«Dissolver o Parlamento para “virar a página” da política ou “iniciar um novo ciclo” não é tarefa de certeza matemática. Na história de Portugal, em 48 anos de democracia, só por três vezes tal objectivo foi alcançado por um só partido. Agora o PS quer repetir o feito. Depois da dissolução provocada pelo chumbo do Orçamento do Estado para 2022, o primeiro-ministro, António Costa, já pediu “metade mais um” dos votos e a sua líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, assumiu mesmo que o PS quer a maioria absoluta.
Contas feitas, das sete dissoluções do Parlamento após o 25 de Abril de 1974, apenas três levaram a maiorias absolutas. Respectivamente da Aliança Democrática (AD), constituída pelo PSD, CDS e PPM; uma do PSD e uma do PS. Sob a égide de duas fórmulas diferentes: uma coligação pré-eleitoral (a AD), e as outras duas atribuídas a partidos que se apresentaram ao eleitorado “a solo”.
Nas eleições intercalares de 2 de Dezembro de 1979, há 43 anos, depois de o Presidente da República, Ramalho Eanes, ter dissolvido o Parlamento após a demissão de Mota Pinto de primeiro-ministro, a AD saiu vitoriosa. Passado um ano desta ida às urnas, nas legislativas de 5 de Outubro de 1980, a coligação liderada por Francisco Sá Carneiro renovou o contrato com os eleitores, reforçando a sua maioria com 45%.
O segundo momento de maiorias absolutas ocorreu nas legislativas de 19 de Julho de 1987. Após a dissolução do Parlamento em Abril daquele ano, o PSD liderado por Aníbal Cavaco Silva obteve uma vitória histórica, conquistando a primeira maioria absoluta de um só partido, com mais de 50% dos votos.
Foi o início do cavaquismo. Cavaco Silva chegara a primeiro-ministro de um Governo minoritário nas eleições antecipadas de 6 de Outubro de 1985, após o fim do bloco central e a demissão de Mário Soares da chefia do Governo. Depois da maioria absoluta de 1987, quatro anos depois, nas legislativas de 6 de Outubro de 1991, o PSD do “homem do leme” ultrapassa novamente a fasquia dos 50% e volta a governar com maioria absoluta no Parlamento.
Curiosamente, as eleições de 1991 são as primeiras efectuadas após a redução de 250 para 230 deputados. Tal medida foi tomada no âmbito da segunda revisão constitucional de 1987 que, além de significativas mudanças no articulado económico, consagrou a diminuição do número de eleitos.
Finalmente, o último momento de maioria absoluta ocorreu com a dissolução do Parlamento pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, em Dezembro de 2004. Era primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, que substituíra no cargo José Manuel Durão Barroso, que tinha abandonado o Palácio de São Bento para assumir a função de presidente da Comissão Europeia, em Bruxelas.
Das eleições antecipadas de 20 de Fevereiro de 2005 resultou a primeira, e até hoje única, maioria absoluta do PS, então com José Sócrates como secretário-geral, com 45% dos votos.
No total apenas por cinco vezes houve maiorias absolutas no Parlamento: três delas resultaram de dissolução parlamentar e as outras duas fruto da consolidação no poder da AD de Sá Carneiro e do PSD de Cavaco Silva.
Sistema eleitoral condiciona
Desde então, esta fórmula não se repetiu e a expressão “maioria absoluta” nunca mais foi pronunciada como meta, tendo saído do léxico político. Substituída por fórmulas rebuscadas, eufemismos de oportunidade como “maioria suficiente” ou “maioria robusta”.
Aliás, uma das raras excepções em que um partido estabeleceu uma fasquia eleitoral concreta foi nas legislativas de 1985. Então, os socialistas reivindicaram para o seu candidato Almeida Santos, 43% dos votos.
O apelo não teve as consequências esperadas. Antes pelo contrário. As eleições que guindaram Cavaco Silva a primeiro-ministro, sem maioria absoluta, reservaram para Almeida Santos o pior resultado do PS em legislativas: apenas 20% dos votos. O ciclo político tinha mudado.
“Não se trata do eleitorado gostar ou não gostar”, comenta, ao PÚBLICO, o politólogo António Costa Pinto. Deste modo, o especialista não corrobora a tese que justifica a ausência das maiorias absolutas numa alegada prudência do eleitorado que estaria traumatizado pelos excessos de governações apoiadas no Parlamento por esta fórmula.
O investigador-coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa refere as particularidades do sistema eleitoral português. “Como é que um sistema eleitoral que favorece a rápida emergência de partidos no Parlamento pode favorecer maiorias absolutas?”, interroga.
O que agora se chama de fragmentação, não é caso recente. “Desde o início da democracia portuguesa, o eleitorado de esquerda está fraccionado entre o PS e o PCP e sectores descontentes que levaram ao aparecimento do Bloco de Esquerda”, observa. O que limita a execução de concentração de votos e a fórmula absoluta à esquerda.
Daí que Costa Pinto realce uma singularidade. “As maiorias absolutas sempre existiram à direita, seja em coligação pré-eleitoral no caso da Aliança Democrática, ou de um só partido, o PSD”, comenta. Situação que, nas próximas eleições de 30 de Janeiro, não está garantida para as bancadas da direita.»