«Vivemos tempos novos. Os melhores ou os piores, consoante o ponto de vista. Mas, indiscutivelmente, diferentes. Que abrem a porta para outros tempos.
Charles Dickens, excelso observador do seu tempo, escreveu certeiramente: "Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a Primavera da esperança, foi o Inverno do desespero, tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós." Portugal, neste Novembro de 2015, é isto. Nada mais, nada menos. Vive-se por estes dias momentos inexplorados entre nós. Fechou-se um ciclo, as janelas estão abertas para que se abra outro. Consoante o olhar, e muitos olham com um monóculo para só verem o que desejam ver, estes tempos que aí vêm podem ser tudo: bons ou maus, sábios ou tolos. Ninguém tem o dom de os prever. Só se pode pedir uma coisa: bom senso. (...)
Há algum tempo o sociólogo alemão Ulrich Beck escrevia que: "Os cidadãos, as pessoas da rua, confrontam-se com situações que a maioria deles não entende. Não sabem o que se está a passar. Os especialistas não têm resposta, os políticos não têm resposta, e assim, as pessoas não têm resposta. Mas, por outro lado, a sociedade está a mover-se, pensando em todo o tipo de alternativas." E está. A sociedade portuguesa, entre o desvario consumista de anos anteriores e a austeridade totalitária destes últimos, aprendeu a sobreviver. Uns emigraram e os outros ficaram cá, emagrecendo e tentando descobrir uma nova economia, apesar de cercados por um Fisco inclemente. E por um Estado que, ao contrário do que se diz, não se tornou mais liberal. Transformou-se num pequeno "Big Brother". Vivemos tempos de perplexidade, em que o tecido económico se transformou: virámo-nos para a exportação e para o turismo, os portugueses são cada vez mais unidades de produção não enquadrados em empresas como antigamente. Mas, por outro lado, a competitividade continua a depender excessivamente da desvalorização do valor do trabalho.
Uma sociedade moderna nunca se poderá sustentar com salários de 500 euros que são pagos a uma parte substancial dos trabalhadores portugueses. E esse é um estrangulamento. A menos que o modelo seja fazer de Portugal uma Singapura pobretanas. Por outro lado, Portugal integra-se numa Europa que está flácida, sem ideias e sem respostas. Já não é a Grécia a dor de cabeça. Nem Portugal poderá continuar a servir como laboratório e corta-fogos para que a crise das dívidas soberanas irrompa pela Espanha e pela Itália e afogue a Europa. Portugal é pequeno. Mas se em Espanha as próximas eleições mudarem o "status quo", aí o problema começa a ser grave. O maior, no entanto, tem a ver com a crise de credibilidade da economia exportadora alemã (que o escândalo VW fomentou) e com os refugiados, a que a UE não consegue dar respostas.
É neste tempo sem respostas que os portugueses voltaram a discutir política com acutilância. Como há muito não se via. O tempo da paz podre parece ter desabado e as posições extremaram-se porque o centro (debilitado pela crise e pela austeridade selvagem) implodiu. Sem classe média remediada que sirva de balança, os pólos extremam-se. E isso aconteceu à direita e à esquerda, como se viu pelos discursos destes últimos dias. Cavaco Silva ajudou a isso, não sendo o elemento moderador que seria essencial neste período. Vivemos tempos novos. Os melhores ou os piores, consoante o ponto de vista. Mas, indiscutivelmente, diferentes. Que abrem a porta para outros tempos.»
Fernando Sobral