15.1.22

As redes

 


Sesimbra, anos 50/70.
Fotografia de Artur Pastor.
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PPD, esse partido inequivocamente «de esquerda»

 


Divirtam-se a ver este vídeo de um congresso do 𝐏𝐏𝐃 𝐞𝐦 𝐍𝐨𝐯𝐞𝐦𝐛𝐫𝐨 𝐝𝐞 𝟏𝟗𝟕𝟒, esse partido inequivocamente «de esquerda» segundo declarações de Sá Carneiro e do «camarada» Francisco Balsemão (e, sim, eu sei que a esquerda era então uma senhora acolhedora de costas muito largas).

Mas se ponho aqui o vídeo é pelo que disse Magalhães Mota (nome que nada dirá aos mais novos, mas que foi deputado da Ala Liberal, destacado fundador do PPD e ministro dos quatro primeiros Governos Provisórios), sobretudo no que se refere a nacionalizações, nomeadamente «de sectores chave da economia» (mesmo no fim do vídeo).

O que nós andámos para aqui chegar!
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Martin Luther King Jr

 


Chegaria hoje aos 93. Não esqueçamos as nossas referências e os seus ícones.
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Serviço Nacional de Saúde: votar à esquerda ou à direita

 


«Um estudo da Universidade Católica (UC) em associação com o jornal PÚBLICO e a RTP publicou como resultado, no dia 8 de Janeiro, que no topo das prioridades para o próximo Governo 43% dos inquiridos consideravam o Serviço Nacional de Saúde (SNS). A partir daí passou a haver nuances nas posições à direita nos debates televisivos que são interessantes de observar. Por isso, ainda, convém relembrar o que são as posições de uns e outros. Trata-se, de facto, de um debate ideológico e que trata de ideias. Embora o pragmatismo seja necessário, mal de nós se deixarmos de ter ideias estruturadas, num mundo em que a superficialidade corre online e em que falta pensamento crítico. Cada vez que há uma proposta “prática” e “não-ideológica” devemos perguntar porquê.

Se seriarmos as propostas dos partidos, podemos começar pela Iniciativa Liberal (IL). O que propõe para a Saúde e para a Educação é que o Estado se retire dessas áreas, que passe a haver mercado livre na oferta e escolha de serviços de Saúde. Baseia-se em seguros. A solução é cara, demonstrado nos países onde são obrigatórios – Holanda, Alemanha, Suíça. A livre escolha agrada a muitos utentes, sobretudo se o acesso ao público é difícil. Mas os seguros, sejam eles obrigatórios ou livres, têm tetos conhecidos por plafonds. Por vezes terrivelmente desumanos, quando o teto chega a meio do tratamento oncológico ou das doenças neurodegenerativas.

Para o Centro Democrático Social (CDS), como os impostos têm que baixar, as pessoas pagariam de acordo com os rendimentos e as “classes mais desprotegidas” teriam as despesas pagas pelo Estado. Esta forma conservadora da “solidariedade” já não tem nada a ver com as orientações cristãs actuais.

O Partido Social Democrata (PSD) defende o SNS, mas considera que devem ser feitas contratualizações com o sector privado para consultas e acesso ao médico assistente. Propõe nova Lei de Bases para a Saúde. Na anterior, de autoria e prática governamental deste partido, a concorrência ou complementaridade do SNS e dos privados levou a dramático enfraquecimento dos serviços públicos. As empresas privadas de saúde não sobrevivem apenas com a clientela rica, os seguros e a ADSE. Sobrevivem com o financiamento do Estado. Durante o Governo de 2011 a 2015, quanto a hospitais foram tirados cerca de 400 milhões de euros aos públicos e financiados os privados em cerca da mesma quantia. Chegámos a 2019 com menos 4000 camas hospitalares e mais 3000 privadas, sobretudo cirúrgicas.

No início da pandemia vimos a falta das públicas. Surgiu então grande pressão de certas correntes para a utilização e pagamento de camas privadas para os doentes não-covid. Só no pico de 2021 foram propostos Cuidados Intensivos dos privados para os doentes covid. No entanto, com racionalidade imediata, o SNS recorreu e bem aos laboratórios privados logo no início da pandemia, visto que os públicos não eram suficientes. Mas foram os públicos (Instituto Ricardo Jorge, IMM da Faculdade de Medicina de Lisboa) a fazer os estudos que acompanharam a epidemia.

Investir no SNS – a maior prioridade

No Partido Socialista (PS) observam-se claramente duas correntes, visto que os oponentes das realizações e decisões do Governo não lhes poupam ataques, mesmo em plena campanha eleitoral. No entanto foram os votos do PS com os do Bloco de Esquerda (BE), Partido Comunista Português (PCP) e Partido Ecologista Os Verdes (PEV) que aprovaram a nova Lei de Bases da Saúde em 2019, contra as propostas da direita. Derrubando o tal “muro” da aliança PSD/CDS que António Costa não quer reerguer.

Finalmente, o BE, o PCP e o Livre defendem a verdadeira linha social-democrata. Longe de serem os extremistas de que se fala, longe de andarem aí a exigir a nacionalização dos grandes meios de produção, mas apenas a participação maioritária do Estado ou a nacionalização de serviços, aliás, de empresas já perdidas (PT, EDP, CTT), propõem para o SNS a linha da lei Beveridge adotada no Reino Unido e nos países escandinavos. A saúde é um serviço público com orçamento a partir do Orçamento Geral do Estado, o qual depende dos impostos progressivos.

A razão pela qual cidadãos sem partido apelam à coligação PS/BE/PCP e à sua confluência política é com certeza, em grande parte, para protecção do SNS, sem dúvidas em primeiro lugar para 43% dos portugueses e pelo menos 53% dos votantes (percentagens dos partidos nos resultados da sondagem da UC). Para tal é necessário inflectir o fluxo financeiro actual e repor no público o investimento que é feito nos serviços privados. Ora o fluxo do orçamento do SNS para os privados mantém-se e é anualmente (última avaliação 2018) de 474 milhões de euros para pagar serviços clínicos, excluindo a hemodiálise. Os equipamentos e medicamentos não estão incluídos.

A proposta de complementaridade, que afinal é a prática actual em relação a determinados serviços, tem resultados perversos, independentemente da vontade dos seus autores. Tira-se ao público para dar ao privado e depois diz-se que o privado é melhor. E é melhor no acesso, na hotelaria, no atendimento. Tem excelentes médicos, formados no SNS, que optaram por ser reconhecidos e ganhar decentemente. As consultas no privado propostas pelo PSD arrastarão meios complementares de diagnóstico. E este fluxo, por este caminho, continuará sem fim, até que o SNS fique reduzido ao tratamento de agudos graves, às doenças crónicas dispendiosas e à Saúde Pública. Na tal boa gestão dos privados, estes poupam naquilo que é a cultura colectiva do público, decisões e escrutínio interpares. Mas há uma questão: é que as empresas privadas de serviços de saúde destinam-se, como qualquer estrutura capitalista (sim é ideia, é ideologia e é prática) a ter lucro. Donde é que ele vem? Fica a pergunta para desenvolver o pensamento crítico.

Investimento no SNS como prioridade - pagar aos seus profissionais com reconhecimento e retê-los no serviço público. Com reposição da cultura do conhecimento e da investigação clínica. Reposição da cultura da empatia e da Medicina Narrativa, que é terapêutica para o doente e que inclui ter tempo e disposição. Pressupõe dedicação plena optativa e não só para os directores clínicos (essa já é exigida actualmente). A decisão deve depender do ministro da Saúde por proposta da instituição, sem caber ao ministro das Finanças, como se até ele houvesse uma cadeia de irresponsáveis.

Pressupõe investimento nos Cuidados Primários a nível de equipamentos (Programa de Recuperação e Resiliência). O programa do PS promete a abertura de 100 novas Unidades de Saúde Familiar. Assim seja. Para isso são necessários recursos humanos em dedicação plena. Assim se evitariam os seis milhões de urgências hospitalares em ano normal e seria pedagógico para distinguir o que é urgente do que não é. Portanto, olhemos para as propostas, coloquemos perguntas e coloquemos hipóteses. Isto são ideias, sim é ideológico. É para formular ideias e conduzi-las à prática que o cérebro do ser humano se desenvolveu tanto. Ou passou a ter ideias e práticas porque se desenvolveu, é a dialéctica da evolução.»

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14.1.22

Os figos

 


Vendedeiras de figos vindas da margem Sul, Lisboa, 1912.
Fotografia de Joshua Benoliel, AML.
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The day after

 


«Sei que não vou por aí!»
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Audiências estratosféricas

 


Extraordinário, mas parece que foi mesmo assim e os portugueses mereciam um «duelo» melhor!


«O debate entre António Costa e Rui Rio transmitido na quinta-feira à noite foi seguido por 3,334 milhões de espectadores nos três canais de sinal aberto (…) e nos canais de informação (…). Este valor faz com que se torne no debate eleitoral mais visto da televisão portuguesa desde que há medição de audiências. (…)

Este debate entre António Costa e Rui Rio suscitou também mais interesse do que o de há dois anos e meio: teve mais 570 mil espectadores que o duelo entre os mesmos protagonistas para as eleições de 2019. (…)

Apesar de ter batido o recorde das audiências nos debates eleitorais, o programa desta quinta-feira continua aquém dos números do futebol: o programa mas visto da televisão portuguesa continua a ser o jogo entre Portugal e a Holanda, no Euro 2004, que foi visto, em média, por 3,792 milhões de espectadores em território nacional.»
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Quer a “geringonça”? Vote PSD

 


«A “geringonça” morreu, viva a “geringonça"? Foi com isto que Rui Rio tentou assombrar António Costa no debate desta quinta-feira, apontando o risco do PS perder e ser formada uma nova “geringonça”. Ora, se António Costa diz que se demite se ficar em segundo, Rui Rio (não se percebe se com o objectivo de concentrar ou não os votos em Costa) vem tentar assustar o povo com a ideia de que, com Pedro Nuno Santos como sucessor, a “geringonça” pode ser reactivada. Claro que Rio acha que isto é mau, mas se calhar algum eleitorado de esquerda não alinhada e alguns votantes do PS até acham bem. Diz Rio que, em caso de demissão de Costa, “haverá um primeiro-ministro que não é António Costa, será Pedro Nuno Santos e teremos o Bloco de Esquerda dentro do Governo”.

Para Rio, isto “é um perigo para o país”. Para algum eleitorado não será. Na realidade, embora não deva ter sido essa a intenção, Rio aponta a solução aos adeptos da “geringonça”, morta agora por António Costa: alguns terão que votar no PSD, permitindo que Rio fique à frente do PS, o que conduzirá ao afastamento de António Costa; outros terão que reforçar PCP e Bloco de Esquerda para que exista, de facto, uma maioria parlamentar de esquerda. “Isto pode acontecer, mesmo ganhando o PSD”, insiste Rio, já na declaração final. O leitor fica a saber: se quiser Pedro Nuno Santos como primeiro-ministro, não vote PS (a não ser que more em Aveiro).

É um facto que enquanto Pedro Nuno Santos já disse uma vez que a “geringonça” era para repetir, António Costa afastou-a de vez. A solução que anunciou para governar em minoria é fazer um acordo com o PAN, que não chumbou o Orçamento, ou então funcionar “como no Governo de António Guterres”. O Governo Guterres negociou vários orçamentos com o PSD de Marcelo Rebelo de Sousa – e é esse o modelo que Costa, ganhando sem maioria, anunciou querer repetir 25 anos depois.»

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13.1.22

Política?

 


Eu julgava que andávamos a pensar em POLÍTICA, mas ontem só se ouviu falar de «um combate de boxe» e hoje prometem-nos «um duelo».
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Detalhes, ou não, dos debates

 

«As propostas do Bloco de Esquerda sobre as empresas privatizadas estão, de formas diferentes conforme as sucessivas vagas privatizadoras (mas a IL continua a achar que vivemos num país socialista), nos seus sucessivos programas, pelo menos desde 2005. Consta que Costa assinou um acordo de governação com o BE, entretanto. A função de o trazer a debate foi evidenciar as divergências que o separam do BE e que ignorou no passado?

Como é evidente, como acontece com outros partidos, as convergências não se fizeram nem se farão em torno dos máximos programáticos. Até porque, ao contrário do que diz António Costa, PCP e BE abdicaram, nos últimos seis anos, de quase todo o seu programa para que ele pudesse governar.

O que a tentativa de desenterrar o que de mais divergente existe, no meio de um debate onde procurava mapear o que levou ao fim da “geringonça”, corresponde ao exercício oposto ao que fez em 2015. Na altura, procurou pontos de convergência. Agora, procura divergências. Não apenas as que levaram à rutura, mas todas. E isso, mais do que qualquer revisitação ao debate do OE, diz-nos o que quer e já queria António Costa. Convencido de que já não precisa destes partidos, tenta voltar a erguer os muros que jura não querer erguidos. Incluindo, muros irrelevantes, como a natural e habitual enunciação de princípios que BE e PCP sabem perfeitamente não serem praticáveis com o peso que hoje têm. Podia ter pegado a saída da NATO ou noutra coisa qualquer.»

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Sondagens fresquinhas

 


Com base AQUI Os resultados são uma agregação de todas as sondagens. Não esperem ver os resultados de nenhuma sondagem em particular. 

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Debate ao centrão

 


«António Costa e Rui Rio debatem esta noite. Não será decisivo, mas terá de ser, pelo menos, esclarecedor. Tanto o líder do PS como o do PSD têm-se esquivado a responder ao que farão em caso de vitória sem maioria absoluta. A resposta de António Costa ao desafio de Jerónimo de Sousa, na noite de 4 de outubro de 2015, inaugurara uma nova forma de governação. Não ganha quem tem mais votos, ganha quem consegue formar uma maioria parlamentar.

Embora Rui Rio, para justificar que parte em vantagem para o debate, diga ter uma resposta clara para cada situação, a verdade é que não tem. À pergunta se está disposto a dialogar com André Ventura, do Chega, para conseguir uma maioria parlamentar, o líder do PSD ainda não respondeu com clareza. Não quer, ou não lhe interessa responder. Mas, pelos sinais dados, Rui Rio não hesitará em chamar Ventura se disso depender chegar ao poder, ao contrário do candidato derrotado à presidência do partido. Rangel, na corrida à liderança, deixara claro que o diálogo com o Chega era a linha vermelha inultrapassável. O mesmo Rio não diz.

O líder do PSD no ataque diz que o seu opositor não responde a nada com clareza. A atitude de Costa não desmente a acusação. A perseguir o sonho de conseguir, numa primeira fase, metade mais um, e agora, sem qualquer disfarce, a desejar uma maioria absoluta, o líder do PS tem vindo a fechar as portas, uma atrás da outra, aos parceiros que apoiaram o Governo nos últimos seis anos. É verdade, sublinha Costa, que lhe tiraram o tapete na pior altura. Mas se pretende aliar-se a Rui Rio, e em vez de ceder nas leis laborais, ceder na liberalização do Estado, fazendo tudo o que durante a pandemia contestou, é bom que o diga. Terminará o debate com o anúncio do regresso do centrão?»

Incongruências

 

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12.1.22

A sopa

 


A sopa diária distribuída aos pobres, Fontes, Santa Marta de Penaguião, anos 50.
Imagem enviada por uma descendente dos donos desta casa, fotógrafo desconhecido.
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11.01.2022 – Debate Catarina Martins / António Costa

 


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«Bravata ideológica», disse ele

 

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E aquilo a que Costa chamou ontem «Bravata ideológica», como se fosse novidade de 2001, tem a ver com isto:

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A campanha do pântano

 


«O que aconteceu para, no meio de uma pandemia, vermos o candidato a primeiro-ministro a debater com o seu mais provável aliado o que fazer aos profissionais do SNS se ele for substituído por um sistema baseado nos privados? E este é só um dos casos.

Quem veja a maioria dos debates não imagina que estamos a atravessar uma crise sanitária sem precedentes. Não imagina que o nosso SNS está a atravessar uma das crises mais profundas da sua história, com a debandada de profissionais e que exige rápido reforço e medidas para o tornar atrativo para médicos e enfermeiros. Não imagina que depois disto vem uma crise económica e social. Nem que as moratórias bancárias acabam este mês. Não imagina que a crise política se deveu a divergências relevantes, que merecem ser debatidas com seriedade. Até porque algumas têm a ver com estes temas. Até agora, o primeiro-ministro dedicou mais tempo aos direitos dos animais do que ao PRR. É normal, tendo em conta as nossas circunstâncias?

Nos debates, ouvimos falar do Rendimento Básico Incondicional, uma medida só experimentada de forma piloto em países que ultrapassaram há décadas alguns dos problemas que vivemos. De homeopatia no SNS. Da taxa única de IRS num dos países mais desiguais da Europa. De modalidades da prisão perpétua, pena a que pusemos fim no século XIX. Tudo coisas que não acontecerão, pelo menos na próxima legislatura. E quanto mais esdrúxulos foram os temas maiores os elogios dos comentadores, que tomam inconsequência por ideologia. Não houve PRR, inflação, habitação. Dos temas que marcarão os próximos anos, só o SNS sobreviveu. E sobretudo nos debates dos partidos que foram da “geringonça”, para revisão da matéria dada.

Em 2011, 2015 e 2019, o país debateu as suas prioridades. Em 2011, a crise bancária que o poder financeiro transformou em crise da dívida soberana, transferindo para os cidadãos a fatura dos seus desvarios, e as responsabilidades nacionais na forma como lidámos com isso. Em 2015, o fracasso social e económico da austeridade e a forma de reverter o rasto de destruição que deixou. E de como a esquerda se tinha de entender, não para a construção de um programa comum, mas para impedir que a violência social se cristalizasse como política pública. Em 2019, já com menos empenho, mas ainda alguma esperança, se ainda havia caminho comum a fazer. Pelo menos a esquerda discutiu programa e o que ainda faltava nele.

Porque é que, em tempos tão complicados, as agendas mais simbólicas dos pequenos partidos conseguiram tomar conta da pré-campanha? Por causa do modelo de debate? Talvez ajude, porque sobrevaloriza partidos de nicho. Por causa da pandemia, que nos deixa uma enorme margem de incerteza? É possível, mas isso deveria reforçar a necessidade de discutir a estratégia para a recuperação. A principal razão é a natureza quase exclusivamente tática dos discursos dos dois principais partidos.

António Costa está a gerir os seus últimos cartuchos como primeiro-ministro. Até ele sabe que a maioria absoluta é uma miragem. No entanto, aposta nesse apelo. Porque ele serve para a única coisa que tem para dizer nesta campanha: culpar os supostos parceiros, assustar com a direita e dizer que para lá dele é o caos. Não há, no discurso de Costa, uma centelha de esperança e de projeto. Grita estabilidade, mas não consegue dar-lhe um conteúdo político.

Já Rui Rio, acredita no que disse aos seus concorrentes de direita: que ele é a única forma de tirar Costa do poder. E que as eleições não se ganham, perdem-se. Não pode acreditar noutra coisa. Basta ouvir os debates em que participou para perceber que não tem a mais vaga ideia do que fazer com o poder. Para além do autoritarismo difuso que quis apagar com um sorriso permanente, de divagações de café e das suas embirrações pessoais, a impreparação em quase todos os temas é aflitiva. Safa-se, porque grande parte dos debates foi semelhante a uma amena conversa, onde ele é agradável.

No que teve com Cotrim de Figueiredo isso foi especialmente evidente. Como é que alguém que se candidata a primeiro-ministro diz que terá posto, há uns bons anos, os seus filhos na escola privada porque a pública não presta e essa afirmação não é tema no dia seguinte, perante um insulto à escola pública que ainda por cima é negado pelos dados da evolução da prestação dos alunos portugueses? Porque, no fundo, são poucos os que o imaginam primeiro-ministro.

As bizarrias programáticas dos pequenos partidos tomaram conta dos debates (falta o confronto entre Costa e Rio) porque houve um ciclo que se fechou e ainda não há protagonistas para o próximo. Não é Rio, alguém sem qualquer visão para lá da sua paróquia. E já não é Costa, que quer desfazer a realidade política que ele próprio criou em 2015, mas de que dificilmente se livrará no seu próprio ciclo de poder. Esta campanha é como é porque é um intervalo. As sondagens indicam que não haverá condições para uma solução mais estável do que a atual. Os apelos do Presidente não mudam isto. Os novos ciclos não se decretam. Claro que podem vir surpresas no dia 30. Como disse um autor indeterminado, é difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro. Mas esta campanha não cheira a novo ciclo, cheira ao que tivemos nos dois últimos anos e podemos continuar a ter por mais dois: a pântano.»

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11.1.22

Mulheres e greves

 


Greve das operárias da CUF, 1911.
Fotografia de Joshua Benoliel, AML.
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Será que temos consciência do mundo em que já estamos a viver?

 


𝐕𝐈𝐕𝐄𝐑 𝐍𝐎 𝐌𝐔𝐍𝐃𝐎 𝐃𝐀 𝐂𝐎𝐕𝐈𝐃 𝐙𝐄𝐑𝐎

(Tradução de alguns excertos de um texto acessível a não assinantes se se criar uma conta.)

«Os chineses comuns têm um horror de apanhar covid que por vezes é difícil entender para quem está de fora. Aqui em Pequim, seria necessário um grande azar para apanhar o vírus. No momento em que escrevo este artigo, esta cidade de 22 milhões de pessoas encontrou um total de apenas 13 casos no mês passado. Não por falta de buscas: os moradores devem passar por muitas verificações de temperatura diárias e submeter-se a sistemas de rasteamento de contactos que os obrigam a passar um código QR com seus smartphones toda as vezes que entram num prédio público ou apanhem um táxi.

«Também é pouco provável que a capital esteja simplesmente escondendo infecções em massa. Com certeza, o regime secretista e de partido único da China é bem capaz de mentir. As autoridades da cidade de Wuhan encobriram a descoberta de um novo coronavírus por semanas no final de 2019 e início de 2020, silenciando médicos e ordenando a destruição de amostras de vírus. Até hoje, os porta-vozes do governo promovem teorias da conspiração em que o vírus começou num laboratório militar americano ou entrou na China através de alimentos congelados vindos da Europa: qualquer hipótese serve, se desviar a atenção do primeiro surto detectado em Wuhan.

«... Um morador de Pequim com covid enfrenta estigma social. Um único indivíduo infectado é suficiente para ver conjuntos habitacionais inteiros trancados por 14 dias e locais de trabalho em quarentena, provocando o ódio de vizinhos e colegas. Os filhos dos doentes são párias no pátio da escola. Como se isto não fosse pressão suficiente, autoridades locais em cidades de província, incluindo Chengdu, Harbin, Wuxi e Shangrao, entraram nas casas de moradores em quarentena e mataram os seus cães e gatos de estimação, argumentando com o risco de os animais transmitirem a doença.

«Estar doente na China zero-covid tornou-se numa forma de desvio. Os moradores de Pequim que desenvolvam uma temperatura acima de 37,3 ° C, por qualquer motivo - inclusive como efeito colateral de ter uma vacinação contra a covid - devem apresentar-se a uma clínica da febre para que lhes seja recolhido sangue para detectar anticorpos, fazer um raio X ao tórax e enfiar zaragatoas no nariz e na garganta para testes. O auto-tratamento pode levar à prisão, se alguém com temperatura alta der mais tarde positivo para o vírus. Duas farmácias no subúrbio de Pequim perderam as suas licenças depois de venderem medicamentos para baixar a febre a um casal sem registarem o seu nome num banco de dados de rasteamento do vírus.

«... Com Pequim essencialmente fechada a voos internacionais, as chegadas são desviadas para cidades na província, onde os passageiros devem ficar em quarentena por 21 dias antes de seguir para a capital chinesa. Qualquer pessoa que testar positivo para covid ou apresentar febre na chegada será levada para uma clínica do governo e libertada somente após vários testes negativos. Crianças e pais que viagem juntos são separados se um deles testar positivo.»
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10.01.2022 – Debate Catarina Martins / Inês Sousa Real

 


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Só três dissoluções levaram a maiorias absolutas



 

«Dissolver o Parlamento para “virar a página” da política ou “iniciar um novo ciclo” não é tarefa de certeza matemática. Na história de Portugal, em 48 anos de democracia, só por três vezes tal objectivo foi alcançado por um só partido. Agora o PS quer repetir o feito. Depois da dissolução provocada pelo chumbo do Orçamento do Estado para 2022, o primeiro-ministro, António Costa, já pediu “metade mais um” dos votos e a sua líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, assumiu mesmo que o PS quer a maioria absoluta.

Contas feitas, das sete dissoluções do Parlamento após o 25 de Abril de 1974, apenas três levaram a maiorias absolutas. Respectivamente da Aliança Democrática (AD), constituída pelo PSD, CDS e PPM; uma do PSD e uma do PS. Sob a égide de duas fórmulas diferentes: uma coligação pré-eleitoral (a AD), e as outras duas atribuídas a partidos que se apresentaram ao eleitorado “a solo”.

Nas eleições intercalares de 2 de Dezembro de 1979, há 43 anos, depois de o Presidente da República, Ramalho Eanes, ter dissolvido o Parlamento após a demissão de Mota Pinto de primeiro-ministro, a AD saiu vitoriosa. Passado um ano desta ida às urnas, nas legislativas de 5 de Outubro de 1980, a coligação liderada por Francisco Sá Carneiro renovou o contrato com os eleitores, reforçando a sua maioria com 45%.

O segundo momento de maiorias absolutas ocorreu nas legislativas de 19 de Julho de 1987. Após a dissolução do Parlamento em Abril daquele ano, o PSD liderado por Aníbal Cavaco Silva obteve uma vitória histórica, conquistando a primeira maioria absoluta de um só partido, com mais de 50% dos votos.

Foi o início do cavaquismo. Cavaco Silva chegara a primeiro-ministro de um Governo minoritário nas eleições antecipadas de 6 de Outubro de 1985, após o fim do bloco central e a demissão de Mário Soares da chefia do Governo. Depois da maioria absoluta de 1987, quatro anos depois, nas legislativas de 6 de Outubro de 1991, o PSD do “homem do leme” ultrapassa novamente a fasquia dos 50% e volta a governar com maioria absoluta no Parlamento.

Curiosamente, as eleições de 1991 são as primeiras efectuadas após a redução de 250 para 230 deputados. Tal medida foi tomada no âmbito da segunda revisão constitucional de 1987 que, além de significativas mudanças no articulado económico, consagrou a diminuição do número de eleitos.

Finalmente, o último momento de maioria absoluta ocorreu com a dissolução do Parlamento pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, em Dezembro de 2004. Era primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, que substituíra no cargo José Manuel Durão Barroso, que tinha abandonado o Palácio de São Bento para assumir a função de presidente da Comissão Europeia, em Bruxelas.

Das eleições antecipadas de 20 de Fevereiro de 2005 resultou a primeira, e até hoje única, maioria absoluta do PS, então com José Sócrates como secretário-geral, com 45% dos votos.

No total apenas por cinco vezes houve maiorias absolutas no Parlamento: três delas resultaram de dissolução parlamentar e as outras duas fruto da consolidação no poder da AD de Sá Carneiro e do PSD de Cavaco Silva.

Sistema eleitoral condiciona

Desde então, esta fórmula não se repetiu e a expressão “maioria absoluta” nunca mais foi pronunciada como meta, tendo saído do léxico político. Substituída por fórmulas rebuscadas, eufemismos de oportunidade como “maioria suficiente” ou “maioria robusta”.

Aliás, uma das raras excepções em que um partido estabeleceu uma fasquia eleitoral concreta foi nas legislativas de 1985. Então, os socialistas reivindicaram para o seu candidato Almeida Santos, 43% dos votos.

O apelo não teve as consequências esperadas. Antes pelo contrário. As eleições que guindaram Cavaco Silva a primeiro-ministro, sem maioria absoluta, reservaram para Almeida Santos o pior resultado do PS em legislativas: apenas 20% dos votos. O ciclo político tinha mudado.

“Não se trata do eleitorado gostar ou não gostar”, comenta, ao PÚBLICO, o politólogo António Costa Pinto. Deste modo, o especialista não corrobora a tese que justifica a ausência das maiorias absolutas numa alegada prudência do eleitorado que estaria traumatizado pelos excessos de governações apoiadas no Parlamento por esta fórmula.

O investigador-coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa refere as particularidades do sistema eleitoral português. “Como é que um sistema eleitoral que favorece a rápida emergência de partidos no Parlamento pode favorecer maiorias absolutas?”, interroga.

O que agora se chama de fragmentação, não é caso recente. “Desde o início da democracia portuguesa, o eleitorado de esquerda está fraccionado entre o PS e o PCP e sectores descontentes que levaram ao aparecimento do Bloco de Esquerda”, observa. O que limita a execução de concentração de votos e a fórmula absoluta à esquerda.

Daí que Costa Pinto realce uma singularidade. “As maiorias absolutas sempre existiram à direita, seja em coligação pré-eleitoral no caso da Aliança Democrática, ou de um só partido, o PSD”, comenta. Situação que, nas próximas eleições de 30 de Janeiro, não está garantida para as bancadas da direita.»

Cazaquistão

 



Um «regresso à calma» pela mão bem pesada da ajuda russa, com pelo menos 164 mortos e quase 8.000 presos. Ainda há vários «muros de Berlim» a serem derrubados, ou não, naquela imensa Ásia Central.
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10.1.22

Tintim e Milou

 


Parabéns pelos 93!
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Dos debates

 

«De algum modo, percebe-se que jornalistas e moderadores tenham tanta ou mais dificuldade em gerir os debates com o populismo do que os próprios candidatos adversários. A raiz para o caos reside nas escolhas editorias das televisões. Fazer micro ou nanodebates de 25 minutos é o maior serviço que a Comunicação Social faz, em liberdade e democracia, ao crescimento da extrema- -direita. Aceitar a sua agenda e replicá-la, diariamente, como porta-chave de temas é gravíssimo e autofágico. Vivem-se os debates como "rounds" de boxe ou "sets" de ténis ou pingue-pongue, onde o vencedor tem de ser declarado pela altura para onde atira as bolas, pelo volume do megafone, pela rispidez dos gestos, pelas frases infantis de agressão de pacotilha, pelo nível do acinte ou da ofensa, pelo "sound byte" vazio, pela vulgarização da demagogia ou eficácia da mentira ou populismo. E aqui, a culpa vive nos braços daqueles comentadores que, valha o que valer e independentemente das regras, entendem que o KO se exige num debate e que só existe quando se leva o adversário, rasgado, ao tapete. A eficácia veste-se, agora, como uma senhora antiga.»
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Júlio Pomar

 


Júlio Pomar chegaria hoje aos 96.

[Esta espantosa fotografia é de Nuno Ferreira dos Santos (Fevereiro de 2012)] 
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Um microbalanço dos microdebates

 


«Um debate com uma duração de 25 minutos é um microdebate. Mas, mesmo antes do “grande debate” da saison – vai ser no dia 13, Rui Rio versus António Costa –, já se pode fazer um microbalanço.

António Costa está centrado em duas únicas ideias: conseguir a maioria absoluta, humilhando os parceiros “irresponsáveis” que o levaram ao poder em 2015, e provar que é um primeiro-ministro muito mais confiável do que Rui Rio. Foi a “falar” para Rio que debateu com Rui Tavares (o aliado mais provável de todos, mas que, com sorte, só elege um deputado), foi sem qualquer “rebuço” que tentou destruir um fragilizado Jerónimo de Sousa, mesmo recorrendo a uma falsidade: a de que não pode fazer o aumento das pensões com o regime de duodécimos. Na verdade, como já tinha explicado antes, poder pode, mas acha que não deve. Foi a olhar para André Ventura como possível aliado de Rui Rio que repetiu o mantra “comigo o senhor não passa” duas ou três vezes, e afirmou não estar na política para o “mitigar” – aludindo à explicação de Rio segundo a qual Ventura defende a prisão perpétua em versão mitigada. Por azar, levou a questão da corrupção para o debate com Ventura – o facto de o líder do Chega ter faltado à votação do pacote anticorrupção – e foi confrontado com o facto de José Sócrates ter sido primeiro-ministro.

Se Costa é o símbolo da confiança e auto-suficiência (vamos ver até que ponto os portugueses não confundirão isso com arrogância, principalmente quando o que se pede aos eleitores é uma maioria absoluta), Rui Rio anda muitas vezes aos papéis. Andou aos papéis com André Ventura, deixando a agenda do Chega dominar o debate, e estava muito pouco preparado no confronto com Catarina Martins, nomeadamente nas questões do SNS e sustentabilidade da Segurança Social. Com Francisco Rodrigues dos Santos, conseguiu a sua melhor performance nestes debates, tentando mostrar como o CDS é o aliado preferencial, mas esforçando-se por voltar ao “centro” que os seus ziguezagues com Ventura arriscam a ver perdido. Outra das suas qualidades – que poderá ou não vir a ter efeitos eleitorais – é ter aquilo a que se chama “autenticidade” e ter uma imagem de ser pouco “calculista”.

Jerónimo de Sousa não esperava a agressividade do outrora parceiro António Costa no debate de terça-feira. Viu-se que teve dificuldade em reagir à artilharia que o primeiro-ministro trouxe para o frente-a-frente – talvez não esperasse que, depois de em 2015, quando Costa perdeu as eleições, ter dito que “o PS só não formava governo se não quisesse” e de tantos anos de colaboração amigável, a coisa acabasse em KO técnico. Mas Costa é implacável e Jerónimo perdeu o poder de reacção. Quando na entrevista ao PÚBLICO/Renascença desta semana não se quis comprometer com a continuação no cargo de secretário-geral do PCP até ao próximo Congresso, deu o primeiro sinal de que talvez esta seja a sua última campanha como líder dos comunistas. O facto de o PCP se ter recusado a participar nos debates em canais por cabo – que acabarão por ficar disponíveis na RTP – é um sinal de evidente fraqueza. A sondagem do PÚBLICO dá o PCP, apesar de tudo, com 6%.

Catarina Martins está a dar tudo por tudo para fugir do anátema de que o Bloco de Esquerda é “um partido irresponsável” por ter chumbado o Orçamento, e evitar a penalização eleitoral que pode acontecer com a transferência de votos do seu partido para o PS, cenário em que joga Costa. Nestes debates, tem-se esforçado por manter uma calma olímpica, evitar a agressividade (que afasta alguns eleitores mais moderados) e mostrar que é, muito provavelmente, a mais bem preparada dos líderes políticos que têm aparecido nestes debates.

(Continua na próxima semana)»

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9.1.22

Os polícias

 


Forças policiais em exercícios, 1918.
Fotografia de Joshua Benoliel.
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Isto é gente de outra galáxia

 




Loucura perigosa e não só para os chineses.
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09.01.1908 – Simone de Beauvoir

 


Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir chegaria hoje a uns improváveis 114 anos.

Se tudo já foi escrito sobre Simone, talvez valha a pena, apesar de tudo, recordar o papel decisivo de uma das suas obras: Le Deuxième Sexe. Se esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, a verdade é que o ambiente não estava preparado para a problemática da libertação da mulher, tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».

Esta obra foi certamente uma das maiores «pedradas» que levei como leitora no início da idade adulta. Estudante recém-chegada a Lovaina, com uma mala quase de cartão, com dezanove anos de salazarismo às costas, apanhei então, em cheio, a grande repercussão do livro na Europa francófona.

Para a sua compreensão e consagração terá sido decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber. Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe «regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória.

Paralelamente, iam sendo publicadas outras obras da autora, como a trilogia das Memórias – o que mais apreciei de tudo o que dela li e que não foi pouco (Mémoires d’une jeune fille rangée (1958), La force de l’âge (1960), La force des choses (1963)).

Simone de Beauvoir nunca provocou grandes empatias e foi sempre objecto de discussões sem fim sobre a sua importância relativa quando comparada com a de Sartre. Mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après».


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Joan Baez

 


Esta jovem chega hoje aos 81. Cantou durante décadas em várias arenas, lembra-nos Wookstock, lutas pelos direitos dos negros, activismo contra a Guerra do Vietname, várias detenções como, por exemplo, em 1967, em Oakland, numa das dezenas de manifestações que tiveram lugar em cerca de 30 cidades dos Estados Unidos.

Uma série de vídeos neste post do ano passado.
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Ilusões no virar a página

 


«Nas suas mensagens institucionais deste início de ano, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa afirmaram, em uníssono, a necessidade de "virar a página". Esta expressão conduz-nos, de imediato, para um desejo forte que nos pode e deve mobilizar a todos: libertarmo-nos da pandemia que atrofia a vida de cada um e provoca graves retrocessos na sociedade. Mas, as suas mensagens e os contextos em que se situam podem induzir ilusões, desde logo porque existe uma relação profunda entre passado, presente e futuro, e este não se torna melhor por mero desejo.

Que propostas para a resolução dos problemas dos portugueses e do país, e que estudo e estratégias estatais cada um deles avança no seu virar a página? Em que estado está a economia e a sociedade portuguesa e como se propõem mobilizá-las?

Não se vira a página prosseguindo a utilização da precariedade e do desemprego, secundarizando a qualidade da gestão e o papel determinante de boa organização do trabalho. Não se vira a página "apoiando a economia" com o facilitismo dos baixos salários, com a ampliação do chapéu protetor do Estado em vantagens fiscais e benesses a setores e empresas parasitários ou acomodados, ou ainda, com a desregulamentação das relações laborais para manter a nossa especialização em setores estruturalmente pouco produtivos. Não se vira a página alimentando o populismo fascizante através de condescendência com a pobreza e as desigualdades, de insuficiências da justiça, da tolerância com o racismo, ou de entretenimentos alienantes. Não se vira a página persistindo na conversa intelectualmente preguiçosa que aponta o caráter dos portugueses, ou as "incapacidades dos trabalhadores", como causas da baixa produtividade.

A baixa produtividade é em si mesmo um problema. Todavia, o bloqueio ao crescimento da produtividade resulta, essencialmente, de quatro factos: i) a herança de um passado com uma industrialização tardia e uma agricultura atrasadíssima, no quadro de um regime político tacanho e fascista; ii) opções de desindustrialização e de abandono de atividades produtivas, bem como a utilização de privatizações para negociatas e financeirização da economia; iii) políticas de centralização que conduziram ao abandono de grande parte das regiões do país; iv) e, nas últimas décadas, a aposta absolutizada no turismo e atividades conexas, onde o valor acrescentado é inevitavelmente baixo.

Promessas de virar a página sem políticas que rompam, paulatinamente e a prazo, com este passado/presente são inexequíveis. A Direita não apresenta propostas que garantam melhores condições à esmagadora maioria dos portugueses, que salvaguardem direitos fundamentais e o desenvolvimento do país. Uma maioria absoluta do PS não é solução. Não foi por falta de estabilidade que o seu governo não rompeu plenamente com as políticas de austeridade e não começou a encetar os passos necessários para esse novo virar de página.

A mudança necessária poderá avançar se, como defende uma centena de destacados cidadãos num abaixo-assinado divulgado na terça-feira, a Esquerda, na sua pluralidade, construir uma agenda e sustentar um governo que mobilize um amplo leque de forças sociais e políticas e as ponha a dialogar, que promova a recuperação socioeconómica, uma política industrial e investimento em setores económicos promissores, um desenvolvimento justo e sustentável.»

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