18.8.07

«Amen!» (3)

Num comentário ao meu primeiro texto sobre este tema, Rui Bebiano escreveu:

«(...) Ressalvando as buscas minoritárias de uma certa espiritualidade, estes [os fiéis] valorizam essencialmente o rito e o mistério. Igrejas “compreensíveis” são Igrejas doentes na relação com a sua dupla missão de dissolução do sujeito e de subjugação das consciências (O relevo é meu.)

Raramente li uma afirmação tão sintética e lapidar sobre o papel destruidor das Igrejas no que ao indivíduo diz respeito: «dissolução do sujeito» e «subjugação das consciências».

Mas tendo a colocar a origem do problema a montante. Julgo que é o próprio fenómeno religioso, e respectivo ritual, que é o responsável por esse papel destruidor – bem incarnado e alimentado, é verdade, pelas diferentes instituições eclesiásticas.

Por isso me irritam profundamente as repetidas afirmações de respeito por todas as religiões e pelos seus benefícios, tão na moda, sobretudo por parte de ateus e agnósticos empedernidos. Apregoar e esperar que delas venha salvação para o mundo e progresso para a humanidade parece-me não só irrealista como prejudicial.

Estive na Índia há cerca de três anos. Ficaram-me gravadas para sempre, na memória e na pele, as imagens de Varanasi (antiga Benares) – cidade enorme, terrível e miserável, à beira do célebre rio Ganges onde os fiéis se vão banhar ao nascer do dia, para onde convergem os peregrinos doentes à espera da morte, cheia de estropiados e de vacas sagradas. Ao lado do barco em que, como turista, vi este espectáculo, boiava o cadáver de um bebé de seis meses (as crianças não sei queimadas, mas sim atiradas ao rio, por vezes sem a pedra ao pescoço que é suposto afundá-las). Tenebroso.

Estas manifestações de religiosidade perante as quais, normalmente, os ocidentais se inclinam com respeito, e até admiração, provocaram em mim uma revolta profunda. Ninguém merece viver assim, no século XXI – mesmo que o faça voluntariamente.

Salvas todas as distâncias e as devidas proporções, as tristes imagens que nos chegam dos peregrinos de Fátima também não são propriamente um exemplo de dignidade.


Regresso ao ponto de partida desta sequência de posts.
Perante tudo isto, tem alguma importância o regresso do latim? Julgo que sim, embora seja uma importância relativa. Reforça o obscurantismo do ritual e, desse modo – volto agora ao texto de Rui Bebiano –, ajuda a Igreja a «dissolver sujeitos» e a «subjugar consciências».

17.8.07

«Amen!» (2)

O Youtube tem vários videos que celebram o documento de Bento XVI «Summorum Pontificum», sobre o regresso do latim e do chamado rito tridentino à liturgia (ver post anterior).

O título deste é, significativamente:

It's time for the real Catholic Church to come forward.

15.8.07

«Amen!»


Rui Bebiano (RB) comentou, em A Terceira Noite, uma recente crónica de João Bénard da Costa (JBC) no jornal Público de 12/8 sobre a reintrodução do latim na liturgia católica, que foi objecto de um documento papal datado de 7 de Julho («Summorum Pontificum»).

Globalmente, não discordo do conteúdo dos dois textos, mas a sua leitura suscitou-me algumas reflexões.

Em primeiro lugar, não hesito em considerar que este acto de Bento XVI configura (mais um) claro e significativo retrocesso em relação a uma das mais importantes aquisições do Concílio Vaticano II – a celebração da liturgia em línguas vivas e entendidas pelos participantes. Ela foi então um meio decisivo de responsabilização e de reforço do sentido comunitário.

Corresponde também, parece-me que inequivocamente, a uma cedência a grupos tão conservadores que, nalguns casos, até foram condenados pela própria Igreja e dela excluídos. É por exemplo o caso da fraternidade de S. Pio X, dirigida durante muitos anos por monsenhor Lefebvre e cujo sucessor Bento XVI se apressou a receber em 2006. Foram aliás dos primeiros a mostrar regozijo pelo documento agora publicado.

É, ainda, uma «recentralização» reforçada de poderes em Roma e na civilização ocidental.

Note-se que o uso do latim nunca foi proibido, mas é agora alargado e generalizado. Talvez valha a pena sublinhar alguns elementos novos neste documento:
• Qualquer grupo de cristãos pode pedir uma missa em latim. Se o pároco não lha proporcionar, deve contactar o bispo e, em último caso, a comissão pontifícia «Ecclesia Dei»
• É possível exigir que os sacramentos (baptismo, casamento, etc.) sejam administrados em latim.
• Qualquer padre pode celebrar em latim sem ter de pedir autorização ao seu bispo, como era o caso até agora.

Claro que podem coexistir, num mesmo local, liturgias em latim e em vernáculo. Mas algumas experiências, nomeadamente em França, têm dado origem a conflitos e choques de grupos «rivais». O que é, no mínimo, lamentável...

Qual o sentido de tudo isto? O JBC, o RB, eu e todos os que crescemos antes do fim da década de 60, e que frequentámos igrejas, nunca tínhamos conhecido um cenário sem latim. Além disso, percebíamos apesar de tudo alguma coisa – é que a nossa língua até é parecida, certo? Mas alguém entende que, em pleno século XXI, se ponha sequer a hipótese de um chinês, um zambiano ou mesmo um finlandês repetir frases que não percebe, em diálogos próprios de papagaios e não de seres humanos responsáveis?

Dito isto, volto a JBC e a RB. Ambos referem, em termos diferentes, que a incompreensão do que se dizia em latim reforçava o mistério do ritual. Talvez, mas não vislumbro quaisquer virtudes nesse reforço.

Mas sou evidentemente sensível, isso sim, à incontornável herança estética de toda a criação musical ligada ao latim. Estou a pensar, por exemplo e especificamente, no Canto Gregoriano. Não esquecerei nunca a beleza, quase arrepiante, de uma missa de Natal a que assisti na Bélgica, a vivo e a cores, num mosteiro masculino de beneditinos. Um dos monges que a cantava era o historiador José Matoso, então, tal como eu, estudante em Lovaina.

As voltas que o mundo dá! Tantas que até o latim regressou, primeiro de mansinho, agora pela passadeira vermelha – com sapatos Prada, vermelhos eles também.

Canções na memória ( XII ) - Paris, 15 Août




Paris, 15 Août (Barbara, 1964 )

Paris, 15 août, Paris, 15 août,
Nous aurions pu l'avoir tout à nous.
Paris est désert en ce moi d'août,
Mais tu es parti, en Espagne.

Je le sais bien, tu n'y peux rien :
Tes enfants ont besoin de vacances
Et chaque mois d'août, ça recommence.
Tu pars avec eux, en Espagne.

Je t'imagine et je devine
Que pour moi, mon amour, tu t'inquiètes.
Je sais bien que, parfois, tu t'embêtes
Avec ta famille, en Espagne.

Il n'y a pas, il n'y a pas
Que ceux qui s'aiment et qui s'émerveillent,
Que ceux qui rêvent d'aller au soleil
Qui s'en vont ensemble, en Espagne

Et tous ceux-là, qui comme toi,
Chéri, ont des amours clandestines,
Ceux qui, au départ font grise mine,
Attendent leur retour, d'Espagne,

Ce sera long, ce sera long,
Mais faisons un pari de trouver,
Comme avant nous pouvons nous aimer,
Et rêver ensemble d'Espagne,

En attendant, en attendant,
Soyez heureux près de vos enfants,
Et n'ayez pour moi aucun tourment,
Demain, je pars seule, en Bretagne...




.

13.8.07

Berlim, 13 de Agosto de 1961


Início da construção do muro que dividiu os alemães durante 28 anos.


Até 9 de Novembro de 1989.



Alguns dados históricos:

12.8.07

Um cemitério como bairro

As Filipinas foram descobertas pelos portugueses – mais concretamente por Fernão de Magalhães no século XVI. Lá estão: mais de sete mil ilhas, com quase oitenta milhões de habitantes (mais de dez milhões só em Manila).

Um em cada cinco filipinos vive abaixo do limiar de pobreza, mas há também grandes fortunas. Certamente que ainda não esquecemos as extravagâncias da ex-primeira dama Imelda Marcos com os seus 3.000 pares de sapatos.


Hoje, em 2007, em pleno século XXI, há milhares de pessoas que moram num dos principais cemitérios de Manila, nalguns casos há três gerações. Fazem-no com uma naturalidade chocante, dizem que temem mais os vivos do que os mortos, dormem em cima de caixões dentro dos jazigos, ganham alguns trocos quando ajudam a fazer enterros. As crianças têm aulas entre túmulos e lixo.

A humanidade já não devia assistir a espectáculos destes. Mas ele aí está, em menos de dois minutos, no Youtube. É das coisas mais macabras que vi nos últimos tempos.
Desculpem se vos estraguei a tarde de um Domingo de Agosto...