22.7.23

Jarros

 


Jarro em versão germânica de Arte Nova, em vidro verde e prateado. Alemanha, 1903.
Fabricado por WMF.

Daqui e não só.
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Espanha – Las Encuestas Prohibidas

 


Amanhã há eleições e não é permitido divulgar resultados de sondagens alguns dias antes (creio que cinco). Mas Andorra no passado, e a Austrália agora, encarregam-se de os espalhar pelo mundo.

O que foi divulgado ontem é isto.

N.B. - Entretanto, saiu a de hoje:

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Nova sondagem

 



«De acordo com a mais recente sondagem da Aximage para o DN, JN e TSF, se houvesse eleições o PS ficaria em primeiro lugar, mas longe de uma maioria absoluta (28,8%). O PSD seria o segundo (27,7%). O Chega reforça o terceiro lugar (13%), mas a maior recuperação é a do Bloco de Esquerda que, com Mariana Mortágua sobe quase dois pontos relativamente à projeção de abril passado (8%), afastando-se dos liberais, que continuam em perda (5,2%). Seguem-se PAN (3,8%) e CDU (3,2%), ambos a cair, o Livre (2,7%) e, no fundo da tabela, o CDS (1,1%).»
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A manipulação pelo ersatz do discurso público

 

PUK, 1894

«Como os alemães não tinham acesso à borracha, cujas fontes de fornecimento se encontravam no Império Britânico, e como o bloqueio naval na guerra impedia o abastecimento da indústria alemã desse produto, inventaram uma borracha sintética que se tornou o ersatz mais famoso. A palavra ersatz acabou por designar os produtos de substituição, de um modo geral de pior qualidade do que o original.

A nossa desdita é que no dia de hoje o nosso discurso público, sempre muito débil, está cheio de produtos de ersatz, que vivem dos lugares-comuns e do escapismo, que trazem para o discurso uma dose de superficialidade logo à cabeça, e o resto é o que se imagina. Antes de aparecer uma ideia, aparece um lugar-comum, um divertimento, um produto de propaganda moderna a que chamamos marketing, uma rapidez verbal que funciona bem com a redução do vocabulário circulante e com a ausência do pensar.

Vários mecanismos acentuam este processo, que pode ser cómodo considerar etário, mas na realidade impregna tudo para baixo e para cima das idades. A sua principal consequência é que, ao pensar-se pouco e ao falar-se guturalmente, com um “saber” resultado dos fragmentos virais oriundos das redes sociais, as pessoas tornam-se fáceis produtos para a manipulação. E não tenham ilusões de que há especialistas nessa manipulação, através de notícias falsas, de manipulação de comentários e pontuações a empresas (restaurantes são o caso mais fácil de detectar), de utilização de “influenciadores” pagos, usando todas as redes sociais, o Facebook, o Instagram, o Twitter, o TikTok nas suas diferentes variantes conforme os países. Mas com dinheiro e recursos chega-se à imprensa, à rádio e à televisão. Não é nada de novo, como a gravura do Puck ilustra, mas então ainda se liam jornais e não apenas patetices divertidas.

O que se passa hoje é qualitativamente diferente dos seus antepassados. O mundo comunicacional é diferente, omnipresente, e mais obscuro do que nunca. Não se trata de produzir os Protocolos dos Sábios de Sião, trata-se de viver num mundo em que se respira esses protocolos. Como não há quase nenhum escrutínio destes processos, usados por serviços secretos, por agências de comunicação, ao serviço de governos ou de empresas, as pessoas são facilmente manipuladas em toda a sua vida, afectos, consumos, percepção do mundo, escolhas e votos. O que está em causa é a liberdade. A liberdade, já de si precária por muitas razões que têm a ver com a riqueza e a pobreza, com a cultura no sentido lato e com a fragilidade humana, é ainda mais posta em causa quando se torna fácil enganar-nos e, no fundo, mandar em nós.

Por exemplo, ainda ninguém me explicou qual é o trade-off que um jornalista ou editor de um jornal faz para publicar as notícias que chegam por via de uma agência de comunicação, sem qualquer critério jornalístico. Ou é só coincidência que as notícias nas páginas da imprensa económica, as escolhas dos entrevistados ou convidados para comentários, as notícias sobre escritórios de advogados ou sobre o sucesso de empresas ou sobre prémios de excelência ou outras variantes de prémios comprados, são de clientes dessas empresas, cujos serviços são exactamente estes. Se tivesse lá a indicação de “publicidade paga”, muito bem, mas não, são páginas temáticas iguais às outras.

Há muitos outros mecanismos deste tipo, nos parlamentos, nos partidos políticos, nas organizações internacionais, nas empresas, ou para promover pessoas ou grupos, ou para “despromover” a competição. Estes processos são facilitados pela crescente substituição da comunicação social como fonte de informação pelo sistema das redes sociais onde também actuam manipuladores profissionais.

A brutal simplificação do debate público, fruto da crescente “sociedade do espectáculo”, usando processos de superficialização como o “engraçadismo”, os “influenciadores”, o papel crescente de distracções antigas como o circo, agora o futebol, e modernas como o “pão”, ou seja, a comida, ocupa o precioso espaço comunicacional e retira aquilo “que não interessa a ninguém”.

O problema é que há quem se interesse, e muito, por “aquilo que não interessa a ninguém”, e quer ficar sozinho nesse interesse, pelo que as distracções são excelentes para os outros. E se pensam que isto é uma teoria conspirativa, olhem com mais atenção para as opções editoriais de jornais, rádios e televisão, para as suas escolhas de temas e comentadores para o horário nobre, para a crescente impregnação da antigamente chamada comunicação social “de referência” pelo “tabloidismo”.

O grande motivo não é tomar o poder, nem nenhuma conspiração obscura, mas ganhar dinheiro, por boas e más razões, mas há um resultado desse processo de superficialidade e de “puxar para baixo”, e esse, sim, pode tirar-nos liberdade e tornar-nos um rebanho que não conhece os seus pastores, mas que acaba por dar ou na tosquia ou no matadouro.»

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21.7.23

Vasos, vasos

 


Vaso Arte Nova, montado em estanho dourado, em cerâmica com boca em forma de flor com túlipas azuis. Alemanha, 1900.
Desenho de Carl Sigmund Luber (provável).

Daqui e não só.
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21 de Julho – Festa Nacional da Bélgica

 


Foi em 21 de Julho de 1831 que Leopoldo I se tornou o primeiro rei da Bélgica.

É certamente uma das minhas «pátrias». Duas longas estadias naquele país, totalmente diferentes e separadas por mais de duas décadas, moldaram muito do que agora sou. Só quem nunca lá viveu desconhece a qualidade de vida possível, apesar do clima e de mais umas tantas minudências, e não tem saudades de belos tempos vividos.



Avec des cathédrales pour uniques montagnes / Et de noirs clochers comme mâts de cocagne / Où des diables en pierre décrochent les nuages / Avec le fil des jours pour unique voyage / Et des chemins de pluie pour unique bonsoir / Avec le vent de l'est écoutez-le vouloir / Le plat pays qui est le mien.
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António Costa não tem sete vidas, tem 70

 


«E chegámos ao fim do ano parlamentar, com o inevitável debate do Estado da Nação. Foi longo e razoavelmente chato.

Dantes, dizia-se que Costa punha vacas a voar. Agora, pode dizer-se que consegue pôr a dormir toda uma quinta e ganhar um debate no meio de uma crise institucional, 15 dias depois da demissão do secretário de Estado da Defesa acusado de corrupção, meses depois do recurso ao SIS para recuperar um computador de um adjunto, com os professores na rua, o SNS atulhado de problemas e a habitação como um problema que parece inultrapassável, apesar de ter sido esta semana aprovado o pacote Mais Habitação.

Luís Montenegro diz que António Costa tem um "desplante político grande". Talvez, mas além de desplante tem números, nomeadamente na economia, para apresentar.

E se António Costa já apareceu em alguns destes debates atordoado, em momentos mais difíceis, a verdade é que o Estado da Nação desta quinta-feira lhe correu bem. Manteve o controlo de todo o debate, fugindo a muitas perguntas da oposição, e acabou por ganhar. Como disse Luís Montenegro em outra circunstância, a 15 de Dezembro passado, de facto Costa é um "totalista". Na verdade, tendo em conta a situação do país, o Governo conseguir ganhar um debate parlamentar é o equivalente a um 13 no Totobola. Mas Costa, já se sabe, nasceu com uma sorte na vida política como ninguém antes dele.

É uma óbvia ajuda para o PS o facto de a bancada do PSD não ser especialmente dotada para o métier. O líder parlamentar social-democrata, Joaquim Miranda Sarmento, não tem killer instinct e, mais uma vez, demonstrou-o. O líder do PSD não sai do sítio. As pessoas não ouvem – tal como já não ouviam Rui Rio – as propostas alternativas que o PSD apresenta.

O debate foi, de certo modo, um espelho da sondagem da Universidade Católica para o PÚBLICO, RTP e Antena 1. O PSD não descola, ainda que o PS tenha perdido num ano seis pontos (tinha 38% em Julho do ano passado). Não descola no país, não descola no Parlamento, apesar da quantidade de escândalos que o Governo tem acumulado desde que tomou posse.

É possível que as pessoas se estejam realmente nas tintas para a corrupção, para a dignidade das instituições no "caso Galamba", para actuações inacreditáveis como a de José Luís Carneiro (agora o ministro mais popular do Governo e que encerrou o debate), que fez queixa à administração da RTP por causa de um cartoon. É o que António Costa pensa e já o disse. Como ele teve uma maioria absoluta e nós não, é provável que conheça um bocadinho melhor os portugueses.

Mariana Mortágua, a líder do Bloco de Esquerda, perguntou a Costa "como vai evitar a dança no Governo associada a problemas de corrupção". Costa aproveitou, neste campo, para se juntar ao discurso do Presidente da República e voltar ao mantra "à justiça o que é da justiça", que tinha interrompido – na sequência do caso Rui Rio – para criticar "os julgamentos de tabacaria". "Vivemos num país em que ninguém está acima da lei e temos um Ministério Público que goza de autonomia, um sistema judicial independente", disse António Costa, pedindo "respeito pelo Estado de Direito".

Enfim, esta sexta-feira há Conselho de Estado e Costa fez os possíveis e os impossíveis para, de véspera, adormecer os conselheiros. Vamos ver no que dá.»

Ana Sá Lopes
Newsletter do Público, 20.07.2023
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Ontem, sobre o Estado da Nação

 


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20.7.23

Biscoitos

 


Biscoiteira decorada com flores íris (vulgarmente conhecidas como lírios). Cerca de 1900.
Theodore Legras.

Daqui.
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20.07.1969 – A Lua!

 

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O cartoon também é (e bem) sobre Portugal

 


«O cartoon "Carreira de Tiro" que passou na RTP gerou celeuma. A Polícia de Segurança Pública (PSP) apresentou queixa-crime contra a RTP porque considera que “representa juízos ofensivos da honra e consideração de todos os profissionais da PSP que diariamente dão o seu melhor para garantir a legalidade democrática”. Por sua vez, o Ministério da Administração Interna (MAI), através do seu ministro José Luís Carneiro, vem a público mostrar o seu desagrado e dá ainda um puxão de orelhas à RTP, dizendo que esta não deve colocar “em causa a imagem e o prestígio das instituições”. O ministro vai mais longe e diz que as forças de segurança portuguesas garantem o cumprimento do princípio da igualdade.

Ora, se está tudo bem, porque temos, desde 2021, o chamado “Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e Serviços de Segurança (PPMD)”? Ter-se-ão esquecido da investigação do consórcio de jornalistas que revelou o discurso de ódio de 591 polícias? Como se pode passar uma esponja por cima do relatório da Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância (ECRI, 2018), que diz que a extrema-direita se infiltrou na polícia e que as pessoas negras e ciganas são alvo de violência policial, ou os relatórios do Comité Anti-Tortura (CPT) do Conselho da Europa que assinalam, não só que Portugal é um dos países com número mais elevado de casos de violência policial na Europa Ocidental e que estes tendem a ficar impunes, como que afrodescendentes e estrangeiros tendem a ser alvo de maus tratos pela polícia (2018 e 2020)? Ou ainda o relatório do Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas (2020) que aponta que, em Portugal, as pessoas de origem cigana e afrodescendentes tendem a ser alvo de violência policial. Como se pode dizer que tudo vai bem, quando a esmagadora maioria das queixas de racismo contra as forças de segurança são arquivadas?

A liberdade de expressão é um direito fundamental da democracia e tem efetivamente limites, como o direito à igualdade e não discriminação. Mas criticar não é o mesmo que difamar; a polícia não é um grupo social e historicamente discriminado; também não é um grupo de pessoas, mas uma instituição do Estado e uma com o monopólio da violência legítima, aspetos que lhe trazem maior responsabilidade e escrutínio social.

É incrível que nestes discursos indignados só a defesa da “imagem”, “do bom nome”, “do prestígio” e da “honra” seja o horizonte quando se poderia aproveitar para dizer que o enviesamento étnico-racial da “Carreira de Tiro” se deve, sobretudo, a opções políticas e económicas a montante, que têm causado empobrecimento, segregação, reproduzido desigualdades étnico-raciais e feito com que as políticas de “segurança” substituam o que deveriam ser políticas sociais. O que mancha o bom nome da instituição são coisas como o artigo 250 do Código de Processo Penal e a política das Zonas Urbanas Sensíveis (ZUS), que contribuem para que agentes se relacionem com cidadãos de forma distinta, consoante se trate de um cidadão do bairro da Bela Vista ou da Lapa, de uma pessoa negra ou de uma pessoa branca. O que ameaça o prestígio da instituição é a não monitorização independente do racismo institucional na polícia e nas prisões.

Felicito a autora, Cristina Sampaio, a Spam Cartoon e a RTP pelo cartoon, achei importante e corajoso que a questão fosse abordada, porque o serviço público de televisão deve servir para a formação de uma opinião pública crítica, até mesmo sobre o Estado. Mas não posso concordar com o argumento de que o cartoon se dirige apenas à realidade francesa, posição que seria depois seguida pelo ministro da Cultura.

O cartoon poderá ter surgido a propósito do assassinato de um jovem de origem argelina, Nahel Merzouk, pela polícia francesa, contudo, é preciso não retirar de cena que o racismo institucional na polícia é uma das questões que mais têm suscitado debate público e mobilização política nos últimos anos a nível nacional, com casos como o da esquadra de Alfragide (2015), do bairro da Jamaica (2019) ou a agressão a Cláudia Simões na Amadora (2020), e internacional, de que o movimento Black Lives Matter/Vidas Negras Importam é exemplo.

Dizer que o cartoon nada tem que ver com a sociedade portuguesa é um desserviço ao combate ao racismo em Portugal e uma cedência, que não podemos fazer, ao medo.»

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Mais Habitação?

 


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19.7.23

Vasos, mil vasos

 


Vaso de vidro “opala de palha” com botão de vidro de urânio, 1880.
Desenho atribuído a Harry Powell, criação de James Powell e Filhos, fabrico de Whitefriars Glassworks,
The Metropolitan Museum of Art, NY.

[Para saber mais.]

Daqui.
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19.07.1975 – Mário Soares e o comício da Fonte Luminosa

 


Há 48 anos, o PS organizou a famosa manifestação da Fonte Luminosa – marco importante na história do Verão quente de 1975.

Foi António Guterres que organizou o comício e Mário Soares que o encerrou, com um discurso violentíssimo. Parece que ainda estou a ouvi-lo – e, de certo modo, até estou.

Longo excerto desse discurso AQUI.
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Loucura e não é mansa

 


É o novo Hard Rock Hotel Algarve, cujo parto está previsto para 2026 junto à praia do Vau. Ainda não percebi se a guitarra é só para enfeitar, se sai de lá música ou se dorme lá gente.

Mário Soares e Maria Barroso dariam certamente alguns gritos de aflição se pudessem vê-lo da «sua» magnífica praia. E eu não dou porque já quase nada me espanta, mesmo quando se trata de uma afronta de vários pontos de vista. O problema do Algarve é o AL? Tenham juízo!

A ler.
N.B. - Isto NÃO é a maquete do futuro hotel no Algarve, mas a fotografia de um já existente nos EUA.
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O Ministério Público tem de ser defendido

 


«O episódio da busca a Rui Rio, com a grotesca comunicação prévia às televisões, suscitou um intenso debate. Como foi lembrado, do que se sabe do caso – alegadamente uma investigação sobre se funcionários do grupo parlamentar do PSD fizeram atividades profissionais para o seu partido – a coisa não tem fundamento. A lei determina, e não podia ser de outro modo, que são os partidos a decidir o uso dos seus recursos profissionais e de como afetam as verbas que recebem, de que têm de prestar contas detalhadas.

Não é uma entidade pública que delibera sobre quem são os funcionários de um partido, ou que funções nele desempenham, ou que avalia o seu cumprimento, ou que decide o seu salário ou hierarquia. Os funcionários partidários desempenham cargos de confiança política e, por isso, estão sujeitos às regras próprias que o seu partido defina; qualquer interferência externa que viole esse princípio seria abusiva.

A utilização do financiamento público é, também como tem de ser, sujeita a verificação por um tribunal, que tem detetado e punido faltas na documentação ou no uso de verbas. Quando se trate de evidência de crimes, então uma investigação é necessária; o caso Tutti Fruti, que deu origem a buscas, incluindo em gabinete de quem hoje se faz de novas, é um exemplo negativo, visto que, passados vários anos, ainda não foi julgado. A diferença desse outro processo em relação ao “caso Rio”, no entanto, é que é implausível que este venha sequer a dar lugar a algum outro procedimento judicial que não seja o tão discutido direto das televisões sobre a perigosa varanda do ex-líder do PSD. E é aqui que o Ministério Público precisa de ser defendido.

A formação do Ministério Público como magistratura independente decorre da escolha constitucional da democracia e é um dos pilares fundamentais da Justiça em Portugal: subordina o trabalho policial, o que acrescenta garantias aos cidadãos, e prossegue uma estratégia para a Justiça, que é definida e escrutinável.

Ora, o episódio da varanda é uma machadada no respeito por esta magistratura. Correspondendo a práticas de divulgação de procedimentos, de transcrições de escutas e até de gravações vídeo de interrogatórios, revela que alguns agentes judiciários, e em não poucos casos serão magistrados, procuram uma condenação imediata na opinião pública, na base de um efeito de suspeita assente na solenidade da busca ou, ainda, na filtragem de documentos ou de sugestão de acusações.

Esse processo é triplamente errado: não permite o contraditório e a defesa da pessoa apontada; envolve jornalistas que não têm meios para avaliar a credibilidade das fontes; e contamina o trabalho sério de investigação de todos os magistrados, espanejando casos que morrem sem conduzir a nenhum resultado. É uma das instâncias em que a aparente vantagem privada produz uma certa desvantagem coletiva: para quem realizou a fuga ao segredo de justiça, parece que o resultado é compensatório, a condenação na praça pública é adquirida antes e mesmo sem julgamento; para a justiça no seu todo, é grave, dado que cria descredibilização sistémica e sugere instrumentalização pessoal ou de outra natureza.

Um exemplo é o caso, nunca investigado, da revelação por uma assessora de imprensa de um procurador-geral sobre as instruções que recebeu para entregar várias transcrições de depoimentos a um jornal de escândalos, presumivelmente para tentar incriminar figuras públicas que se revelou nada terem a ver com o assunto, o escândalo Casa Pia. E muitos outros se podem apontar, até em casos sindicados por juízes: prisão preventiva abusiva, acusações a deputados com processos sem sustentação e outros processos que, alimentando alguma comunicação, sobrepuseram o espetáculo falso à seriedade da justiça.

O Ministério Público precisa de se defender destas práticas e é como corpo da justiça que o deve fazer, mesmo quando a origem da fuga está em gabinetes de juízes ou outros. Os magistrados que prosseguem um trabalho cuidadoso e moroso de defesa da lei são vítimas destes atropelos, que põem em causa a sua profissão e o seu dever constitucional. É dessas pessoas que devemos esperar a mais enérgica defesa da sua magistratura, restabelecendo as condições plenas do seu exercício de poder institucional. É a elas que se deve fazer o apelo mais empenhado para a defesa da justiça em Portugal.

Mais, se não for o Ministério Público a defender os seus princípios de atuação legal, tanto a continuação destas práticas já banalizadas quanto as consequências de precipitadas respostas a estes episódios caricatos podem ser as mais prejudiciais ao país.»

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18.7.23

Entradas

 


Entrada da «Casa C Vallet i Xiró». Eixample, distrito de Barcelona, 1913. 
Arquitecto: Josep Maria Barenys i Gambús.

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Férias em família

 

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Nelson Mandela

 


Seriam 105.



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Dia de S. Receber

 


«Nunca a música “Dia de S. Receber”, dos Xutos & Pontapés, foi tão atual, principalmente quando uma família tem de escolher entre comer, pagar as contas da eletricidade, do gás e da água ou o crédito à habitação. Quando isto acontece, significa que desceu um degrau na escada da exclusão social. Em 15 anos houve três crises em Portugal e em cada uma delas aumentou o número de pessoas em extrema vulnerabilidade social. Os pobres saíram da crise mais pobres do que entraram. Os últimos dados da Deco Proteste confirmam que, no ano passado, 66% das famílias vivia com dificuldades financeiras, sendo que destas, 8% viviam em situação crítica, um aumento quando comparado com 2021. Estas famílias não podem pagar as contas de serviços básicos com o rendimento que têm devido à guerra na Ucrânia e a consequente escalada da inflação, que disparou os preços dos alimentos e serviços domésticos essenciais, como eletricidade, água ou gás.

Não é por acaso que em cinco anos de barómetro da Deco Proteste, que avalia a capacidade de os agregados familiares enfrentarem as despesas de alimentação, educação, habitação, lazer, mobilidade e saúde, 2022 foi o ano em que o índice atingiu o valor mais baixo. E as perspetivas para 2023, por sua vez, não são mais animadoras. Em agosto, o Banco de Portugal e o INE vão apresentar os resultados do Inquérito à Situação Financeira das Famílias, que deverá confirmar maior pobreza dos mais pobres.

Apesar da recuperação do emprego e do facto da média dos rendimentos familiares estar a voltar aos níveis pré-pandémicos, a verdade é que a bolsa de pobreza continuou a crescer. Isso porque, embora a inflação afete a todos, seu impacto é proporcionalmente muito maior nos que têm rendimentos mais baixos. Isto significa que, nas famílias de menores rendimentos, um aumento como o que ocorreu no nas taxas de juro do crédito à habitação ou na renda da casa, obriga as famílias a privarem-se de outros bens básicos como a alimentação e as deixa sem margem de manobra para enfrentar qualquer situação inesperada.

Ainda não sabemos o impacto da ajuda decretada pelo Governo para atenuar os efeitos da inflação, como o IVA zero em alguns produtos, mas está claro que a situação exige persistência nas políticas sociais para ajudar os grupos mais vulneráveis para que, pelo menos, possam ter rendimentos suficientes e poderem pagar as contas do mês.»

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17.7.23

Pavões

 


Vaso estilizado lembrando um pavão, 1896.
Louis Comfort Tifany.


Daqui.
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17/18.07.1936 – A Guerra Civil Espanhola

 


Na noite de 17 para 18 de Julho de 1936, teve início a terrível Guerra Civil Espanhola que iria durar quase três anos.

Links para muita informação e quatro vídeos AQUI.
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Se os jovens não tomam conta disto...

 

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A propósito de uma influenciadora digital

 


«Talvez alguns de vós tenham visto um vídeo em que uma influenciadora, Joana Mascarenhas, partilhava as suas experiências como mãe e educadora de uma criança de 3 anos. Joana Mascarenhas anunciou como eficaz para resolver as birras que a sua filha fazia uma submersão súbita e inesperada em água fria. Usou esse método quando estavam na piscina, mas também em casa de madrugada. Molhou a filha em água fria tendo esta o pijama vestido. Garante que foi remédio santo e que a filha deixou de fazer birras.

O vídeo é chocante em vários aspetos. Desde logo, é difícil não ficarmos presos ao sofrimento daquela filha sem direito a birras e sujeita a um método de aprendizagem digno de Guantanamo. Uma criança que, na narrativa da mãe, parou de chorar depois de lhe acontecer o que levaria qualquer criança ao choro. Na lógica da mãe parou de chorar porque aprendeu uma lição. Difícil não concluir que foi o terror que a silenciou.

A propósito de uma influenciadora digitalPor outro lado, vemos uma jovem partir do princípio que a sua atuação como mãe deve ser partilhada, ou seja, que tem o valor de conhecimento.

Joana Mascarenhas é uma entre centenas de outras pessoas que usam as suas contas nas redes sociais – com destaque para o Instagram – para influenciar os seus seguidores. Esta influência pode ser para comprar determinados produtos ou contratar determinados serviços ou simplesmente para dar conselhos de vida. A prudência obrigaria a que desconfiássemos sempre de alguém que acredita ter conselhos úteis para dar em relação à vida de terceiros. Poderíamos até estabelecer aqui uma regra: todos aqueles que acreditam ter tanto jeito para viver que podem dar conselhos de vida aos outros não devem ser ouvidos. Mas estas pessoas são efetivamente ouvidas e há quem siga os conselhos que dão ao mundo.

É relativamente fácil, mesmo em Portugal, que alguém consiga obter rendimentos relevantes explorando comercialmente a sua conta, os seus seguidores e a sua capacidade para convencer esses seguidores a realizarem uma compra ou contratação. É, aliás, possível que essa atividade se transforme em profissão. Não estamos a falar de algo marginal na economia ou tão pouco de irrelevante no universo do investimento das marcas em marketing e publicidade.

O problema é que esta atividade não está regulamentada e não existe legislação específica que defina regras ou boas práticas. O máximo a que se chegou foi um guia para influenciadores e anunciantes feito pela Direção Geral do Consumidor. Nesse documento fazem-se recomendações e tenta-se dar orientações com recurso à legislação existente.

Mas claramente não chega. A legislação que já existe não foi pensada para o mundo digital e para a possibilidade de uma proliferação de utilizadores das redes sociais terem interesse comercial para as marcas e, a partir daí, serem remunerados diretamente por elas para divulgarem os seus produtos ou serviços. A situação que se vive agora é a de verdadeira selva. Quem tanto aprecia o mercado a funcionar livremente e sem intervenções de um regulador tem aqui uma excelente oportunidade de avaliar o resultado dessa lógica, política ou filosofia.

E os resultados estão à vista. Vemos, por exemplo, pais a explorar comercialmente a imagem de menores até à exaustão. São crianças que praticamente desde o nascimento são fotografadas para serem associadas a marcas. O interesse público, que neste caso coincide com o superior interesse de cada criança, não é chamado a intervir e não tem uma palavra a dizer. Centenas ou milhares de pais estão livremente a facturar a infância dos filhos como se ela lhes pertencesse e como se tivessem um direito natural a fazê-lo. Há aqui um grande engano e está a fazer vítimas.

Os influenciadores digitais são uma nova face do empreendedorismo. Pessoas que vendem marcas e que promovem o seu próprio modo de estar na vida como tendo valor para o coletivo. Podemos olhar para o lado e fazer de conta que estas pessoas não estão, praticamente sem regras, a trabalhar no mercado e a exercer a sua influência como querem e como mais beneficia as marcas. Hoje uma dica sobre como tratar a birra de uma criança, amanhã um anúncio publicitário disfarçado de partilha de um momento familiar. Até ao dia em que seremos todos obrigados a reconhecer que faz falta legislação. Se não for a bem, será a mal.»

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16.7.23

Liberdade de expressão

 

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Jane Birkin

 



Tinha 76 anos e soube-se hoje que morreu. Ficará para sempre ligada a uma canção gravada em 1969 e que deu escândalo, proibida em muitos países, entre os quais obviamente Portugal.

Mas havia sempre quem trouxesse de algures um 45 rotações – eu sei que a conheci logo e que não me sairá hoje da cabeça. Passado que não passa.
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Medo

 

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O governo português e a última colónia africana

 


«O Saara Ocidental é a última colónia africana, ocupada ilegalmente por Marrocos desde 1975. Os saarauís lutam pela independência há décadas e a ONU tem inúmeras resoluções em que afirma o direito à autodeterminação, além de uma missão no terreno, desde 1991, para um referendo no Saara Ocidental. Apesar da flagrante ilegitimidade da atual situação à luz do direito internacional, Marrocos continua a rejeitar qualquer possibilidade de decisão democrática que não seja a integração do território, com mais ou menos matizes de autonomia, na soberania do país ocupante. Dois factos recentes agravaram este intolerável cenário.

Primeiro, a mudança de posição do governo espanhol - e também do português - sobre os direitos dos saarauís a decidirem sobre o seu território. A potência ocupante inventou uma “Iniciativa Marroquina para a negociação de um estatuto de autonomia para a região do Saara”, na qual considera diversas modalidades de integração em Marrocos, mas reitera a negação frontal da autodeterminação nos termos das resoluções da ONU. Que o Governo espanhol tenha cedido a tal proposta, saudando-a, é grave e provocou aliás fissuras significativas no executivo daquele país.

Tanto ou mais mais grave é o governo português ter também manifestado apoio ao plano marroquino, considerando-o uma “proposta realista, séria e credível”. Tal posição está em flagrante contradição com o património histórico e diplomático de Portugal num outro caso cujo paralelismo é cristalino: Timor. Tal como a Indonésia ocupou o território depois da retirada de Portugal, assim fez Marrocos com o Saara Ocidental, depois de o estado espanhol ter abdicado do estatuto de “potência administrante”.

Em polémica recente num outro jornal, o representante de Marrocos em Portugal bem se esforçou por tentar afastar as óbvias semelhanças dos dois casos. Sem sucesso. Portugal, que se bateu por um processo referendário em que a autodeterminação de Timor era uma das hipóteses em cima da mesa, não pode agora legitimar, de forma totalmente incoerente, uma proposta de referendo no Saara em que as duas únicas hipóteses são ficar sob ocupação ou ficar sob ocupação, ao arrepio do direito internacional.

O segundo facto grave é que Portugal seja parte de uma candidatura ao Campeonato do Mundo em 2030 que envolve Espanha e Marrocos e na qual se prevê a realização de jogos em território ocupado, num grande estádio que está a ser construído por Marrocos em Dakhla, cidade do Saara Ocidental. O uso de territórios ocupados para um evento desportivo viola várias normas do direito internacional e torna o nosso país cúmplice daquela operação colonial.

Em 2021, o Tribunal Geral de Justiça da UE anulou os acordos de pesca da UE com Marrocos por incluir os territórios ocupados do Saara sem consultar os seus legítimos representantes. Em 2022, o Conselho de Segurança da ONU exortou Marrocos e os representantes saarauís a retomarem “as negociações sob os auspícios do secretário-geral”, com vista a “uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável que permita a autodeterminação do povo do Sara Ocidental”. Guterres, que lutou por Timor, não se esqueceu da importância da persistência e da coerência dos valores nestas matérias. O governo português, pelos vistos, abdicou deles em nome de um campeonato.»

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