15.1.25

Venezuela e Moçambique: a inconciliável duplicidade portuguesa

 


«Não conheço os verdadeiros resultados eleitorais na Venezuela e em Moçambique. Desconfio, com fortes fundamentos e muita companhia, que foram muito diferentes dos anunciados. Nos dois casos, não foram garantidas as condições indispensáveis para o exercício da democracia. Não tenho, não tem a ninguém, razões para confiar na independência das respetivas comissões nacionais de eleições. Em resumo, houve fraude.

Portugal tem, por razões diferentes, interesses nos dois países. Num caso, uma forte comunidade lusodescendente. No outro, uma relação histórica, cultural e económica, que se traduz na pertença comum à CPLP.

Apesar de não serem partidos únicos, o poder do PSUV e da FRELIMO já não resulta da vontade popular. Esse apoio, que outrora terá existido, foi perdido graças à forma como se governaram a si mesmos, longe dos interesses do povo venezuelano e moçambicano. Nos dois casos, a reação do Estado aos protestos populares foi de enorme violência.

O facto de não depositar grande confiança nas lideranças das respetivas oposições, que não me parecem estar grandemente preocupadas com os problemas das respetivas nações e nunca reconheceram resultados eleições, mesmo quando as que perderam, não muda o valor da democracia: só pode governar quem o povo quer que governe.

No caso da Venezuela, o governo português não reconheceu os resultados eleitorais. É verdade que, não tendo reconhecido a vitória de Nicolas Maduro, também não reconheceu, ao contrário do Parlamento Europeu, Edmundo González como novo presidente. Seria sempre, na minha opinião, uma decisão difícil, porque implica assumir resultados eleitorais de que não se tem prova material. É diferente assumir que houve fraude e saber o resultado concreto da verdadeira votação. Mas a AD fez um jogo duplo: ao mesmo tempo que o governo não reconhecia González, Sebastião Bugalho fez campanha, no Parlamento Europeu, por esse reconhecimento.

Paulo Rangel resolveu esta contradição, dizendo que a sua ausência "na dita tomada de posse" de Maduro "tem um significado claro". Assim sendo, é impossível não concluir que a presença na tomada de posse de Daniel Chapo tem um significado claro. O oposto do significado que tem a sua ausência na posse de Maduro: o reconhecimento dos resultados eleitorais, contrariando, ainda por cima, a recomendação aprovada pela Assembleia da República, por proposta da IL.

A ausência do Presidente e de uma saudação à eleição de Chapo, contrariada pela presença na tomada de posse, é a tentativa da quadratura do círculo, como foi o não reconhecimento de Edmundo González ao mesmo tempo que o PSD se batia por esse reconhecimento no Parlamento Europeu.

Havia duas formas de lidar com os dois casos: a de princípio, não reconhecendo presidentes que se sabe terem vencido com recurso a fraude eleitoral; a pragmática, mantendo as formalidades diplomáticas, tendo em conta a importância das relações com os dois países e os seus presidentes de facto. Afinal de contas, temos relações com chefes de Estado que, sendo ditadores, nem simulações eleitorais fazem. As duas posições contraditórias impedem o discurso de princípio, no primeiro caso, e pragmático, no segundo.

Na realidade, nunca se trataram de princípios. Na Venezuela, submetemo-nos aos interesses dos EUA e outras potências europeias. Em Moçambique, submetemo-nos aos interesses de quem governa o país. Usando, curiosamente, um argumento da forte comunidade portuguesa no país, que seria extensível à Venezuela. É sempre uma posição submissa. Nisto, justiça seja feita ao governo, não há grande novidade. Não temos política externa, temos submissões externas. Só não a mascarem com defesa de valores, por favor.

Nota final: não sei se quem diz a verdade é Paulo Rangel, quando garante que manteve contactos discretos para ajudar a resolver a situação em Moçambique, ou Venâncio Mondlane (em quem não tenho grande confiança), que o desmente, dizendo que nada fez e apenas procura estar na ribalta. Sei que quem faz contactos discretos não os divulga em entrevistas, a não ser que queira estar na ribalta. Certo, é que, com este bate-boca, dificilmente Portugal poderá ter um papel na mediação do conflito. Acontece a quem gosta de aprender.»


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