3.5.25

03.05.1919 – Pete Seeger

 


Chegaria hoje aos 106 e morreu em 2014 com 94.

Na década de 60, tornou-se um dos ícones da música de protesto contra a guerra e na defesa dos direitos civis. Transpirava força e optimismo, ajudou muitos a lutar para que que este mundo viesse um dia a ser melhor.

Sobre a vida de Pete, um texto: La vida en un puñado de versos

Alguns vídeos:








E depois do fim:


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Trump: não, não é fake

 


Foi o próprio que «se vestiu» assim, com ajuda de IA, e pulicou isto. Não há palavras.

O 3 de Maio na Sorbonne

 


Foi numa 6ª feira da primeira semana de Maio de 1968 que o mítico movimento estudantil francês, que arrancara em 22 de Março com a ocupação da Universidade de Nanterre e chegara ao Quartier Latin na véspera, 2 de Maio, tomou maiores proporções. Depois de reuniões várias e de confrontos entre grupos de estudantes rivais, o reitor da Sorbonne ordenou a evacuação desta pela polícia e seguiram-se horas de verdadeira batalha campal, com barricadas, cocktails Molotov, pedradas, matracas e gases lacrimogéneos. Tudo resultou em dezenas de feridos e mais de 500 prisões e os distúrbios continuaram nos dias que se seguiram.

Depois, o movimento extravasou para o mundo do trabalho, a nível de operários, de camponeses e do sector terciário, reuniu-se numa gigantesca manifestação em 13 de Maio e esteve na origem de uma longa greve geral incontrolada.

Foram-se acalmando as hostes, foi dissolvida a Assembleia Nacional em 30 de Maio e realizaram-se eleições legislativas (que os gaulistas ganharam por larga maioria) no mês de Junho. Mas nada ficaria na mesma e não só em França.

A recordar:

A célebre intervenção de Daniel Cohn-Bendit no pátio da Sorbonne e a evacuação pela polícia:



E uma canção da época, pela emblemática Dominique Grange:


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Outro modo de ver o caso Spinumviva

 


«1. O erro de análise no caso Spinumviva é ter-se, desde início, passado ao largo do que é seguro: o papel de Montenegro como a “influência” do “centro de influência” do seu escritório de advogados e da sua metamorfose numa empresa familiar, transformando num caso de ilegalidade (que pode existir ou não) o que é um caso de más práticas, tornado grave pelo comportamento de Montenegro. Se se fosse por aí, o caminho crítico seria muito mais seguro, até porque, ao ser primeiro-ministro, faz das suas más práticas um caso nacional com sérios prejuízos.

2. Acresce que a análise deste caso permite olhar para os “centros de influência” existentes na democracia portuguesa, na advocacia, na consultadoria, nas agências de comunicação, nos partidos políticos, autarquias, gabinetes de ministérios e governos, na administração pública e nos poderes fácticos, seja do futebol à Igreja. Esses “centros de influência” significam muitas vezes que uma rede não escrutinada tem acesso directo e privilegiado ao poder político, seja a nível local ou nacional.

3. A Spinumviva é, a nível local, um desses “centros de influência”, e a sua clientela não foi ao escritório de advogados – que, como muito outros, se transformou em empresa por razões fiscais – pela sua competência, pelos seus colaboradores, pelos seus baixos honorários, seja pelo que for, visto que estamos a falar de uma empresa familiar sem estrutura e organização, sem sede fora da residência familiar, mas pelo facto de ser a “empresa” de Luís Montenegro. A sua força no mercado, como agora se diz, é apenas essa. A “influência” que gere é a de Montenegro, antes e depois de ele lá estar formalmente, como pessoa com os contactos certos no partido, na autarquia, no PSD local e nacional.

4. Embora a Spinumviva faça a gestão dos interesses locais – e é por isso que o conhecimento dos seus clientes é relevante para perceber que todas as empresas e grupos económicos na zona de Espinho-Aveiro estão lá –, não é diferente de muitos outros “centros de influência” mais poderosos a nível nacional. É o caso de grandes escritórios de advogados, consultoras, agências de comunicação (ainda estou por perceber o trade-off que existe entre agências de comunicação que colocam notícias dos seus clientes nas páginas especializadas de economia, de advogados, etc., e os jornalistas), que são, por exemplo, a escolha quase imediata de qualquer grande interesse económico estrangeiro. Não é necessariamente pela qualidade do seu trabalho, mas pelos seus contactos próximos do Governo, a administração fiscal, autarquias poderosas, etc., que são “grandes escritórios” e continuam a sê-lo. Toda a gente sabe a que escritório de advogados deve ir para tratar de um assunto fiscal, de uma autorização administrativa, de uma matéria de defesa, etc., até porque o próprio Estado é um gigantesco cliente dos seus serviços sem verdadeiro concurso público ou à revelia dos seus próprios serviços jurídicos.

5. O problema não está no facto de existirem, nem serem em si ilegais; está na ténue fronteira entre a influência e o tráfico de influências, e deviam ser postos a milhas de distância do poder democrático. Pelo contrário, estão bem dentro dele e ganham com isso. Já escrevi que quem manda muito em Portugal não são muitas vezes os detentores de cargos formais, ministros, deputados, autarcas, mas esse círculo que actua nos gabinetes, que exerce o poder de escolha para cargos relevantes ou, ainda melhor, tem o poder de veto. A sua força vem da sombra da discrição e do segredo da sua actuação num Estado laxista sobre a obrigação de registos documentais, telefónicos, ou de correspondência electrónica.

6. O segredo e a discrição são fundamentais, até porque há um efeito perverso que vem da revelação destas “influências” no poder político, que é que o até então beneficiado passa a poder ser prejudicado, para evitar suspeitas. Os clientes da Spinumviva estão a fugir da empresa, porque o que era ontem uma vantagem hoje é um prejuízo.

7. Há, por isso, três erros graves no comportamento de Montenegro, repito, não me pronunciando sobre se há ou não ilegalidade no que aconteceu. A censura por más práticas graves não implica que essas práticas sejam ilegais. A tese de que a “ética republicana é a lei” não é verdadeira, porque a palavrinha “ética” vai mais longe, mesmo quando não se aceita o moralismo dominante, que incide mais sobre as pessoas do que sobre os procedimentos.

8. O primeiro erro é não ter fornecido a informação devida, e ainda o não ter feito ao dia de hoje, sobre os clientes da sua empresa familiar, para poder haver um julgamento sobre eventuais conflitos de interesse.

9. O segundo erro deriva do primeiro, é não ter dissolvido a sua empresa logo que se tornou primeiro-ministro. Se a empresa tivesse independência do homem político Montenegro e ele fosse apenas um sócio vulgar, ou um associado, poderia ter bastado suspender as suas actividades, nem que fosse para garantir a exclusividade na governação. Ao não o fazer, torna-se impossível dissociar a empresa da força que lhe trouxe clientes de vulto e facturação: Luís Montenegro.

10. O terceiro erro tem que ver com o facto de Montenegro, pela condução do processo e pela falta de esclarecimentos, ter transformado este caso numa crise nacional, levando à queda do Governo e a novas eleições, com os elevados custos que isso tem. Isto bastava para o condenar, mas chamaria a atenção para muitos outros casos de “influência” existentes nos grandes partidos, situação e oposição.»


A estirpe de Carneiro

 


2.5.25

Nem dependia de electricidadel

 


Porta da Casa Tomàs Marquès, Barcelona, 1914.
Arquitecto: Antoni de Facerias i Marimon.


Daqui.

Montenegro organizou um arraial em São Bento

 


«Após ter adiado as celebrações do 25 de abril devido ao luto pelo Papa Francisco, o Governo promoveu um mashup, que juntou 25 de abril e 1.º de maio sob o mote “São Bento em família, celebração da cultura portuguesa”. De acordo com o programa, terá sido possível assistir nos jardins do Palacete de São Bento a cante alentejano e a um grupo de Pauliteiros de Miranda, culminando com um concerto do cantor romântico Tony Carreira. As referências à liberdade e aos trabalhadores foram substituídas por um dia dedicado à família.

As palavras importam, têm um significado e uma história. Depois de uma gestão trôpega das implicações do luto para os festejos da revolução, a impressão deste dia da cultura portuguesa celebrado em família é de um saudosismo bacoco. É revelador que quando se assinalam as duas efemérides que inauguraram o Portugal democrático – o 25 de abril e o 1.º de maio – se recupere uma linguagem passadista, com reminiscências das conversas televisionadas do derradeiro Presidente do Conselho. Talvez não passe de uma chico-espertice eleitoral, na qual sobressai também um evento no qual se juntam duas manifestações da cultura etnográfica com um artista popular.»


02.05.1968 – Nanterre

 


Foi em Nanterre que se deu o pontapé decisivo para o 3 de Maio na Sorbonne.

Confirma-se que há criminosos no Martim Moniz

 


«Quando me disseram que a extrema-direita tinha levado uma grande tareia no 25 de Abril, pensei que o meu interlocutor estava a falar de História. Afinal, não eram notícias antigas. Alguns cidadãos de índole autoritária tinham resolvido organizar uma festa com porco no espeto, no passado dia 25 de Abril, e, para surpresa de todos, os convivas acabaram por revelar uma inclinação para a violência. A polícia teve então de acalmar os desordeiros recorrendo a umas bastonadas na ilharga e a uns bofetões nas ventas. O porco no espeto não foi o único que ficou com o lombo a arder. O caso tem dois ou três aspectos bastante misteriosos. Primeiro, não se percebe bem o que é que os vândalos teriam para comemorar no Martim Moniz, naquele dia, em vez de estarem em casa, a chorar, em posição fetal. Que a extrema-direita festeje o 25 de Abril faz tanto sentido como os perus quererem celebrar o Natal. Talvez estes energúmenos tenham percebido mal certas palavras de ordem que se gritam naquele dia, mas é melhor que alguém lhes explique — com o auxílio de desenhos, talvez — que “Fascistas, rua!” não é um pedido para que eles saiam de casa.

Pessoalmente, não me oponho a que a polícia passe a dar umas traulitadas em fascistas por ocasião do 25 de Abril. Parece-me uma tradição interessante, além de esteticamente agradável. E consegue manter vivo o espírito de Abril, porque, em 1974, os fascistas fugiram para o calor do Brasil, mas em 2025 também ficaram quentinhos. Há 51 anos foram ouvir os ritmos musicais sul-americanos, mas na semana passada também ficaram com os ouvidos a tinir por causa de lambada. E as bastonadas da polícia são uma forma um pouco mais vigorosa de ministrar um curso intensivo de cidadania. Os manifestantes violentos receberam uma importante lição sobre empatia e foram estimulados a colocar-se no lugar do outro, uma vez que ficaram todos negros.

O dia acabou de forma ainda mais inesperada quando Rita Matias, do Chega, disse na CNN Portugal que a actuação da polícia tinha sido excessiva. Foram muitas surpresas seguidas. A extrema-direita quis fazer uma patuscada para celebrar o 25 de Abril e o Chega admitia que, afinal, sempre é possível a polícia exceder-se quando faz intervenções no Martim Moniz. Não admira que, três dias depois, o apocalipse tenha chegado sob a forma de apagão.»


1.5.25

Alguém sabe do seu paradeiro?

 


Lisboa 1911

 


Operários da panificação, em greve, pelo descanso semanal.

(Fotografia de Joshua Benoliel)

01.05.1973 - Uma «despedida» do 1º de Maio em ditadura



Às 2:50 minutos do 1º de Maio de 1973, as Brigadas Revolucionárias executaram uma das suas acções mais espectaculares, da qual resultou a destruição de dois andares do Ministério das Corporações (actual Ministério do Trabalho e da Segurança Social), na Praça de Londres em Lisboa.

Explicaram mais tarde em comunicado (que pode ser lido AQUI, na íntegra): «O Ministério das Corporações é, por um lado, o instrumento mais directo dos patrões portugueses e estrangeiros, que através dele fixam as condições de trabalho do proletariado – salários, horários – enfim, exploração e repressão (…); e, por outro, um instrumento de exploração directa dos trabalhadores, através da Previdência (…) que fornece serviços de Saúde e Previdência miseráveis.»

Durante a tarde, foram recebidos telefonemas com falsos alertas de bomba em várias grandes empresas de Lisboa. Veio a saber-se depois que se tratara também de uma iniciativa ligada às Brigadas Revolucionárias, cujo objectivo era «libertar» mais cedo os trabalhadores para que pudessem participar na manifestação.

Facto demasiado grave e espectacular para que a censura o silenciasse, foi noticiado nos meios de comunicação social e objecto de todas as conversas, num dia em que se preparavam manifestações proibidíssimas, precedidas por largas dezenas de detenções, como a CNSPP (Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos), de 09.05.1973 veio a relatar:

«Tem-se verificado, nas últimas semanas, um acentuado agravamento da repressão política no nosso país: com o pretexto de impedir quaisquer manifestações públicas por ocasião do 1.º de Maio, procedeu a Direcção-Geral de Segurança à prisão indiscriminada de um elevado número de pessoas, em várias localidades e pertencendo aos mais diversos sectores de actividade profissional. Só durante o período que decorreu de 7 de Abril a 7 de Maio tem a CNSPP conhecimento de terem sido presas 91 pessoas, cujos elementos de identificação se possuem já. Sabe-se, no entanto, que muitas outras dezenas de pessoas foram detidas (...)
As forças policiais desencadearam, nos primeiros dias deste mês, uma desusada onda de violência. No 1.° de Maio, as zonas centrais da cidade de Lisboa e Porto foram teatro de grandes concentrações por parte das forças das diversas corporações policias e parapoliciais (com agentes fardados e à paisana). No Rossio e em toda a área circundante essa presença não se limitou ao papel de intimidação ou de repressão, mas adquiriu características de verdadeira agressão: espancamentos brutais e indiscriminados, grande número de feridos, dezenas de prisões. Dessa agressão, foram vítimas muitos trabalhadores, assim como estudantes e outras pessoas que se limitavam a passar pelo local».
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Deixem o Luís trabalhar

 


01.05.1974 – Quando o futuro não tinha impossíveis

 



Trabalhar, sim, mas menos

 


«Feliz dia internacional dos trabalhadores!

Caso não aguente mais uma cábula sobre o 1.º de Maio e a maneira triunfal como se reduziram para oito as horas diárias de trabalho, pense nisto: foi há mais de 100 anos.

Ganha-se mais em pensar no 1.º de Maio como o dia em que os trabalhadores lutam para trabalhar menos do que no ano – ou, vá lá, a década – anterior.

Só ficaram pelas oito horas por dia porque até aí trabalhavam 10 e 12 horas.

Não é o número 8 que é mágico: é o ser menos do que 9, 10, 11, 12 e por aí afora.

O progresso está na redução progressiva da carga horária. Daqui a 100 anos, se tudo correr bem, a semana laboral terá 15 horas, mas a luta será por uma semana de 12 horas.

Doze horas já é muito: o acordar, o viajar, o aturar, o aborrecer, o cansar, o ter de voltar. Todas estas coisas são fixas e não há maneira de as contornar.

A conquista não é a semana de 40 horas. A conquista é obrigar os patrões a pagar-nos o mesmo por menos horas de trabalho. Já que não nos aumentam os ordenados, ao menos que nos paguem mais por hora.

Não são as conquistas que satisfazem: são as recompensas da luta.

Os trabalhadores vão exigindo e os patrões vão cedendo: é este processo contínuo que deve ser celebrado.

A luta não pode parar, não pode congratular-se, não pode satisfazer-se. Pelo menos publicamente.

A reacção ao "eles comem tudo" é "nós queremos mais". Ou mais dinheiro ou mais tempo. E assim já não será tudo o que comem, mas um bocadinho menos.

Cuidado com os patrões que dão os parabéns aos trabalhadores pelas conquistas de Maio.

Não seriam conquistas se os patrões cedessem logo de bom grado.

A inflação é um facto da vida. Mas a desinflação das horas de trabalho também deveria ser: se os preços estão mais caros, seria profundamente injusto se eu tivesse de trabalhar mais tempo para os pagar.»


30.4.25

Isto estava a pedir um apagão

 


«𝐐𝐮𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐚𝐦𝐚𝐧𝐡ã à 𝐭𝐚𝐫𝐝𝐞 𝐚𝐬 𝐜𝐞𝐧𝐭𝐫𝐚𝐢𝐬 𝐬𝐢𝐧𝐝𝐢𝐜𝐚𝐢𝐬 𝐟𝐞𝐬𝐭𝐞𝐣𝐚𝐫𝐞𝐦 𝐨 𝐃𝐢𝐚 𝐝𝐨 𝐓𝐫𝐚𝐛𝐚𝐥𝐡𝐚𝐝𝐨𝐫, 𝐓𝐨𝐧𝐲 𝐂𝐚𝐫𝐫𝐞𝐢𝐫𝐚 𝐞𝐬𝐭𝐚𝐫á 𝐚 𝐜𝐚𝐧𝐭𝐚𝐫 𝐧𝐨𝐬 𝐣𝐚𝐫𝐝𝐢𝐧𝐬 𝐝𝐨 𝐏𝐚𝐥á𝐜𝐢𝐨 𝐝𝐞 𝐒. 𝐁𝐞𝐧𝐭𝐨, 𝐫𝐞𝐬𝐢𝐝ê𝐧𝐜𝐢𝐚 𝐨𝐟𝐢𝐜𝐢𝐚𝐥 𝐝𝐨 𝐩𝐫𝐢𝐦𝐞𝐢𝐫𝐨-𝐦𝐢𝐧𝐢𝐬𝐭𝐫𝐨. 𝐄𝐫𝐚 𝐝𝐢𝐟í𝐜𝐢𝐥 𝐚𝐫𝐫𝐚𝐧𝐣𝐚𝐫 𝐦𝐞𝐥𝐡𝐨𝐫 𝐦𝐞𝐭á𝐟𝐨𝐫𝐚 𝐩𝐚𝐫𝐚 𝐢𝐥𝐮𝐬𝐭𝐫𝐚𝐫 𝐨 𝐞𝐬𝐭𝐚𝐝𝐨 𝐚 𝐪𝐮𝐞 𝐢𝐬𝐭𝐨 𝐜𝐡𝐞𝐠𝐨𝐮. 𝐒𝐞𝐧𝐝𝐨 𝐞𝐬𝐭ú𝐩𝐢𝐝𝐨 𝐚𝐜𝐡𝐚𝐫 𝐪𝐮𝐞 𝐬ó 𝐨 𝐙𝐞𝐜𝐚, 𝐨 𝐅𝐚𝐮𝐬𝐭𝐨, 𝐨 𝐕𝐢𝐭𝐨𝐫𝐢𝐧𝐨 𝐨𝐮 𝐚 𝐆𝐚𝐫𝐨𝐭𝐚 𝐍ã𝐨 𝐜𝐨𝐥𝐚𝐦 𝐜𝐨𝐦 𝐚 𝐟𝐞𝐬𝐭𝐚 𝐝𝐚 𝐋𝐢𝐛𝐞𝐫𝐝𝐚𝐝𝐞, 𝐞 𝐬𝐞𝐧𝐝𝐨 𝐢𝐠𝐮𝐚𝐥𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐞𝐬𝐭ú𝐩𝐢𝐝𝐨 𝐚𝐜𝐡𝐚𝐫 𝐪𝐮𝐞 𝐨 𝐟𝐚𝐝𝐨 é 𝐟𝐚𝐬𝐜𝐢𝐬𝐭𝐚, 𝐜𝐡𝐚𝐦𝐚𝐫 𝐮𝐦 𝐜𝐚𝐧𝐭𝐨𝐫 𝐫𝐨𝐦â𝐧𝐭𝐢𝐜𝐨 𝐩𝐚𝐫𝐚 𝐝𝐚𝐫 𝐯𝐨𝐳 𝐚𝐨 𝟐𝟓 𝐝𝐞 𝐀𝐛𝐫𝐢𝐥 é 𝐚𝐬𝐬𝐮𝐦𝐢𝐝𝐚𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐦𝐞𝐱𝐞𝐫 𝐜𝐨𝐦 𝐨 𝐞𝐬𝐩í𝐫𝐢𝐭𝐨 𝐝𝐚 𝐜𝐨𝐢𝐬𝐚. 𝐀 𝐫𝐞𝐯𝐨𝐥𝐮çã𝐨 é 𝐦𝐨𝐯𝐢𝐦𝐞𝐧𝐭𝐨 𝐞 𝐦𝐮𝐝𝐚𝐧ç𝐚, 𝐨 𝐫𝐨𝐦â𝐧𝐭𝐢𝐜𝐨 𝐭𝐞𝐧𝐝𝐞 𝐩𝐚𝐫𝐚 𝐨 𝐭𝐫ô𝐩𝐞𝐠𝐨.»

Â𝐧𝐠𝐞𝐥𝐚 𝐒𝐢𝐥𝐯𝐚 𝐧𝐚 𝐍𝐞𝐰𝐬𝐥𝐞𝐭𝐭𝐞𝐫 𝐝𝐨 𝐄𝐱𝐩𝐫𝐞𝐬𝐬𝐨, 𝟑𝟎.𝟎𝟒.𝟐𝟎𝟐𝟓.

Há 50 anos, o dia em que terminou a Guerra do Vietname

 


No dia 30 de Abril de 1975, a rendição de Saigão (actual Ho Chi Minh) pôs fim à Guerra do Vietname que durou quase duas décadas e se saldou, como se sabe, por uma estrondosa derrota dos norte-americanos.

Foi motivo para grandes contestações enquanto durou, despertou para a política toda uma geração, nos Estados Unidos e não só, esteve na origem de protestos um pouco por toda a parte. Até em Portugal, em tempos de fascismo e apesar de proibidas, tiveram lugar pelo menos duas manifestações em Lisboa, em 1968 e em 1970. Quem lá esteve lembra-se certamente da polícia a pé e a cavalo, na Duque de Loulé (era lá que se situava então a Embaixada dos EUA), a dispersar tudo e todos à bastonada. Mas confesso que só interiorizei verdadeiramente a dimensão do que foi o conflito em questão quando estive no Vietname.

Nunca esquecerei o War Remnants Museum, um dos mais terríveis que conheço, onde se encontram muitas imagens, instrumentos de tortura e outros pavorosos testemunhos da ferocidade de que o homem foi e é capaz. Foi muito difícil percorrê-lo depois de ter visitado Cu Chi, «Terra de ferro, cidadela de bronze», como se autodenomina, localidade a 60 quilómetros a Noroeste de Ho Chi Minh, que se orgulha de ter contribuído de um modo muito especial para a vitória da «Guerra anti-Yankees». É lá que se encontram 200 quilómetros de túneis que serviram de vias de comunicação, de esconderijo, de hospitais, e até de salas de parto, para os resistentes vietnamitas. Se tinha lido várias descrições, o que vi toca os limites do inacreditável.

E, para além de tudo isto, é quase impossível perceber como é que os americanos alguma vez acreditaram que podiam ganhar aquela guerra, apesar dos dois milhões de mortos que ficaram para trás.

Dois vídeos, um sobre o Museu, outro sobre os túneis de Cu Chi:






Mr. Moedas, o rei no apagão

 


Quando a luz falha

 


«O que aconteceu na segunda-feira não foi apenas uma interrupção técnica. Foi um curto-circuito simbólico. A luz caiu, sim — mas o que se apagou, por instantes, foi a ilusão de que temos tudo sob controlo. Ficámos entregues a nós próprios, sem rede, sem desculpa. Corpos parados. Vidas suspensas. Uma sociedade moderna em modo de espera, revelada na sua versão mais crua: fragmentada, ansiosa, quase primitiva.

Houve vizinhos que falaram pela primeira vez. É verdade. Mas não foi um milagre cívico. Foi o reflexo de um país que, habituado a viver só, estranha o contacto quando ele aparece sem aviso. E logo se recolhe assim que pode. A luz voltou. E, com ela, o hábito de evitar.

A atomização da vida moderna não se cura com um apagão. Só se revela.

E o que vimos, naquelas horas de silêncio eléctrico, foi um retrato sem filtros: somos frágeis, desconectados, dependentes de ecrãs para nos sentirmos acompanhados. A confiança social — a matéria invisível que sustenta o edifício democrático — oscilou tanto quanto a corrente. Vivemos, enfim, juntos, mas não vivemos com.

O apagão não inventou esta solidão. Só a iluminou. Durante longas horas, vimos o que preferimos ignorar: que a estabilidade é uma construção artificial. E, ainda que tudo tenha voltado ao normal, alguma coisa ficou — não nos dados, mas no subsolo.

Porque vivemos num tempo em que a ordem custa a manter: uma guerra prolongada no continente, o regresso de Trump à Casa Branca, a inflação instável, o clima em crise. Num mundo assim, até uma falha breve pode lembrar-nos: o futuro já não é uma linha reta. E, quando o futuro assusta, o presente basta.

O apagão não foi suficientemente longo para ser um trauma colectivo. Mas também não foi neutro. Em épocas de instabilidade, até os choques pequenos afinam o instinto político. Se o mundo balança — e o Governo se mantém de pé — pode ser o suficiente para querer que continue.

Não por convicção. Mas por reflexo.

É esse reflexo que hoje molda eleições em várias latitudes. No Canadá, Mark Carney não lidera por prometer mudança. Lidera porque parece um porto seguro no meio do ruído. “Parece saber o que faz”, dizia esta semana um eleitor em Toronto. Uma frase breve, quase banal, mas que captura o espírito da hora: não se quer novidade. Querem-se travões.

Na Austrália, o incumbente Anthony Albanese estava a cair nas sondagens. E depois o mundo tremeu. Trump carregou nas tintas, a China endureceu, a guerra arrastou-se. Hoje, Albanese está tecnicamente empatado. E pode ganhar na próxima semana — não por ser uma promessa de futuro, mas por não assustar no presente.

Portugal não escapa a esta maré. A E-Redes falhou na comunicação. A REN falou em problemas exteriores. A Proteção Civil demorou a ativar alertas. Durante os primeiros minutos, quem precisava de informações consultava o governo espanhol ou as atualizações de Pedro Sánchez — porque em Portugal, a luz caiu, mas a palavra também. Luís Montenegro não brilhou no apagão. Mas também não caiu. E, para muitos, isso bastará. Porque, num país onde a rede falha sem aviso, e a explicação demora mais do que o restabelecimento, manter o que há já é meio caminho para evitar o que poderia vir.

A oposição ensaiou uma resposta. Pedro Nuno Santos tentou o tom institucional — mas é difícil parecer estadista sem Estado. Ventura reagiu como seria de esperar: culpou a dependência energética, criticou o encerramento das centrais a carvão e evocou a “soberania nacional” como antídoto. A versão local de um discurso que já ouvimos noutras línguas: menos Europa, menos transição energética, mais controlo. É o trumpismo aplicado à corrente elétrica. Mas sem internet, o populismo ficou sem amplificador — e a tese morreu à nascença.

E, nestas alturas, o silêncio de quem governa vale mais do que o ruído de quem promete.

A política não vive só de ideias. Vive de atmosferas. E a atmosfera, agora, não pede rupturas. Pede garantias. Mesmo frágeis. Mesmo conhecidas. O apagão passou. Mas a instabilidade ficou. E, enquanto durar, o voto não tenderá a ser um salto em frente. Será um gesto de contenção. Uma âncora lançada no meio da corrente.

Não é o regresso das grandes narrativas. É o regresso das mãos previsíveis. É o regresso à política aborrecida — porque, em tempos incertos, o tédio é uma forma de esperança. Não promete o céu. Mas segura o chão.

E, quando a luz falha, o chão basta.»


29.4.25

Hoje, qualquer luzinha é bem-vinda

 


Candeeiro de mesa "Magnólia", em vidro iridescente soprado e esculpido em roda e bronze patinado. Cerca de 1904.
Daum Frères e Louis Majorelle.

Daqui.

Regresso às origens

 


29.04.1945 – As francesas votam pela primeira vez

 


Em França, foi só em 1945 que as mulheres exerceram pela primeira vez o direito de voto. Em eleições municipais, 87 anos depois dos homens.

Em Outubro do mesmo ano, foram 33 as eleitas para a Assembleia Constituinte, num total de 586 deputados. Isto no país que, em 1789, gritou: «Liberé, égalité, fraternité». Foi longo o caminho.

(Note-se que só em 1965 é que as francesas puderam abrir uma conta bancária, ou aceitar um emprego, sem autorização do marido.)




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Nuno Brederode Santos

 


Oito anos sem o Nuno. Passa o tempo, ficam a falta que faz e muitas saudades.



Não sei o que se passou. Sei que não se podia ter passado

 


«Estou a escrever este texto às 18h15 de 28 de Abril de 2025, um dia que ficará para a História por nos mostrar o que pode acontecer a uma sociedade totalmente dependente da electricidade quando a energia eléctrica falha. Escrevo este texto à mão, num bloco de notas amarelo da Amazon, que me chegou num dia em que havia electricidade. O meu computador está com pouca bateria e achei melhor não a gastar a escrever um texto de raiz, porque demora demasiado. Quando estiver pronto, planeio passá-lo para o computador, esperando que por essa altura o mail ou o WhatsApp já funcione, e o PÚBLICO o possa publicar. Talvez não possa. Talvez o jornal nem chegue a ser impresso.

À hora a que escrevo, não sei ainda o que se passou neste dia. Há quem fale num incêndio em França que atingiu linhas de alta tensão. Há quem fale num problema grave na rede eléctrica espanhola, de onde estaríamos a importar 30% da energia ao final da manhã. Sem esses 30%, a rede nacional ficou sem capacidade de resposta e deu-se o apagão, não sei se por decisão da REN ou por falha do sistema. Na verdade, não sei nada, excepto isto: o que quer que tenha acontecido, não poderia ter acontecido assim. Porque não ficámos só sem luz. Ficámos também sem comunicações. Ficámos sem boa parte dos transportes públicos (a CP já estava em greve, como sempre acontece após fins-de-semana prolongados, e por aí não se notou a diferença). E, nalguns casos, ficámos sob ameaça de um corte de água.

Certamente irão aparecer muitos especialistas a explicar-nos o que é que se passou, mas convém que ninguém se engane: isto é um problema político antes de ser um problema técnico, porque nós chegámos aqui por opções políticas de vários governos – e, pelo que se viu neste dia trágico, por muita ignorância e incompetência técnica.

Vamos cá ver: nós não fomos atacados pelo senhor Vladimir Putin. A Ucrânia foi, e muito, e nem ela teve um apagão igual a este. Nós não fomos vítimas de um ataque nuclear. Aquilo que este dia inimaginável nos diz é o seguinte: Portugal pode ficar sem electricidade, sem comunicações, e até sem água, porque uma rede de alta tensão ardeu em França ou porque houve um problema grave na rede espanhola. Peço desculpa pela pergunta: quando é que nós vendemos a nossa soberania energética à Espanha e à França? Quando é que nós fomos informados que um bater de asas de uma borboleta em Madrid poderia causar uma catástrofe eléctrica em Portugal?

Ouvir Luís Montenegro dizer na tarde deste dia, com milhares de portugueses a vaguear desesperados pelas ruas, que a culpa não é nossa porque o incidente não teve origem em Portugal, é patético. Ouvir o ministro da Coesão Territorial a levantar a hipótese de um ataque cibernético, ao mesmo tempo que era desmentido por quem tem a tarefa de vigiar ataques cibernéticos, é risível. Ver os primeiros-ministros de Portugal e Espanha, mais de sete horas após o apagão, declararem que não faziam ideia do que aconteceu, é do domínio do inconcebível.

Temos Estados gigantescos e gargantuescos, que consomem quase metade da riqueza nacional. Temos de perguntar a quem manda: se o Estado não serve para assegurar o mais básico do básico, serve para quê? A privatização da REN vai ser questionada – e bem, porque nunca deveria ter acontecido. Mas o problema vai muito para além da REN. É a mediocridade deste Estado que nos deve preocupar a todos. E a forma como o Governo apagou com este apagão não pode descansar ninguém.»


28.4.25

Saudades?

 


Então celebrem porque o homem faria hoje 136 anos. E o seu fantasma anda por aí à solta.

Televisões e 25 de abril: mais vale ser o homem que morde o cão

 


«Na sexta-feira, estive, como todos os anos, na descida da Avenida da Liberdade, em Lisboa. Para além do desfile do ano passado, em que se assinalava meio século de democracia e a extrema-direita acabara de eleger 50 deputados, terá sido o maior de sempre. Enquanto descia avenida, disseram-me que havia problemas no Martim Moniz e no Rossio e que era a isso que as televisões estariam a dar cobertura. Fui ver os sites e, estando no meio da multidão que enchia toda a avenida de forma mais compacta do que o habitual, tive uma sensação de irrealidade: quase todos abriam com uma manifestação de umas poucas dezenas de pessoas.

Nas televisões, vi depois, muitas dezenas de milhares de pessoas dividiam o ecrã com umas poucas dezenas de indivíduos, como se as duas realidades representassem uma sociedade polarizada, esse vício televisivo que molda o debate político. Quando chegaram os noticiários das 20h00, os apresentadores das duas televisões privadas falaram do desfile, mas a ação de uns poucos criminosos teve primazia no alinhamento. As muitas dezenas de milhares que ali representaram o sentimento da esmagadora maioria do País eram assunto secundário.

O ódio e a violência levaram, mais uma vez, a melhor. Porque geram mais curiosidade. Ou tração, como se diz hoje. Quem já organizou manifestações onde podem vir a existir problemas sabe que basta um desordeiro para se sobrepor à palavra de milhares. Que nenhuma televisão filma a festa se houver uma fogueira. O que a extrema-direita percebeu, nas redes e na comunicação social, é que isso é transponível para toda a sociedade.

Perante este ambiente, Rita Matias até se sentiu à vontade para defender os que agrediram dois polícias liderados, entre outros, por um tipo que se terá de apresentar brevemente numa penitenciária. A deputada do Chega criticou a atuação “excessiva” da PSP. O amor à ordem, a recusa de qualquer desobediência à autoridade e a defesa da polícia tem dias, tons de pele e filiações partidárias.

Há uma velha regra absurda entre os jornalistas: notícia é quando o homem morde o cão. A confusão entre notícia e novidade é natural, mas perigosa. Se o jornalismo pretende aproximar-se da realidade precisa de estar atento ao que é novo, mas continuar a distinguir o que é relevante, primeiro, e o que é representativo, depois. Até porque a forma como a comunicação social representa a realidade molda a própria realidade. E há o risco de, com este espelho destorcido, as pessoas se convencerem que vivem num mundo onde, em geral, os homens mordem os cães e queiram, por isso, começar a pôr açaimes nos homens.

A extrema-direita cresce por muitas razões. Mas a comunicação social, e em especial as televisões, têm dado um forte contributo. Não é por falarem dela. Muito menos por falarem dela quando representa quase um quinto dos eleitores. É porque lhe dão um destaque desproporcionado – Ventura tem, quase todos os meses, mais tempo de antena televisivo do que o líder do maior partido da oposição.

As televisões são negócio. Depois de muita exposição, o grotesco normaliza-se e deixa de funcionar. A gritaria de Ventura está a ficar repetitiva. A tendência é procurar produtos novos mais impactantes, dando-lhes, também a eles, um destaque desproporcionado que os vai amplificando e banalizando. Não é jornalismo, é audiência. São coisas diferentes porque, como aprende qualquer jornalista, interesse público não é o mesmo que interesse do público.

A verdade é que as televisões preferiram umas dezenas de delinquentes nazis a muitas dezenas de milhares de democratas. Claro que, depois, organizam-se muitos painéis de debate para perceber o crescimento da extrema-direita. Mas não vale a pena perguntarem como isto acontece, quando mais do que cúmplices, são promotoras. E o efeito mais perverso nem é o da promoção. É o prémio. Na sexta-feira, foi dado um recado a quem esteve naquele desfile: a utilização pacífica e feliz dos instrumentos democráticos é pouco telegénica. A violência é que compensa. E estes movimentos já perceberam como pôr o “sistema” que tanto fingem criticar a trabalhar para eles. Há que saber morder o cão quando as câmaras estão por perto.»


27.4.25

Porta-cartas

 


Porta-cartas em faiança vidrada. Cerca de 1895.
Designer: Émile Gallé.
Fabricante: Fayencerie de Nancy.


Daqui.

27.04.1974 –Os novos «hóspedes» de Caxias: Pides

 


O Diário de Lisboa de 27 de Abril relata que, na madrugada desse dia, 170 agentes da PIDE foram levados da António Maria Cardoso para a prisão de Caxias, depois de cerca de outros 200 terem fugido por uma passagem subterrânea que ligava a sede daquela polícia a um outro prédio. 24 horas depois da saída dos presos, Caxias teve novos «hóspedes».

Além disso:
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Três retratos

 


«1. Quase tudo na mesma?

A “Sondagem das Sondagens”, já com alguns anos, na Rádio Renascença, e o “Radar das Sondagens”, da Rádio Observador, são dois agregadores de sondagens. Juntam a informação de todas as sondagens para, a partir daí, dar uma estimativa das intenções de voto. Excetuan¬do a forma como redistribuem indecisos, usam métodos similares, pelo que as estimativas também são similares. E que nos dizem esses agregadores?

Ambos mostram a AD com uma intenção de voto a rondar os 31%, o PS com 28%, o Chega a rondar os 17% e a IL nos 6% — o resto dos partidos perde se em migalhas. Compare se agora com as legislativas de 2024: AD, 28,8%, PS, 28%, Chega, 18,1%, IL, 4,9%. Diferenças? Algumas, claro, mas os resultados do ano passado são tão próximos das sondagens deste ano que estão dentro das margens de erro. Não é de excluir a hipótese de que as quatro maiores forças políticas tenham resultados praticamente iguais aos do ano passado. Quer maior demonstração da inutilidade destas eleições?

2. A principal novidade

Quando a IL chegou ao Parlamento, assumia-se como não sendo de esquerda nem de direita. Até exigiu ficar ao centro do hemiciclo parlamentar. O liberalismo não é automaticamente de esquerda ou de direita. Em questões fiscais, será de direita, tal como em relação ao mercado de trabalho e às privatizações; em relação à eutanásia, à despenalização das drogas leves, ao aborto, a direitos LGBT ou mesmo em questões económicas como a imigração, a posição liberal é de esquerda.

No debate com Ventura, Rui Rocha excluiu qualquer hipótese de a IL participar num Governo socialista, mas não fez o mesmo quando questionado sobre a possibilidade de fazer parte de um Governo com o Chega. Reduziu as suas divergências a questões orçamentais e não de princípio. Bem sei que o programa económico do Chega é uma receita capaz de destruir qualquer economia. Mas, se percebi bem, se Ventura ceder nas promessas mais histriónicas e irresponsáveis (por exemplo, igualar a pensão mínima ao salário mínimo), a IL está disponível para chegar a acordo. Descanse em paz.

3. A discussão fiscal em Portugal

A discussão fiscal portuguesa resvala demasia¬das vezes para a indigência.

Confunde-se retenção na fonte com IRS efetivamente pago. Não é aceitável que a esquerda aproveite o facto de muitas famílias terem um reembolso de IRS inferior ao que estão habituadas para dizer que isso é a demonstração de que as taxas não desceram. Tal decorre simplesmente da descida da retenção na fonte. É um facto que as taxas de IRS desceram (e também o PS ajudou nessa descida).

O Governo também não é inocente. A redução da retenção na fonte, com efeitos retroativos que se traduziram em salários líquidos mais elevados em setembro e outubro de 2024, teve um objetivo eleitoralista óbvio: garantir que os portugueses se sentiam mais ricos para o caso de o Orçamento do Estado não ser aprovado e serem convocadas eleições no fim de 2024.

Seja na oposição, seja no Governo, é triste ver tantos aproveitarem-se da iliteracia financeira dos portugueses. A discussão sobre o IRC é mais subtil. A esquerda manifesta-se contra a descida do IRC com o argumento de que quase metade das empresas não paga IRC e que são as grandes que são responsáveis pela maior fatia de receitas.

Os factos estão corretos. 0,2% das empresas (as que têm um volume de negócios superior a 50 milhões de euros) são responsáveis por 40% das receitas de IRC. E, se olharmos para as empresas com um volume superior a 250 milhões de euros (cerca de 150 empresas, dependendo do ano), vemos que pagam um quarto do total.

Se os factos estão corretos, onde está o problema? O problema são os factos. O problema é apenas haver cerca de 800 empresas com um volume de negócios superior a 50 milhões de euros. Devia haver bem mais. Temos um IRC que, com a derrama estadual, se torna progressivo, penalizando as empresas mais bem-sucedidas. Em vez de discutirmos formas de prejudicar as empresas maiores, devíamos derrubar obstáculos ao crescimento das empresas. São as grandes empresas que mais criam emprego qualificado, investem em I&D, puxam pelas exportações e, claro, pagam o grosso do IRC. Um Estado social robusto precisa de uma base empresarial forte.»