«Andamos, no espaço político e mediático, entretidos a discutir as eleições presidenciais. Mas, antes delas, teremos as autárquicas.
Elas são fundamentais para o PCP, que pode vir a sofrer um revés na margem sul do Tejo e no Alentejo, tendo em risco as duas capitais de distrito onde governa – Évora e Setúbal.
Elas são fundamentais para o PS, que precisa de um balão de oxigénio na oposição. Os resultados em Lisboa e no Porto são fundamentais. O número de câmaras também. E não é irrelevante se perder autarquias para o PSD e as compensar com conquistas ao PCP, porque isso corresponderia a uma deslocação autárquica para a direita.
Elas são fundamentais para o PSD, que tem uma minoria demasiado apertada para se poder dar ao luxo de ter uma segunda derrota eleitoral, depois das europeias.
Elas são importantes para o Chega, que precisa de se afirmar localmente à dimensão do peso nacional que ganhou. Não pode ser eternamente Ventura. Bloco, Livre e PAN não contam para mais do que vereadores.
Por razões simbólicas, mas não só, Lisboa tem uma importância central. É a câmara mais relevante em disputa entre os dois principais partidos, que esteja nas mãos de um deles, coisa que não acontece com o Porto.
Há quatro anos, ainda Fernando Medina presidia à autarquia da capital, avisei que perderia as eleições se não conseguisse travar a gentrificação da cidade. Que a expulsão dos pobres resultaria na derrota da esquerda. Alguma direita de raciocínio linear interpretou isto como a afirmação de que quando se acaba com os pobres a esquerda é derrotada. Se isso fosse verdade, os escandinavos não teriam sido governados pela esquerda durante décadas. Neste caso, não estamos a falar de acabar com os pobres, mas de os expulsar.
Essa é a perversidade das políticas urbanas: é que os autarcas que não se preocupem com a coesão social podem ser beneficiados por isso. Basta esperarem que o mercado imobiliário se encarregue de fazer a limpeza social os cadernos eleitorais, mandando os mais pobres para fora do concelho. Por isso escrevi que Carlos Moedas tem um projeto de classe para Lisboa que também é um projeto eleitoral.
Nem todas as pessoas mais abastadas votam no PSD ou na IL. Nem todos os eleitores destes partidos são abastados, como é evidente (no PSD até será uma pequena minoria). Mas a sobrerrepresentação destas forças nas zonas mais caras de Lisboa é facilmente verificável no mapa eleitoral. Em poucas cidades do país isso será tão evidente, aliás.
É por isso que, da mesma forma antevi o risco de Medina perder a Câmara por via da gentrificação, antevejo o risco da esquerda nunca mais ganhar a capital com o reforço acentuado desse processo. Arrisco-me a dizer, aliás, que esta será a última oportunidade para o fazer. Se nos quatro anos seguintes a expulsão (já não dos pobres, mas da classe média) continuar, Lisboa será um condomínio onde vivem endinheirados, alguns velhos e estrangeiros. Salpicado de bairros sociais, onde o presidente do momento tende a usar sempre o seu poder.
O “Público” chamou, recentemente, à atenção para as mudanças demográficas e o seu possível impacto eleitoral. Lisboa perdeu quase 17 mil eleitores entre as eleições de 2017 e as de 2021, enquanto a Área Metropolitana ganhava 20 mil. A tendência vinha de trás e acentuou-se ainda mais: entre as últimas autárquicas e as legislativas deste ano foram mais 11 mil embora. Desta vez, a queda é acompanhada pela AML, que perdeu dez mil. Os concelhos periféricos, como Mafra ou Palmela, ganharam eleitores.
O jornal, como qualquer pessoa atenta, relaciona esta perda demográfica com a crise da habitação. O que quer dizer que este movimento tem um forte peso económico. Como explica o geógrafo Luís Mendes, “quem está a ser expulso é essencialmente a classe trabalhadora e quem consegue viver na cidade é uma nova classe média endinheirada ou a classe média alta”, que quer dizer que a “a cidade se torna mais elitista, dual, fragmentada, e isso vai afectar os resultados eleitorais, que têm uma componente, do ponto de vista sociológico, muito forte”. Concluindo que “uma burguesia intelectual vai votar mais possivelmente na Iniciativa Liberal”. Eu diria que, neste caso, tenderá a votar na coligação de direita em que a IL deverá participar. Moedas tem sabido falar com este eleitorado, ao mesmo tempo que assiste à partida do restante.
Este movimento poder ter, aliás, impactos nas periferias. Da mesma forma que o PS foi conquistando câmaras ao PCP, na margem sul, à medida que a classe média baixa era expulsa de Lisboa e ia para os dormitórios da antiga cintura industrial proletarizada, o PSD tenderá a ganhar força à medida que a classe média, mesmo a remediada, também sai da cidade. Estaria com atenção aos resultados do Montijo e de Alcochete, por exemplo.
Moedas está, há três anos, a fazer campanha sozinho. Qualquer candidato terá, neste momento, menos notoriedade do que o presidente da Câmara em exercício. O trabalho de terreno, com a influência que Moedas tem nas televisões e as redes dominada pela direita, é essencial.
E a esquerda só ganha se for unida e para isso é preciso construir uma plataforma programática comum que possa incluir o Bloco, o Livre e mesmo o PAN. A decisão do PCP ficar de fora só não será suicida se a campanha for uma tal catástrofe para a esquerda que a vitória de Moedas se torne inevitável. Se a alternativa a Moedas for popular à esquerda, seria bom os comunistas repensarem a sua opção. Tudo isto só tem validade se a candidatura da oposição for realmente forte, mostrando o empenho do PS e seus potenciais aliados na eleição em Lisboa. Veremos, provavelmente, em breve.»