O autor faz um resumo do historial das finanças públicas gregas desde os anos 80, sublinha a inépcia das políticas de austeridade dos últimos anos, analisa as características e efeitos da reestruturação da dívida e termina com o que considera poder significar, neste momento, «Ajudar a Grécia».
Destaco e traduzo o capítulo final:
Ajudar a Grécia
Temos de nos render à evidência: os credores privados sofreram perdas com a reestruturação de 2012. Mas esta chegou demasiado tarde e permitiu por isso que muitos tivessem podido reduzir a exposição a que estariam sujeitos, transferindo uma parte dos riscos para instituições públicas. Os bancos podem agradecer aos principais responsáveis dessa transferência, a começar pelo presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, e pelo presidente francês Nicolas Sarkozy, que atrasaram a inevitável reestruturação. Enquanto os bancos credores se livravam assim a tempo, revendendo os seus títulos ao sector público, a austeridade orçamental e salarial deslocava a economia grega. A política imposta pela troika gerou uma tal catástrofe humanitária, e provocou também uma tal queda da actividade, que o considerável prolongamento da maturidade da dívida pública e a importante redução das taxas de juro se revelaram insuficientes.
A esmagadora maioria do povo grego não tem qualquer responsabilidade na situação das finanças públicas do país. Esta deriva de práticas desenvolvidas por uma aliança entre empresas multinacionais e uma classe dominante local que «é mais competente para captar a riqueza produzida, directamente ou por intermédio do Estado, do que para investir e inovar» [1]. Por outro lado, os empréstimos permitidos à Grécia engrossaram as encomendas feitas a empresas europeias. As autoridades europeias deixaram que estas práticas se desenvolvessem durante anos e devem aceitar hoje as propostas razoáveis do governo de Tsipras para lhes pôr fim através da reforma fiscal. Para que esta política possa ter sucesso, a dívida grega tem de ser reestruturada. Será preciso recordar que até a capacidade da Grécia para pagar ao FMI 879 milhões de euros em Maio de 2015 é incerta, quanto mais a exigida para os cerca de 6,7 mil milhões de euros de títulos públicos gregos detidos pelo BCE, que atingem o prazo em Julho e em Agosto de 2015? O Eurogrupo finge não compreender e joga a política do pior cenário, respondendo com uma recusa absoluta aos pedidos de Alexis Tsipras, ao mesmo tempo que o BCE exerce uma chantagem antidemocrática [2]. Neste contexto, é assombroso ouvir Michel Sapin, ministro francês das Finanças, afirmar que o governo francês é «um traço de união, um facilitador» e que a «reorientação da Europa já teve lugar» [3]. A tragédia continua. Quantos actos serão ainda necessários para fazer cair as astúcias das instituições europeias e dos interesses que prosseguem? Os dirigentes da União Europeia pensam verdadeiramente que uma saída da Grécia da zona euro, e portanto um incumprimento global da sua dívida, é uma solução desejável?
Esta mistura de inflexibilidade e de recusa dos dirigentes europeus é inquietante mas não é o único problema. Na Grécia, a austeridade orçamental e salarial reduziu a procura, inclusive de bens importados. Mas se a actividade voltar a arrancar, o país não terá indústrias que permitam substituir por produções nacionais os artigos de consumo importados, finais e intermédios, e há hoje poucos sectores com capacidade de exportação. A crise também reduziu o aparelho produtivo por causa de falências em série. Os serviços representam 71% do PNB grego, mas o desenvolvimento do turismo e do transporte marítimo não é ilimitado.
Reconstruir uma economia exige investimentos. A questão vai-se pôr, com ou sem euro, mas de formas diferentes. Se o governo grego mantiver o euro e conseguir acabar com a austeridade orçamental e salarial, a Grécia verá o seu deficit corrente aumentar de novo porque a organização da zona euro não foi modificada. Fora do euro, a desvalorização da nova moeda fará subir drasticamente os preços das importações sem que, no curto prazo, a produção nacional possa substituí-las. Além disso, será limitada um pouco (por causa dos consumos intermédios) a redução de preço das exportações.
Portanto, seja qual for o cenário, a economia grega precisa de investimentos produtivos – já. A reforma fiscal é necessária, mas não será suficiente para libertar os recursos necessários. Devia ser o banco europeu de investimentos a completar esse esforço. Por outro lado, «a experiência grega não faz mais do que ilustrar o mau funcionamento estrutural da governação económica da Europa e os desafios com que estão confrontados os estados membros» [4]. A não ser que queiram anular periodicamente a dívida pública dos países periféricos, o que não seria viável durante muito tempo, o que os países do Norte da Europa devem fazer é aumentar os salários e as despesas públicas. Não há muito tempo a perder. Ajudar o povo grego é, para os povos da Europa, ajudarem-se a si mesmos.»
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[Publicado originalmente no Observatório da Grécia]
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