5.1.19

José Gil: "O passado está a ser engavetado, digitalizado e virtualizado"



A ler: uma entrevista publicada ontem no Diário de Notícias.
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Marcelo e o seu «irmão» Bolsonaro



Miguel Sousa Tavares, no Expresso de 05.01.2019.

P.S. - Eu diria mais, porque foi aquilo que Marcelo fez: seria o mesmo que alguém afirmar ter tido, com Mário Machado, uma conversa entre irmãos.
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Nós e a Fundação Mário Soares



Não podemos darmo-nos ao luxo de «perder» a FMS.


Com a morte de Mário Soares em 2017, o futuro do arquivo tornou-se incerto e recentemente o jornal PÚBLICO noticiou que se pondera o seu desmantelamento, sendo provável que muitos dos fundos documentais venham a ser incorporados na Torre do Tombo ou sejam devolvidos aos proprietários, que os colocaram à guarda da FMS a troco do tratamento e da disponibilização pública das suas colecções. Estima-se que mais de 90% dos documentos do arquivo da fundação estejam nesta última situação, incluindo o arquivo pessoal de Mário Soares. Se os dirigentes da FMS optarem pelo desmembramento do arquivo, os responsáveis pela política nacional de arquivos devem contribuir para assegurar a sua integridade. Tal não quer dizer que a DGLAB deva incorporá-lo na Torre do Tombo, pois a vocação deste organismo é guardar documentos produzidos pelos organismos centrais do Estado. Mas há alternativas, como a sua integração na estrutura de arquivos da Câmara Municipal de Lisboa, mantendo-se o funcionamento nas actuais instalações.»

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Lição sobre os perigos de uma justiça justiceira



«O fantástico, temível, e alarmante caso dos vistos gold foi ontem decidido na primeira instância como uma pequena história de procedimentos políticos banais, de decisões admissíveis ou de comportamentos aceitáveis nas lógicas do funcionamento da máquina do Estado. Houve condenações, é certo, mas dois dos acusados do que chegou a ser referido como uma teia daninha no ventre do poder político e dos serviços públicos, Jarmela Palos e o ex-ministro Miguel Macedo, puderam regressar a casa, não como vítimas dos crimes que lhes foram imputados, mas como vítimas de uma investigação deficiente do Ministério Público.

Não é caso para censurar os procuradores e muito menos para lhes pedir explicações. É apenas um momento para se reflectir sobre se o exacerbar de um clima justiceiro na sociedade não impele o Ministério Público a ter de apresentar serviço e a ver crimes onde não existem. É, ainda, uma oportunidade para nos questionarmos sobre a causa da atroz diferença entre as gigantescas operações transmitidas em directo pelas televisões, as escassas provas arroladas e os processos concluídos em prazos decentes. Não, não se fala da Operação Marquês ou do caso BES, nos quais se reconhece esforço e talento do DCIAP, mas invoca-se sim um certo espírito punitivo que a cada passo se instala na agenda e tende a gerar casos inflacionados que destroem vidas e carreiras.

Aquilo que na decisão instrutória o juiz Carlos Alexandre definia como provas indiciárias “arrasadoras” a configurar um “outro lamaçal” não passou afinal aos olhos do tribunal como expediente normal. Miguel Macedo fala no fim de uma “canalhice” e só exagera porque o termo pressupõe dolo por parte do sistema judicial. Mas, sim, a sua carreira política ficou comprometida, a sua honorabilidade pessoal foi afectada e compreende-se o excesso. Que o seu exemplo sirva não para se atirar pedras ao sistema judicial mas para lhe exigir que se dispa de qualquer aura salvífica e moralizadora.

O país precisa de uma Justiça forte e sem medo de errar. Mas precisa também de uma Justiça despida de qualquer vocação messiânica que a leva a lançar operações com nomes de filme que começam com o anúncio de crimes hediondos e acusações ferozes, evoluem para pedidos de penas suspensas e acabam em absolvições. O país tem de estar atento ao que se passa, mas terão de ser os próprios procuradores (ou juízes) a reflectir e a decidir sobre o lugar onde está a linha que separa a Justiça democrática do justicialismo providencialista.»

Manuel Carvalho
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4.1.19

Pode ser que ele apareça


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Isto anda tudo ligado



E mais não digo.
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Bora ver Miguel Macedo outra vez interrogado na TV?





Ferreira Fernandes .

É mais ou menos isto


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Um ano muito trumpiano



«No final de 2017, a administração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e os republicanos no Congresso impuseram um corte de um bilião de dólares nos impostos das empresas, parcialmente compensado por aumentos de impostos para a maioria dos americanos no meio da distribuição de rendimentos. Mas, em 2018, o júbilo da comunidade empresarial dos EUA com este bodo começou a dar lugar à ansiedade em relação a Trump e às suas políticas.

Um ano atrás, a ganância desenfreada dos líderes empresariais e financeiros dos EUA permitiu-lhes superar a sua aversão a grandes défices. Mas agora eles estão a ver que o pacote de impostos de 2017 foi a fatura fiscal mais regressiva e extemporânea da história. Na mais desigual de todas as economias avançadas, milhões de famílias americanas em dificuldades - e as gerações futuras - estão a pagar cortes de impostos para bilionários. Os Estados Unidos têm a esperança de vida mais baixa entre todas as economias avançadas e, no entanto, a fatura fiscal foi elaborada para que mais 13 milhões de pessoas no país não tenham seguro de saúde.

Como resultado da legislação, o Departamento do Tesouro dos EUA prevê agora um défice de um bilião de dólares para 2018 - o maior défice num ano de paz e não recessivo em qualquer país desde sempre. E, como se isso não bastasse, o prometido aumento do investimento não se concretizou. Depois de dar alguns brindes aos trabalhadores, as empresas canalizaram a maior parte do dinheiro para recompras de ações e dividendos. Mas isso não é particularmente surpreendente, pois o investimento beneficia da segurança e Trump vive no caos.

Além disso, como a legislação fiscal foi aprovada à pressa, ela está cheia de erros, inconsistências e lacunas para interesses particulares que foram inseridas quando ninguém estava a ver. A falta de amplo apoio popular da legislação praticamente garante que grande parte será revertida quando os ventos políticos mudarem, e isso não foi passou despercebido aos donos de empresas.


3.1.19

A nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do Brasil


… escolhida pelo «irmão Bolsonaro». 


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Peniche, 03.01.1960 - A Fuga



Álvaro Cunhal, Carlos Costa, Francisco Martins Rodrigues, Francisco Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro Soares e Rogério de Carvalho fugiram da Fortaleza de Peniche, em 3 de Janeiro de 1960, numa iniciativa absolutamente espectacular.

«Mesmo que, por qualquer motivo, a fuga tivesse sido abortada na sua segunda fase – o trajecto para os esconderijos na zona de Lisboa -, nem por isso deixaria de poder ser considerada um enorme sucesso político para o PCP e um momento alto contra o regime de Salazar. Poucas fugas de carácter político se lhe podem comparar, mesmo incluindo as mais célebres fugas ocorridas durante a II Guerra Mundial. Na história do movimento comunista, é um acontecimento ímpar.»
José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal. Uma Biografia Política. O Prisioneiro (1949-1960), volume 3, p.724.

(Desenho de Margarida Tengarrinha, onde pode ser visto o percurso da fuga.)




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O homem mediano assume o poder



Um texto longo, publicado em El País (Brasil), que merece leitura.
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As cicatrizes de Bolsonaro no Natal brasileiro



«Como na tomada de posse o presidente Jair Bolsonaro optou por fazer discursos de campanha eleitoral em vez de discursos de Estado, falando, mesmo sem o citar, mais no PT do que no seu próprio governo, recuemos uma semana e situemo-nos no que se passou no Brasil real nas festas de Natal.

E nem são para aqui chamados, por mais dramáticos que sejam, os números da Operação Natal da polícia rodoviária federal do Brasil que indicam 89 mortos e 1485 feridos entre os dias 21 e 25 de dezembro. Nem os igualmente trágicos registos de sete mortos e cinco feridos em tiroteios, só na cidade de São Paulo, na noite da consoada.

Do que aqui se trata é das cicatrizes que o Natal deixou naquele que costuma ser o núcleo da festa, uma família em redor de uma mesa a trocar presentes ou, pelo menos, afetos. Na verdade, o Natal não, porque o evento é apenas um pretexto para pais, filhos, irmãos, irmãs, primos e tios se reunirem - foram as eleições de 2018 que expuseram fraturas, que saberá Jesus Cristo, o aniversariante da noite, quando vão sarar.

Ao longo da campanha houve pais que romperam com filhos, irmãs com irmãos. Casamentos estremeceram, amizades de vida desfizeram-se. Relatos de pais que proibiram os filhos de encontrar os avós por causa de desavenças políticas. Grupos no WhatsApp em combustão, discussões vulcânicas no Facebook, ofensas sem limite no Twitter, ruturas telefónicas. Mas o Natal, em muitas famílias, é o dia em que as redes sociais regressam ao estado puro e se transformam em contacto visual. E físico.

O jornal Folha de S. Paulo, atento ao que aí vinha, publicou nas semanas anteriores à ceia um pequeno apanhado de perguntas e respostas, com factos, sobre alguns temas com potencial para aquecer ainda mais o já de si soalheiro Natal brasileiro - a situação da Venezuela, que surge sempre como arma de arremesso dos bolsonaristas contra os lulistas, o cancelamento do programa Mais Médicos, que os eleitores de Haddad usam para atacar os votantes do capitão do exército, ou um bê-á-bá do fascismo, que a direita brasileira mais desinformada (a grande maioria) insiste em conotar com a esquerda.

No Diário de Pernambuco, especialistas deram até dicas zen para passar uma consoada em paz.

Mas não resultou, segundo boa parte dos relatos.

Caio, por exemplo, equacionou passar a data nos Estados Unidos, onde vive, para não ter de encontrar a sogra do irmão com quem rompeu em outubro. Reconsiderou mas vestiu uma T-shirt com mensagem provocatória para a enfrentar. Eleitora de Haddad, Luísa passou o Natal longe dos pais, bolsonaristas convictos, pela primeira vez em décadas, trocando-os pela companhia dos sogros, de direita mas com moderação.

Ana, que festejou nas ruas o resultado eleitoral, foi a contragosto à mesma casa onde estava uma prima mais nova, feminista e socialista, que despreza. Com péssima relação com o pai homofóbico, o homossexual Marquinhos aproveitou as brigas políticas para não precisar sequer de o cumprimentar na noite de Natal.

Apoiante do capitão, Daniel passou semanas sob tensão com a inevitabilidade de rever irmão e cunhada, ambos anti-Bolsonaro, na consoada. Por sorte, eles devem ter sentido o mesmo e alegaram uma conveniente viagem à Europa para fugir à tradicional festa de família.

Noutros casos, toda a gente se reuniu mas com o compromisso de não falar de política - e, portanto, de não assistir ao noticiário, nem de comentar sobre a economia do país, nem da novela das nove, nem dos resultados do Brasileirão, nem de nada, porque afinal a política é tudo e tudo é política.

Como num dos exercícios do método Stanislavski para formação de atores em que o professor pede ao aluno para que durante cinco minutos não pense em ursos, o que o leva a só pensar no animal, nas ceias em que não se falou de política, a política pairou, como nunca, por cima dos presépios e das árvores de Natal, como um fantasma.

E a cicatriz demorará muito a sarar? A frase de despedida do ano velho de Marcelo D2, veterano rapper brasileiro, resume tudo. "A todos os que eu xinguei e com quem briguei em 2018, gostaria de dizer que em 2019 tamo aí de novo seus fdp."

Enquanto não vem o perdão, cuidado na estrada e com as balas perdidas, que esses é que são problemas sem volta.»

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2.1.19

Espanha: a direita radical avança a nível do país




«Un nuevo actor irrumpe en la escena política y trastoca la función. Nada es lo que parecía, el argumento se disloca y el epílogo ya no es predecible. Se trata de Vox. La derecha radical entraría hoy en el Congreso con una fuerza arrolladora: el 13% del voto y entre 43 y 45 escaños. Su aparición rompe todos los moldes conocidos esbozando para España un horizonte político muy similar al que ha adelantado Andalucía.»
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Marcelo e as tragédias


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França: reacções contra Bolsonaro



Em França, várias organizações apelam a instituições francesas e europeias para que não permitam que interesses económicos se sobreponham ao respeito pelos direitos humanos e ambientais.
Quanto a nós por cá? Vai-se bem…


«Militants antiracistes, féministes ou LGBT sont particulièrement ciblés par le président brésilien qui prend ses fonctions ce mardi. Plusieurs organisations appellent les institutions françaises et européennes à ne pas laisser leurs intérêts économiques prendre le pas sur le respect des droits humains et environnementaux.»
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Bolsonaro, um Salazar brasileiro



«Os dois discursos que ontem Jair Messias Bolsonaro fez na tomada de posse prenunciam o pior. Já sabíamos, evidentemente, desde o início da campanha, mas o capitão reformado entendeu não desiludir quem o elegeu para o cargo de Presidente do Brasil. O elevado grau de aprovação com que Bolsonaro chega ao Planalto é, evidentemente, um susto para quem defende a liberdade e a democracia no sentido ocidental do termo.

Para nós, portugueses, assistir ontem aos discursos de Bolsonaro, trouxe reminiscências dos discursos de um homem que saiu do poder em 1968, embora isso tivesse acontecido por doença: Oliveira Salazar. Bolsonaro traz agora para ideologia oficial do Brasil tudo aquilo que foi a cartilha da ditadura portuguesa, o mesmo ódio às "ideologias", a religião como parte do Estado, a defesa dos valores das famílias ultraconservadoras, o mesmo horror aos "vermelhos".

Há uma frase que não poderia nunca ter sido usada durante a ditadura, porque naquele tempo a expressão "ideologia de género" era desconhecida, mas é todo um programa: "Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar a religião, a nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de género, conservando os nossos valores. O Brasil voltará a ser um país livre de amarras ideológicas". A ideologia dos que são "contra os políticos" foi expressa por Salazar na sua época - aliás, a sua ascensão ao poder e o golpe de 20 de Maio de 1926 tiveram, como tem agora Bolsonaro, um esmagador apoio popular.

Tudo naquela cerimónia de posse foi um monumento à tragédia anunciada: o discurso do número 2, o general Hamilton Mourão, foi um regresso às cavernas que o povo aplaudiu em delírio; o fim do discurso de Bolsonaro, quando ergue a bandeira brasileira em conjunto com Mourão e grita: "Esta é a nossa bandeira, que jamais será vermelha, só será vermelha se for do nosso sangue derramado para a manter verde e amarela".

Bolsonaro vem preencher um anseio profundo da população, o da segurança seja de que maneira for. "Temos o desafio de enfrentar a ideologia que descriminaliza bandidos, pune polícias e destrói famílias, vamos restabelecer a ordem no país", disse ontem, já depois de ter prometido liberalizar o acesso às armas. O anseio da "ordem" também foi o que levou Salazar ao poder. A democracia brasileira é demasiadamente jovem, mas também as democracias jovens podem morrer.»

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1.1.19

Utopia



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E quanto à presença de Marcelo em Brasília…




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Efemérides é comigo



Verdades incontestáveis, exactamente há 50 anos.
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Dia zero para o Brasil




«Bolsonaro, ao contrário dos antibióticos de utilização vasta, pode ser definido como um veneno de amplo espectro. Ele é o desaguadouro – e o elemento de estímulo – de várias vertentes anti-liberais e socialmente regressivas, presentes na vida brasileira. A extensão dos danos que imporá ao país dependerá de suas capacidades de gestão, que não parecem ser extraordinárias. Dependerá, ainda e com certeza, da reação dos brasileiros, cuja maioria não o escolheu como seu presidente»
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Coragem, Brasil



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31.12.18

Porque é sempre bom ter em conta o longo prazo



… junto-me aos votos do Tintim.
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Anos velhos (2)



No Maputo, onde vivi as passagens de ano da minha infância, já são 00:20 de 01.01.2019. Bom ano, Moçambique!
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Anos velhos (1)



Na Tasmânia, já são 3:52 am de 01.01.2019 e não me importava nada de lá estar, como estive há quase dois anos.
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Há três anos, foi assim


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Há meio século, «Vemos, Ouvimos e Lemos»



É um ritual: em 31 de Dezembro regresso à passagem do ano de 1968 para 1969. Há sempre quem não saiba que a Cantata da Paz, tão divulgada por Francisco Fanhais depois do 25 de Abril, foi por ele estreada nessa noite, numa Vigília contra a guerra colonial, com letra propositadamente escrita para o efeito por Sophia de Mello Breyner.



Em 31 de Dezembro de 1968, cerca de cento e cinquenta católicos entraram na igreja de S. Domingos, em Lisboa, e nela permaneceram toda a noite, naquela que terá sido a primeira afirmação colectiva pública de católicos contra a guerra colonial. O papa Paulo VI decretara que o primeiro dia de cada ano civil passasse a ser comemorado pela Igreja como dia mundial pela paz e, alguns dias depois, os bispos portugueses tinham seguido o apelo do papa em nota pastoral colectiva.

Assim sendo, nada melhor do que tirar partido de uma oportunidade única: depois da missa presidida pelo cardeal Cerejeira, quatro delegados do grupo de participantes comunicaram-lhe que ficariam na igreja, explicando-lhe, resumidamente, o que pretendiam com a vigília:

«1º – Tomar consciência de que a comunidade cristã portuguesa não pode celebrar um “dia da paz” desconhecendo, camuflando ou silenciando a guerra em que estamos envolvidos nos territórios de África.

2º – Exprimir a nossa angústia e preocupação de cristãos frente a um tabu que se criou na sociedade portuguesa, que inibe as pessoas de se pronunciarem livremente sobre a guerra nos territórios de África.

3º – Assumir publicamente, como cristãos, um compromisso de procura efectiva da Paz frente à guerra de África.»

Entregaram-lhe também um longo comunicado [que está online] que tinha sido distribuído aos participantes, no qual, entre muitos outros aspectos, era sublinhado o facto de a nota pastoral dos bispos portugueses, acima referida, tomar expressamente partido pelas posições do governo que estavam na origem da própria guerra, ao falar de «povos ultramarinos que integram a Nação Portuguesa».

Apesar de algumas objecções, o cardeal não se opôs a que permanecessem na igreja, ressalvando «a necessidade de uma atitude de aceitação da pluralidade de posições».

Pluralidade não houve nenhuma e, até às 5:30, foram discutidos todos os temas previstos e conhecidos: vários testemunhos, orais ou escritos, sobre situações de guerra na Guiné, Angola e Moçambique.

Hoje, tudo isto parece trivial, mas estava então bem longe de o ser. Aliás, seguiu-se uma guerra de comunicados entre Cerejeira e os participantes na vigília. Com data de 8 de Janeiro, uma nota do Patriarcado denunciou «o carácter tendencioso da reunião», terminando com um parágrafo suficientemente esclarecedor para dispensar comentários: «Manifestações como esta, que acabam por causar grave prejuízo à causa da Igreja e da verdadeira Paz, pelo clima de confusão, indisciplina e revolta que alimentam, são condenáveis; e é de lamentar que apareçam comprometidos com elas alguns membros do clero que, por vocação e missão, deveriam ser não os contestadores da palavra dos seus Bispos, mas os seus leais transmissores».

A PIDE esteve presente (há disso notícia em processo na Torre do Tombo), mas não houve qualquer intervenção policial. Alguns jornais (Capital e Diário Popular) noticiaram o evento, mas sem se referirem ao tema da guerra colonial – terão provavelmente tentado sem que a censura deixasse passar. A imprensa estrangeira, nomeadamente algumas revistas e jornais franceses, deram grande relevo ao acontecimento. E foi forte a repercussão nos meios católicos.

P.S. – Quatro anos mais tarde realizou-se uma outra vigília pela paz, na Capela do Rato, com consequências bem mais gravosas, já que envolveu uma greve de fome, prisões e despedimentos da função pública.
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30.12.18

Comecemos as festividades


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Dica (840)



A New Political Narrative For Europe (Massimiliano Santini) 

«At the May 2019 elections for renewing the European Parliament, parties dreaming of a “nationalist international” movement across Europe have a realistic chance of electing a majority of MEPs that will represent over 500 million European citizens. What form and shape could a “European story,” alternative to that promoted by the populist movements, take? Europe has a common history and a common destiny. We need more songs written about it, and more big bright blue flags flying over our homes. But we also need a new, rigorous, and pragmatic narrative that uses metaphors and myths to make people feel at home again in a globalized Europe. Reacting to the growth of populist movements, political philosopher Michael Sandal recently wondered whether “Democracy is in Peril.” However, rather than worrying about the fundamentals of the liberal order, the solution may be in elaborating and putting forward a new narrative. It’s the narrative, stupid!»
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Uma moral de pós-guerra



«Manhã de quinta-feira. Na Antena 1, sucedem-se as vozes comentando o veto presidencial ao decreto do Governo que pretende impor às/aos educadoras/es e professoras/es dos ensinos básico e secundário que esqueçam sete anos das suas vidas profissionais para efeitos de progressão na carreira e com as óbvias consequências na sua reforma. Um antigo operário têxtil da Beira Interior emociona-se ao falar dos seus muitos anos de desemprego, de “quanto sofremos” nos anos da troika “para lutarmos por este país, de quanto nos sacrificámos, nós e os nossos filhos, para levarmos este país para diante”, indignado com os “privilégios” que, em sua opinião, os professores querem obter: “E a nós, que nunca fizemos uma greve, que trabalhámos até deixarmos de poder, quem nos devolve o emprego que perdemos, os salários que nos cortaram?” Ninguém. Nem a ele, nem às centenas de milhares que nos anos da devastação social foram despojados de emprego, salários e, em grande medida, dignidade. Nem aos professores, nem ao conjunto dos funcionários públicos, já agora: em 2014, tinham perdido 24% do poder de compra que tinham em 2010; e nenhum governo dos que temos tido lhes vai devolver os milhares de milhões de euros que, sob a forma de salários, lhes foram retirados. Só nos quatro anos de Governo Passos a redução do número de funcionários públicos (todo o tipo de contratos, incluindo os precários) foi de quase 80 mil, 11% do total. Entre eles, 29 mil professores (17,4% do total). É totalmente excecional que, na história contemporânea, em período tão curto de tempo, reduções nos efetivos do Estado se façam a este ritmo.

Creio que muitos de nós ainda não se deram conta do que significaram os anos da troika. Habituados a ouvir falar de economia através de uma desfocada lente macro, traduzimos o discurso da recuperação económica numa genérica sensação de alívio, como se pudéssemos, por fim, retomar uma vida, já de si precária, subitamente interrompida há dez anos, como se tivéssemos passado por uma guerra e agora nos devêssemos concentrar na reconstrução. Essa, aliás, foi uma das imagens que Passos Coelho escolheu, no Natal de 2014, para descrever o que então vivíamos, convidando-nos a aprender com o exemplo dos combatentes da Guerra Colonial, “servindo a pátria de forma absoluta”! É de uma moral assim que surgem estes discursos contra os direitos dos professores, uma moral de pós-guerra: todos perdemos, ninguém pode recuperar o que perdeu; se o fizesse, trairia a comunidade dos magoados, como se esta se tivesse constituído em torno de um pacto de sacrifício que todos assumimos! Ora, nem é verdade que todos tenham perdido (a concentração de rendimentos nos mais ricos aí está para o comprovar), muito menos que todos tenhamos assinado um pacto de sacrifício económico e social que nenhum governo, nenhuma troika, nenhum patrão negociou connosco, estabelecendo responsabilidades, fixando partilha de sacrifícios, preservando os que, de tanto se terem sacrificado antes, não deveriam contribuir para este novo esforço.

Não me surpreende ver esta moral reproduzida por quem incorporou hierarquias sociais e naturalizou desigualdades (“o mundo é assim, não vai mudar”) e, por isso, desconfia sempre de quem se organiza para as denunciar. Nesta moral, é quem não faz greve e aceita sacrifícios que deve ser premiado e não “os criminosos” que as fazem, como lhe saiu à ministra da Saúde. O que me indigna é que também neste Governo haja quem “criminalize” a essência da democracia que é o direito a resistir à injustiça e a reivindicar os seus direitos, quem desvirtue completamente o exercício do direito à greve e sacuda para cima do grevista responsabilidades que são suas enquanto poder que não negoceia, recuperando assim o pior de 200 anos de intimidação do trabalhador que não se cala perante a injustiça. “O sistema económico atual” — o velho capitalismo tomado pela “meritocracia neoliberal” — “está a trazer à tona o pior de nós”, escreveu há anos o psicólogo social Paul Verhaeghe, autor de What About Me?The Struggle for Identity in A Market-Based Society (2014). Num mundo em que os trabalhadores são “infantilizados” (perdendo autonomia, responsabilizados pelos fracassos), “a solidariedade torna-se um luxo demasiado caro”. “Para os que acreditam na fábula de que dispomos de uma irrestrita possibilidade de escolha” neste padrão de relações sociais, “a liberdade que julgamos existir no Ocidente é a maior inverdade dos nossos dias e da nossa era”.»

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