12.1.08

A mesma sala de jantar

As actuais picardias entre PS e PSD podem mascarar e fazer esquecer que andam aos encontrões no mesmo espaço.

Quanto a diferenças ideológicas, estamos conversados (esquerda / direita - who cares?). Política espectáculo, soundbytes, banks for the boys, etc., etc.

Nos dois últimos episódios – não-referendo ao Tratado Europeu e aeroporto –, depois de curvas e contracurvas, de piruetas e de reais ou aparentes hesitações, alguns anos e alguns governos depois, a que assistimos? Por acaso, PS e PSD estão de acordo.


Vem tudo isto a propósito de um texto recebido por mail, que me pôs a pensar nos nossos pobres destinos, neste fim-de-semana meio chuvoso de Janeiro:

«Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (...), vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento – de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...).»

Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896

Pedro Tamen

Pedro Tamen receberá hoje, em Coimbra, o Prémio Literário Inês de Castro, pelo seu livro Analogia e Dedos.

Do poeta, falarão os que sabem e portanto devem.

Ao amigo e compagnon de (une très longue) route, já dei os parabéns de viva voz.

Mas apetece-me deixar aqui algumas linhas, sobretudo porque ele ficará para sempre ligado ao meu Entre as Brumas... (livro), pelo belo Prefácio que escreveu. Mas não só. Durante muitos meses, esteve sempre presente do outro lado da net, com sugestões e informações ou, muito simplesmente, com mensagens calorosas e encorajadoras. Nunca o esquecerei e guardo religiosamente os mails mais bem redigidos que alguma vez recebi. Porque do Pedro, que é a pessoa mais perfeccionista e meticulosa que conheço, nem um simples recado vem numa frase banal.

Refugiado na sua Serra da Arrábida, de onde é difícil fazê-lo sair, vai avançando, vida fora, tão agarrado à arte de tradutor como à de poeta. Muitas vezes sofridamente, mas sem querer parar, quando já tinha mais que direito de o fazer.

Que venha mais este prémio – todos serão poucos.

De Analogia e Dedos, Oceanos – ASA Editores, Lisboa, 2006, p.22:

10.1.08

Capitalismo de trazer por casa

Vem isto a propósito do pedido de licença sem vencimento que Armando Vara terá feito à CGD, a ser concretizada se for eleito para a Administração do BCP.

Ou seja: para além de não haver um período de nojo (é assim que se chama) entre os dois «empregos» em instituições CONCORRENTES, o que já foi amplamente criticado, não só neste caso como no de dois outros adminstradores, Armando Vara quer manter-se ligado à CGD. Dizem os jornais que uma qualquer comissão do PS acha normal e eu nem percebo (ou prefiro não perceber) por que razão é que a dita comissão tem de achar o que quer que seja.

Num mundo empresarial normal e a sério, isto seria impensável. Para mim, que trabalhei vinte e cinco anos numa grande multinacional, é chinês.

E, a propósito, caríssimos ex-colegas da IBM que passam por aqui: conseguem imaginar-nos, mesmo há trinta anos, a pedir uma «leave of absence» para irmos direitinhos das nossas saudosas torres de Alvalade para a Unisys? Para a Microsoft? Ou lembram-se, como eu, dos problemas que houve em casos que, quando comparados com este, eram autênticas brincadeiras de meninos de coro?

Democracia


(Clicar na imagem)

Tratado


Tratadistas, tratadeiros, , nem sempre tratáveis,
por vezes tratantórios.

Tratem do Tratado – nós não tratamos.

9.1.08

«Le Deuxième Sexe»

«On ne naît pas femme, on le devient»

Cartier-Bresson

Continuo com Simone de Beauvoir, no centenário do seu nascimento.

Le Deuxième Sexe foi certamente uma das maiores «pedradas» que levei como leitora, no início da idade adulta. Estudante recém-chegada a Lovaina, no fim da década de 50, com uma mala quase de cartão, ida desta west coast salazaríssima e com dezanove anos – tentem imaginar o cenário. Apanhei então, em cheio, a grande repercussão desta obra na Europa francófona (*).

Le Deuxième Sexe esteve longe de ser um manifesto militante ou um qualquer arauto dos movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde. Mas os espíritos não estavam preparados para a problemática da libertação da mulher, tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».

Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber.

Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe «regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória. Tornou-se, de facto, o livro fundador do pensamento feminista.

Paralelamente, iam sendo publicadas outras obras da autora, como a trilogia das Memórias – o que mais apreciei de tudo o que dela li e que não foi pouco (**).

Simone de Beauvoir nunca provocou grandes empatias e foi sempre objecto de discussões sem fim (que duram até hoje) sobre a sua importância relativa quando comparada com a de Sartre.

Mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então para nós – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après».

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(*) Le Deuxième Sexe, Vol. I – Les Faits et le Mythes, Vol. 2 – L’Expérience Vécue, Gallimard, Paris, Juin / Novembre 1949.
(**) Mémoire d’une jeune fille rangée (1958), La force de l’âge (1960), La force des choses (1963).



8.1.08

Poupança


Simone de Beauvoir – Centenário

Elliot Erwitt

Celebra-se amanhã, dia 9 de Janeiro, o centenário do nascimento de Simone de Beauvoir.

Em França, é grande o número de iniciativas em perspectiva, desde a realização de um Colóquio Internacional, em Paris, nos dias 9 a 11 de Janeiro, até à publicação de vários livros, entre os quais uma biografia («Castor de Guerre») que tem sido largamente publicitada, da autoria de Danièle Sallenave.

O nº 471 de Le Magazine Littéraire inclui um conjunto muito interessante de textos relacionados com a autora e com a sua obra, o mesmo acontecendo com Le Nouvel Observateur de 3 de Janeiro –menos significativo do que o primeiro, na minha opinião, mas com a vantagem de estar disponível na net.

Na 6ª feira, dia 11, às 23:30, a RTP2 transmite o documentário biográfico: «Simone de Beauvoir – Une femme actuelle».

Deixo para já estas informações, mas voltarei ao tema.
Não disponho de informações que me permitam avaliar o impacto directo que a obra de Beauvoir teve em Portugal. Eu apanhei o auge da sua influência nos meios de cultura francesa, enquanto fui estudante em Lovaina. Talvez por isso, tenho andado agora à volta dela.


7.1.08

Zapatero e o ADN da democracia


Já que comecei a seguir esta saga (aqui e aqui), continuo.

Depois de o PSOE ter tomado posição sobre os ataques proferidos por alguns bispos durante a manifestação denominada «Acto por la familia cristiana» (que teve em lugar em Madrid, no passado dia 30 de Dezembro), foi agora a vez de Zapatero também o fazer.

Responsabilizando pessoalmente dois arcebispos – o de Madrid, Antonio María Rouco Varela, e o de Valência, Agustín García-Gasco – pelos ataques ao governo, afirmou, entre outras coisas:

«Nadie puede imponer la fe, la moral y las costumbres. Lo que cuenta es el respeto a las leyes, que es el ADN de la democracia.»

Sublinhou também que o seu governo tem princípios muito claros na «salvaguarda de la aconfesionalidad del Estado, la supremacía de las leyes democráticas y la extensión máxima de los derechos individuales» e que «Cuando no estamos de acuerdo en una cosa, lo decimos con toda contundencia y firmeza, porque es un deber de un Gobierno democrático».

Gostaria de acreditar que, em situação semelhante, o nosso governo socialista tomaria posições tão claras e tão firmes. Mas permito-me duvidar. Tendo a crer que tentaria minimizar divergências e afirmar que havia apenas alguns problemas de comunicação. Ou não?

6.1.08

Smoking area

Nuno Brederode Santos no DN:

«Sei que é um vício e gosto dele: como a personagem do Wilde, resisto a tudo menos à tentação. Não me imagino, por isto, herói nem mártir. Não me pinto vítima, nem resistente. Enuncio o mais rudimentar dos porque-sins da vida quotidiana, convencido, como sempre estive, de que é nela que a felicidade se joga. E sobre esta matéria, é o que tenho para dizer ao jovem médico que vi na televisão e que, de tão louro, imberbe e feroz no discurso sanitário de apuramento da raça, me fez evocar os netos das experiências do Dr. Mengele. E aos comissários europeus politicamente excedentários, que precisam de mostrar que o seu pelouro existe, para o que se dedicam a infernizar o nosso quotidiano com minúcias em papel timbrado e um puritanismo a que chamam rigor.»


LUÍS NAZARÉ, no Causa Nossa:

«Teremos, pois, que nos organizar e resistir que nem sérvios do Kosovo. Os espaços ditos colectivos serão a principal frente de combate. Verei em cada repartição pública, centro comercial ou pavilhão polidesportivo um inimigo potencial. Agirei como um guerrilheiro, à socapa, chupando dois ou três cigarros seguidos numa casa de banho ou num canto pouco frequentado, na esperança de não ser denunciado por uma brigada talibã.»