15.10.11

A ânsia por tumultos


Participei na mais do que pacífica manifestação de Lisboa, encontrava-me perto dos degraus da Assembleia da República, a 20 ou 30 metros do local onde ocorreram pequeníssimos incidentes (se é que sequer merecem tal designação). 

No regresso para casa ouvi um relato na rádio, quando cheguei vi um telejornal. Fiquei então a saber que tinha estado no meio de «invasões», «confrontos» e «tumultos». É o jornalismo que temos…

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«Estas medidas não vão dar resultado»

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Boaventura Sousa Santos não poupa nas palavras: «Quanto mais cedo for a desobediência civil, menor será a catástrofe.»
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Uma raiva a nascer-me nos dentes


Nicolau Santos, Expresso, 15/10/2011

Sr. primeiro-ministro, depois das medidas que anunciou sinto uma força a crescer-me nos dedos e uma raiva a nascer-me nos dentes, como diria o Sérgio Godinho. V.Exa. dirá que está a fazer o que é preciso. Eu direi que V.Exa. faz o que disse que não faria, faz mais do que deveria e faz sempre contra os mesmos. V.Exa. disse que era um disparate a ideia de cativar o subsídio de Natal. Quando o fez por metade disse que iria vigorar apenas em 2011. Agora cativa a 100% os subsídios de férias e de Natal, como o fará até 2013. Lançou o imposto de solidariedade. Nada disto está no acordo com a troika. A lista de malfeitorias contra os trabalhadores por conta de outrem é extensa, mas V.Exa. diz que as medidas são suas, mas o défice não. É verdade que o défice não é seu, embora já leve quatro meses de manifesta dificuldade em o controlar. Mas as medidas são suas e do seu ministro das Finanças, um holograma do sr. Otmar Issing, que o incita a lançar uma terrível punição sobre este povo ignaro e gastador, obrigando-o a sorver até à última gota a cicuta que o há-de conduzir à redenção.

Não há alternativa? Há sempre alternativa mesmo com uma pistola encostada à cabeça. E o que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele estivesse, de forma incondicional, ao lado do povo que o elegeu e não dos credores que nos querem extrair até à última gota de sangue. O que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele estivesse a lutar ferozmente nas instâncias internacionais para minimizar os sacrifícios que teremos inevitavelmente de suportar. O que eu esperava do meu primeiro-ministro é que ele explicasse aos Césares que no conforto dos seus gabinetes decretam o sacrifício de povos centenários que Portugal cumprirá integralmente os seus compromissos — mas que precisa de mais tempo, melhores condições e mais algum dinheiro.

Mas V.Exa. e o seu ministro das Finanças comportam-se como diligentes diretores-gerais da troika; não têm a menor noção de como estão a destruir a delicada teia de relações que sustenta a nossa coesão social; não se preocupam com a emigração de milhares de quadros e estudantes altamente qualificados; e acreditam cegamente que a receita que tão mal está a provar na Grécia terá excelentes resultados por aqui. Não terá. Milhares de pessoas serão lançadas no desemprego e no desespero, o consumo recuará aos anos 70, o rendimento cairá 40%, o investimento vai evaporar-se e dentro de dois anos dir-nos-ão que não atingimos os resultados porque não aplicámos a receita na íntegra.

Senhor primeiro-ministro, talvez ainda possa arrepiar caminho. Até lá, sinto uma força a crescer-me nos dedos e uma raiva a nascer-me nos dentes.


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Um aviso datado: Outubro de 2011

Então não vai?

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Tout Va Très Bien Madame La Marquise

Allô allô James, quelles nouvelles
Absente depuis quinze jours
Au bout du fil, je vous appelle
Que trouverai-je à mon retour?

Tout va très bien, Madame la Marquise
Tout va très bien, tout va très bien
Pourtant il faut, il faut que l'on vous dise
On déplore un tout petit rien
Un incident, une bêtise
La mort de votre jument grise
Mais à part ça Madame la Marquise
Tout va très bien tout va très bien

Allô allô Martin quelle nouvelle
Ma jument grise morte aujourd'hui
Expliquez-moi cocher fidèle
Comment cela s'est-il produit?

Cela n'est rien, Madame la Marquise
Cela n'est rien, tout va très bien
Pourtant il faut, il faut que l'on vous dise
On déplore un tout petit rien
Elle a péri dans l'incendie qui détruisit vos écuries
Mais à part ça, Madame la Marquise
Tout va très bien tout va très bien

Allô allô Pascal quelle nouvelle
Mes écuries ont donc brûlé?
Expliquez-moi mon chef modèle
Comment cela s'est il passé?

Cela n'est rien, Madame la Marquise
Cela n'est rien, tout va très bien
Pourtant il faut, il faut que l'on vous dise
On déplore un tout petit rien
Si l'écurie brûla Madame c'est que le château était en flammes
Mais à part ça Madame la Marquise
Tout va très bien tout va très bien

Allô allô Lucas quelle nouvelle
Notre château est donc détruit?
Expliquez-moi car je chancelle
Comment cela s'est il produit?

Eh! bien voilà Madame la Marquise
Apprenant qu'il était ruiné
À peine fut-il revenu de sa surprise
Que Monsieur le Marquis s'est suicidé

Et c'est en ramassant la pelle
Qu'il renversa toutes les chandelles
Mettant le feu à tout le château
Qui se consuma de bas en haut
Le vent soufflant sur l'incendie
Le propagea sur l'écurie
Et c'est ainsi qu'en un moment
On vit périr votre jument

Mais à part ça Madame la Marquise
Tout va très bien, tout va très bien
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14.10.11

Democracia e rua

@Paulete Matos

Da crónica de José Manuel Pureza, no DN de hoje:

«Ao longo de séculos, foi graças à sua germinação, defesa e refrescamento nas ruas e nas praças que a democracia assumiu depois os seus rostos institucionais. O parlamentar, por exemplo. Uma história da democracia que não faça jus a essa centralidade da rua na construção continuada da democracia é o primeiro passo para a sua desvitalização. Mais até: os discursos que cultivam uma suposta inimizade entre a rua e a democracia representativa são, de facto, pouco amigos da democracia. Venham de onde vierem.
Em Portugal, são essencialmente dois esses discursos que ensaiam uma contraposição entre a democracia representativa e a rua. O primeiro é o que glorifica a rua para anatematizar os representantes. É o terreno cultivado pelos populismos vários, que adormece a cidadania e a sua mobilização transformadora num desdém indiferenciado pelos "políticos", todos amalgamados na mesma narrativa de desqualificação pessoal e programática que, em última análise, tem a própria democracia representativa como alvo. (…)

O segundo discurso é o que glorifica a rua árabe, como antes glorificou a rua polaca ou moscovita, ao mesmo tempo que lança anátemas sobre a rua lisboeta, madrilena ou nova-iorquina, argumentando que enquanto aquelas lutaram corajosamente pela democracia estas não são mais que manifestações inconsequentes de subculturas juvenis. Em última análise, para quem perfilha este discurso, a rua que, em democracia, clama por mais democracia é antidemocrática. É, pois, um discurso de alta intensidade ideológica que assume com soberba a democracia como modelo cristalizado, de uma vez por todas, que, juntamente com mercado e Ocidente constituirão faces inseparáveis do mesmo universo de referências.»
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Encontre a seu caminho

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… para amanhã.

Lista das cidades




Mapa das comunidades




Próximo Meetup mais perto




(Daqui)
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E o leite achocolatado também

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Mais meia hora?


Quando se sabe que quem nos governa vai autorizar o aumento de horário de trabalho, numa sinistra meia hora que só trará prejuízo aos trabalhadores e benefícios mais do que duvidosos a outros, vale a pena recordar o que existiu uma dura luta pelas 40 horas semanais, com as suas vítimas, derrotas e vitórias.

Com origem na Revolução Industrial na Grã-Bretanha, foi em 1817 que se formulou o objectivo indicado na imagem: «Oito horas de trabalho, Oito horas de lazer, Oito horas de descanso».

Em 1866, a International Workingmen's Association declarou, numa Convenção em Genebra, que «a limitação legal do dia de trabalho é condição preliminar sem a qual todas as outras tentativas de melhorias e emancipação da classe trabalhadora sairão frustradas, e o Congresso propõe oito horas como o limite máximo para o dia de trabalho». Mas seria preciso esperar por meados do século XX para que este objectivo se concretizasse em legislação de uma forma mais ou menos generalizada.


Foi precisamente esta luta pelas 40 horas que esteve na origem do «Dia do Trabalhador». Era ela que recordávamos nas manifestações proibidas antes do 25 de Abril, é ela que festejamos agora, em dia feriado - enquanto alguém não tentar eliminá-lo, como festa «religiosa» indesejável.
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13.10.11

Já está! Mais gregos que nunca


15 DE OUTUBRO – Ponto de encontro do PORTUGAL UNCUT
15:00, à porta do «Diário de Notícias», Av. da Liberdade (Lisboa)
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«Não tenham medo de realmente querer o que desejam»


Excertos do discurso que Slavoj Zizek fez em Nova Iorque, em visita a «Occupying Wall Street:»:

«Deixem-me contar uma piada maravilhosa dos velhos tempos comunistas. Um fulano da Alemanha Oriental foi mandado para trabalhar na Sibéria. Ele sabia que o seu correio seria lido pelos censores, por isso disse aos amigos: “Vamos estabelecer um código. Se receberem uma carta minha escrita em tinta azul, será verdade o que estiver escrito; se estiver escrita em tinta vermelha, será falso”. Passado um mês, os amigos recebem uma primeira carta toda escrita em tinta azul. Dizia: “Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha.”
É assim que vivemos – temos todas as liberdades que queremos, mas falta-nos a tinta vermelha, a linguagem para articular a nossa ausência de liberdade. A forma como nos ensinam a falar sobre a guerra, a liberdade, o terrorismo e assim por diante, falsifica a liberdade. E é isso que estamos a fazer aqui: dando tinta vermelha a todos nós. (…)

Do que precisamos é de paciência. A única coisa que eu temo é que algum dia vamos todos voltar para casa, e vamos voltar a encontrar-nos uma vez por ano, para beber cerveja e recordar nostalgicamente como foi bom o tempo que passámos aqui. Prometam que não vai ser assim. Sabem que muitas vezes as pessoas desejam uma coisa, mas realmente não a querem. Não tenham medo de realmente querer o que desejam.»

(Na íntegra aqui.)
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Citações do dia (4)


«Infelizmente, o mais provável é que a União Europeia sucumba nos próximos meses. É preciso ter fé num Deus muito bom para crer que a maravilhosa dupla Sarkozy-Merkel, que não soube, até Julho, resolver o problema Grego, seja agora capaz de o solucionar quando a ele se juntam o contágio de Itália e Espanha, e a urgente necessidade de recapitalização da banca europeia. Neste cenário terrível, retomaremos plena soberania nacional. Só espero que o nosso PIB per capita seja, apesar de tudo, um pouco superior ao do tempo de Dom Afonso Henriques.»
Viriato Soromenho-Marques, Portugal e o futuro

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«As concentrações de indignados são apenas um sinal dos tempos. Não é por ali que o mundo vai mudar, retomando os valores da liberdade e justiça. Mas pode ser por ali que alguma coisa nova comece.»
João Paulo Guerra, Indignação

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«Se há uma coisa que sei, é que o 1% adora uma crise. Quando as pessoas estão desesperadas e em pânico, e ninguém parece saber o que fazer: eis aí o momento ideal para nos empurrar goela abaixo a lista de políticas pró-corporações: privatizar a educação e a segurança social, cortar os serviços públicos, livrar-se dos últimos controles sobre o poder corporativo. Com a crise económica, isso está a acontecer em todo o mundo.
Só existe uma coisa que pode bloquear essa táctica e, felizmente, é algo bastante grande: os 99%. Esses 99% estão a tomar as ruas, de Madison a Madrid, para dizer: “Não. Nós não vamos pagar pela vossa crise”. (…)
Estou a falar de mudar os valores que governam a nossa sociedade. Essa mudança é difícil de encaixar numa única reivindicação digerível para os média, e é difícil descobrir como realizá-la. Mas ela não é menos urgente por ser difícil.»
Naomi Klein, Occupy Wall Street é o movimento mais importante do mundo hoje
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15 de Outubro? Favas contadas!

Diálogos em Atenas


- 1) aceitar os sacrifícios; 2) trabalhar muito
- Será que posso ter um emprego antes?

Daqui.
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12.10.11

Escolhas

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Não perder esta oportunidade de bem utilizar 10 minutos.



(Via Mariana Avelãs no Facebook)
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Liberdade, religião e jasmins


Mesmo quem não viu Persepolis, um filme francês de animação da iraniana Marjane Ebihamis, estreado em 2007, conhece certamente excertos, tantos são os pequenos vídeos que circulam no Youtube.

Volta agora a ser notícia na Tunísia, desde que uma cadeia de televisão o exibiu na íntegra, traduzido para árabe tunisino. A sede da referida cadeia foi atacada no passado Domingo mas bem antes era já acesa a polémica, mesmo em meios considerados pouco extremistas, nas redes sociais e não só. Porquê? Porque a heroína «consome droga, bebe álcool, vive experiências sexuais e, sobretudo, se dirige a um Deus representado por um velho barbudo - um ataque à moral e à proibição de representar Deus no Islão».

Vale a pena ler um texto publicado em Rue 89, que resume bem a complexidade das muitas questões que estão em causa, no «mal-entendido das revoluções árabes», com «um fosso de incompreensão que vai revelar-se rapidamente entre os sonhos europeus de um mundo árabe liberto dos seus pesos tradicionalistas, aberto à pluralidade, e a realidade de uma sociedade maioritariamente conservadora».

A revolução foi feita contra a ditadura, não contra a religião, «falar hoje em nome de valores universais é um suicídio político», lembram algumas vozes insuspeitas, «foi a esquerda laicista que, ao organizar uma manifestação pela laicidade, em Fevereiro, desencadeou o reforço identitário», afirmam outras. Nas redes sociais, lêem-se comentários como estes: «a nossa liberdade não é como a deles, planificada e mediatizada por franco-maçons e judeus», «já não estamos no domínio da liberdade expressão, este filme é blasfematório».

Nessma TV, a cadeia que difundiu o filme, é considerada suspeita de «ter uma agenda estrangeira, ditada pelo sionismo e pelo imperialismo». Defende-se afirmando que, bem pelo contrário, é este o momento oportuno para debater o problema da liberdade de expressão, quando grupos extremistas muçulmanos tentam controlar a cultura» e porque «muitos tunisinos recusam que o debate sobre a identidade, a liberdade e o papel da religião no espaço social se encerre antes mesmo de ter começado». Mas não vai ser fácil!

As cenas continuarão nos próximos capítulos, tentarei segui-las, mas devo dizer que com pouco optimismo. Não só mas também por ter vindo recentemente de três países esmagadoramente muçulmanos, cada vez tenho mais enraizada a convicção de que democracia (com liberdade de expressão, como é óbvio...) e verdadeira laicidade são absolutamente indissociáveis e que não vale a pena adiar este problema nem escondê-lo debaixo de tapetes. Abater ditadores é condição necessária, mas não suficiente, para que não murchem rapidamente todos os jasmins do universo.


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Na ponte do lápis


Já nem sei quanto desenhos da Gui Castro Felga publiquei neste blogue. Conheço-a pessoalmente e gosto muito dela. Foi por isso com duplicado prazer que li o que ontem (finalmente…) «saiu» para a comunicação social.
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Sobre a inevitabilidade de uma política de austeridade

@Gui Castro Felga

Quantas vezes uma história não vale mais do que vinte parágrafos de explicações teóricas! É o caso desta crónica de José Vítor Malheiros no Público de ontem (sem link).

«A cena passa-se em 1942. Messe de oficiais nazis no campo de extermínio de Auschwitz. Entra de rompante na sala um oficial de uniforme desalinhado, cabelo em desordem, olhar tresloucado.
“É terrível, é terrível. Espreitei pela janela do Edifício H e sabem o que eles estão a fazer? A gasear os judeus. A gaseá-los todos. E depois estão a queimar os corpos naqueles fornos... É horrível!”
Os oficias olham-no com um ar indiferente, alguns com um leve ar de troça.
“Temos de parar aquilo!... Imediatamente!”.
“Sim?”, diz finalmente um dos oficiais mais velhos, olhando-o sem se levantar, com um ar de autoridade. “Então como é que achas que os devíamos matar?” (Olha em volta para preparar os camaradas para um momento de diversão. Os presentes voltam-se para gozar a cena. Sorrisos irónicos.)
O olhar do oficial que acabou de entrar salta de cara em cara, com desespero, à procura de um gesto de simpatia.
“Não sei, mas isto é horrível, temos de parar com isto...”
“Com uma bala na cabeça? Matamo-los com uma bala na cabeça?..”
“Não sei, não sei, mas assim não...”
“Pois é... É que é muito fácil chegar aqui e começar a criticar, mas depois quando se pergunta qual é a alternativa não se avançam soluções...”
“Não sei qual é a alternativa, mas isto não... É horrível... É imoral… Não podemos...”
“Se os matássemos com uma bala demorávamos imenso tempo e era caríssimo. O gás é mais rápido e mais barato.”
“Mas temos mesmo de os matar?...”
(Um murmúrio percorre a sala. Alguns oficias deixam de sorrir.)
“Não sei... se calhar podíamos não os matar... todos...”
“E quê, libertávamo-los? E depois tínhamos de lhes devolver as casas, não? Já pensaste nisso? E temos de pensar na nossa segurança. É muito fácil dizer isso...”
“Se calhar podíamos prendê-los... Prisão perpétua!...”
“Isso é mesmo teu. Isso é de uma ingenuidade! É muito fácil dizer isso, mas e a alimentação? Pensaste na alimentação? E alojamento? E roupas? Pois é, não pensaste... ”
“Mas é horrível... não podemos fazer isto...”
“Então arranja lá uma alternativa, tu que achas que és mais esperto que os outros todos! Tu achas que nós não andámos a matar a cabeça para ver se encontrávamos outra maneira de fazer isto? Mas não há alternativa... Agora é muito fácil vir para aqui dizer que isto é horrível, que há maneiras melhores de fazer e mais não sei quê, mas depois quando te pergunto que maneiras melhores é que são essas, não sabes, pois não? E se achas que há outras soluções, tens uma oportunidade agora para dizer qual é. Arranja-me uma alternativa e eu vou já lá fechar o gás...”
“Então fecha... vai fechar o gás...”
“E depois o quê? É que não é só fechar o gás. É preciso arranjar uma alternativa. Arranja-me uma maneira barata e rápida de matar aqueles gajos todos e eu adopto-a logo...”
“Mas se calhar podíamos falar com eles...”
“É pá, há ali gajos a falar mais línguas que eu sei lá... Não dá para falar. Isto é a única solução. Tu achas que eu não acho isto horrível? Tu achas que se houvesse uma alternativa eu estava a fazer isto? A questão é que não há...”
“Mas é horrível... o cheiro do gás, aqueles gritos...”
“Ah, isso é diferente! Aí já te dou razão!... O cheiro realmente é horrível. Já disse que era preciso queimar uns ramos de pinheiro...”
“O ranger daqueles portões, nunca me vou esquecer do ranger daqueles portões! E os gritos...”
“Bom, também não se pode insonorizar aquilo tudo. Mas o ranger dos portões fizeste bem em chamar a atenção. Tás a ver? Isso já é uma crítica construtiva. Amanhã vou mandar pôr óleo nos portões. É assim, de boas ideias é que nós precisamos... não é de discursos bota-abaixo que depois não dão alternativas...”
“Mas não podemos fazer isto... não podemos...”
“Não há alternativa, pá... Para mais já temos isto tudo a andar. Vir para aqui criticar sem ter alternativas é muito fácil.”»
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11.10.11

Também com música


… em Wall Street.





(Muito mais aqui.)
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Lendo as estrelas


À margem de uma conferência que proferiu ontem no Instituto de Estudos Académicos para Seniores, na Academia das Ciências de Lisboa, António Barreto fez declarações à Lusa, que podem ser ouvidas aqui.

O que é extraordinário não é o conteúdo do que disse (já lá vou), mas o realce que toda a comunicação deu ao facto e que só se entende pela importância crescente que é atribuída a tudo o que sai da boca deste não-candidato às próximas eleições presidenciais. Efectivamente, por seu mérito e / ou demérito, e como Miguel Cardina muito bem caracterizou, «António Barreto é um dos mais eficazes, cultos e porventura desinteressados “intelectuais orgânicos” do regime de facto - esse sistema de encontros, confluências e cumplicidades que articula as elites políticas e económicas».

Só isso explica a importância dada a afirmações das quais o tal senhor de La Palisse talvez não desdenhasse (algumas tiradas do próprio discurso de vinte páginas, que António Barreto terá lido):

«É possível que Portugal, daqui a 30, 50, 100 anos não seja um país independente como é hoje, numa outra Europa, mas convém perguntarmos o que vai acontecer no futuro.»
«Cito o caso [dos povos desaparecidos] porque, muitas vezes, quando se discute o caso de Portugal ou da Europa tem-se sempre a ideia de que as coisas são eternas, que tudo é eterno, e agora não é.»
«Com a crise que estamos a viver há alguns anos e com as enormes dificuldades que vamos ter para resolver e para ultrapassar, põe-se sempre o caso de se saber se daqui a dez, 30 ou 50 anos Portugal será o que nós conhecemos hoje.»

Mas não é absolutamente óbvio que Portugal pode deixar de ser independente (ainda é?), que nunca houve países nem civilizações eternas e que, «daqui a dez, 30 ou 50 anos», esta fatia à beira mar plantada será, garantidamente, totalmente diferente?


(Fonte)
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Ser democrata não é ser parvo


Sobre as eleições na Madeira, assino por baixo do que o Daniel Oliveira hoje escreveu. Ponto final.
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Cães gregos

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Julgo que este é o Loukanikos:




O mais célebre foi o Kannellos:



Ver.
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10.10.11

Não é o mundo inteiro


… mas é uma grande parte.
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Citações do dia (3)


«Nenhuma cultura europeia amou tanto a herança da Grécia clássica como a cultura germânica no período do seu apogeu, que vai de Hölderlin e Hegel até Nietzsche. (…)
No deserto de cultura humanista que hoje habita as chancelarias europeias, estas palavras soam aos ouvidos como se fossem proferidas em mandarim. Daria tudo para estar enganado, mas, quando em 2012, as ruas das cidades europeias, de Lisboa a Paris, passando por Berlim e Roma, forem ocupadas por multidões que vão exigir aos seus governos a devolução de um futuro que lhes foi roubado, então até as bisonhas criaturas que nos governam vão perceber que a Grécia, afinal, não habita a periferia, mas sim o coração da Europa.»
Viriato Soromenho-Marques, Fogo grego

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«La participación de las mujeres en revueltas populares que este año han sacudido el mundo árabe ha sorprendido tanto o más que los propios levantamientos. Aunque las miles de activistas cubiertas de negro que se manifiestan en Bahréin o Yemen no resulten un modelo de liberación a ojos occidentales, su presencia en el espacio público constituye un avance entre las capas más conservadoras de la isla-Estado y mucho más en la patriarcal sociedad yemení. Pero tras el prometedor inicio de su salida a la calle, empiezan a surgir signos preocupantes sobre el impacto real de esta primavera en los derechos de la mujer. (…)
Tras su detención el pasado enero, la flamante Nobel de la Paz Tawakul Kerman solo recuperó la libertad después de que su marido firmara un documento comprometiéndose a no volver a dejarla salir de casa. Es tal vez el mejor ejemplo de los obstáculos que afronta la mujer en la península Árábiga. Consagrada en las leyes, como en Arabia Saudí, o en las tradiciones patriarcales, como en Yemen, la imagen de la mujer como una eterna menor de edad, necesitada de la protección del varón, sigue muy arraigada en toda la región. La primavera árabe no triunfará a menos que logre acabar con esa idea.»

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«He sido diplomático durante 15 años. He asistido a decenas de reuniones del Consejo de Seguridad de la ONU, me he sentado con jefes de Estado de todo el mundo, he visto cómo los Gobiernos se dejan corromper por los bancos y las empresas y al final, me convertí en un cínico. Pero durante las últimas dos semanas he recuperado mi pasión por la política, que alimento desde niño. Una de las conversaciones más interesantes que he vivido en los últimos años la tuve sentado en la plaza de la Libertad.»
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Quem empresta uns óculos?


Um dos episódios mais patéticos do serão de ontem foi certamente o discurso de vitória de Alberto João Jardim. Em zapping pelos diferentes canais de televisão (que, uma vez mais, pretenderam demonstrar a tese de que, em Portugal, não há mais do que 15 ou 20 pessoas aptas para tudo comentarem, da política à crise financeira, passando obviamente pelo futebol), esbarrei com Marcelo Rebelo de Sousa que, contristado para português ver, confessou ter ficado com pena do seu amigo em noite de vitória pírrica: o simbolismo da falta de óculos impressionou-o...

Mas hoje, no DN, Ferreira Fernandes, ironiza e explica:

Falta de lentes aumenta buraco
Para ontem estava marcado o fim da campanha "Quem Empresta uns Óculos a Jardim?", que tem decorrido há vários dias na Madeira. O conhecido animador da campanha, Alberto João, como bom profissional que é, apresentou-se dentro do espírito da coisa: pólo escuro, o pouco do cabelo desgrenhado e umas folhitas escritas à mão. Enfim, com ar de quem pede óculos emprestados. E sem mais delongas, lançou o mote: "Quem me empresta uns óculos?" Pergunta aparentemente banal mas que ocasionou um dos minutos mais dramáticos da história política nacional: arrastaram-se segundos e segundos, sem que alguém se prestasse a ajudar. Um minuto! E por uns simples óculos, que nem eram pedidos, mas emprestados, e a um idoso de cara simpática... O crédito da Madeira anda ainda mais baixo do que se pensava. Enfim, alguém lhe estendeu um par, manhoso, daqueles com uma fitinha entre as hastes. Alberto João Jardim ainda os pôs, mas num assomo de orgulho, devolveu-os. Atirou-se, então, à tarefa de ler as folhas manuscritas. Lembro: ele, que nos tem maravilhado com as palavras mais soltas e afiadas da política nacional. Mas sem crédito nem para óculos, soletrou, engasgou-se, por três vezes cometeu o erro que noutros tempos nunca faria, sublinhou uma fraqueza: "Desculpem-me, estou sem óculos..." E calou-se. Dizem os números, 25 deputados, que Jardim vai poder governar sozinho. Mas nós vimos, ontem: sem que lhe emprestem, Jardim já não pode governar sozinho.
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Eram duas vezes na América

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Austeridade: sair à rua, fechar a janela


Mais um excelente texto de Sandra Monteiro, no último número de Le Monde Diplomatique (edição Portuguesa).

«Há, por um lado, a voragem vertiginosa das medidas de austeridade. Elas entram-nos pela casa adentro através do aumento dos preços dos bens essenciais − alimentos, transportes, energia, saúde − e da diminuição do rendimento disponível. Causam uma angústia que nenhum serão de tele-evangelismo de mercado pode aquietar, por muito que foque casos de sucesso e acredite que um dia o país vai «voltar aos mercados». Os efeitos das medidas de austeridade estão bem identificados, tanto em Portugal como à escala europeia: desemprego galopante, compressão salarial, erosão de direitos laborais e sociais, privatizações ao desbarato, perda de instrumentos públicos de política fiscal e industrial, recessão económica, derrapagens nos défices orçamentais, dívidas públicas que se tornam impagáveis, destruição do Estado social, desigualdades socioeconómicas crescentes, fortalecimento dos mercados financeiros e fragilização generalizada das democracias. Em consequência, o contrato social em que as democracias assentam tende a ser cada vez mais imposto, em vez de ser aceite no quadro de uma ética partilhada.

A estas medidas de austeridade e aos seus efeitos só poderá opor-se uma forte mobilização popular, porque nem a arquitectura da União Europeia e da zona euro nem a actuação dos governos nacionais − que contribuem de bom grado para o seu próprio sequestro pelos mercados financeiros − estão, por si sós, a dar mostras da flexibilidade e da prontidão que seriam necessárias para se evitar o colapso social e económico-financeiro dos seus Estados-membros, num processo que começou pelos chamados países periféricos mas ameaça alastrar-se.

Neste sentido, a manifestação organizada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) a 1 de Outubro e a que está convocada para o dia 15 por diversos movimentos sociais, bem como outros protestos já agendados, são reveladoras do potencial de coordenação para pressionar alternativas que hoje existe. Eles unem cidadãos que partilham uma «lista de medidas a desfazer» para uma saída não-austeritária para a crise. Os governos que aderiram à austeridade como uma janela de oportunidade a explorar ao máximo − enquanto ela não se fechar − sabem bem como precisam de demover os cidadãos de saírem para as ruas. Esse é, aliás, o principal objectivo do ambiente de «expectativa de violência» criado, a propósito de protestos que se anunciam pacíficos, com a ajuda preciosa e muito acrítica de um jornalismo, sobretudo televisivo, que parece «embarcado» (embedded) na «guerra da austeridade».


9.10.11

Antes que o dia acabe

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Che Guevara morreu há 44 anos e John Lennon faria hoje 71.




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Era uma vez a Cultura


Vi ontem esta entrevista que António José Teixeira fez a Francisco José Viegas (FJV), secretário de Estado da Cultura. Muito haveria a dizer sobre a mentalidade subjacente à abordagem de quase todos os temas abordados, mas restrinjo-me ao que está a ter hoje mais impacto: a questão da gratuitidade da entrada nos museus, concretizada neste momento entre as 10 às 14 horas de Domingo, e que o governo terá decidido eliminar reduzindo-a a um dia por mês (avançar para o minuto 47:14).



FJV afirmou que apenas 36% das entradas são pagas e que o ideal seria que essa percentagem subisse para 80. Certamente que o diferencial não corresponde à gratuitidade semanal de 4 horas e fica-se à espera de perceber se também serão eliminados os actuais descontos (questão abordada en passant…) e as entradas gratuitas em visitas das escolas. É bem provável…

FJV declarou também, sem pestanejar, que a decisão tinha sido tomada depois de ouvidos os responsáveis principais dos museus. Acontece que estes já vieram negá-lo, categoricamente, por exemplo na pessoa de Luís Raposo, presidente do Conselho Internacional de Museus, que ouvi esta tarde, em trânsito, na TSF. (Vale a pena escutá-lo.)

«Desde Julho que estamos a pedir uma audiência ao secretário de Estado e ela ainda não foi concedida, e sei, pelo contacto que tenho com a outra associação de museus, que existe em Portugal, que também ainda não foram recebidos. Portanto, não sei a que representantes de profissionais dos museus se refere o secretário de Estado quando diz que os recebeu», revelou o presidente do ICOM, acrescentando que este «é caso único porque é tradicional e da boa praxe democrática que se ouçam os profissionais representativos como é o nosso caso».

«Isso é uma situação que não existe em parte nenhuma do mundo civilizado, do mundo ocidental. Estaríamos numa situação perfeitamente sui generis de procurar que 80% das pessoas que se deslocam aos museus tenham de pagar bilhete.»

Assim vamos e estamos conversados. Com mais inverdades (para quê não ser meiga…) e decisões de vão de escada, que, segundo os responsáveis ouvidos, têm impactos muito negativos e um retorno financeiro irrisório. Porquê e para quê? Showing off para alemã ver?

P.S. - Ouvir também o do antigo director do Instituto de Museus e Conservação.
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Lá chegaremos

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Em jeito de homenagem


… a Tawakkul Karman, estas imagens extraordinárias de um país onde nunca estive mas que ainda espero conhecer.

Shibam, «Manhattan do deserto», no Iémen, a mais antiga cidade do mundo com arranha-céus, muitos dos quais construídos no século XVI, dentro de uma espécie de muralha que protegia os seus habitantes contra ataques de tribos nómadas.

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(Obrigada, Helena Pato)
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