22.11.25

Um belo móvel

 


Aparador, Museu de Belas Artes da Virgínia, EUA. 1903.
Émile Gallé.

Daqui.

Maurice Béjart morreu há 18 anos

 


Maurice Béjart morreu em 22.11.2007. Tudo é conhecido sobre este grande, enorme, artista, mas eu recordo sempre o primeiro concerto dele a que assisti, em Lisboa, em 6 de Junho de 1968. Quem esteve no Coliseu dos Recreios nesse dia também nunca o terá esquecido.

Dois dias depois do assassinato de Robert Kennedy, veio ao palco no final do espectáculo para afirmar que Robert Kennedy fora “vítima de violência e de fascismo” e para pedir um minuto de silêncio “contra todas as formas de violência e de ditadura”. Com a maior parte dos espectadores de pé, renovaram-se os aplausos, com mais força e mais entusiasmo. Informado do sucedido, Salazar proibiu os espectáculos seguintes e ordenou que Béjart saísse imediatamente de Portugal.

Recorro sempre a um texto que escrevi sobre esse evento num livro publicado poucos meses antes da morte de Béjart.

«Em 6 de Junho morreu Robert Kennedy, vítima de um atentado que tivera lugar dois dias antes. Nessa mesma noite, em Lisboa, Maurice Béjart apresentou o seu «Ballet du XXe. Siècle», no Coliseu dos Recreios absolutamente repleto. Assistimos a um magnífico «Romeu e Julieta». Durante a última cena, ouviu-se gritar, repetidamente, "Façam amor, não façam guerra!". Simultaneamente e em várias línguas, eram lidas notícias sobre lutas, revoltas e injustiças. Foi arrepiante a emoção vivida na sala que se levantou em aplauso prolongado. Béjart veio então ao palco para afirmar que Robert Kennedy fora “vítima de violência e de fascismo” e para pedir um minuto de silêncio “contra todas as formas de violência e de ditadura”. Com a maior parte dos espectadores de pé, renovaram-se os aplausos, com mais força e com mais entusiasmo.

Informado do sucedido, Salazar proibiu os espectáculos seguintes e ordenou que Béjart saísse imediatamente de Portugal. Franco Nogueira cita uma nota distribuída à imprensa pelo Secretariado Nacional de Informação: “Foram dirigidas à juventude exortações derrotistas e tomadas atitudes de especulação política inteiramente estranhas ao próprio espectáculo. Perante a luta que teremos que manter em defesa da integridade nacional, não pode consentir-se que uma companhia estrangeira aproveite, abusivamente, um palco português para contrariar objectivos nacionais.”

Béjart nunca se referiu a Portugal. Mas Salazar era bom entendedor e bastava-lhe menos de meia palavra para perceber – como nós – que Béjart quisera deixar um sinal de solidariedade aos antifascistas portugueses.

Momentos raros como este funcionavam para nós como bálsamo e como estímulo. Ajudavam-nos a não desanimar.» (*)

(*) Joana Lopes, Entre as Brumas da Memória. Os católicos portugueses e a ditadura, Âmbar, 2007, pp. 118-119. Alguns minutos de «Romeu e Julieta»:


.

Isabel do Carmo e as alterações climáticas

 


Pontos nos ii do 25 de Novembro

 

«Estamos em plena mistificação política associada às comemorações do 25 de Novembro, que o Governo entregou ao CDS, exactamente um partido que pouco teve a ver com o 25 de Novembro e se teve foi um dos derrotados dessa data ao não conseguir, por via dos sectores da direita militar, interditar o PCP.

A mistificação assenta no combate político dos nossos dias, na minimização do papel das eleições para a Constituinte, no apagar do papel do “Verão Quente” de Agosto de 1975, e na falsa atribuição de papéis e intenções ao PCP no 25 de Novembro. Essas interpretações não se sustentam em nenhuma base sólida com o carácter de fonte histórica e destinam-se a dar ao 25 de Novembro um papel de “segundo 25 de Abril”, na prática, mais relevante para a construção da democracia, o que não é verdade.

Que problemas defrontava o PCP na 2.ª metade de 1975?

Essencialmente quatro: a formulação de uma estratégia e uma táctica que conciliasse a situação portuguesa com a orientação internacional do movimento comunista ligado à URSS no período da distensão (détente); a perda da influência no interior do poder militar do MFA; o assalto anticomunista com destruição de sedes, perseguição a militantes conhecidos do PCP no Norte, atentados; e a “rua” dominada pelos esquerdistas com o apoio dos militares ligados ao Copcon.

1.º A posição do PC da URSS (PCUS)

O Departamento Internacional do PCUS era já, há mais de uma década, o substituto da Internacional. Era por aí que passava o controlo político dos partidos comunistas, os financiamentos e as operações de apoio clandestino. Em 1974-1975, antes e durante a “revolução portuguesa”, a estratégia soviética resultava de uma discussão interna sobre o golpe de Pinochet no Chile. Essa discussão era entre os que achavam que Allende devia ter ido mais longe, e os que achavam que tinha ido longe demais. A segunda posição era dominante e acompanhava a política externa da URSS ligada à Conferencia de Helsínquia. Suslov, de quem Cunhal era próximo, e Ponomariev, a última coisa que queriam era uma “Cuba na Europa” ou uma “comuna de Lisboa” e Cunhal sabia-o muito bem.

A preocupação com Angola e a sua independência e a guerra civil é outra dimensão, mas não altera a orientação soviética ao PCP.

2.º A perda de influência do PCP no MFA

Para o PCP, o mais grave da situação de 1975 era a perda de influência nas cúpulas do MFA, em particular depois dos fracos resultados das eleições para a Constituinte, da queda de Vasco Gonçalves e do ascenso do Grupo dos Nove. Cunhal, num discurso ao Comité Central do PCP em Agosto de 1975, que permaneceu secreto na sua integralidade — o que significa que temos de o tomar muito a sério —, manifestou essa preocupação maior e pretendia responder, não com a rua, mas com a “ronha”, termo que utilizou.

3.º O terrível mês de Agosto

O PCP foi o alvo principal (mas não único, com o MDP e a FSP) de uma sublevação a norte de Rio Maior que juntou as organizações clandestinas de extrema-direita, como o ELP, e a Igreja, mas que ia mais longe: era um movimento genuinamente popular, resultado de um anticomunismo alimentado pelos medos de perda da propriedade das terras no minifúndio, resultado entre outras coisas dos erros das campanhas de dinamização, e da defesa da Igreja.

O PCP sai desse mês acossado, e consciente de que os militares não lhe davam a protecção de que precisava. O resultado foi um “basta” interior, com o PCP disposto a ter uma defesa mais agressiva, em particular das sedes. A minimização do que aconteceu em Agosto é um dos aspectos da mistificação actual das “comemorações” do 25 de Novembro, ao negar essa parte do contexto.

4.º O PCP perdeu o controlo da “rua”

A partir de Agosto, em particular em Lisboa, o PCP perdeu o controlo da “rua” para os “esquerdistas”. Isto era, para Cunhal e para a direcção do PCP, um enorme problema, porque punha em causa a táctica da “ronha”, acelerava o processo político e acentuava uma radicalização que o PCP sabia ser imprudente. O PCP, como sempre, não podia abandonar a “rua”, e mantinha-se na sua habitual posição de ter um pé dentro e outro fora. Mas actuava com relutância, como aconteceu na entrada e saída da FUR, ou na participação incomodada em manifestações em que se gritava contra o “social-imperialismo soviético”. Este padrão de um pé dentro e outro fora foi seguido para o “cerco” da Assembleia e o 25 de Novembro.

Que "esquerdistas" são estes?

Podemos designar o esquerdismo de 1974-75 aquele que participa nas manifestações, aquele que cria comissões de moradores, comissões de trabalhadores, ocupações de empresas, organizações dentro dos quartéis, e que tem no topo militar o Copcon, como um neo-esquerdismo, diferente do que vinha de antes do 25 de Abril. As organizações dominantemente maoistas anteriores ao 25 de Abril eram, na sua maioria, constituídas por estudantes, e quase sem penetração nos meios operários. Todas estão presentes nos movimentos de 1975, mesmo no campo militar com os trotkistas nos SUV, mas tinham políticas diferenciadas, como o MRPP ou o PCP(ML)/Vilar, e estão longe de controlar as movimentações, em comparação, por exemplo, com as organizações das intercomissões dos trabalhadores.

Este neo-esquerdismo tem uma força de movimento popular muito mais significativa do que o antigo esquerdismo, e é um fruto do impacto da liberdade pós-25 de Abril. Em bom rigor, os dois movimentos com base popular são o contra-revolucionário a norte e o “popular” na zona de Lisboa e Setúbal, estendendo-se já, com influência do PCP, pelo Alentejo. Este neo-esquerdismo lida muito melhor com organizações não-leninistas, como o PRP-BR e a LUAR, e nalguns aspectos como o MES.

A comparação com a Revolução Russa de 1917

Uma das acusações da direita, que o PS também usou, apresenta alguns acontecimentos de 1975 como uma repetição por parte do PCP do modelo da revolução bolchevique.

O único aspecto que pode permitir a comparação é a existência de uma dualidade de poderes, como em 1917, entre os sovietes e o Governo menchevique. Em Portugal, há de facto em 1975 uma dualidade de poderes, entre o Governo fragilizado, mas com um apoio militar que se veio a perceber ser poderoso em 25 de Novembro de 1975, a legitimidade eleitoral da Assembleia Constituinte, e o “poder popular” esquerdista, que foi sempre a nível nacional fraco, embora mais forte na “comuna” de Lisboa, mas que estava a perder poder de forma acelerada.

Havia um plano de tomar o poder no 25 de Novembro?

Não. Não houve e não há qualquer prova de um plano de tomada de poder, quer por parte do PCP, quer por parte dos militares esquerdistas no 25 de Novembro.

Nenhum assalto ao poder nas movimentações militares dos pára-quedistas cujos objectivos eram corporativos e, quando muito, reforçar a componente “popular” da dualidade de poderes. Como aconteceu em várias manifestações de apoio ao Copcon, mesmo com chaimites, quando chegavam ao fim, apontavam as armas, gritavam frases revolucionárias e iam-se embora pacificamente. Não sabiam o que fazer.

Esteve o PCP presente no 25 de Novembro?

Sim, no princípio, mas não o iniciou nem participou nele para tomar o poder e instituir uma qualquer variante de ditadura do proletariado. Como referimos antes, o PCP em casos como este tem sempre um pé dentro e outro fora, e o pé dentro tem muito a ver com a decisão de não mais ficar passivamente a ver o que se tinha passado a norte de Rio Maior em Agosto. Tinha logística na rua, principalmente com os veículos pesados da construção civil que já tinham estado presentes no “cerco” à Constituinte, no aparelho de comunicações paralelo, e nos militantes armados nas sedes para as defender. Mas não só os sectores militares mais significativos ligados ao PCP como a Marinha desde cedo informaram Costa Gomes que aceitavam o seu comando, como todo este aparelho foi retirado quando o PCP se apercebeu de que a movimentação militar esquerdista ia falhar, logo, nem sequer valia ter um pé dentro. Mas nada disto significa iniciativa, plano, intenção de tomar o poder, comando dos acontecimentos.

Deve-se comemorar o 25 de Novembro?

Pode e deve-se, se for com rigor. Sem dúvida que o 25 de Novembro é um passo fundamental do caminho aberto pelo 25 de Abril. No dia 25 com a vitória militar contra o esquerdismo; e no dia 26 pela recusa da ilegalização do PCP.

Os heróis do 25 de Novembro são aqueles que se quer hoje apagar da história por serem inconvenientes para a visão da direita radical do que aconteceu: Costa Gomes, Presidente da República, o Grupo dos Nove do MFA, com relevo para Vasco Lourenço, Ernesto Melo Antunes, o general Ramalho Eanes como elemento do comando, e entre os comandados Jaime Neves e no plano civil Mário Soares e o PS.

Essa comemoração, se for séria, deve acompanhar os passos que vão da liberdade à democratização. Durou mais de dez anos, mas resultou.»


21.11.25

Morrer mis cedo

 


«Açores, Madeira, Alentejo e Algarve têm as taxas mais altas de mortalidade e a repetição desse padrão é vista como “preocupante” e um “alerta vermelho”. Concelhos com piores indicadores chegam a ter o dobro da mortalidade comparando com os que têm taxas mais baixas, como Mogadouro, Braga e São João da Madeira. Privação socioeconómica é uma das explicações.»


21.11.1898 – René Magritte

 


21.11.1975 – O juramento no Ralis



Há quem não tenha idade para o recordar ao vivo e a cores, há os que ainda se lembram com terror do que sentiram com aquilo que o juramento no Ralis podia prenunciar e há aqueles a quem nunca será roubada a utopia de um acto que pertence a uma herança que ainda hoje os mantém de pé no presente e perante o futuro.

A quatro dias do 25 de Novembro, o juramento de bandeira dos cento e setenta novos recrutas do RALIS ficou para a História – queira-se ou não.



Imagens e palavras quase surrealistas quando vistas e ouvidas hoje, mas que funcionam para muitos como uma espécie de relíquia de «um sonho lindo que acabou». Um caminho que ficou para trás mas que não se apaga – nunca.

A notícia no Diário de Lisboa do dia:


Montenegro encontrou a sua maioria

 


«Antes das últimas eleições, o Governo ainda se dedicava ao jogo do namoro duplo, ou à dupla chantagem, em que responsabilizava o PS e o Chega por qualquer chumbo das suas medidas ou aprovação do que não viesse do Executivo ou da bancada da AD, alimentando a narrativa inverosímil de uma aliança entre Pedro Nuno Santos e André Ventura. Eram as “coligações negativas”, um dos mais absurdos conceitos que a política nacional inventou. A AD, que ficara décimas acima do PS e que tinha a mais estreita maioria de Governo de sempre, deveria governar como se tivesse maioria absoluta. O caso Spinumviva, que em tempos de alguma exigência teria destruído a carreira de um primeiro-ministro, permitiu forçar uma crise política, com Montenegro a reforçar a sua posição e Ventura a tornar-se, formalmente, líder da oposição. Depois de meses de “não é não”, que já ninguém sabe exatamente o que quer dizer, as coisas clarificaram-se.

Desde então, todos os momentos legislativos essenciais resultaram de uma aliança estratégica entre a AD e o Chega (a que alguns chamam, com humor, “adega”). Essa aliança começou nos temas em que se supunha ser necessária uma distância higiénica, por envolverem direitos, liberdades e garantias, a resistência ao discurso xenófobo e, como Luís Montenegro afirmou, a definição de “quem somos”. Foi exatamente aí, nas leis de estrangeiros e da nacionalidade, que a AD estreitou de forma mais intensa e perfeita a sua aliança dissimulada com a extrema-direita. Se não há cordão sanitário nisto, ele não faz sentido em mais nada. Mesmo nestes casos, ou sobretudo neles, José Luís Carneiro tentou aproximar posições com Luís Montenegro e até com a sua versão cada vez mais radicalizada, que é António Leitão Amaro. Sempre sem resultado, porque o PSD quer mesmo é negociar com o Chega. Como escreveu Paulo Baldaia, o “PS pensa que está num ménage à trois e acaba sempre por descobrir que é apenas o pau de cabeleira”.

Não foi apenas (e não seria pouco) nestas questões mais sensíveis que se construiu uma aliança estratégica entre a AD e o Chega. Aconteceu na política fiscal e da habitação. Acontecerá, provavelmente, numa nova Lei de Bases da Saúde. Mais à frente, na Segurança Social. E vai acontecer na contrarreforma laboral, onde as cedências que a ministra finge fazer à UGT são aproximações aos pontos que o Chega contestou. É assim que a extrema-direita voltará a exibir a sua função de sempre: enquanto nos entretém com burcas e Bangladesh, serve para o Governo passar por cima dos sindicatos, saltando da concertação social para o Parlamento. O protesto mais vocal do Chega é, aliás, contra as greves. Representa a “revolta” do povo para ter o povo mansinho. Em tudo o que é estrutural Montenegro tem uma aliança de ferro com Ventura, que disfarça com umas escaramuças parlamentares inconsequentes. Deixa para o PS o dever de viabilizar o Orçamento do Estado (OE) para que o Chega possa ser oposição por um dia, berrando contra o sistema enquanto lhe dá a mão. Quem tinha dúvidas de que o “não é não” morreu (se é que alguma vez existiu) que olhe para Sintra, a segunda e mais multicultural autarquia, onde a AD ofereceu ao Chega o pelouro da segurança. Uma aliança com o beneplácito de Montenegro, que na campanha disse que o debate sobre as relações com o Chega era “politiquês”. Em Lisboa foi mais sonso e brutal, à Moedas: o Chega aprovou uma transferência tal de poderes para o presidente que ele fica livre de qualquer escrutínio. É tal a subserviência que os seus vereadores aprovaram um regimento que os silencia.

Primeiro, a direita normalizou a extrema-direita, garantindo que é para ela, e não para qualquer alternativa de poder ou oposição consequente, que vai o voto descontente. Agora, usa os representantes desse descontentamento para governar. Ao PS deixa a degradante tarefa de, uma vez por ano, pedir desculpa por existir, viabilizando um OE que resulta das grandes opções que a AD fez com o Chega. E este jogo cínico é suportado pela generalidade do comentário político, que continua a fingir que ainda existe um centro que converge para a estabilidade na alternância. Apenas contribuem para o esvaziamento desse centro. Todas as escolhas que Montenegro fez são legítimas. Ilegítimo é continuarem a vender-nos uma mentira. Há uma maioria estratégica de direita que na imigração, na fiscalidade, na habitação, na saúde ou no trabalho garante ao Governo a aplicação das suas políticas. Essa maioria que faz um intervalo durante a votação do Orçamento para que o Chega finja que é oposição e o PS mostre que não o consegue ser.»


20.11.25

20/21.11.1971 – Jazz em Cascais

 


E eu estive lá.

A UGT e a Ministra

 


Daqui.

Cristiano Ronaldo não é embaixador de Portugal.

 


«Cristiano Ronaldo não é embaixador de Portugal. Cristiano Ronaldo é embaixador de Mohammed bin Salman, monarca absolutista da Arábia Saudita, um país onde a justiça é a sharia e onde não há liberdade de imprensa nem direitos políticos elementares. Cristiano tem um contrato com o Ministério do Turismo saudita para promover o turismo desse país.

Mohammed bin Salman, a quem Cristiano chama MBS, é acusado de mandante de um dos crimes mais horríveis cometidos contra jornalistas, no século XXI.

A 2 de Outubro de 2018, o jornalista Jamal Khashoggi, do Washington Post, foi atraído ao consulado saudita em Istambul, onde um comando de agentes sauditas o torturou, matou e desmembrou. Um relatório da CIA revelou que a ordem de execução partira diretamente de MBS.

A condenação deste crime foi universal e a viúva de Jamal Kashoggi, Hatice Cengiz, tem-se destacado como uma defensora dos direitos humanos e da justiça e da memória de seu marido. Após a morte de Jamal, ela tem atuado em campanhas internacionais para denunciar o crime, tentar a responsabilização dos culpados e promover a liberdade de imprensa, os direitos civis e proteção dos jornalistas.

Em Washington, MBS foi recebido em apoteose. Trump foi à porta do carro que transportava o saudita e abriu os braços, apalpou convenientemente Sua Majestade e levou-o para a Sala Oval ao som de música e enquanto aeronaves sulcavam os ares. Aí, o saudita foi interrogado por uma jornalista sobre o hediondo crime atrás referido, e o candidato a ditador americano saltou em defesa do seu convidado, que resfolegava de júbilo. Mas não se limitou a defender a inocência do presumível assassino. Vilipendiou a memória da vítima, chamando-lhe”controverso “e intimidou a jornalista, declarando que iria cessar a autorização à sua estação, a ABC News.

Em tempos que já lá vão, os jornalistas teriam abandonado a Sala Oval em sinal de solidariedade com a colega e de defesa da Primeira Emenda da Constituição. Mas agora há demasiado ouro na Casa Branca. E parte desse ouro é saudita. Trump continuou a apalpar MBS até ao jantar em que Cristiano Ronaldo teve um lugar à mesa onde não faltava Musk.

Em Portugal o Presidente da República congratulou-se. O treinador da seleção de futebol, um refém de CR7, congratulou-se. Todos se devem ter congratulado e outros tantos se virão a congratular.

CR7 é um magnífico futebolista em fim de carreira, cuja dificuldade em perceber a idade da reforma não beneficia a seleção nacional de futebol. Todos lhe reconhecem o estatuto de figura grande do futebol. E também tem direito a celebrar contratos secretos com o regime de MBS para promoção do país onde trabalha. Mas quando o faz, quando se diz admirador de Trump, quando diz “partilhar com ele várias características”, não queira ser ao mesmo tempo exemplo para a juventude e embaixador de Portugal. Não em meu nome.

Luís Januário no Facebook.


20.11.1975 – Quando os governos faziam greve

 


Na madrugada de 20 de Novembro de 1975 a Presidência do Conselho de Ministros emitiu um comunicado explicando que o VI Governo Provisório tinha decidido «suspender o exercício da sua actividade», até estarem garantidas condições para o exercício da mesma.

Pinheiro de Azevedo exprimiu-o à sua maneira:



À tarde, teve lugar uma grande manifestação em Belém, com muitos milhares de participantes, convocada pelas Comissões de Trabalhadores da Cintura Industrial de Lisboa e apoiada pela Intersindical, PCP e FUR, onde foi pedida a nomeação de um governo «verdadeiramente revolucionário» e se gritou repetidamente «Suspensão é demissão!»

Ao fim da manhã do da 21, o Conselho da Revolução emitiu um comunicado em que apelava ao governo para que retomasse a actividade, embora reconhecesse as dificuldades levantadas ao exercício da mesma, e informava que nomeara Vasco Lourenço para comandante da Região Militar de Lisboa, continuando Otelo Saraiva de Carvalho à frente do COPCON (*).

Quatro ou cinco dias depois de tudo isto, foi o 25 de Novembro e o fim do PREC.

(*) O VI Governo continuou em funções até 23 de Julho de 1976, data em que tomou posse o I Governo Constitucional, presidido por Mário Soares, tendo em conta os resultados das primeiras eleições legislativas de 25 de Abril de 1976.
.

Apostar em não apostar

 


«Portugal é um velho de 900 anos que tem um problema de jogo. O nosso modelo de desenvolvimento é baseado na raspadinha. O plano é sempre “apostar”. Apostar no Magalhães, porque a revolução digital é o futuro. Ou então, apostar no TGV, para nos ligar a Madrid e aos grandes corredores europeus. Ao mesmo tempo, é fundamental apostar no novo aeroporto de Lisboa. Sem esquecer a aposta na floresta e na biomassa. E a aposta no turismo, já que Portugal é a Califórnia da Europa. 

Desde que isso não desvie a nossa atenção da aposta em clusters industriais, com destaque para os que nos abrem a porta de entrada para a nova economia espacial. Por outro lado, a economia verde e as energias renováveis também merecem a nossa aposta. Assim como é obrigatória a aposta na economia azul, uma vez que o nosso mar tem grande potencial inexplorado, e a plataforma atlântica, meu deus, a plataforma atlântica. Embora a maior aposta talvez deva ser o lítio, visto que se trata do ouro branco português, e nos vai fazer entrar na cadeia de valor das baterias, ou o que é. No entanto, pensando bem, superior à aposta no lítio é a aposta no hidrogénio verde. Que, ainda assim, nada é comparada com a aposta nas startups e nos unicórnios.

Surpreendentemente, a maior parte destas apostas ocorre em Sines. Lisboa pode ser a capital do país, mas a sede do futuro é Sines. O resto do país está em 2025, mas Sines já vive no século XXII. É em Sines que se faz a aposta no mar, visto ser um porto de águas profundas. Mas também é o hub energético e logístico onde se aposta no gás natural e nas renováveis. E é ainda o local em que se aposta nos data centers e na inteligência artificial. Fazem-se mais apostas em Sines do que no Casino Estoril.

Nenhuma destas apostas nos tem dado a esperada taluda. A nossa grande aposta tem sido na ideia de aposta. Não interessa muito em que é que se aposta, o que interessa é haver sempre novas apostas. Enfim, sempre é melhor do que trabalhar. Como abandonar a ludopatia de repente talvez seja demasiado duro, a minha sugestão seria continuar a apostar, mas fazendo uma grande aposta em não apostar. Durante uns anos, experimentávamos esta aposta e dedicávamo-nos a modelos de desenvolvimento que não assentassem num grande gesto que tem como objectivo proporcionar uma solução milagrosa e instantânea, mas sim em trabalho chato, dedicado e paciente. Mas esta proposta vai ser mal recebida, até aposto.»


19.11.25

Arrume-se a ventoinha, saia o radiador

 


Radiador Arte Nova, : Hotel Le Florence, Saint Quentin, França.

Daqui.

“Da hospitalidade à hostilidade”

 


«A integração de migrantes em Portugal tem vindo a piorar desde 2023. Estudo realça as barreiras burocráticas e as dificuldades no acesso a habitação, saúde e trabalho. Autoras chamam atenção para a perceção cada vez mais comum da migração como uma crise, reforçando a ideia de que há migrantes “bons” e “maus”.»


Ciganos, cidadãos de segunda

 


«Imagine que, para combater o crime, bairros inteiros eram classificados como zonas de risco nas quais as polícias teriam luz verde para intervir sem controlo. Ao abrigo desta decisão, os agentes poderiam invadir casas e utilizar drones para gravar e intercetar conversações sem para isso precisarem de autorização de um tribunal. O cenário não é mera ficção: a Eslovénia acaba de aprovar uma lei que o prevê, tendo na mira bairros de moradores ciganos. Nos últimos anos, foram várias as operações de força contra esta comunidade, mas um caso recente de homicídio em frente a uma discoteca, que provocou enormes protestos na rua, levou o parlamento esloveno a elevar a repressão para um novo nível.»

Continuar a ler AQUI.

José Mário Branco

 


Seis anos sem ele. Mas deixou-nos uma enorme herança.

O que não é uma negociação, o que uma greve não é

 


«Sem que ninguém, a não ser a ministra e a libertária IL, se empenhe na defesa da inacreditável contrarreforma laboral (já tratei do conteúdo aqui, aqui e aqui), tenho ouvido dois argumentos contra a greve geral: que é extemporânea quando há um processo de negociação e que não será mais do que um dia simbólico. Apesar dos dois se anularam (se não serve para nada é sempre extemporânea), obrigam à clarificação de algumas confusões recorrentes. Clarificações que podem ser feitas pela negativa: o que uma negociação e uma greve não são.

A negociação, para ser uma aproximação de posições, depende de um ponto de partida em que o equilíbrio final seja possível. Uma proposta que só contempla derrotas para um dos interessados, e em que o meio termo está algures entre a perda de muitos direitos ou de alguns direitos, não é uma negociação. Um governo que, numa lei laboral, faz uma proposta que só agrada aos patrões não é governo do país, é governo dos patrões.

A CIP (a quem o governo até cedeu um edifício do Estado), veio em socorro da contrarreforma que encomendou, apresentando um conjunto de propostas absurdas, mas que permitem ao governo apresentar o inaceitável comoequilibrado. Neste processo público, que só começou depois da marcação da greve geral (há meses que a ministra do Trabalho adia reuniões e não responde aos parceiros), o máximo a que a ministra parece estar disponível é deixar cair algumas propostas, quase todas numa aproximação às posições do Chega, o que nos diz com quem realmente pretende negociar. Isso também não é concertação social.

Para se perceber como esta proposta é uma encomenda, basta dizer que a EDP, de que o atual secretário de Estado do Trabalho foi o principal representante nas relações laborais (este ministério tornou-se num prolongamento direto dos patrões), bloqueou a negociação da contratação coletiva na expetativa da nova lei laboral (talvez volte ao tema noutro texto).

Uma negociação não pode começar com uma das partes a esclarecer que os elementos centrais da sua proposta (as “traves-mestras”, nas palavras da ministra), inaceitáveis para os sindicatos, são inegociáveis. Quem só quer negociar pormenores não está de boa-fé. Se o governo quer fazer uma reforma laboral com os sindicatos, tem de ter um ponto de partida aceitável para os sindicatos. Se decide não ter, não finge que está a negociar e vive com as consequências da escolha de enfrentamento.

Quem quer negociar não informa que ou a UGT se compromete, à partida, a chegar a acordo, ou o governo leva o anteprojeto para o Parlamento, como está. Isto é chantagem.

Numa negociação, uma proposta não pode favorecer apenas um lado e ter fechado o que é essencial, esperando que o ponto de chegada apenas difira do ponto de partida na dimensão da derrota do outro lado. A negociação só pode ser frutuosa se representar vitórias mútuas e tiver um ponto de partida realmente negociável para um ponto de chegada que não está fechado.

Falta esclarecer o que uma greve não deve ser: um protesto depois da derrota. É uma forma de pressão negocial que deve acontecer quando há um bloqueio ou um impasse, não quando o lado contrário deu o processo por terminado. Neste caso, faz-se para vencer a intransigência de quem apresentou uma proposta desequilibrada e fechada no que é essencial, em que os trabalhadores só podem desejar menos recuos e o outro lado sai sempre beneficiado. O governo tem o poder político, os patrões o poder económico, os trabalhadores o poder da greve.

Esta greve é a pedagogia da luta e da negociação. Ela faz-se porque a ministra se mostrou indisponível para negociar o que é realmente importante, começando o processo num tal ponto de desequilíbrio, que a aproximação de posições só se poderia dar com uma derrota dos trabalhadores.

Se houvesse alguma dúvida quanto à utilidade da greve geral, a sua marcação já rompeu o conveniente silêncio em torno de uma mudança legislativa tão profunda. Tornou-se mais difícil passar da chantagem para o ultimato e do ultimato para a aprovação sem acordo, tudo longe dos olhos dos trabalhadores. As cedências do governo não são relevantes, porque o problema está nas “traves-mestras” em que não quer tocar. Mas mostram que a greve, mesmo antes de acontecer, é eficaz. Quem nega a utilidade da greve só se sentiu obrigado a falar desta contrarreforma porque a greve foi marcada.

A intervenção do primeiro-ministro deveria ter acontecido mais cedo, para impedir um anteprojeto, em que a ministra se empenha por desejar um pacote com o seu nome e ao serviço da sua clientela, que não pode ser um começo de conversa possível. A solução é começar do zero. Se o governo acha que os novos tempos, por causa da inteligência artificial e outros desafios, exigem novas leis, senta-se com patrões e sindicatos para arbitrar uma negociação e tentar encontrar um ponto de equilíbrio entre a proteção de quem trabalha e os interesses das empresas. Se quer impor uma perda unilateral de direitos em nome do projeto radical, não pode julgar que isso se fará sem a resistência de quem é prejudicado. Assim é em democracia.»


18.11.25

O fascismo é uma minhoca

 


Precariedade é o caminho?

 

«Num país com a segunda maior percentagem de trabalhadores com contratos a termo fixo da União Europa - eram 15,9% no final do ano passado e, entre os jovens até aos 29 anos, essa condição precária agiganta-se para os 39,4% - e onde há cada vez mais profissionais a recibos verdes que dependem de um só cliente para amealhar 75% ou mais do seu rendimento - já são quase 111 mil -, urge questionar a quem servem as alterações à lei laboral, propostas pelo Governo de Luís Montenegro. O objetivo é criar mais emprego a qualquer custo num contexto de elevado desemprego? Não. O emprego em Portugal cresce há sete trimestres consecutivos desde 2023 e, no final de setembro, a taxa de desemprego era de apenas 5,8%. O país enferma de outros males: uma natalidade muito baixa e um índice de envelhecimento da população que cresce a um ritmo acelerado e, mais uma vez, estamos entre os piores da Europa nestes indicadores, que são uma ameaça ao desenvolvimento económico e à sustentabilidade da Segurança Social. No entanto, as alterações à lei laboral pelo Governo nada trazem para estancar estes dois graves problemas: oferecem mais precariedade no emprego e, no que toca à parentalidade, baralham para voltar a dar sem nada de estratégico para convencer jovens mal pagos e sem estabilidade laboral a terem mais filhos. Para não falar do achismo da ministra do Trabalho, que, sem fundamentação, aponta o dedo ao abuso das regras de amamentação para justificar um corte a direito. Se Rosário Palma Ramalho quer defender as mulheres, como já afirmou no Parlamento, então como pode permitir que um patrão, que promove um despedimento ilícito, possa ter o direito a rejeitar a reintegração do trabalhador, beneficiando o infrator? Na lista das dispensas ilícitas, estão muitas mulheres a quem lhes foi apontada a porta de saída quando o teste de gravidez deu positivo.+


Manuel António Pina – seriam 82

 


A fronteira mais antiga

 


«As mulheres atravessam o mundo por caminhos que as palavras raramente alcançam. A certa altura, no filme a que assisti ontem, Sete Invernos em Teerão, perguntava-se: como é que um homem conseguirá alguma vez perceber, verdadeiramente, a violência de uma violação? A história de Reyhaneh Jabbari cresce a partir desse abismo. Aos vinte e seis anos foi entregue ao mundo como um aviso do que acontece quando uma mulher tenta proteger o próprio corpo.

O que este documentário revela, mais do que o confronto entre uma mulher e um Estado, é a forma como um poder — oriental, ocidental, do sul, do norte, que seja – pode afunilar o espaço até que o corpo feminino se torne objecto de gestão. Há países que o fazem por decreto, outros por moldura penal, outros por hábito, outros por distração. A forma e a intensidade mudam de geografia para geografia, mas permanece a estrutura que faz da mulher um território onde o Estado testa a força, onde a comunidade projecta o medo, onde a autoridade experimenta os limites da sua própria impunidade.

É sempre no corpo delas que o poder mede a sua sombra.

Aproxima-se o 25 de novembro, que Portugal bem celebra duplamente, e com ele a lembrança de que uma em cada três mulheres no mundo já sofreu violência física ou sexual às mãos de um homem. Por cá, a violência contra as mulheres surge como um caso, uma manchete, um desvio, uma estatística que se lê de passagem antes de seguir para outra página. O país trata cada agressão como se tivesse começado naquela noite concreta, naquele apartamento concreto, naquele homem concreto. A rotina absorve tudo sem estranheza. O problema não é a ausência de respostas. É a forma como o país se habitua a elas.

O século XX, no ocidente, avançou mais rápido do que os homens. As mulheres conquistaram o direito ao voto, ao trabalho, à propriedade, ao divórcio, à autonomia corporal; mas, hoje, uma menina que nasça em Portugal enfrenta ainda uma realidade difícil.

Cresce a ouvir que tem de ter cuidado, que deve avisar quando chegar a casa, que convém não andar sozinha depois de certa hora, que deve ter cuidado com o que veste. Aprende códigos que ninguém lhe ensina, adapta o corpo à rua, avalia distâncias, muda de passeio, decora gestos de autoproteção. Na escola percebe como certos comentários se disfarçam de elogio, que é preciso gerir a forma como fala, calibrar o tom, ajustar a presença para não perturbar o ambiente. Mais tarde, entrará no mercado de trabalho e perceberá a aritmética silenciosa que organiza carreiras: menos reconhecimento, menor progressão, salários que se afastam entre ela e o homem ao lado à medida que as responsabilidades aumentam.

A vida segue e a desigualdade instala-se sem anúncio. Vive nas escolhas que parecem livres e afinal são condicionadas. Vive nos lugares onde a ambição feminina soa a insolência. Vive na maneira como o país olha para as mulheres com a expectativa de que se adaptem sempre mais um pouco. Tudo isto desenha uma realidade onde a autonomia existe, sim, mas cercada por limites invisíveis que se acumulam até formarem um contorno que ninguém decidiu em voz alta, embora toda a gente o reconheça quando o vê.

No Irão o controlo do corpo feminino é tratado como pilar do regime. O regime vê a liberdade feminina como uma doença ocidental, e a sua eliminação como essencial à preservação dos valores do Irão. No Ocidente, a liberdade da mulher é moldada por forças mais subtis. A vigilância muda de forma, muda de discurso, muda de intensidade. Não muda de função. A política, a cultura, a tradição e até a ideia de progresso encontram nas mulheres o terreno onde testam a própria autoridade. A modernidade deu novos instrumentos, multiplicou máquinas e crenças, mas manteve intocada a convicção de que o corpo das mulheres é matéria de gestão pública.

É isso que atravessa Teerão e é isso que atravessa Portugal.»


Miguel Sousa Tavares

 


17.11.25

Praga, 17.11.1989 – A «Revolução de Veludo»

 


Poucos dias depois da queda do Muro de Berlim, com início no campus universitário e concentração final na mítica Praça Wenceslas, teve lugar uma marcha pacífica de estudantes, que pretendia assinalar a morte de Jean Opletal em 1939 e o encerramento das universidades checas pelos nazis. A manifestação foi fortemente reprimida pela polícia, facto que desencadeou uma onda de eventos que iria durar até final do ano e que congregou um número crescente de participantes.

Momento alto em 27 de Novembro, dia de greve geral, em que Mikhaïl Gorbatchev fez uma declaração em que condenou a operação do Pacto de Varsóvia, que pôs termo à Primavera de Praga em 1968, numa clara demonstração de ausência de suporte ao governo da Checoslováquia por parte da União Soviética.


.

A perigosa velocidade de cruzeiro do Governo de Montenegro

 


«No início o Governo de Luís Montenegro entrou com um ímpeto reformista. (…)

Agora tudo está parado ou quase. Parece haver um esgotamento do Executivo. As preocupações do Governo viraram-se quase que, exclusivamente, para uma política assistencialista de bónus aos reformados e aos funcionários públicos. Naturalmente que conta aqui o tempo de eleições autárquicas a explicar este assistencialismo governamental.

O Governo está agora em gestão, numa perigosa trajectória de lentidão, sem que surjam medidas que, verdadeiramente, mexam com a realidade do país. (…)

Com uma greve geral marcada para 11 de Dezembro o país ficará atento à capacidade de negociação que o Governo vai ter para conseguir um acordo com as centrais sindicais. Não existem dúvidas de que a legislação laboral precisa de ser alterada. (…)

Luís Montenegro parece estar paralizado e sem capacidade de iniciativa. Nos últimos tempos “tirou o pé do acelerador” e entrou numa perigosa velocidade de cruzeiro. Mau sinal num país que tanto tem de fazer para combater as bolsas de pobreza e colocar Portugal numa rota de crescimento e progresso.»

Ler na íntegra este texto de António Capinha.

Ensinem a avó

 


Imagina um país que não goza com quem trabalha

 


«O pacote laboral, que não foi a votos (mas ficámos a saber que a AD faz programas eleitorais convencida de que ninguém os vai ler, como disse o ex-deputado Duarte Pacheco), não foi simplesmente negociado na concertação social.

Só depois de a UGT ter ameaçado aprovar a adesão à greve geral que a CGTP já tinha anunciado, a ministra do Trabalho enviou à última hora umas contrapropostas para tentar “épater les bourgeois”. Não é forma de tratar com os sindicatos.

As declarações do primeiro-ministro e da ministra do Trabalho no início deste processo mostraram que há uma vontade expressa de “partir a cabeça aos sindicatos”, incluindo aqueles onde estão filiados militantes do PSD. A frase com que Montenegro reagiu à convocação da greve geral é de antologia.

O nosso primeiro-ministro não consegue “vislumbrar outra razão para a posição das centrais sindicais que não seja olhar para interesses que não deviam ser os prevalecentes, que é o interesse dos partidos que estão ligados à gestão das duas centrais sindicais”, que são “o Partido Comunista que quer mostrar a sua existência através da sua rede sindical na CGTP” e “o Partido Socialista que também quererá mostrar a sua existência política de oposição, aproveitando alguma preponderância que tem na UGT”.

É extraordinário como o líder do PSD, num ápice, praticamente extingue aquela organização que se chama Trabalhadores Social-Democratas, a organização de trabalhadores do PSD. A presidente da UGT é da comissão política do PSD. Chama-se Lucinda Dâmaso e acumula o cargo de presidente da UGT com o de vice-presidente do PSD. Como o seu mandato acaba em 2026 (tal como o do secretário-geral da UGT Mário Mourão), é possível que Lucinda Dâmaso se veja obrigada a escolher: é que estar na direcção do PSD com um primeiro-ministro que trata a central sindical de que é presidente desta forma é capaz de se tornar um bocadinho incómodo.

A ameaça do secretário-geral da UGT de propor dois dias de greve geral em vez de um, a concretizar-se, seria inédita. À Antena 1 e ao Jornal de Negócios, Mário Mourão diz que “a UGT foi encostada à parede”, porque percebeu que o Governo “se preparava para levar o anteprojecto laboral ao Parlamento sem alterações”. A prova de que o secretário-geral da UGT está a falar verdade é o papelinho da ministra que apareceu à última hora.

A perda de direitos dos trabalhadores que está no pacote laboral e a tentativa de humilhação dos sindicatos é de quem não percebe que as pessoas visadas pelas novas leis fazem também parte do seu eleitorado. À partida, o Chega não acha que façam e já se disse disposto a aprovar com o Governo as novas leis do trabalho.

É difícil a quem é proprietário de não sei quantas casas (aquelas que Montenegro não quis que se soubesse quais são, mais um sinal da falta de transparência da sua vida patrimonial) perceber como é a vida de quem tem salários baixos/médios e paga renda de casa.

Um dos problemas graves com que Portugal se confronta é que o nível de vida dos seus governantes está muitos cifrões acima da vida dos governados. Não conseguem perceber. Um governante gasta num jantar uma conta de supermercado de uma família média. É capaz de ser pedir muito que o Governo perceba como vivem as pessoas com quem não convive.

Nestas alturas, lembro-me sempre de um dos responsáveis pela revolução trabalhista no Reino Unido a partir de 1945, Ernest Bevin. Bevin era órfão, estudou pouco, começou a trabalhar aos 10 anos e muito cedo criou uma central sindical poderosa (Transport and General Workers, TGW). Número dois de Clement Attlee, Bevin até era anticomunista e foi um grande entusiasta da fundação da NATO e da produção da bomba atómica pela Grã-Bretanha.

Mas era um trabalhista porque conhecia na pele a vida difícil dos trabalhadores e dos pobres. Não desejo que os meus governantes tenham poucos estudos (ou escrevam mal a língua materna, como acontecia com Bevin), mas era uma vitória se pelo menos tivessem noção do que é a vida do português médio. Não têm.

P.S. Estava a pensar que título dar a este texto quando vi Cotrim Figueiredo anunciar que é o convidado deste domingo do “Isto é Gozar com quem Trabalha”. Cotrim, apoiante do pacote laboral, usou o seu mantra “Imagina” para fazer o anúncio: “Imagina um país que não goza com quem trabalha.” Era bom, era.»


Mudaram-se os tempos...

 


16.11.25

Uma ajuda em tempo de ventania

 


Belos pentes de cabelo Arte Nova, final do século XIX/início do XX, Japão.

Daqui.

Negar e encolher ombros

 

«Há uma dimensão na catástrofe que o ser humano esquece, muito por considerar que a dimensão do horror é irrepetível ou que nada se reitera ao ponto de merecer ser lembrado até ao juízo final da precaução. Como na crítica às aulas de cidadania, há quem prefira que o Estado seja um ser inerte, apenas servil para amparar as ambiguidades dos poderosos e deixar em lume brando quem deve, teme e não tem. As alterações climáticas, os terramotos e apagões acontecem, culpa-se o ozono, o subsolo ou o vizinho espanhol, e tudo segue adiante até à contabilização dos danos. Aí, fazem-se as contas, agitam-se os avisos sobre uma realidade por todos mais do que conhecida e antecipável. E encolhem-se os ombros.

As Nações Unidas reduzem em 25% as suas forças de manutenção de paz por cortes no financiamento dos EUA, que se retiram dos Acordos de Paris enquanto fecham fronteiras e avançam o seu exército para tomar cidades, ao mesmo tempo que consideram um "fardo público a evitar" quem queira entrar no país com doenças crónicas como a diabetes. É uma espécie de "Make America Thin Again" só que com hambúrgueres exclusivos para nativos. Os "Epstein files" são meninos ao lado de tantos tratados públicos de vergonha. A Europa rende-se.»

Continuar a ler AQUI.

Ana Drago

 


É uma greve pela democracia

 


«A greve geral anunciada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP-IN) e pela União Geral dos Trabalhadores (UGT), para o dia 11 de dezembro, será uma luta laboral justíssima e um importante ato coletivo em defesa da democracia.

Antes das eleições legislativas não havia coro patronal a reclamar alterações na legislação laboral. Luís Montenegro e o PSD não apresentaram, durante a campanha eleitoral, conteúdos para uma revisão dessa legislação. Esconderam os seus propósitos para ganhar votos. Depois, escolheram para ministra do Trabalho uma académica liberal especializada em direito do trabalho ao gosto de setores patronais retrógrados.

O primeiro-ministro e o PSD agem, por vezes, como se o Governo dispusesse de maioria absoluta na Assembleia da República. Em matérias como o trabalho ou componentes relevantes do Estado social, sabem que a sua cartilha se funde com as da Iniciativa Liberal e do Chega. Assim, o Governo começou a encenar a construção de uma proposta, em sede de Concertação, para levar à Assembleia da República. O ideal era concluir o processo sem perturbação, mesmo que na fase final houvesse uma greve de protesto. A tese de que a greve é "extemporânea" funda-se nessa estratégia.

As greves fazem-se para exigir o direito a efetiva negociação, para despertar e mobilizar a sociedade em torno de matérias que a podem afetar muito no seu todo, para dizer um rotundo não a determinada pretensão patronal ou governamental, para forçar o reequilíbrio de posições entre as partes quando os trabalhadores e os seus sindicatos estão a ser marginalizados. Ora, estas razões aparecem todas, cumulativamente, nas causas da greve geral.

As propostas do Governo geram retrocesso social e amputação da cidadania. Estão lá: a maldade de um trabalhador poder ser precário toda a vida mesmo que os postos de trabalho por onde passou continuem a existir; mecanismos diversos de desvalorização dos salários; a possibilidade dos patrões não pagarem dívidas acumuladas com os trabalhadores; os despedimentos poderem ser feitos sem o devido processo disciplinar; maiores dificuldades na conciliação vida familiar/trabalho; amputações no direito à greve e no acesso dos sindicatos aos locais de trabalho. Estas propostas negam a essência do direito do trabalho e a Constituição da República.

A precarização e os baixos salários dão mais lucros a alguns, mas não aumentam a produtividade. Esta só crescerá se o perfil de especialização da economia melhorar, se forem garantidos os direitos sociais fundamentais e uma Administração Pública capacitada, se houver qualificação dos empresários, se forem valorizadas as profissões (velhas e novas) e as carreiras profissionais.

Trabalhadores precarizados e sem representação coletiva serão mais inseguros e descrentes no seu papel no trabalho e na sociedade. A extrema-direita alimenta-se desse caldo. É preciso travar esse caminho. Com a greve geral e os combates seguintes.»