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19.12.20
Os imigrantes dão lucro
«Figuram entre os argumentos mais falaciosos na narrativa de quem vê nos imigrantes que escolhem Portugal para viver ou trabalhar empecilhos naturais ao desenvolvimento do país: sorvem recursos, "roubam" empregos aos nativos e contribuem de forma insuficiente para a causa comum. Só que, afinal, os imigrantes dão lucro. E não é pouco. De acordo com o mais recente relatório do Observatório das Migrações, em 2019 atingiu-se um valor recorde nas contribuições dos estrangeiros para a Segurança Social: 884 milhões de euros. O saldo é claramente positivo, na medida em que "só" beneficiaram de 111 milhões de euros de apoios do Estado. Mas há outra lição a tirar: os portugueses são dos europeus mais tolerantes para com os forasteiros.
Portanto, insistir numa agenda político-mediática que continue a cavalgar estes mitos de papel serve zero ao país, mas serve muito aos agitadores populistas que se profissionalizaram em revisitar fantasmas. Se não fossem os imigrantes, Portugal seria um país mais envelhecido, com uma Segurança Social ainda mais no vermelho e com vários setores de atividade sem ocupação. Sim, eles ficam com os empregos que os portugueses não querem, sobretudo os mal remunerados. De resto, os dados divulgados pelo INE reforçam o peso social desta jovem massa humana: a importância dos imigrantes para o crescimento global da população estendeu-se a todas as regiões do país, com particular incidência no litoral. Em suma: precisamos deles como eles precisam de nós. É assim que tem de ser em democracias que se querem maduras. Num Portugal inclusivo e moderno.
P.S.: Rui Rio produziu uma graçola no Twitter misturando sondagens sobre popularidade política com a morte ignóbil de um imigrante ucraniano às mãos do Estado português. Sobre o mesmo caso que nos devia envergonhar a todos, temos um ministro da Administração Interna que não se toca e um líder da Oposição que não se enxerga. Estão bem uns para os outros.»
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18.12.20
Estranho Natal
Quando se abre a página da Assembleia da República, vemos que esta nos deseja Boas Festas com este vídeo. Estou tão perplexa como ficaria o meu vizinho aqui do lado se lhe tocasse agora à campainha com um frasco de compota na mão.
Comentários para quê…
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18.12.1961 – Goa: o primeiro golpe no império
Foi na manhã de 17 de Dezembro de 1961 que tiveram início as operações militares que levaram à ocupação da cidade de Pangim, capital de Goa, na noite do dia seguinte. O «império português» levou então uma grande machadada com a anexação de parte do seu território pela União Indiana. Lembro-me bem da consternação quase generalizada que os acontecimentos provocaram no país, mesmo em certos meios da oposição. Houve algum tempo depois uma peregrinação a pé a Fátima (julgo que para que os céus nos devolvessem a «católica» Goa).
Os factos são conhecidos, mas vale a pena recordar o célebre discurso que Salazar fez na Assembleia Nacional, em 3 de Janeiro de 1962 (*). É um longo elogio (de 24 páginas A5) ao «pequeno país» que manteve o seu território «com sacrifícios ingentes», ignorados e combatidos por quase todos e, antes de mais, pela ONU, desde sempre objecto de um ódio muito especial.
Ficam algumas passagens a começar pela primeira frase do texto: «Não costumo escrever para a História e sinto ter de fazê-lo hoje, mas a Nação tem pleno direito de saber como e porque se encontra despojada do estado Português da Índia». Mais: «Não sei se seremos o primeiro país a abandonar as Nações Unidas, mas estaremos certamente entre os primeiros. E entretanto recusar-lhes-emos a colaboração que não seja do nosso interesse directo.» Há que perguntar se vamos no bom caminho «quando se confiam os destinos da comunidade internacional a maiorias que definem a política que os outros têm de pagar e de sofrer».
Amplamente conhecida é a frase que encerra o discurso: «Toda a Nação sente na sua carne e no seu espírito a tragédia que se tem vivido, e vivê-la no seu seio é ainda uma consolação, embora pequena, para quem desejara morrer com ela.»
(*) Estava afónico «com as emoções das últimas semanas» e quem o leu, de facto, foi Mário de Figueiredo.
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Confinamento de vilões
«Os melhores momentos vivem de um "timing" perfeito. Sem o tempo certo, assomam as oportunidades perdidas, acontecimentos espantosos que se precipitam, incapazes de encontrar a hora, para a infelicidade de aparecerem nas piores alturas. Qualquer reaparecimento público de Cavaco Silva ou de Durão Barroso é um acontecimento equiparável à permanência de crédito malparado: convoca sempre um ajuste de contas com o passado. Esta semana, ambos reapareceram publicamente para gáudio de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa. Os momentos felizes existem.
Mesmo com a renovação do estado de emergência a contemplar o crime de desobediência, ninguém confina vilões cegamente obedientes ao seu perfil. Cavaco Silva regressa às entrevistas e faz campanha implícita pela reeleição de Marcelo: o reaparecimento do ex-presidente é o melhor espelho sobre as diferenças entre o passado e o presente. Cavaco Silva critica PCP e BE pelo apoio dado à governação de António Costa, destilando que o PCP "de democracia tem pouco", ao mesmo tempo que elogia o acordo alcançado pelo PSD nos Açores com a extrema-direita. Se as presidenciais fossem apenas um exercício de elogio à memória, Marcelo desejaria a sombra de Cavaco como prenda de Natal e aspiração de ano novo. Já Durão Barroso, presidente da Goldman Sachs vindo da porta giratória da Comissão Europeia, interpõe processo de 292 milhões de euros contra a República Portuguesa. Para António Costa, serve-se cherne na ceia de Natal.
No cardápio europeu positivo à covid-19, Emmanuel Macron ascende a uma espécie de teste "super-spreader" de algodão entre heróis e vilões. De uma assentada ibérica, isolou os primeiros-ministros Pedro Sánchez e António Costa, assim como o "seu" primeiro Jean Castex e Charles Michel, presidente do Conselho Europeu. Incapaz de confinar os vilões húngaros e polacos, Macron permitiu o desrespeito pelos mecanismos do Estado de direito e consentiu, com os seus pares, que a extrema-direita continue a condicionar a tomada de decisões na União Europeia. Involuntariamente ou porque o hábito faz o monge, impôs uma quarentena geográfica à esquerda.
Bem para além da moda. Vestir ou não vestir "casaco-camisa-gravata" durante um teste pandémico está longe de ser o único hábito que traça a distinção entre Costa e Marcelo. Se enquanto aguardava o resultado do teste inaugural, o primeiro promovia uma videoconferência, já o segundo simulava um eclipse público. Resta saber se António Costa e a UE irão continuar a olhar serenamente para os vilões como se estivessem num ecrã, convidando-os a partilhar a casa, esperando que não esperneiem em bicos de pés na altura em que podem discutir a alimentação de todos. É que o inimigo vive dentro e Portugal tem a presidência da UE a partir de Janeiro. Há sinais que remetem para o passado. A ideia de que os princípios não se discutem à boleia dos números, como António Costa defendeu aquando da sua visita a Viktor Orbán, é algo que Durão Barroso não desdenharia abraçar.»
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17.12.20
Ceias por pequenos-almoços – o que falha na comunicação da DGS
«Ontem fomos surpreendidos por mais uma comunicação errática da DGS. Da escolha do porta-voz à mensagem, aparentemente nada foi pensado e por isso falhou.
Desde Aristóteles que a comunicação persuasiva é construída em função dos destinatários. A mensagem, o tom usado pelo orador, tudo deveria ser tido em conta para assegurar que a mensagem é compreendida pelos destinatários. Os três livros da Retórica dedicam-se aos três elementos centrais no processo persuasivo: o orador, a mensagem e o auditório, dos quais o auditório é a figura principal e em função do qual se prepara todo o discurso.
Quando Graça Freitas sugeriu que os portugueses recorressem às hortas dos vizinhos (Observador, 10/03/2020) deixou o país de olhos esbugalhados a olhar para os ecrãs (“Onde estão as hortas? Eu nem conheço os meus vizinhos!”), levando-nos a indagar que imagem de Portugal e dos portugueses tem a responsável pela DGS. Fora de Lisboa ainda andamos descalços, em estradas sem alcatrão, a encaminhar o gado para a serra? Temos todos hortas nas nossas “aldeias”? Em algum momento a DGS investiu tempo a conhecer o alvo das suas mensagens e considerou avaliar a perceção dos portugueses sobre a comunicação que profere? Conhecer o público é o primeiro ponto para que uma comunicação seja eficaz e esse trabalho está por fazer.
O médico é o mensageiro
Os responsáveis pelo Ministério da Saúde e pela DGS têm aparecido diariamente nos media. Não deviam. Cansam-nos e cansam-se com mensagens repetitivas e pouco claras porque trabalham numa área que não é a sua.
Como podem os responsáveis pelas decisões políticas e operacionais ocupar parte do seu dia a esclarecer os media quando deviam estar ocupados a supervisionar as operações no terreno? Mais, porque perdem tempo a fazer uma coisa que não sabem – nem precisam de saber-fazer? E o que esperar de diretores institucionais, com currículos bastante relevantes na área da medicina, transformados em porta-vozes quando a sua especialidade não é comunicar? Poderei eu, professora de Relações Públicas, ser virologista por um dia e ser bem-sucedida na minha função? É pouco provável, para não dizer impossível.
É desejável escolher bem o mensageiro. Ter alguém formado e com experiência em comunicação estratégica. Que seja empático, assertivo nas mensagens e capaz de antecipar os efeitos da sua comunicação nos públicos. A declaração de Rui Portugal mostrou que a DGS desconhece esses princípios. Sugerir a troca de ceias por pequenos-almoços não funcionou e só contribuiu para a crescente descredibilização do trabalho da DGS, medido pela opinião pública tendo em conta a qualidade da comunicação.
Estamos em guerra com um inimigo invisível, um vírus ainda pouco conhecido. Sairíamos à rua durante um bombardeamento? Visitaríamos os nossos pais? Estaríamos dispostos a correr o risco de ver um familiar morrer num destes cenários? Julgo que não.
Os portugueses são capazes de encontrar formas criativas para viver o Natal de 2020 mas a DGS pode ajudá-los, convocando profissionais especializados em comunicação estratégica aptos para transformar a estratégia operacional numa estratégia de comunicação. Para resultados excelentes há que contratar profissionais excelentes.
A comunicação estratégica não é o parente pobre das outras áreas. É aquela que diagnostica, investiga, executa e avalia a comunicação que faz; que trabalha ao lado dos gestores para transformar mensagens técnicas em mensagens segmentadas de acordo com os destinatários e totalmente alinhadas com os objetivos de comunicação.
Os investigadores e académicos de comunicação estratégica não fazem vacinas mas gerem comunicação e sabem como fazê-lo muito bem. Se a DGS precisar de ajuda, pode convocar-nos. Estamos disponíveis.»
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16.12.20
Natal devia (não) ser
Na Bélgica, há quem queira pôr drones a controlar o número de pizzas encomendadas por cada família, por cá aconselham-nos a oferecer compotas nos patamares dos prédios e eu não entendo por que motivo não se decidiu, há mais de um mês, que não se deve viver Natal em Dezembro para não se morrer em Janeiro.
(4720 é o número de novos casos divulgado hoje, mais do que o dobro do que o de ontem.)
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Onde está o extremismo da Esquerda?
«Só a rodagem à direita que tem havido no mundo político e social, a nível não só europeu como mundial, é que pode dar azo a que se fale de extremismos de esquerda. As antigas nomenclaturas estão desajustadas às práticas políticas actuais. Só um mundo de superficialidade intelectual e dominado pelo pensamento e prática capitalistas pode chamar de extrema-esquerda partidos com assento parlamentar cujas práticas e objectivos não vão além de uma social-democracia moderada.
É corrente, diríamos que quase diário, o discurso político, em que para se falar da presença real e afirmativa da extrema-direita, no palco da cena, da representação e do poder político, se mete na narrativa “a extrema-esquerda”. Uma análise desta linguagem levar-nos-ia a encontrar com frequência a expressão “os dois extremos”, “os extremismos de esquerda e de direita”, “os acordos do Governo e do PS com a extrema-esquerda”. Esta narrativa aparece, ou simplesmente para defender posicionamentos assumidos de direita, ou para falar em nome da “moderação”, do “centro”, do “equilíbrio”. Curiosamente este “centro” aparece sempre a defender um dos lados: o das grandes empresas contra os trabalhadores, o dos serviços privados contra os públicos, o do corte nas pensões e nos salários, o das privatizações. A moderação e o equilíbrio residem apenas numa espécie de cortesia política, na linguagem.
Vejamos então onde está o procedimento e os objectivos da chamada “extrema-esquerda” parlamentar. Observe-se as propostas do Partido Comunista (PC) que foram aceites na área da Saúde, sendo que as do Bloco de Esquerda eram semelhantes. Ficaram separados por razões tácticas, que não vão ser discutidas aqui. Razões tácticas, que são afinal as que restam à “extrema-esquerda”, já tão longe dos seus objectivos estratégicos. Mas felizmente que o Orçamento para 2021 passou, apesar das suas insuficiências. Aponto as do PC, porque foi o partido que o deixou passar. Foi aprovado um reforço no orçamento da Saúde em 20%, ou seja, 1637 milhões de euros, o que não vai chegar à média per capita da OCDE e fica muito abaixo dos países da social-democracia. Foram destinados 59,5 milhões de euros para equipamento pesado e modernização e inovação tecnológica. Nada que não seja urgente, porque nos últimos nove anos poucos foram os novos equipamentos e degradaram-se os de endoscopias, broncoscopias e outros exames que o serviço público se vê obrigado a comprar a privados.
Foram cedidos os objectivos de contratação de 935 médicos de medicina geral e familiar, 626 enfermeiros e 198 assistentes operacionais. Perante o panorama actual, alguém ousa dizer que isto é extremismo? Para além da Saúde, foi aceite o prolongamento do subsídio de desemprego por mais seis meses, quando terminar em 2021. É extremismo, perante a tragédia social que vemos todos os dias? Foi suspenso o pagamento por conta das pequenas e médias empresas, para assegurar três salários mínimos por trabalhadores e técnicos. Sim, são empresas. Extremismo, isto? E, cereja em cima do bolo: vão ser dados mais 10 euros a todas as pensões e reformas até 658 euros! Até custa a dizer isto! Tanto estes 10 euros mensais como os 86 euros por mês que tiraram aos subsídios de apoio em Rabo de Peixe, faz lembrar uma história de uma crónica de António Lobo Antunes em que uma das tias dava os vinte e cinco tostões semanais ao “seu” pobre e lhe dizia “agora vê lá se vais gastar em vinho” e ele respondia “não, vou comprar um Cadillac”. Estamos nisto…
A “extrema-esquerda” parlamentar, que nunca esteve no poder, mas apenas em acordo, não consegue arrancar mais do que tímidas reivindicações social-democratas, muito aquém das posições dos partidos escandinavos como tal designados e que subsistem na linhagem dos primeiros partidos formados na Europa com o programa “de cada um conforme as suas possibilidades, a cada um conforme as suas necessidades” (Programa de Gotha, social-democracia alemã). Pouco a pouco fomo-nos afastando desse ideal humanista. Extremista e com voz pública poderosa só nos resta o Papa. Os partidos socialistas e trabalhistas foram-se deslocando para a direita, pela mão de personalidades como Blair, e tentam apenas ganhar espaço na arena do pensamento capitalista dominante.
Quanto ao Partido Social-Democrata português, tem, como se sabe, um nome equivocado, explicado por razões históricas oriundas do processo revolucionário. Só mesmo para o seu antigo chefe ele pode ser social-democrata, quando sempre seguiu o pensamento de Reagan e Thatcher, a instalação do chamado neoliberalismo e do domínio da finança e do individualismo. Esse partido e uma chuva de comentadores reclamam-se da “democracia liberal”. Mas também aqui a palavra “liberal” é um equívoco, para mascarar de democracia o liberalismo económico e herdar o bom nome das lutas liberais históricas. Liberais também são os regimes liberticidas da Polónia e da Hungria, em que nem sequer há separação de poderes, quanto mais democracia.
“Extrema-esquerda” na Europa em geral, em Espanha, em Portugal? Cultura marxista? As propostas, mesmo dos grupos de reflexão mais à esquerda, não passam de estimáveis propostas social-democratas: combate às desigualdades e à pobreza, melhores salários, respeito pelos direitos dos trabalhadores, casa para toda a gente, mais Estado nos serviços públicos. E entre os comentadores só vejo um que assume, não o dizendo, uma análise marxista – Pacheco Pereira. Perante a situação política faz a análise das classes em jogo, chama-as pelo nome e assume a defesa dos que estão em baixo.
Esta Esquerda que não é extremista pode no entanto ter esperança. Apesar de tantas derrotas, se olhar para trás, as grandes conquistas para a humanidade, que hoje são assumidas pela maioria, como suas, fazem parte dos movimentos e partidos que lhe pertenceram historicamente. Desde que a Esquerda se chama esquerda (deixamos para trás, sem nome, todas as lutas dos oprimidos contra os opressores), portanto, desde a Revolução Francesa, que foi ela que as obteve: que cada pessoa seja um cidadão e não um súbdito, com direitos iguais para todos; que se tenha obtido o fim da escravatura; que tenha saído vitoriosa a luta pelo sufrágio das mulheres; que se chegasse à jornada de oito horas, aos weekends, às férias pagas, às caixas de reforma, ao fim do trabalho infantil; aos serviços estatais de saúde e educação. Que haja igualdade de género e origem geográfica, pelo menos na lei; que haja liberdade de escolha sexual. Estas são as vitórias que caracterizam a Esquerda, são o seu currículo, e não os slogans, as frases feitas e as liturgias. Muita direita dirá que também está de acordo e que isto é adquirido. Pois… Agora. Todavia, são fruto de muitas batalhas. Donde se deduz que a Esquerda, com mais ou menos derrota, tem que ir prosseguindo a sua luta, por vezes passo a passo.»
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15.12.20
Natal é também à hora que se quiser
Descobri por acaso que tinha havido hoje conferência da DGS e fui ouvir um longo discurso, com um estilo inegavelmente novo, de um senhor muito prolixo, de seu nome Rui Portugal, subdirector da DGS, que deu mil conselhos úteis para o Natal.
Não resisto a deixar esta sugestão que me chegou também por acaso. (A fonte é Fernando Figueiredo no Twitter.)
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De George Michael à tia do rei de Espanha, não há espaço para Ihor na consternação do Presidente
«Sobre um ministro que não pode continuar a sê-lo, mesmo que tenha a proteção e amizade do primeiro-ministro, já escrevi tudo o que tinha para escrever. Sobre os jogos de salão do Presidente da República, também. O que se lhe exige é clareza, não é conspiração. E nunca a teve, em todo este processo. No momento em que o país finalmente se agitou com tudo isto, o Presidente da República veio finalmente dizer qualquer coisa: “É importante verificar se há ou não um pecado mortal do sistema. Se há, então o SEF não serve, e tem de se avançar para uma realidade completamente diferente.”
O Presidente sabe que há um pecado original. Não é preciso verificar, porque foi verificado. Está escrito em relatórios, desde 2018. Foi repetido várias vezes pela Provedora de Justiça. E, sendo tudo isto público, o Presidente não abriu a boca sobre o caso durante longos nove meses, apesar de não haver nada que não comente. Até o homem que salvou outro no rio Tejo lhe mereceu comentário público. Tivesse sido o SEF a atirá-lo ao rio e teria de ficar calado.
Correndo a página da Presidência da República, encontramos inúmeras notas de pesar. Pelo falecimento de bispos e arcebispos portugueses e dos PALOP. Por militares de alta patente. Por figuras conhecidas ou mais obscuras da cultura. Por desportistas, empresários, gestores, ativistas, académicos, médicos. Por deputados, ex-deputados, autarcas, ex-autarcas. Por embaixadores portugueses e embaixadores estrangeiros em Portugal. Por figuras políticas do passado, com a generosidade de tratar Arnaldo Matos como “defensor ardente da democracia”. Por figuras internacionais, sejam antigos reis, tias de reis, maridos de rainhas, ex-presidentes, primeiras-damas, ex-primeiras-damas, antigos chefes de Estado de democracias e ditaduras. Tudo normal.
Nas notas do Presidente também aparecem falecimentos de anónimos ao serviço do país, sejam militares, polícias ou médicos no combate à covid. Como é evidente. Aparecem portugueses que morreram no estrangeiro, como as vítimas em grandes acidentes de viação em Andorra ou em França, um trabalhador raptado e assassinado na Nigéria, um sem-abrigo encontrado no metro de Londres. E aparecem embaixadores estrangeiros que morrem em Portugal. Tudo certo. O Presidente até tem palavras oficiais para George Michael, David Bowie ou Prince. Não se pode dizer que este seja parco em notas de pesar. Ninguém escapa às condolências presidenciais.
Alguma coisa impediu que as palavras que tem para portugueses anónimos que morrem no estrangeiro, vítimas do crime, do acidente ou da incúria; que as palavras que tem para estrangeiros que morrem em Portugal por razões fortuitas e estranhas ao Estado português; que as palavras que até tem para artistas sem qualquer relação com Portugal tenham chegado à família de Ihor Homenyuk. E, no entanto, Ihor não morreu vítima de um acidente de viação, numa qualquer estrada portuguesa. Morreu nas instalações do Estado, às mãos de agentes do Estado, de que Marcelo Rebelo de Sousa é a primeira figura. Do ponto de vista simbólico, é dele que deve vir a mensagem mais clara do Estado e do país. Se algumas das palavras de consternação que li não tivessem saído, seria uma falha no protocolo. Deselegante. Politicamente inconveniente. Falha de cultura geral ou de aprumo de Estado. Ou, em alguns casos que aqui assinalei, indiferente. O silêncio sobre Ihor é outra coisa. É cumplicidade política.
Numa entrevista à SIC (onde quase ensaiou o mesmo discurso do ministro, acusando os jornalistas de não lhe terem feito perguntas sobre o tema durante meses), Marcelo Rebelo de Sousa justificou o seu longo silêncio por não falar sobre processos criminais a correr. Além de nenhuma condolência interferir numa investigação criminal, não é verdade. Falou, sem qualquer problema e inúmeras vezes, com investigações, processos e exigências de indemnização em curso, sobre Pedrógão e sobre Borba.
Há um mês, a diretora do SEF assumiu as responsabilidades objetivas do Estado quando disse: “não tenho grandes dúvidas sobre uma situação de tortura evidente." Só não houve assunção de responsabilidades políticas. E são essas que se espera que o Presidente exija. Em vez de o fazer, recebeu o diretor nacional da PSP para ser ele, e não o ministro que já não o devia ser, a dizer o que deve acontecer com o SEF, fazendo as vezes de Eduardo Cabrita em Belém.»
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14.12.20
Trump faz História – uma execução por semana antes de partir
«Obstinado em não fazer as malas, o inquilino da Casa Branca está a acabar o último capítulo do livro da sua presidência – sem piedade.
Vingativo, continua a demitir altos funcionários que se desviem da sua rota totalmente incerta, o que pode atingir todos os que com ele colaboram.
Cruel, quer chegar onde nenhum Presidente chegou nos últimos 124 anos. Por cada semana até ao dia da partida tem uma execução. Seis estão à espera. Nem em Riade se executa tanto.
O magnata da construção civil, o supremacista, o embusteiro, o curandeiro da lixívia, o apaixonado pelo líder da Coreia do Norte, o charlatão, assumiu antes de ir o seu sadismo.
Não lhe bastaram 230.000 mortos pelo vírus que sempre desprezou como sendo algo menor nos assuntos da sua presidência.
Na passada quinta-feira, Trump carimbou na sua caderneta de perversidades mais uma. Brandon Bernard foi executado. Tinha 18 anos quando cometeu o crime pelo qual foi condenado. Deixara de ser adolescente havia dias, segundo os jornais daquele país. A procuradora federal pedira que fosse comutada a pena em prisão perpétua, tendo em atenção o facto de alguém com aquela idade ser ainda na prática um adolescente, sendo que mais um mês ou dois depois daquela idade não é decisivo para a formação de uma personalidade que levasse àquela pena extrema. Aliás, outros participantes com 17 anos não foram por esse facto condenados à pena de morte.
Trump, no último ano do seu mandato, pode vangloriar-se do recorde de execuções na História dos EUA – 13.
Para fazer a “America Great Again" escolheu este caminho, o das cruzes dos cemitérios. O seu espírito vingativo, cruel e sádico talvez faça dele um carniceiro e queira ser recordado como aquelas personagens que, para ficarem na História, fizeram tremendas barbaridades. Talvez. O recorde de execuções fala por si.
Certo é que pode constituir um exemplo num mundo cada vez mais dominado pelo poder do dinheiro que não basta ter dinheiro a rodos para se ser um bom político. E que um excelente industrial ou comerciante ou investidor não é só por esse facto capaz de dirigir um país.
A atração do poder do dinheiro pelo poder político pode ser fatal para os destinos de um país que se deixe levar por essa cantilena da gestão provada à frente de empresas. Um país não é uma empresa, é muitíssimo mais complexo.
Na passada quinta-feira, Trump quis mostrar bem quem era em termos de compaixão. Nas próximas semanas as execuções continuarão. Em abono da verdade e até hoje, a pena de morte não travou a criminalidade. A esmagadora maioria dos países que aboliram a pena de morte têm uma taxa de criminalidade bem mais baixa que a dos EUA.
Trump pertence a um núcleo ultra restrito de multibilionários que, para se protegerem, querem um Estado mínimo, mas implacável para com os fracos e condescendente para com os poderosos. Por isso, do alto do poder, pretende indultar-se a si, a familiares e a amigos. Para os desgraçados, a injeção letal.»
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13.12.20
Coroação pontifícia de uma imagem?
Não me passava pela cabeça que ainda se exercessem actos destes: coroação pontifícia de uma imagem, de um objecto?
«”Trata-se do reconhecimento, por parte da Santa Sé, da devoção à Santíssima Virgem presente na veneranda imagem da Soledade da Basílica de Mafra, com o propósito de estender a todo o orbe católico a importância deste título mariano e o seu culto, fortalecendo assim a piedade cristã nas suas mais diversas expressões”, explica em comunicado a Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra (RVISS), que tem a imagem sob sua custódia.»
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Domingo, 13.12.2020, 12h41
Já almoçada (sozinha e a distância). Restaurante quase cheio com os tais almoços familiares a evitar aos Sábados e Domingos. Passei por filas incríveis em tudo quanto é loja, com multidões a comprarem prendas. Acredita-se mesmo que não haverá almoçaradas e jantaradas familiares no Natal como dantes? Sejam mais criativos a lidar com latinos. Ou aprendam com a Merkel: tudo fechado a partir de 16 de Dezembro, excepto farmácias e supermercados. Assim é que não dá.
98 mortos, nas estatísticas divulgadas hoje.
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Uma questão de botões
«Há dias, a comissária europeia dos Assuntos Internos disse que confiava estar Portugal "a tratar apropriadamente a horrível violação de direitos humanos" acontecida no aeroporto de Lisboa. Acrescentou pensar que "haverá algumas mudanças na liderança e nos regulamentos". E premiu um botão de alarme... nos corredores do poder.
A 9 de Dezembro soube da demissão da directora do SEF. Revisitei um artigo do "Público" de 16 de Novembro com as suas declarações à RTP, dizendo estarmos na presença de "uma situação de tortura evidente". Mas demitir-se "não iria introduzir nenhuma mudança positiva" para que os acontecimentos não fossem esquecidos e jamais se repetissem.
Mudou de ideias. Confortando a líder parlamentar do PS, que considerou a demissão "tardia" e o seu silêncio de meses revelador de "pouco cuidado". Quanto ao ministro, considerou que ela "tinha feito bem em cessar funções". Dúvida legítima - se o partido do Governo e o ministro da tutela tinham essa opinião, porque não sugeriram há muito uma epifania demissionária, evitando este cenário de canhestra estratégia de redução de danos?
O ministro esteve perto de assumir o estatuto de cavaleiro andante solitário em defesa da sua dama, os Direitos Humanos, em que catacumbas se esconderam comentadores e Oposição? Sublinhou que reunira com a embaixadora da Ucrânia para lhe apresentar condolências e assegurar o compromisso do Estado português no apuramento de todos os factos e na tomada de medidas que evitem a repetição de situações semelhantes. Esta semana entregou-lhe uma carta para a viúva, assegurando o pagamento de uma indemnização.
O presidente da República, sibilino, afirmou que "se não funciona este SEF, não serve... temos de avaliar se os protagonistas que deram corpo ao sistema que falhou podem ser os mesmos no período seguinte". "Os" protagonistas...
Interrogo os "meus" botões. Desaparecem as pessoas e o seu sofrimento quando os estados dialogam entre si? Porque pagou esta viúva a trasladação do corpo de quem faleceu à guarda do Estado português? Porque só agora se desencadeia o processo de indemnização? E porque não houve uma única consciência a sentir a obrigação moral de pegar num telefone e falar a esta mulher? Sobretudo sabendo nós que muitos políticos colonizam os holofotes destinados a desportistas, agentes culturais ou vítimas de desgraças domésticas.
O dicionário diz de botão que também significa flor antes de desabrochar. Esta actividade frenética não desabrochou espontaneamente, pegou de empurrão; como os carros, quando a bateria cede aos achaques da idade.
Talvez seja mais seguro para todos pedir à comissária europeia dos Assuntos Internos que nos visite com regularidade.»
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