quer resumindo as reivindicações numa palavra de ordem fácil de entender e memorizar, quer explicando com o auxílio de gráficos, desenhados em cartazes. Já se percebeu que assim não vão lá, mas insistem. Para cúmulo, continuam a chamar a si próprios professores, o que constitui um erro fatal. Quando vemos nas notícias que ocorreu mais uma manifestação de professores, o ministro da Educação fica, paradoxalmente, tranquilo. Isso significa que ainda há professores — o que é, em grande medida, falso. A primeira medida que os sindicatos dos professores têm de tomar é mudar de nome. Deviam passar a ser sindicatos dos seguranças-escriturários que por acaso trabalham em escolas. Essa é a descrição exacta dos profissionais que se ocupam sobretudo da imposição da ordem nas salas de aula e do preenchimento de papeladas em gabinetes — 80% do trabalho actual das pessoas anteriormente designadas com o nome de professores. A segunda medida dos sindicatos seria a seguinte: incentivar os seguranças-escriturários a, naqueles dez minutos por semana em que conseguem ensinar alguma coisa, passarem a instruir os alunos de acordo com a sua própria experiência. Por exemplo, um segurança-escriturário de Matemática ensinaria que, ao contrário do que se pensa, 9+4+2 não é igual a 15, mas sim igual a zero. Uma vez que sucessivos ministérios da Educação transformaram 9 anos, 4 meses e 2 dias de tempo de serviço em nada, há que actualizar a matemática. Um segurança-escriturário de português passaria a ensinar que “Os Lusíadas” são uma obra sobre uma menina muito linda que foge da bruxa má e encontra 7 anões. Uma vez que a lei fala em progressão automática da carreira e na realidade nem há progressão, nem ela é automática, nem se pode dizer que exista exactamente uma carreira, isso significa que qualquer texto pode ser interpretado como nos apetecer. E um segurança-escriturário de geografia — daqueles que, morando em Faro, são colocados em Chaves, no respeito escrupuloso pela proximidade com a sua área de residência — poderia passar a ensinar, imbuído de igual relativismo geográfico, que a China fica mesmo ao lado da Península Ibérica. Fica a sugestão.»

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