25.12.21

Conselho útil para o resto do serão

 

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Sempre neste dia

 


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NATAL 2020

 


Um clássico que já faz parte da nossa História. E este ano? Trocaram compotas nos patamares ou abriram as janelas?
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Consoadas

 


Consoadas com bacalhau e com peru já marcharam muitas. Mas de lagosta com bife só uma vez, ao chegar a San Francisco bem tarde num 24 de Dezembro. Não me importava nada de repetir – e de estar agora em San Francisco, claro!
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24.12.21

A campanha do CDS

 



A esquerda agradece este novo tipo de campanha da direita. Vergonha alheia... .


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O Natal de Marcelo

 


Já houve um tempo em que ninguém calava a voz da classe operária. Hoje ninguém cala um presidente com ministros, ginjinhas, velas e escuteiros. Pobre hérnia!
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Pedro Tamen

 


No primeiro Natal sem o Pedro.
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23.12.21

E la nave va!



 

Pois então, divirtam-se, abifem-se e avinhem-se e passem estes tempos natalícios o melhor que puderem. E obrigada pela companhia por aqui.
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Há-de vir um Natal…

 


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Rendeiro: tinha um pendura que já fugiu?




Ficou sozinho na «SELA»?
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A pergunta

 


«Com o fim abrupto da ‘geringonça’, estas eleições seriam necessariamente marcadas por uma pergunta: na mais que provável ausência de maioria de um só partido, qual seria a estratégia de coligações dos partidos que de facto apresentam candidatos a primeiro-ministro?

Como sempre acontece, esta pergunta tem um contexto. É frequente dizer-se que a ‘geringonça’ correspondeu a uma mudança paradigmática na política portuguesa. Verdade, na medida em que em 2015, pela primeira vez, o Governo não foi formado pelo partido ou pela coligação pré-eleitoral mais votada, mas, sim, pelo maior partido do bloco político maioritário. Com um sistema eleitoral proporcional e um Parlamento mais fragmentado, era inevitável que se concretizasse esta mudança.

Aliás, nem sequer foi à esquerda que, pela primeira vez, a possibilidade foi enunciada em contexto pré-eleitoral (como fez António Costa antes das legislativas de 2015). Já em 2011, no frente a frente entre Passos Coelho e Paulo Portas, o então líder do CDS sugeria que o importante era os dois partidos de direita terem a maioria de deputados e pouco importava se cada um tivesse metade. Ou seja, a direita formaria Governo mesmo que o PS fosse o mais votado.

Importa por isso recordar que o que foi inédito em 2015 foi uma outra coisa: pela primeira vez, o partido mais votado não fez parte do campo político com mais deputados. No passado, quando o PSD formou Governo, a maioria dos deputados esteve sempre à direita (a exceção é mesmo 1985, quando o PRD, um partido difícil de catalogar, baralhou as contas). Do mesmo modo que quando o PS foi Governo a maioria de deputados estava à esquerda (foi assim com Mário Soares e depois disso com António Guterres).

O que mudou foi que, ao contrário do que sempre aconteceu, quebrou-se o muro que impossibilitava o compromisso entre PS e partidos à sua esquerda. No passado, o PSD viabilizou Orçamentos de Governos do PS, mas existia uma maioria de esquerda, que, contudo, era incapaz de dialogar. O PS, pelo contrário, nunca precisou de viabilizar Orçamentos de Governos do PSD, porque os sociais-democratas conseguiram sempre entendimentos com o CDS.

Não vale a pena reescrever a História, até porque, após o dia 30 de janeiro, de novo, a responsabilidade de formar Governo deve recair sobre o partido mais votado do bloco político maioritário. No fundo, o que aconteceu em 2015 após as legislativas e nos Açores nas últimas regionais (quando o PS foi o mais votado mas a maioria de deputados estava à direita).

A pergunta que se coloca é por isso distinta da que tem sido sugerida, designadamente quando se insiste num cenário alternativo de bloco central. Se das eleições resultar uma maioria parlamentar de direita, mas o PSD tiver menos votos do que o PS, o que é que Rui Rio vai fazer? É que, perante o cenário simétrico, a resposta de António Costa já é conhecida. Na verdade, a de Rio também: nos Açores o PSD formou Governo.»

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22.12.21

Mudam-se os tempos...

 

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Férias de vacinação

 


Quando somos bombardeados todos os dias com a urgência de vacinar ou revacinar, e se anuncia que todos os centros de vacinação vão estar encerrados CINCO DIAS durante o período de festividades, vem-me à cabeça a Guerra do Solnado: fazemos um pacto com o Ómicron e ele promete-nos abrandar a marcha por causa do presépio e da passagem do ano.

É evidente que os profissionais de saúde estão estafados, mas não consta que os hospitais alguma vez tenham fechado portas porque eles “também precisam de ter direito ao Natal e Passagem de Ano”, como disse o PM. Sempre se organizaram turnos, sempre se fez o possível e o impossível, mesmo com limitações e grandes sacrifícios financeiros, pessoais e familiares.

Tivesse havido uma planificação eficaz, uma boa estratégia de comunicação e vontade de desembolsar umas migalhas de um qualquer PRR e talvez a abstenção às vacinas diminuísse um pouco, até por famílias inteiras se dirigirem a alguns locais, mesmo que não tantos como é habitual, em regime de casa aberta. Mas não.
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Rapidez + incerteza = cautela

 


«Olhando para a proporção entre óbitos, internamentos e casos e comparando-a com o que se passava há um ano percebemos as enormes dificuldades que estaríamos a viver se não fosse a vacinação. Aos poucos negacionistas que veem em tudo isto a prova de que as vacinas de pouco servem, não lhes devemos uma vida salva. Aos que andam há dois anos a negar a relevância desta pandemia, já nem sei como se mantêm na sua realidade paralela.

Como se temia, não há controlo de fronteiras que nos vá salvar da Ómicron. Em poucas semanas, esta variante, muitíssimo mais contagiosa, passará a ser absolutamente dominante – 90% até ao fim do mês. Havendo alguns sinais de que é menos letal, é cedo para ter qualquer segurança quanto aos seus efeitos nas hospitalizações ou mesmo nos óbitos.

Segundo a pneumologista Raquel Duarte, o aumento de casos desta variante vai ser tão abrupto que é como se uma “parede” estivesse a subir à nossa frente. Sobre a rapidez com que ela se propaga já sabemos bastante. Sobre a sua gravidade, temos de esperar por dados mais seguros de países com demografia e cobertura vacinal próximas das nossas e que vão à nossa frente. E é a conjugação destes dois fatores – rapidez de contágio e incerteza nos seus efeitos – que leva ao conjunto de medidas que foram apresentadas. Perante a velocidade e a incerteza, é impossível não ter cautela. Mais tarde podia ser tarde demais.

Quando soubermos mais pode ser tarde demais e nenhuma destas medidas teria, então, qualquer efeito. Sobretudo porque estamos no inverno e na quadra das festas que, como percebemos no ano passado, é uma autoestrada para o vírus. Ainda assim, medidas moderadas quando comparadas com outros países – alguns deles com coberturas vacinais menores do que as nossas, é verdade – e sintonizadas com a linha geral da Europa.

A antecipação de medidas previstas para a semana de contenção é coerente e compreensível. A exigência de apresentação de testes também, mas a logística não está a responder à necessidade. Não basta decidir. Compreendendo-se a pausa de Natal e ano novo para quem garante a vacinação, não é fácil explicar que com novas medidas os sinais não sejam de aceleração da dose de reforço, em que não estamos assim tão avançados e parece ser a estratégia de antecipação dos países com que nos comparamos.

O cansaço vai sentir-se. E a campanha, com o inevitável aproveitamento político, não ajudará. Os efeitos económicos destas medidas também serão grandes em alguns sectores que dependem muito do Natal. Mas um confinamento mais exigente é o que temos de evitar a todo o custo, porque não temos capacidade económica nem forças para ele. Isso, e o adiamento do recomeço das aulas, a 10 de janeiro. Nada do que nos é exigido é suficientemente dramático para correr esse risco.»

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21.12.21

Há 33 anos – o dia em que não morri

 


Eu vivia com a família na Bélgica em 1988 e decidimos não ficar por lá nesta época, nem vir a Portugal, mas atravessar um oceano e passar o Natal nos Estados Unidos.

Por razões de férias escolares do meu filho, só poderíamos partir já bem perto de 24 de Dezembro, de preferência a 21. No meu local de trabalho tínhamos uma agência de viagens, gerida por um companheiro quotidiano dos meus almoços, e quase o torturei para que me conseguisse os lugares que eu pretendia nos voos Bruxelas / Londres / Nova Iorque – os tais do dia 21. Sem sucesso, fomos obrigados a ir na véspera.

Já num hotel em Manhattan, vimos as imagens do PAN NAM 103 do dia 21 de Dezembro de 1988, que se despenhou em Lockerbie, na Escócia.

Lembrei-me disto esta tarde enquanto António Costa anunciava as novas restrições para os próximos tempos. Se tivesse conseguido bilhetes para aquele dia 21, nunca ouviria a palavra Ómicron e também não estaria aqui para contar esta história. «Viva la vida» – mesmo com uma pandemia.
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O PSD e as mulheres

 


Esta fotografia, tirada quando Rui Rio encerrava o Congresso do PSD, é obscena. NEM UMA MULHER à vista, num partido que diz ter 51% de militantes certamente consideradas do «sexo fraco».
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Eleições 2022 - Serviço público

 


Aqui fica uma proposta de ocupação para os serões da primeira quinzena de Janeiro. São «apenas» 36 debates…


Calendário completo dos debates:
Domingo, 2 de Janeiro:
21h00: PS vs Livre (RTP1)
22h00: Bloco vs Chega (SIC Notícias)

Segunda-feira, 3 de Janeiro:
21h00: PSD vs Chega (SIC)
22h00: Bloco vs CDU (CNN Portugal)

Terça-feira, 4 de Janeiro:
18h30 (hora indicativa): Bloco vs Livre (SIC Notícias)
21h00: PS vs CDU (TVI)
22h00: CDS vs PAN (RTP3)

Quarta-feira, 5 de Janeiro:
18h30 (hora indicativa): CDS vs IL (RTP3)
21h00: PSD vs Bloco (SIC)
22h00: Chega vs Livre (CNN Portugal)

Quinta-feira, 6 de Janeiro:
17h00: CDU vs Livre (CNN Portugal)
21h00: PS vs Chega (RTP1)
22h00: Bloco vs IL (SIC Notícias)

Sexta-feira, 7 de Janeiro:
21h00: PSD vs CDS (TVI)
22h00: CDU vs Chega (RTP3)

Sábado, 8 de Janeiro:
21h00: PS vs PAN (TVI)
22h00: PSD vs Livre (RTP1)
23h00: CDS vs CDU (CNN Portugal)

Domingo, 9 de Janeiro:
21h00: PS vs CDS (SIC)
22h00: IL vs Chega (RTP3)
23h00: PAN vs Livre (SIC Notícias)

Segunda-feira, 10 de Janeiro:
18h30 (hora indicativa): Bloco vs PAN (RTP3)
21h00: PSD vs IL (SIC)
22h00: CDS vs Livre (CNN Portugal)

Terça-feira, 11 de Janeiro:
18h30 (hora indicativa): IL vs PAN (SIC Notícias)
21h00: PS vs Bloco (RTP1)
22h00: CDU vs PAN (CNN Portugal)

Quarta-feira, 12 de Janeiro:
17h00: CDS vs Chega (CNN Portugal)
21h00: PSD vs CDU (SIC)
22h00: IL vs Livre (SIC Notícias)

Quinta-feira, 13 de Janeiro:
21h00: PSD vs PS (simultâneo RTP1, SIC e TVI)

Sexta-feira, 14 de Janeiro:
18h30 (hora indicativa): PAN vs Chega (SIC Notícias)
21h00: PS vs IL (TVI)
22h00: Bloco vs CDS (RTP3)

Sábado, 15 de Janeiro:
21h00: PSD vs PAN (RTP1)
22h00: CDU vs IL (RTP3)
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"Qué viva Chile!"

 


«Gabriel Boric, 35 anos, candidato do partido Convergência Social, progressista, foi eleito no passado domingo novo presidente da República do Chile, derrotando na segunda volta o candidato do Partido Republicano, extrema-direita, José Antonio Kast, até hoje defensor da sangrenta ditadura de Augusto Pinochet, que durou no referido país de 1973 a 1988. Quando escrevia esta coluna e estavam contadas 80% das urnas, a diferença entre os dois contendores era de dez pontos percentuais, pelo que Kast não teve outra opção senão reconhecer a derrota e felicitar o adversário. Pelo menos, foi mais "civilizado" do que Trump.

A vitória de Boric já está a ser considerada histórica, justamente e por vários motivos. O primeiro é a idade, uma vez que o novo presidente chileno é o mais jovem chefe de Estado a ser eleito no país. O segundo é o número de votos do vencedor, só comparável ao de Eduardo Frei, em 1964. De notar que, apesar de o voto ser facultativo, o número de eleitores foi igualmente recorde, pois, pela primeira vez na história do Chile, o pleito presidencial contou com oito milhões de votantes. Uma nota adicional: entre a primeira e a segunda volta, cerca de um milhão de pessoas decidiram votar, o que mostra bem a consciência dos chilenos relativamente ao que estava em jogo, ou seja, o risco do retorno da extrema-direita ao poder.

Os chilenos que, não tendo ido às urnas na primeira volta, decidiram fazê-lo na segunda ajudaram, certamente, a "desmentir" as sondagens que davam um "empate técnico" entre Boric e Kast. Os supostos "equívocos" das sondagens parecem estar a tornar-se corriqueiros em todo o mundo, em várias eleições, mas, como eu entendo um pouco de pesquisas, estou inclinado a pensar que o principal erro tem sido a maneira como as mesmas têm sido interpretadas. Como se sabe, o segredo das pesquisas não está nos números em si, mas na sua "leitura".

Gabriel Boric é um representante da "nova esquerda" chilena, que ascendeu no país durante os protestos estudantis dos anos 2010, que liderou. No final da referida década, marcada por fortes movimentações populares, já tinha ganho proeminência nacional suficiente para se candidatar à presidência da República. Mas, para a vitória de domingo, foi fundamental o entendimento que conseguiu estabelecer com a esquerda tradicional, representada pela Frente Ampla, aliança composta pelos socialistas herdeiros de Allende e pelo Partido Comunista.

Os desafios do novo presidente chileno são enormes, a começar pela reversão dos efeitos sociais das políticas neoliberais do governo do seu antecessor, reeditando, como se sabe, certas medidas que já haviam sido ferozmente implementadas durante a ditadura de Pinochet. É atribuída a Boric a seguinte frase: "Se o Chile foi o berço do neoliberalismo na América Latina, também será a sua tumba." Aguardemos.

Caberá também a Gabriel Boric convocar o referendo relativo à nova Constituição do país, que ainda está a ser escrita. Curiosamente, uma das ideias que estão em cima da mesma é adoção do parlamentarismo, o que, a suceder, obrigará o presidente que acaba de ser eleito a realizar novas eleições.

A eleição de Boric junta-se à chegada ao poder de outros políticos de esquerda (mais tradicional ou mais renovada) em vários países da América Latina, nos últimos quatro anos. São eles: López Labrador, México (2018); Alberto Fernández, Argentina (2019); Luis Arce, Bolívia (2019), e Pedro Castillo, Peru (2021). Aparentemente, a simpatia pelo chamado socialismo do século XXI não se apagou na região. O pesquisador brasileiro Mathias de Alecanstro chama aos movimentos de esquerda que têm chegado ao poder graças a alianças "republicanas" com organizações de centro a "esquerda de coalizão" [coligação], diferente da "esquerda de rutura".

O próximo caso será, precisamente, o Brasil?»

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20.12.21

Matéria para reflexão

 

«O PS é hoje o partido que mais contribui para a ideia de que não voltará a haver um acordo parlamentar à esquerda depois das eleições de 30 de Janeiro. Independentemente das razões que levaram ao chumbo do Orçamento do Estado em Outubro passado, as posições dos partidos de esquerda são hoje muito distintas a esse respeito.

Nas entrevistas que têm dado, os dirigentes do BE e, em menor medida, do PCP transmitem a sua disponibilidade para encontrar soluções negociadas com o PS. Se o fazem por convicção ou pelo receio de maus resultados nas próximas eleições, é irrelevante para o caso.

Já os principais dirigentes do PS têm feito o contrário desde Outubro: fazem questão de afirmar que deixou de ser possível negociar à esquerda, mostrando-se ao invés esperançosos num qualquer entendimento com o PSD. Dessa forma, são hoje quem mais contribui para a ideia de que não voltará a haver uma solução de governação que se assemelhe ao que tivemos desde 2015 (e que grande parte da população continua a valorizar).

Não sei se os dirigentes do PS insistem em dar por mortos os entendimentos à esquerda por convicção ou por acharem que ficarão assim com os votos dos eleitores descontentes do BE e do PCP. O que as mais recentes sondagens parecem indicar é que os resultados daquela postura não são favoráveis ao PS. É verdade que BE ou PCP (consoante a sondagem) são quem mais perde. Só que o PS não ganha. Pelo contrário, vê o PSD a aproximar-se, dando ainda mais folgo a um partido que parece renascer das cinzas.

Durante seis anos, António Costa assentou a sua popularidade na ideia de uma governação que compatibiliza responsabilidade orçamental e diálogo com as forças de esquerda. Talvez não haja assim tantos eleitores disponíveis para apoiar uma mudança drástica de postura, em que aquele diálogo se torna dispensável e até indesejado. Entre escolher um PS de centro e escolher um PSD de centro, talvez haja muita gente que olha para Rui Rio como o original e para Costa como a cópia forçada. Talvez o fim dos entendimentos à esquerda seja visto – não apenas pelos eleitores de esquerda, mas também por aqueles cujo voto oscila ao centro – como um sinal de incapacidade política de António Costa, não vendo razões de maior para confiar mais no PS do que no PSD. Talvez fosse altura de os dirigentes do PS reconsiderarem a sua estratégia eleitoral e de governação.»

Ricardo Paes Mamede no Facebook (18.12.2021)
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O Chile respira!

 


Gabriel Boric, 35 anos, ex-líder estudantil, membro da Câmara dos Deputados desde 2014 e eleito ontem presidente do Chile, com mais de 55% dos votos contra o candidato de extrema direita.

«Last», mas para mim «not the least», é de Puenta Arenas, uma bela cidade da Patagónia próxima do Estreito de Magalhães, por onde já andei mais de uma vez «Engulo» as saudades, bato palmas a esta vitória – o Chile bem a merece.
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20.12.1973 – «Arriba Franco, más alto que Carrero Blanco!»

 


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O Estado xenófobo, torturador e assassino

 


«Quando em Março de 2020 o cidadão ucraniano Ihor Homenyuk foi morto por servidores públicos, ninguém deu por isso porque andava toda a gente cheia de medo da covid-19 que tinha acabado de chegar. Alguns jornalistas não deixaram cair o assunto – nomeadamente Joana Gorjão Henriques aqui no PÚBLICO – e o ministro da Administração Interna foi chamado ao Parlamento. Mas a mais cristalina das verdades é que, com a população e os actores políticos centrados no vírus, no exacto momento do acontecimento, não houve um clamor nacional. Esse clamor só viria a acontecer uns nove meses depois, quando Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu a demissão de Eduardo Cabrita – embora depois tenha negado que fosse esse o objectivo da frase que disse: “Quem protagonizou o passado provavelmente não tem condições para protagonizar o futuro”.

O crime da tortura de imigrantes em Odemira por agentes da GNR, noticiado pela CNN Portugal, é outro crime de Estado que corre o risco de ficar submerso durante muitos meses, entre o caso Rendeiro, o caso Manuel Pinho, o congresso do PSD, as legislativas e o Natal. Se Eduardo Cabrita fosse ministro da Administração Interna, é provável que alguém já se lembrasse de pedir a demissão. Mas já não é. Deixou de servir de bode expiatório e ninguém se vai lembrar de, em fim de Governo, pedir a demissão de Francisca Van Dunen, uma ministra que já anunciou que mesmo que o PS ganhe as eleições vai deixar de o ser, e que acumulou a pasta da Administração Interna com a Justiça só porque sim.

Já sabemos que em Portugal as forças policiais podem torturar e não perdem o cargo de responsáveis pela autoridade do Estado, como aconteceu com os agentes condenados na esquadra de Alfragide. Sobre a tortura dos imigrantes de Odemira, Marcelo Rebelo de Sousa pediu na sexta-feira justiça célere, mas veio rapidamente apelar a que não se confunda torturadores e instituição GNR – “Os crimes ou infracções cometidos por elementos de uma força não podem ser confundidos com a missão, a dedicação e a competência da generalidade dos seus membros”. Mas foi também Marcelo que em Janeiro admitiu, no podcast “Perguntar Não Ofende” de Daniel Oliveira, que existia um problema grave no país, que definia como “um problema de cultura cívica, que não é necessariamente de uma instituição” no tratamento de imigrantes e estrangeiros. Um problema de xenofobia reconhecido pelo Presidente da República – para quem existem “sectores da sociedade portuguesa, atravessando várias instituições, que verdadeiramente não assimilam o espírito da Constituição, que é o espírito da igualdade e da integração e da inclusão”.

O Ministério Público considerou que os agentes da GNR que actuaram em Odemira “agiram em manifesto ódio pelos visados”, “ódio esse claramente dirigido às nacionalidades”. Ou, como disse o deputado do PSD Duarte Marques ao PÚBLICO, “comportaram-se pior do que animais”. A justiça vai seguir o seu curso mas, em vésperas de eleições, importa saber o que cada partido pretende fazer para acabar com a xenofobia e tortura praticadas por representantes da autoridade do Estado. A democracia tem 47 anos e passou demasiado tempo a assobiar para o lado.»

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19.12.21

O futebol

 


“Football Ballet”, Portugal, 1960.
Fotografia de Augusto Cabrita.
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José Dias Coelho

 



A morte saiu à rua num dia assim (19.12.1961).
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Alexandre O'Neill

 


Seriam 97, hoje.
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Brincar com o fogo

 


«Há cerca de um mês, a NBC transmitiu uma reportagem sobre o sucesso da vacinação em Portugal. Quando entrevistada para essa reportagem, e depois de mostrar o meu orgulho no comportamento que a população portuguesa tem tido em relação à vacinação, não pude deixar de referir que ainda não era tempo de celebrar. E porquê? Porque nenhum país deve acreditar que está seguro quando grande parte do mundo está muito longe de ter uma proporção considerável da população vacinada; a vacinação de muitas pessoas em apenas um pequeno número de países continuará a permitir a circulação do vírus noutras regiões do planeta, proporcionando oportunidades para o aparecimento de novas variantes potencialmente preocupantes.

Infelizmente, dias depois dessa mesma reportagem, os noticiários e jornais de todo o mundo abriram com a notícia de uma nova variante. A descoberta da Ómicron, uma variante do SARS-CoV-2 altamente mutada, com o potencial de ser mais transmissível que as anteriores, criou de imediato incerteza e perturbação. A reação dos líderes mundiais, especialmente os de países de alto rendimento, não se fez esperar, mas não assumiu os contornos mais desejáveis. Como que em modo de pânico, as restrições a viagens de certos locais foram rapidamente impostas, embora algumas destas medidas tenham eficácia questionável quando a transmissão do vírus é alta. E claro, começou de imediato uma nova corrida às vacinas, a ser ganha uma vez mais pelos países que já têm uma grande parte da população vacinada.

A cada dia que passa a ciência vai-nos dando a conhecer um pouco mais da variante Ómicron. Trará ela ou não uma mudança na pandemia? Será ela capaz de iludir as vacinas e tratamentos disponíveis? Temos que dar tempo à ciência e aos cientistas para obter as respostas a estas e outras questões. Mas os primeiros dados até agora conhecidos — muitos mais surgirão nas próximas semanas — parecem mostrar alguma esperança de que provavelmente as vacinas atuais continuarão a proteger-nos contra doença grave e morte, se estivermos totalmente vacinados. Se assim for, que alívio! Mas até quando? A verdade é que quanto mais tempo este vírus continuar a espalhar-se em populações não vacinadas, maior é a probabilidade de surgir uma variante que pode superar as vacinas existentes. E aí voltaremos à estaca zero!

A falta de liderança mundial dirigida para as necessárias ações concretas de combate à pandemia a nível global está a prolongar esta de forma inaceitável para todos. Os discursos não faltam, alguns maravilhosos, com palavras que parecem cheias de significado. Mas as ações não acompanham, nem de longe nem de perto, as palavras. A Covax (Covid-19 Vaccines Global Access) foi estabelecida por diversos países doadores, fundações filantrópicas e a OMS com um plano para que o mundo fosse vacinado passo a passo, começando pelas populações mais vulneráveis. Mas isso nunca aconteceu! É muito frustrante, e até mesmo vexante, que, quase dois anos depois, os Governos ainda não tenham acordado e percebido que têm que delinear um plano pragmático global para o qual todos contribuem. E não têm de o fazer apenas porque é o “moralmente correto”, mas também porque é do interesse de todos, eles próprios incluídos. Criar uma rede de distribuição e a logística necessária, para vacinar todos em todo o lado, não será com certeza simples mas também não é física quântica. Requer apenas vontade e determinação.

Olhar para o nosso umbigo apenas perpetuará a pandemia — viveremos num ciclo contínuo de ondas, novas variantes, medo e pânico, vidas perdidas, destruição das mais diversas economias e, acima de tudo, criação de um peso brutal para as gerações futuras. Será que queremos viver com a vergonha de não termos querido impedir que assim seja?»

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