«E não perca as aventuras desta semana! O nosso herói venceu o vírus e saiu do hospital ileso, sem máscara, pronto a enfrentar o real varandim da Casa Branca e a mostrar aos fiéis, à América e ao mundo que a única coisa que correu mal foi a maquilhagem, excessos do pessoal das cosméticas, alguém usou e abusou da base laranja que prometia dar ao curado um halo bronzeado e incrivelmente saudável, como se ele tivesse acabado uma partida de golfe ao sol de Palm Beach. Degenerou em vermelhão, mas o nosso herói continua heroico e, mais ainda, imune ao vírus. O próprio corona ter-se-á sentido mal depois de infetar o Presidente e circulou para pastagens mais simples de contaminar, infetando não apenas a Casa Branca como o Pentágono. O líder do mundo livre é agora o maior superspreader de Washington, contribuindo para aumentar as cifras de infeção. Tudo o que sobe é bom.
Algures em Pequim, a nomenclatura chinesa teve um ataque de riso que ainda dura, riso até às lágrimas. Mal sabem o que os espera. E algures em Moscovo, o grande Putin, na sua bolha de plástico, onde recebe convidados borrifados com lixívia, afirmou aos íntimos que o Trumpovski era mais fácil de envenenar do que o Navalny, mas não era preciso, o herói é um aliado da grande Rússia. Nunca a América foi tão grande em mortos e infetados.
O eminente Dr. Fauci chorou no recato do lar, quando soube da cura. E quanto à maquilhadora que se enganou na cor, já está infetada. O cabeleireiro também, mas como o Presidente não confia num desses gays liberais que pululam no sector decidiu que o homem das lacas e dos pentes continuava ao serviço, infetado ou não. A estopa tem de se manter firme, como o nosso herói. E o resto? Corona c’est moi. Nem Luís XIV teve um tal poder sobre os elementos e a natureza. O imortal Luís XVI, o homem que inspirou os decoradores da Trump Tower e de Mar-a-Lago quando encomendaram os doirados, os rococós e os brocados. O nosso herói só teve dúvidas sobre a meia de seda e o sapato de fivela da época, demasiado maricón.
Nos episódios desta semana confirma-se o que se suspeitava, que um Presidente com esteroides é o que a América precisa para ser great again! Já tínhamos o capitalismo com esteroides, uma sábia definição, passamos agora para o estádio superior, um Presidente insuflado com química que se sente melhor do que há 20 anos e que afirma aos íntimos, todos infetados, que está a ganhar músculo em lugares inesperados. Os olhos cintilam com a vitória eleitoral que se adivinha, apesar das sondagens. Também Hillary tinha as sondagens a favor e viajou na maionese na noite de novembro em que foi derrotada pelo nosso herói. O homem faz chorar os inimigos, e Biden terá a sua dose de pranto quando as manobras das bases e das milícias armadas nos locais de voto consagrarem o nosso herói como o líder da nação temente a Deus. Já foram encomendados esteroides que mantenham o feelgood factor até ao dia 3 de novembro. Vários republicanos estão também a encomendar a dose, para os energizar para a campanha sem máscara e sem cautelas. O velho Mitch McConnell, a cair da tripeça, quer a receita e tem esperança que lhe afine a voz de sapo. O venal Lindsay Graham, aflito com a sinecura, quer a dose para poder continuar a mentir e a sentir-se como um milhão de dólares. Um assento no Senado não tem preço. Euforia precisa-se.
Quanto ao nosso herói, derrotou todos os snowflakes liberais com a recuperação milagrosa, incluindo os idiotas que lhe desejaram as melhoras. Os flocos de neve não aprendem, não basta vencer o inimigo, há que aniquilá-lo. O nosso herói dispensa a piedade dos fracos. Os snowflakes ainda não perceberam que o nosso herói não é humano. É mitológico. Nasceu de Zeus, o deus dos deuses, o Trump do Olimpo, e de uma perna de vaca com a qual Zeus procriou julgando-a uma deusa disfarçada que a sua luxúria cobiçava. Deste ato nasceu Donald, tal como Hércules nasceu de uma mulher, Alcmena, filha de Electrião, e do deus de todos deuses, noutro inspirado momento de erotismo grego. Hércules, meio irmão de Perseu, sendo também bisavô de Hércules. Os gregos são confusos.
Donald é o Hércules da televisão, o Hércules do Twitter, o Hércules da construção civil. Pelo menos, foi a história que o protofascista Stephen Miller contou, antes de cair infetado. O Perseu é quem? Não me chateies com pormenores, não te armes em doutor, quero lá saber do Perseu, ninguém conhece o Perseu, o herói é o Hércules. E isso da perna de vaca, substitui por uma loiraça tipo páginas centrais da “Playboy”, uma mulher nota 10. Não vou ter como mãe a perna da vaca, já basta aquele livro da minha sobrinha a inventar coisas sobre a minha mãe ser uma bruxa má. Põe lá um mulherão na minha árvore genealógica, se tem de ser. A Melania não vai gostar.
Stephen prometeu podar a dita árvore enquanto media a febre. Até o Giuliani parece que está com o bicho, deu uma entrevista à Fox News em que se fartou de tossir enquanto esperava os resultados do teste. Fracotes. O nosso herói nunca tossiu, nunca teve febre, tirando as bilhas de oxigénio e as misturas de esteroides e antivirais não comercializados e que só são dados aos vip. Na verdade, o nosso herói nunca esteve doente. O resto, são danos colaterais, infeções acidentais. Os deuses e heróis gregos também matavam uma data de gente da própria família.
Algures em Pequim, o Presidente Xi Jinping continua a enxugar os olhos quando lhe contam as novidades. Fica exausto de tanta gargalhada e contente pelas boas notícias da América e de Hong Kong. A vida não podia correr melhor. Não eram precisas estratégias nem iniciativas para derrotar os americanos, derrotavam-se a eles mesmos. Os conselheiros e demais membros do Politburo acenaram com a cabeça, sufocando o riso.
Não sabem o que os espera. O Pompeo prepara um ataque a Wuhan. E os 200 e tal mil mortos? O nosso herói encolhe os ombros. Deixaram que o vírus dominasse as suas vidas. Deixaram que fosse o corona a mandar. Ora a positividade manda que uma pessoa permaneça positiva. Positiva enquanto positiva, no bom sentido. O nosso herói é positivo, duplamente positivo, resiste a tudo. Passem o corticoide. Está inflamado.»