23.6.12
Grécia: evolução na continuidaade
@Paulete Matos
«Depois de um período eleitoral interminável, o regresso à vida real será doloroso. Ontem, enquanto decorriam longas negociações para formar um governo, uma distribuição gratuita de bens alimentares quase se transformou em motim, no centro de Atenas. "Há tanta gente com fome! O que é que vamos fazer? Voltar às senhas de racionamento?", lamentava Costas, um reformado de 85 anos que, desde que existem medidas de austeridade, só recebe 485 por mês.»
Estarão melhor daqui a um ano? Ora...
(Fonte)
Uma modesta dona de casa…
«Ontem, de cada vez que havia golo alemão, as câmaras apontavam para uma modesta dona de casa, daquelas que em Salónica ou na Beira Interior ainda vestem o mesmo casaquito de antes da crise (e já lá vão três anos). Golo, e ela saltava da cadeira e erguia os dois braços acima da cabeça como quem agarra o varão superior da Carris ou da Ethel, autocarros de Atenas. Como o salto e o pendurar-se no varão se repetiu por quatro golos, pudemos reconhecer a mulher: era Angela Merkel. Clara operação de propaganda, para demonstrar aos gastadores povos resgatados que uma chanceler alemã anda de transportes públicos e mal vestida...»
Ferreira Fernandes, na íntegra aqui.
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Morreu o Blogómetro, viva o Blogómetro
O antigo site onde era divulgado o movimento de acessos aos blogues portugueses deixou de funcionar, mas o Aventar acaba de divulgar que tomou a iniciativa de criar um outro, por enquanto em versão beta.
Fica aqui anunciado, como pedido.
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Relvas, ERC, etc. – mais achas
Poucas pessoas terão visto os programas que a SIC Notícias transmitiu, há dois dias, enquanto Portugal jogava com a República Checa. Mas mais duas achas foram então deitadas para a fogueira: Helena Roseta, no Frente-a-Frente, ressuscitou factos ocorridos há dez anos e Carlos Magno e a própria ERC foram arrasados, na Quadratura do Círculo, não só mas sobretudo por Pacheco Pereira.
Ficam aqui registados para memória futura.
Mais informação aqui.
Pacheco Pereira a partir do minute 11:18 (para quem não quiser ouvi tudo).
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22.6.12
Índia: barragens versus religião
Eu não sei se as mais de 50 barragens previstas pelo governo indiano para o rio Ganges são, ou não, um bom projecto em termos globais e há relatórios de especialistas que apontam no sentido de ser aconselhável desistir de uma parte delas por razões ambientais.
A polémica está lançada, há quem acuse os Estados Unidos de fomentarem esta contestação porque a construção das centrais eléctricas provocará um forte decréscimo da venda de urânio à Índia e o governo indiano vem agora dizer que está disposto a reduzir em 50% a produção de energia prevista, de modo a salvaguardar a sobrevivência da vida aquática e o débito do rio.
Mas não é só, nem sobretudo, este tipo de contestação que está em curso, mas sim a de carácter religioso: centenas de sadhus insurgem-se, indignados, contra o «assassínio da mãe Ganges», afirmam que as barragens serão construídas sobre os seus cadáveres e que podem misturar o seu sangue com o cimento.
Todos os anos, há milhões de hindus que vão em peregrinação a locais que acreditam terem a função de purificar a alma, dissolver os pecados e garantir uma vida melhor depois da morte. Banham-se e bebem a água de um dos dez rios mais poluídos do mundo, não apenas por causa de resíduos industriais, mas principalmente por lançamento de esgotos não tratados. São queimados em crematórios instalados nas margens do rio e neste são lançadas as cinzas.
Já me cruzei com o Ganges mais de uma vez. Mas nunca como em Varanasi, que guardo como símbolo de horror, e onde não voltaria nem que me pagassem fortunas.
Numa cidade enorme e miserável, ao nascer do dia vêem-se velhos ex-leprosos estropiados a pedirem esmola, banhos de multidões na tal água indescritível, crematórios em pleno funcionamento (poupo a descrição dos cheiros…), eventualmente corpos de crianças mortas a boiarem – as crianças não são queimadas, mas sim atiradas ao rio sem que, por vezes, a pedra ao pescoço, que é suposto afundá-las, tenha sido devidamente colocada. Eu vi uma que deveria ter seis meses (está nesta foto).
Não me falem de crenças religiosas e de diferenças culturais dignas de respeito porque não aceito, pura e simplesmente. Tudo tem limites.
Que venham as barragens!
(A partir daqui)
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Humor negríssimo
Erraria por pouco: PM Samaras Hospitalized with Retinal Detachment.
(Além disso: New Greek Finance Minister Hospitalized.)
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Mais valia ter-se escrito ao Pai Natal (2) - Eu não disse?
Escrevi este post ontem. Leio hoje:
Cavaco recusa receber postais contra fecho da MAC
Mas o que é isto? Quem é esta pessoa que recusa receber um apelo que 14.000 cidadãos pacíficos lhe fazem? Se os postais tivessem sido enviados pelo correio, e não levados em mão, devolvia-os a cada remetente?
A delegação que foi a Belém, e que Cavaco receberia mas sem os ditos postais, fala de «prepotência e arrogância». Esqueceu-se de outra coisa: «falta de educação».
.21.6.12
O futuro da esquerda
A ler, a crónica de José Neves, hoje no «i». Matéria para reflexão.
«De há uns tempos a esta parte, os debates sobre o futuro da esquerda em Portugal têm sido alimentados por alguns contributos que afirmam ter chegado o tempo da unidade. Estes contributos vão de rigorosos exercícios de cálculo eleitoral a comoventes desabafos de alma, mas eu queria colocar aqui três entraves à famigerada unidade.»
Na íntegra AQUI.
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Uma simples varanda
Esta varanda existiu no aeroporto de Lisboa, durante muitos anos, e esta fotografia veio ilustrar algumas das memórias mais nítidas que guardo de algumas actividades de resistência, em tempos de Salazar e de Caetano. Ao vê-la, não identifico com precisão os antigos locais de chegadas e de partidas, mas recordo imediatamente um esquema de vigilância que utilizei muitas vezes.
É sabido que, quem chegava, via frequentemente as malas vasculhadas, não só nem tanto pela alfândega normal, em busca de perfumes ou de jóias, mas mais pelos agentes da PIDE, que procuravam livros proibidos e, sobretudo, cartas ou outros documentos politicamente suspeitos. Como estes não podiam ser enviados por correio normal porque não passavam nas malhas dos censores instalados nos CTT da época, eram levados e trazidos por quem viajava. E porque eu o fazia frequentemente por razões profissionais, fui «pombo-correio» activíssimo sobretudo nos últimos anos da ditadura, de e para o estrangeiro.
O mais seguro era transportar a informação em microfilmes (esses grandes percursores das nossas pens…), facilmente alojáveis em frascos de medicamentos e tão pouco usados que a PIDE não os procurava. Mais difícil era a papelada…
O meu esquema mais seguro, mas do qual não podia abusar exageradamente e a que só recorria em casos mais perigosos, era pedir a um amigo, alto funcionário da TAP com livre-trânsito permanente, que me fosse esperar à saída do avião. No percurso de autocarro para a aerogare, no meio de uma galhofa improvisada, passava-lhe os papeis para os bolsos do casaco.
Para o resto, era arriscar. E é aí que entra a varanda. Era importante, não só por minha causa mas pela segurança dos destinatários da minha «mercadoria», que se soubesse rapidamente se eu tinha chegado a bom porto, ou seja, se não tinha sido presa por me terem apreendido algo. (E seria mesmo presa porque não trazia propriamente histórias de encantar, nem planos para festas infantis…) Pedia portanto quase sempre a alguém que me fosse esperar e visse… da varanda, se eu tinha passado.
Ninguém pedia nem dava explicações, nem era necessário. Era grande a rede de cumplicidades.
Ninguém pedia nem dava explicações, nem era necessário. Era grande a rede de cumplicidades.
Passei sempre. Tive sorte.
(A imagem vem daqui, claro.)
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O relatório da ERC
Como sou muito paciente, li ontem à noite as 48 páginas do Relatório da ERC sobre o caso Relvas.
Se já tinha uma posição quanto aos incidentes, confirmei-a. Também não mudei de opinião sobre o ministro – esta passagem do relatório fala por ele:
«Uma vez que, em duas ocasiões, Miguel Relvas desmentiu que manteve uma segunda conversa telefónica com a editora de Política na tarde de 16 de maio, foram-lhe remetidos os elementos aparentemente comprovativos dessa chamada telefónica. Em resposta, o ministro não contestou que o número indicado lhe pertencia e, em relação aos seus anteriores testemunhos, veio referir que, afinal, não poderia precisar quantas vezes falara com a editora de Política naquele dia.»
Comentários para quê…
Quanto ao parecer final da ERC, aprovado com três votos a favor e dois contra (dos dois membros não nomeados pelo PSD), está a ser divulgado por todos os órgãos de comunicação social e dispenso-me de o comentar, pelo menos para já. Quem quiser que o leia e tire as conclusões que entender.
Um dos votos contra foi de Arons de Carvalho que fez uma declaração que começa assim:
Pode ser lida aqui na íntegra.
Triste país que podia ser decente. Mas não é.
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20.6.12
E daqui a dez dias
… estarei a visitar os vestígios dos ontens que não cantaram.
Parece que, por cá, os termómetros vão subir quase até aos 40º. Espero não reencontrar o país (ainda) mais derretido...
. Rio+20 e os direitos das mulheres
Está em curso, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20 porque foi em 1992 que se realizou a primeira reunião deste tipo, também no Rio de Janeiro.
Trata-se de eventos sempre de certo modo frustrantes a priori, também agora já de fala de desilusão, mas não são as questões ambientais propriamente ditas que aqui me trazem.
Leio, na revista Veja, que o Relatório final que será proposto para votação «deixou de fora direitos de sexualidade e reprodução das mulheres consagrados na quarta Conferência Mundial para as Mulheres, realizada em Pequim em 1995». As modificações foram feitas no parágrafo 16, e referem-se à Declaração de Pequim, aprovada na conferência sobre mulheres de 1995, e à Plataforma de Acção, aprovada posteriormente no Cairo. Ambas estabelecem o direito das mulheres sobre a sua vida reprodutiva e garantem-lhes o acesso a métodos de planeamento familiar.
Concretamente a expressão «direitos de sexualidade e reprodução» terá sido substituída por «serviços de saúde da mulher»!
Como se chegou aqui? Pela poderosa oposição de um grupo de observadores da Santa Sé que, embora sem poder de veto, exerce uma fortíssima influência sobre os representantes de países católicos mais conservadores (Malta, Egipto, Chile, Polónia, Rússia, Honduras, República Dominicana, Nicarágua, Síria e Costa Rica).
Porquê? «O direito de reprodução não é uma questão de saúde ou de população. Defender isso é defender o assassinato. É o mesmo que defender a solução final de Hitler», terá explicado um dos negociadores do Vaticano. Sempre o espectro do aborto e de questões afins em pano de fundo, portanto…
Alguns países reclamaram, organizações também: «Os governos não estão a ser consistentes no respeito aos direitos das mulheres e muitos grupos cederam aos apelos dos representantes do Vaticano, retirando do texto final da Rio+20 artigos que poderiam garantir o direito reprodutivo feminino», diz um director a executivo da Human Rights Watch.
Mas terá ganho, ainda e uma vez mais, o obscurantismo. Assim vamos, em pleno século XXI.
. Capacho = tapete usado na frente de portas, usado para limpar os pés
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Relvas: condenável, inaceitável, ilibado
Embora só hoje deva ser divulgada a posição oficial da ERC sobre o caso Miguel Relvas / jornal Público, a propósito de mensagens e telefonemas que envolveram «alegadas» pressões e ameaças ao jornal e a uma das suas jornalistas, vários órgãos de comunicação social, incluindo o visado, distribuíram, ontem à noite, notícias sobre o assunto.
Primeiro: uma vez mais, e embora, neste caso, não se esteja perante uma questão de segredo de justiça já que a ERC não é um tribunal (é bom sublinhá-lo…), alguém que não devia falar falou e espalhou uma versão prévia do que virá a ser assinado – business as usual.
Segundo: afirma o Expresso que Miguel Relvas será «ilibado» (ou seja «não tocado, sem mancha, puro, reabilitado», segundo o Dicionário Priberam) por não terem sido dadas como provadas as referidas pressões e ameaças. Nada que não fosse expectável, uma vez que não existem gravações das conversas telefónicas, e sempre pensei que seria essa a conclusão – estava escrita na pedra.
Mas parece que a ERC concluirá que houve «pressões inaceitáveis», que «não podem ser consideradas ilícitas, embora sejam moralmente condenáveis».
Mesmo com todos estas nuances e reservas, num país minimamente decente, o que faria um ministro com o peso político de Relvas e com tutela a comunicação social? Obviamente, demitia-se. Ou era demitido por um primeiro-ministro, também minimamente decente.
Claro que logo, no documento definitivo, pode manter-se apenas o termo «ilibado» e as pressões passarem de «inaceitáveis» e «condenáveis» a «compreensíveis» e «inócuas». Impossível, pouco provável? A ver vamos.
. 19.6.12
Grécia como vítima
O texto que Paul Krugman publicou há dois dias, no York Times – Greece as Victim – já correu mundo e, concorde-se muito, pouco ou quase nada, merece ser lido.
Alguns excertos traduzidos:
«Desde que a Grécia começou a patinar, muito temos ouvido sobre tudo o que há de errado naquele país. Algumas das acusações são verdadeiras, outras falsas – mas todas passam ao lado da questão. Sim, há grandes falhas na economia grega, nas suas políticas e, sem dúvida, na sua sociedade. Mas não foram essas falhas que provocaram a crise que está a rasgar a Grécia e que ameaça espalhar-se por toda a Europa.
Não: as origens deste desastre estão mais a Norte, em Bruxelas, Frankfurt e Berlim, onde os governantes criaram um sistema monetário profundamente – talvez fatalmente – falhado e complicaram depois os problemas (…). E a solução para a crise, se existir, terá de vir desses locais. (…)
A Grécia, embora não isenta de pecados, está em apuros principalmente devido à arrogância dos líderes europeus, a maioria vinda de países ricos, que se convenceram de que uma moeda única, sem um governo central, era viável. E estes mesmos líderes tornaram a situação ainda pior insistindo, contra todas as evidências, em que os problemas com a moeda única eram provocados por comportamentos irresponsáveis dos europeus do Sul, e em que tudo funcionaria se as pessoas estivessem dispostas a sofrer um pouco mais.
Isto leva-nos às eleições gregas de Domingo, que acabaram por não resolver nada. A coligação governamental anterior pode ter conseguido manter-se no poder (…). Mas os gregos não podem, de modo algum, resolver esta crise.
A única forma de o euro poder talvez se salvar (talvez…) será se os alemães e o Banco Central Europeu se convencerem de que são eles que têm de mudar de comportamento, gastando mais e aceitando uma subida da inflação. Se isso não acontecer, a Grécia ficará basicamente na história como vítima do excesso de confiança alheia».
P.S. – Leitura complementar, em contraponto: Euro-Zone Leaders Tired of Criticism from Abroad
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Cultura e Futuro
Sessão Pública, hoje, 19 de Junho
Início pelas 18h - Jardim de Inverno/Teatro São Luíz
Intervenções de:
-José Luís Ferreira, diretor artístico Teatro São Luíz
-António Capelo, actor
-Catarina Martins, actriz e encenadora (deputada do BE)
-Nuno Artur Silva, autor e produtor
-Kalaf, músico e poeta
-Imagens de Pauliana Valente Pimentel, fotógrafa
-João Canijo, realizador
-Inês de Medeiros, actriz e realizadora (deputada do PS)
-Rui Vieira Nery, musicólogo
-António Pinto Ribeiro, programador geral Programa Gulbenkian Próximo Futuro
-Raquel Henriques da Silva, investigadora e professora universitária
Debate Público
Carta - 'Cultura e Futuro'
O património cultural e o acesso à criação artística contemporânea constituem valores de civilização inerentes às democracias modernas. Os direitos à identidade e à diversidade cultural, à participação na vida cultural, à livre criação e fruição artísticas, à cooperação cultural internacional, são direitos culturais reconhecidos pela UNESCO, que investe os Estados na responsabilidade de construir políticas públicas que assegurem o seu pleno exercício. No Portugal democrático, a efectivação dos direitos culturais constitui uma tarefa fundamental do Estado, a par dos direitos económicos e sociais e da promoção do bem-estar, da qualidade de vida da população e da igualdade real entre portugueses, conforme estipulado na Constituição da República.
Portugal está hoje equipado de museus, bibliotecas, arquivos, teatros, cineteatros, orquestras, património histórico, material e imaterial, bem como de uma rede de artistas, criadores, programadores, técnicos e produtores, complexa e de reconhecida excelência nacional e internacional. No entanto, todo este edifício apresenta enormes fragilidades. Os investimentos em infraestruturas e em formação não foram acompanhados por uma estruturação mínima da partilha de encargos e responsabilidades, da definição de cartas estratégicas e de regras de gestão independentes dos poderes imediatos.
Neste momento, como resultado de uma governação abertamente hostil à ideia de serviços públicos de cultura e que usa a crise como alibi, assistimos a uma rápida e progressiva desprofissionalização no setor cultural, ao fechamento das agendas culturais e à desagregação da identidade social dos equipamentos públicos. O desinvestimento do Estado, nas diversas dimensões das políticas públicas para a cultura, nega, efectivamente, o acesso dos cidadãos à cultura e desbarata o investimento feito nesta área no Portugal democrático.
O acesso à cultura, na dupla dimensão da criação e fruição, é essencial ao desenvolvimento. O Estado não pode iludir as suas responsabilidades na promoção do acesso ao património cultural, ao conhecimento, à qualificação, à participação cidadã. E não pode também desresponsabilizar-se pelo acesso à criação artística, que constrói o património cultural do futuro e é o instrumento de construção das narrativas próprias, das identidades múltiplas da nossa vida colectiva. Um povo sem acesso ao património cultural e à criação artística é um povo colonizado, sem os instrumentos básicos para se conhecer e, portanto, formular a sua singularidade.
Ao contrário daquilo que enuncia o discurso corrente, é precisamente nos momentos de crise, como o que vivemos, que as políticas públicas para a Cultura ganham renovada atualidade. A Cultura é um instrumento fundamental de construção de uma qualquer ideia de futuro, quer do ponto de vista simbólico, enquanto conjunto de valores e práticas que têm como referência a identidade e a diversidade cultural dos povos e que compatibiliza modernização e desenvolvimento humano, quer do ponto de vista económico. A produção cultural dinamiza uma série de cadeias produtivas que lhe permitem multiplicar o investimento público como nenhum outro sector. E é ainda um elemento estratégico da economia do conhecimento.
O discurso económico, instituído e incentivado pela tutela, tem procurado submeter a cultura e a criação artística a conceitos redutores que tendem para uma hegemonização da oferta concentrada em grandes produtores e distribuidores de conteúdos. É sistematicamente esquecido que a economia do conhecimento, baseada na criatividade, é bem-sucedida apenas quando construída sobre uma forte e complexa rede de infraestruturas e agentes culturais que só políticas públicas podem garantir. O paradigma norte-europeu, tido por exemplo de sucesso, acontece graças a um adquirido fundamental e politicamente consensual de investimento público na cultura e na criação contemporânea, que permitiu às indústrias culturais e criativas uma aposta arriscada na inovação, com fracassos e sucessos.
Torna-se pois imperativo que a densa e complexa rede pública dos serviços de cultura se qualifique no imediato e se torne operativa, de modo a cumprir o espírito da Constituição onde o Estado Português se obriga, em colaboração com todos os agentes culturais, a incentivar e a assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como a corrigir as assimetrias existentes no País e a articular a política cultural e as demais políticas sectoriais. É necessário um novo paradigma de gestão desta rede complexa de equipamentos e agentes culturais, cuja concretização exige responsabilidade governativa real e compromisso orçamental, onde a justiça da partilha e a ética da responsabilidade presidam às tomadas de decisão. O património cultural e a criação artística contemporânea constituem parte do melhor que existe na representação externa da imagem de Portugal. Urge viabilizar a internacionalização desta materialidade e deste imaginário, apoiar a produção contemporânea e, sobretudo, viabilizar aos cidadãos portugueses o usufruto do seu capital simbólico e cultural.
Os subscritores deste documento afirmam a necessidade de um compromisso alargado em torno de uma ideia estratégica de cultura e de relação com a criação artística, que agregue as forças políticas, mas, sobretudo, os cidadãos enquanto primeiros destinatários de toda a atividade artística e cultural.
Este compromisso não pode deixar de incluir uma dimensão orçamental – negligenciável no cumprimento das metas de redução do défice, dada a dimensão quase nula que assume no presente – que deverá passar pela inclusão de programas específicos para a cultura no plano de investimentos que resultará da reprogramação do QREN.
Deverá, no entanto, transcender essa dimensão orçamental, conferindo prioridade à articulação de responsabilidades entre o Estado central e as Autarquias, à enunciação de prioridades no restabelecimento de um tecido criativo com um mínimo de escala e de capacidade de desenvolvimento de projectos, à definição clara de regras de gestão independente da rede pública de serviços de cultura, ancoradas numa estabilidade que permita o desenvolvimento de planos de acção plurianuais e, finalmente, à normalização das relações do Estado com os agentes independentes.
Lista de primeiros subscritores AQUI.
Novas subscrições devem ser enviadas para culturaefuturo@gmail.com
. 18.6.12
Utopia
Vim há pouco de uma reunião em que o Francisco Fanhais cantou isto - magnificamente.
. Astúrias
Hoje é dia de greve geral nas Astúrias, em León, Aragón e Palencia, num acto de solidariedade com os mineiros na sua longa «luta pelo carvão».
Esta madrugada, Luís Sepúlveda deixou, no Facebook, este texto que aqui reproduzo:
«Bonita la pregunta de este espacio de Facebook. ¿En qué estás pensando?
Pues bien, estoy pensando en esos mimeros que continúan encerrados en las minas, luchando por el más inalienable de los derechos: El Derecho al Trabajo.
Y estoy pensando en la oscuridad del pozo, en el silencio del pozo, porque ha bajado a la profundidad de las minas de carbón asturianas, de ese silencio atroz interrumpido por los quejidos del monte.
Estoy pensando en qué pasaba por la cabeza de ese policía hijo de la gran puta que arrojó una bomba lacrimógena al pozo "Santiago", en Moreda, a sabiendas de que había muchos mineros sin más aire que el escaso, mezquino y húmedo aire del socavón.
Estoy pensando en qué convierte a esos patanes de uniforme en bestias incapaces de desobedecer órdenes que atentan contra vidas humanas, contra los derechos de los trabajadores.
Estoy pensando en los que, sin la menor vergüenza aseguran con una prepotencia de nuevos ricos, que el carbón asturiano es insustentable.
Estoy pensando en esos hijos de puta que, habiendo tenido en sus manos la responsabilidad de lograr una verdadera reconversión industrial en a región minera, no lo hicieron.
Estoy pensando en esos viejos gloriosos que han mantenido vivo el espíritu de resistencia minera, desde el 34, pasando por el 62, y que ahora son sus nietos los que han tomado la alternativa de resistir, porque la mina se hereda como una maldición, se es minero, hijo de minero, nieto de minero.
Estoy pensando en esos hijos de puta que se llenan los hocicos diciendo que los mineros ganan 3000 euros al mes y que jubilan luego de diez años. Y esa mentira la repiten en todos los medios regentados por otros hijos de puta, porque España es rica en hijos de puta.
Estoy pensando en esos mineros que conozco, y a los que se acusa haber recibido pre jubilaciones millonarias, pero sin decir que están silicosos, y que de sus pensiones viven familias enteras. estoy pensando en mis paisanos, mis hermanos de clase de Mieres, Langreo, Pola de Lena, Moreda.
Y sólo puedo decirle ¡Ánimo Mineros! ¡Puxa Asturies!»
Ler, também de Luís Sepúlveda e publicado hoje: Asturias: Vivan los mineros!
. .
Sobre a Grécia, no dia seguinte: três recortes
«Uma vitória de Tsipras assustaria os poderes europeus o suficiente para obrigar a uma renegociação da cega política de austeridade que está a assassinar a Europa. Uma vitória de Tsipras e o pânico colectivo de uma saída da Grécia do euro pressionariam uma saída para a crise que se arrasta há dois anos e que nem a queda de Espanha nem a iminente derrocada de Itália conseguiram ainda forçar. (…)
Para quem teme a emergência dos extremos na Europa os resultados na Grécia estão longe de traduzir qualquer sossego. E quem teme a implosão do euro não tem qualquer razão para festejar. Os mercados vão descansar um dia, mas na terça-feira, sem Tsipras, o descalabro vai continuar.»
Ana Sá Lopes
*****
«O dia seguinte mais importante, depois destas eleições gregas, não é o que ditará a formação com sucesso dum governo fiel à disciplina da troika. O dia a seguir que importa é aquele em que em Berlim e Bruxelas tombe o véu da crispação, e seja visível que o que está em causa não é "salvar a face" perante um povo que recusa continuar a engolir a cicuta de uma austeridade irracional, mas sim garantir o direito ao futuro, com paz e prosperidade, de 500 milhões de europeus habitando nos 27 países da União Europeia. Ou todos perderemos, e a Europa recua da civilização à barbárie. Ou todos venceremos, e seremos capazes de construir uma Europa federal, como comunidade de destino.»
Viriato Soromenho-Marques
*****
«Ao contrário do que muitos pensam, a vitória da ND é um passo mais rápido para a saída grega do euro do que seria a vitória do Syriza. Não obrigando a Europa, que terá mais dificuldade em livrar-se da Grécia - pelos efeitos de contágio que isso provocará - do que se julga, a mudar de rumo, a austeridade tratará de fazer o que a direita julgava que um governo de esquerda faria. Estas eleições foram, desse ponto de vista, uma oportunidade perdida. Em vez de a travar, a Grécia apenas terá abrandado a loucura alemã. Mas todos os que o quiserem perceber, perceberam: paira sobre a Europa o espectro da revolta. O tempo do mais estúpido dos consensos - o da austeridade - acabou. Ela poderá continuar. Mas está cada vez mais frágil.»
Daniel Oliveira
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17.6.12
Grécia: The show goes on
Por volta das 19:30, foram divulgadas as «projecções oficiais» dos resultados das eleições legislativas na Grécia:
- Nova Democracia - 29.53%, 128 deputados (bónus de 50 incluído)
- Syriza - 27.12%, 72
- Pasok 12.2%, 23
- Gregos Independentes - 7.56%, 20
- Aurora Dourada - 6.95%, 18
- Esquerda Democrática - 6.23%, 17
- Partido Comunista Grego - 4.47%, 12
Sem maioria absoluta, restará (ou restaria…) à ND virar-se naturalmente para o Pasok, de modo a garantir 50% dos deputados + 1. «Restaria»… porque o Pasok já veio dizer que não aceita uma coligação em que não entre o Syriza, o que está, obviamente, fora de questão.
À hora a que escrevo (cerca das 21:30), tudo parece ter voltado à estaca zero, ao impasse da noite de 6 de Maio.
Traduzo um tweet lido há pouco: «Syriza diz nenhuma coligação. Nova Democracia diz grande coligação. Pasok diz coligação só se Syriza também entrar. Revemo-nos daqui a seis semanas.»
Em alternativa: governo minoritário só da ND, como já começou a ser ventilado? A loucura, se vier a acontecer, paguemos para ver…
. E quanto às eleições legislativas francesas
… que François Hollande vai hoje garantidamente vencer, o que também parece cada vez mais evidente é que ele «quer que a Europa mude, desde que a França fique no mesmo sítio».
E o que toda a gente estará verdadeiramente interessada em saber, hoje, é se Ségolène Royal ganha ou perde em La Rochelle…
. Grécia: aconteça o que acontecer
... é importante que um certo número de coisas fiquem escritas e eu assino estas:
«Seja ou não o vencedor das próximas eleições gregas, Alexis Tsipras, o líder da coligação Syriza, já ajudou a mudar o enfoque sobre a crise europeia.
Ao contrário do PASOK e da Nova Democracia, que permanecem reféns da leitura moralista sobre a origem da crise europeia - a única que justifica uma impiedosa austeridade sobre povos inteiros -, Tsipras tem chamado a atenção para três aspectos essenciais: a) esta crise tem responsabilidades partilhadas, que derivam do mau desenho inicial da União Económica e Monetária; b) O "risco moral" tanto pode ser atribuído aos países que acumularam dívida, como aos que impuseram "programas de ajustamento", que agravaram os problemas que pretendiam solucionar; c) Os custos da saída da Grécia da Zona Euro serão sistémicos.»
Viriato Soromenho-Marques
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