24.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 12

 


O Pagode Shwedagon, em Yangon (Rangum), tem 98 metros de altura e está situado no principal centro religioso da Birmânia, numa plataforma em mármore de 5,6 mil hectares. É muito difícil dar uma ideia do que trata, entre o kitsh (quando lé entrei, chamei-lhe Disneylândia do budismo…) e o muito belo e único. O templo principal está rodeado por 72 edifícios dos mais variados tipos, incluindo quatro grandes templos que apontam para os pontos cardeais. A base do pagode principal é feita de tijolos cobertos com milhares de placas de ouro.

Tudo isto e muito mais num país maravilhoso, com uma população sofredora mas valente que luta, até agora sem sucesso, por uma vida minimamente digna.
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Já que estamos em dias de Jogos Olímpicos

 




Alguns dias antes, tinha acontecido o Massacre de Tlateloco. Ler AQUI.
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Pérolas que saltam do baú

 

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Requisição Civil e Hipocrisia

 


«A greve dos trabalhadores da Groundforce, do passado fim de semana, causou inquietações nos portugueses que se preocupam com a recuperação da economia e o futuro do país.

Naturalmente, essas preocupações surgiram acentuadas no setor do turismo. Nesse contexto, compreende-se que o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), Francisco Calheiros, tenha surgido a reclamar a resolução do problema. Já é mais difícil aceitar que tenha dito "esta greve não devia ter acontecido e a próxima não pode acontecer". E merecem reflexão outras afirmações que fez, pois, a democracia não sobrevive sem ética.

Instado por uma jornalista da SIC-N, no dia 20, a dizer se era "sensível aos argumentos dos trabalhadores", Francisco Calheiros assobiou para o lado e, depois de afirmar "não conhecer o que está em cima da mesa" e que "os trabalhadores argumentam que é a falta de pagamento de salários", passou a responsabilizar em pé de igualdade os sindicatos a empresa e o Governo. Ora, o presidente da CTP sabe que na Groundforce se vive uma instabilidade salarial insustentável, que o salário é um direito humano fundamental, e que é inqualificável exortar um governo a fazer uma requisição civil de trabalhadores a quem não se paga salários. Ele também sabe que os sindicatos têm, insistentemente, reclamado diálogo. E sabe ainda, que o acionista maioritário - Alfredo Casimiro, a quem foi oferecida a empresa no processo de privatização e desmantelamento da TAP - se está borrifando para o futuro da empresa e para o interesse nacional: só lhe interessa, sem qualquer merecimento, ter ganhos pessoais.

O Governo tem alguma responsabilidade no arrastamento do problema, mas a situação atual não resulta de "guerra pessoal" entre o ministro Pedro Nuno Santos e Alfredo Casimiro. As questões centrais que estão na origem do problema identificam-se numa pergunta dupla: como é possível o Estado oferecer empresas a um qualquer potencial bandalho e, como é que um governo não tem armas para enfrentar vigarices empresariais?

Esta semana, no Fórum para a Competitividade, esses comportamentos indecorosos, que contaminam negativamente a gestão das empresas (a maioria cumpridoras) e a economia nacional, não mereceram reflexão. O que se ouviu foi: a velha culpabilização e pedinchice ao Estado; um destacado gestor a afirmar irresponsavelmente "que só um louco investe em Portugal"; a desconfiança sobre as pequenas empresas; e meras declarações piedosas sobre condições de trabalho e salários.

Recentemente, num debate comigo num programa de uma rádio, um gestor de uma significativa empresa persistia na tese de que a "rigidez" das leis laborais trava o desenvolvimento da economia e apontava como alternativa (com perda de direitos laborais) as seguintes medidas: i) os trabalhadores terem "um representante nos conselhos de administração das empresas"; ii) as empresas passarem a "distribuir os seus lucros pelos acionistas e pelos trabalhadores"; iii) haver "condições para despedir os incompetentes".

Tão inovadoras sugestões nada têm a ver com o tecido empresarial do país, com as suas culturas organizacionais e práticas de poder. Na realidade, um problema do país é continuarmos a ter bastantes patrões e gestores que fingem desconhecer o trabalho digno e se atrevem a, unilateralmente, considerarem-se bons juízes da competência alheia. Estes sim, são difíceis de despedir.»

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23.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 11

 


Já que hoje estamos todos um pouco no Japão, fica aqui o belo templo budista Kinkaku-ji (Templo do Pavilhão Dourado), situado em Quioto, a cidade japonesa de que mais gostei. Está coberto por uma folha de ouro e é rodeado pelo Kyōko-chi (Lago Espelhado).

Construído em 1397, foi incendiado em 1950 por um monge louco, e a estrutura actual data de 1955. Infelizmente não é permitido visitar o interior, mas o reflexo do dourado do templo no lago é absolutamente espectacular e lindíssima a inserção do conjunto na paisagem.
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23.07.2004 – O dia em que Serge Reggiani se calou

 


Serge Reggiani morreu há 17 anos e foi certamente um dos grandes cantores franceses que marcaram algumas gerações, mesmo em Portugal, antes de a língua francesa ir desaparecendo lentamente da vida dos mais novos. Pela interpretação, pelo encanto pessoal, pelo compromisso político, certamente pelos poetas que ajudou a conhecer ao divulgá-los nas letras de muitas canções.

Nasceu em Itália e ainda criança instalou-se com os pais em França para escapar ao fascismo. Começou como ajudante de barbeiro, inscreveu-se no Conservatório com 19 anos, estreou-se no teatro onde contracenou com Jean Marais, entrou em alguns filmes. Passou no entanto rapidamente à clandestinidade na Resistência francesa. Regressou ao cinema depois do fim da guerra, mas foi como cantor que se consagrou, a partir de 1964. Entre muitos outros, cantou Boris Vian, Rimbaud, Prévert e Appolinaire.
Algumas das canções a não esquecer:






E esta, acima de todas as outras:


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Iniciativa Liberal



 

Este cartaz deve ser obra da secção infantil da IL ou de adultos irresponsáveis e parvos. Mascarar António Costa de agente da PIDE não pode ter outra explicação. Tratem-se!
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Assim na terra como no céu



 

“Queremos lutar contra a desigualdade ou contra a pobreza? Esse imposto [sobre as grandes fortunas] consegue reduzir a desigualdade, mas pela via não inteligente: expulsando ou empobrecendo os ricos", Flávio Rocha, empresário brasileiro

Eu é mais Boulos

Cada vez que se fala em taxar as grandes fortunas, logo as almas mais liberais se alevantam para agitar o fantasma de que o capital é fluido, o mundo é grande e está cheio de paraísos fiscais com fama de abrir os braços a toda a riqueza da sua mãe que os visita. E até lembram o que aconteceu em França quando o Presidente François Hollande se decidiu por obrigar os ricos a pagar um imposto por serem ricos. Esta semana, o empresário brasileiro Flávio Rocha, apoiante do Presidente Jair Bolsonaro, lembrou “o exemplo desastroso” de Hollande para demonstrar uma coisa que “é cruel, mas é a dura realidade”, que taxar os ricos tem “um potencial de arrecadação pífio”, porque os ricos, de tão patriotas que são, agarram no seu dinheirinho e vão comprar uma pátria diferente (lembremos os vistos gold que o então ministro Paulo Portas tanto vendeu como uma galinha dos ovos da arrecadação de divisas). Guilherme Boulos, ex-candidato presidencial e ex-candidato a governador de São Paulo, escreve na Folha de S.Paulo, que esse “dogma” de que um imposto sobre as grandes fortunas “geraria fuga de capitais, apoiado no caso francês, é questionável”, não só porque a taxação não se centra em investimentos, mas no património individual, também porque a “pequena base de incidência permite maior controle da evasão para paraísos fiscais”. O empresário recorre ao argumento gasto de que não se combate a desigualdade empobrecendo os ricos, mas enriquecendo os pobres, esquecendo a grande regra dos recursos finitos: para que um seja mais rico o outro tem de ser mais pobre. Além de que nenhum rico quer que o pobre enriqueça, se não onde iria arranjar alguém para lhe cortar a relva? Ou para limpar o vidro da nave espacial?

Três estarolas do espaço

Foi assim no desenvolvimento da aviação, foi assim no desenvolvimento do automóvel. Primeiro vieram os milionários aventureiros e os seus caros brinquedos, a seguir veio a indústria atrás, a generalização e a massificação. No entanto, há uma grande diferença para os esforços aventureiros de Santos Dumont, dos irmãos Wright, de Ferdinand Verbiest ou Karl Benz. O que Richard Branson, Elon Musk e Jeff Bezos estão a desenvolver não são máquinas para explorar o espaço, o que estão a criar é um negócio altamente lucrativo de brincadeiras pseudo-espaciais para gente com demasiado dinheiro acumulado e que prefere estoirar 28 milhões de dólares para sair uns minutos da atmosfera terrestre a investi-lo em algo importante para o desenvolvimento do planeta. Aquilo que estes milionários estão a fazer é subir muito alto para melhor exibir a sua indiferença pelo mundo preso cá em baixo por uma pandemia que cavou mais fundo o fosso das desigualdades, matou 4,1 milhões de pessoas e acrescentou mais 810 milhões de pobres ao rol dos que já havia. As experiências dos três estarolas espaciais deviam ser transmitidas pelas televisões com bolinha vermelha no canto superior do ecrã tal o grau de obscenidade que envolvem. Pornografia é uma palavra que vem do grego “pornos” (prostituta) e “graphô” (escrever ou gravar) e ao ver subir o gigantesco falo de Bezos para se exibir no espaço só podíamos pensar que o multimilionário, que anunciou o fim dos testes gratuitos da covid aos seus funcionários a partir de 30 de Julho (deve ser para poupar para os combustíveis queimados pelo seu foguetão), nos estava a enviar a mensagem nada subliminar: agora que acabei com as livrarias em terra vou fornicar o espaço.

Manipulação de preços

Ninguém chega a multimilionário sem pisar sobre os outros. O negócio de acumulação financeira capitalista não é um espectáculo para os mais sensíveis. A frase “não é pessoal, são só negócios” foi cunhada por quem nesse momento espetava uma faca nas costas de outro. Jeff Bezos e a sua Amazon transformaram-se num enorme eucalipto à escala planetária que suga a água de todas as outras árvores e se impõe, pelo seu rápido crescimento, a qualquer outra espécie. Como presença dominante no mercado de distribuição pode dar-se ao luxo de fazer o que quer, nomeadamente aumentar os preços de forma exorbitante. Esta quarta-feira, o sindicato Unite apresentou queixa contra a Amazon na Autoridade de Mercados e Concorrência britânica por manipulação de preços durante a pandemia. O sindicato encontrou 50 produtos comercializados “a pelo menos o dobro do seu preço habitual” em 2020. Entre os artigos vendidos a preços excessivos estão sabão, spray antibacteriano, sabonete líquido, lixívia, termómetros, máscaras faciais, toalhetes, papel higiénico, luvas descartáveis, produtos sanitários, pasta de dentes e até vitaminas, chá e comida enlatada. O sindicato tem a decorrer uma campanha denominada Action on Amazon que vai realizar protestos contra a empresa de Bezos um pouco por todo o Reino Unido, pelos preços, mas também pelas “más condições de trabalho e tácticas anti-sindicais”. Os muitos milhões para alimentar a corrida ao espaço têm de vir de algum lado.

A prova de que a acumulação de riqueza se tornou obscena está nos números apresentados pela empresa de consultoria Capgemini: em conjunto, os milionários do mundo têm uma fortuna de 67 mil biliões de euros (o trillions dos Estados Unidos) e os super-ricos, aqueles que possuem um património superior a 30 milhões de dólares aumentaram a sua fortuna em 9% durante a pandemia. Como dizem os populares, o dinheiro gera dinheiro e isso nunca foi tão verdade como hoje em que uma pessoa pode amassar uma riqueza de milhões investindo em moedas virtuais. Toda a gente se lembra da mensagem de George W. Bush há quase 20 anos, quando alentava os americanos a comprar para recuperar o espírito do país depois dos atentados do 11 de Setembro, como se o dinheiro a circular fosse a única forma de demonstrar a grandiosidade da América. Na série The Newsroom, a maneira que a produtora MacHenzie McHale tem de espicaçar o apresentador de telejornal Will McAvoy do marasmo jornalístico de trabalhar para as audiências é levando uma estudante universitária num debate a pedir-lhe para dizer o que torna a América no melhor país do mundo. McAvoy explode num debitar de estatísticas que demonstram exactamente o contrário, que os Estados Unidos, de tanto fomentar o dinheiro como único valor, há muito deixaram de ser um país de referência. Sam Mattis, atleta olímpico norte-americano, formou-se na Wharton School da Universidade da Pensilvânia (onde também se formaram Elon Musk e Warren Buffett, um dos mais ricos do mundo), teve uma oferta de emprego para o JPMorgan Chase assim que saiu da universidade, mas trocou tudo pelo sonho dos Jogos Olímpicos. Um sonho que se paga caro na pátria do dinheiro: nos últimos cinco anos tem vivido à míngua, entre o desemprego e trabalhos mal pagos. Quanto vale lançar um disco em Tóquio?»

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22.7.21

Covid: Novo Mapa de Risco

 


Ver AQUI.
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Gostava de escrever isto com 100 anos?



Eu também.
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Estado da Nação? Cansada

 


«O debate do Estado da Nação é, em todo os países onde existe com diversos nomes, um daqueles momentos em que os políticos se esmeram. Estruturam intervenções, tentam mostrar-se portadores de projetos, preparam a demolição bem preparada do seu opositor. E é um debate de primeiras figuras. Aquilo que ouvi ontem, felizmente em diferido, não foi um debate do Estado da Nação. Foi um mau debate quotidiano. Com duas exceções.

A primeira: Cecília Meireles, que apesar de um pouco agarrada a casos, foi eficaz no ataque ao tema do momento (há meses, Eduardo Cabrita) e conseguiu traçar uma linha ideológica e programática com António Costa compreensível a propósito do PRR. É perturbante pensar que esta é a deputada que Francisco Rodrigues dos Santos quer substituir por ele próprio, com os seus conhecidos dotes políticos.

A segunda: Catarina Martins, que conseguiu falar de temas relevantes para a vida das pessoas, do SNS à precariedade laboral, com exemplos, números e divergências antigas com o PS, tentando expressamente desviar a fratura do debate para a esquerda. Jerónimo tocou nos mesmos temas, mas com pouca eficácia tribunícia, que num parlamento conta. Só a pobreza das intervenções do PSD, permitiu à líder bloquista dizer “acho que não devemos perder muito tempo a debater com a direita” sem parecer despropositadamente arrogante. Qualquer pessoa que tenha ouvido os deputados do PSD sentiu o mesmo.

Fora isto, no conteúdo e na forma, o debate foi entediante. Sem brilho no estilo, sem propósito no conteúdo. Tirando a saúde e o trabalho, trazidos pela esquerda, e pouco, muito pouco, de economia, trazida pela direita, o país que vive uma das maiores encruzilhadas desde o 25 de abril ficou por debater. Sobre a escola, para a qual esta pandemia significou uns anos de retrocesso, quase não se falou. A intervenção inicial de António Costa, que teve um dia sem percalços, foi programática e de balanço, sim, mas assemelhou-se a um relatório de prestação de contas. A final, de Santos Silva, não deixou memória. Talvez a ausência de Rui Rio tenha ajudado a explicar o desinvestimento. Mas também mostrou que o problema não é ele.

O PSD disse que António Costa está cansado. Na realidade, o parlamento parece cansado. E pelo menos nisso representa bem a Nação. Entre uma pandemia que está a acabar sem nunca acabar, adiando dos projetos quotidianos mais simples aos investimentos mais importantes, e um futuro que se sabe que será difícil e para o qual temos dinheiro, mas ainda mais incertezas, estamos todos derreados. E os políticos acompanham este estado de espírito.

É esse cansaço que ajuda a explicar a queda de popularidade do Governo. O estado pandémico da política está a chegar ao fim e o fenómeno a que os politólogos chamam de “rally round the flag”, que dá força a quem governa quanto se enfrenta uma ameaça externa, também. A realidade vem aí. Todos os governos que, em democracias ou ditaduras, sobreviveram à pandemia vão sofrer. E, naqueles em que não haja uma alternativa minimamente credível, é o próprio regime que sofrerá.

Foram muitas coisas juntas: crise económica, empobrecimento, crises familiares, ansiedade, medo, problemas mentais, limitação da liberdade, atraso na aprendizagem, mortes... Durante quase dois anos a pensar que seriam uns meses. Vai deixar marcas sérias. Que só quando nos sentirmos a salvo vão doer com violência. Estamos a sentir apenas o cansaço. Já não o do início, quando nos uníamos em torno da resistência e repetíamos “vai ficar tudo bem”. Mas o da impaciência e intolerância com tudo. Ajuda a explicar porque tantos acontecimentos coletivos degeneram, em tantos lugares, em violência. Cansaço.

Mas não é só isto. A ausência de alternativa dá a António Costa a arrogância de quem não se sente em perigo. Só ela, associada ao cansaço que o parece impedir de regenerar o Governo que dirige, permite explicar a permanência de Eduardo Cabrita. O problema já não é Cabrita. Desde o caso do SEF que o problema deixou de ser Cabrita. Desse, até já tenho pena. É certo que aconteça o que acontecer tudo lhe irá bater à porta. O problema é um primeiro-ministro que, por teimosia, soberba ou indiferença, não faz o que tem de fazer.

Já não tem nada a ver com amizade. Se tivesse, Costa retirava este fardo terrível dos ombros do ministro. Também não acho que seja uma tática para se entreterem com Cabrita enquanto o deixam em paz. Como se viu ontem, é o seu calcanhar de Aquiles e atinge-o. É o cansaço. O seu, que não tem forças para reagir. O da oposição, que lhe dá espaço de manobra para procrastinar. E o nosso, que estamos concentrados na espera do fim da pandemia.»

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21.7.21

Antes do SMS e do WhatsApp

 

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21 de Julho – Dia da Bélgica, uma das minhas «pátrias»



 

Avec des cathédrales pour uniques montagnes / Et de noirs clochers comme mâts de cocagne / Où des diables en pierre décrochent les nuages / Avec le fil des jours pour unique voyage / Et des chemins de pluie pour unique bonsoir / Avec le vent de l'est écoutez-le vouloir / Le plat pays qui est le mien.


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Melhor ou pior?



 

Lisboa, 1967
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O dilúvio na Alemanha não foi uma "catástrofe natural"



 

«As catástrofes naturais são acontecimentos súbitos de origem natural e, por isso, imprevisíveis e inevitáveis. O dilúvio que nos últimos dias matou 165 pessoas e fez mais de 2000 desaparecidos em vários países europeus, tal como a vaga de calor mortífera no Canadá, não cumprem essas características.

Há três décadas que os fenómenos climáticos extremos vêm a ser previstos, desde logo pelo Painel Intergovernamental sobre as alterações climáticas. A verdade que os negacionistas tentaram calar está à vista de todos: o aquecimento global provocado pelos modos de produção e consumo das maiores economias mundiais está a causar danos irreparáveis ao planeta. E tudo só pode piorar.

Desde logo porque as consequências desta transformação estrutural tendem a ser ignoradas e, por isso, pouco prevenidas e mitigadas. No caso deste dilúvio, o aviso lançado pelos meteorologistas não levou a que fossem tomadas as medidas necessárias para conter o desastre. As restrições orçamentais e os interesses económicos ligados ao imobiliário falaram mais alto do que a necessidade de investir preventivamente na proteção civil e no território, combatendo, por exemplo, a impermeabilização dos solos.

Não esqueçamos, no entanto, que a importância de mitigar os efeitos da catástrofe não substitui ou reduz a necessidade de uma viragem definitiva na política energética, com o abandono urgente do consumo de combustíveis fósseis e a alteração das formas de produção e consumo. Mas não é isso que está a acontecer.

Para lá das parangonas e promessas de mudança, na UE assume-se já a "ultrapassagem temporária" do limite de 1,5oC de aquecimento global, supostamente compensado mais tarde por um idílico arrefecimento. Perante os atuais efeitos catastróficos de um aquecimento de 1,1oC, torna-se evidente onde esse percurso nos levaria.

Dizer que o mercado, que nos trouxe aqui, nos vai salvar do cataclismo, por força de uma nova onda de "investimentos verdes", é fugir à verdade do problema e, logo, às suas soluções. Só planos públicos de reconversão dos transportes, da habitação, da produção e distribuição de energia e outros bens poluentes podem alterar a economia e combater os gigantescos lóbis que mantém tudo na mesma, ainda que pintado em tons de verde.

A mobilização por justiça climática é hoje a luta pelos direitos humanos. A acumulação desenfreada por parte dos grandes beneficiários do atual modelo económico gera fenómenos extremos a que correspondem crises humanitárias, com o seu cortejo de fome, deslocações em massa e conflitos por recursos. Crises a que a Europa tem assistido de longe, preocupada sobretudo em manter as vítimas fora das suas fronteiras. Em 2020, um terço do território do Bangladesh ficou submerso no período das monções. Desta vez, o desastre chegou ao centro do poder europeu. O que mais será necessário para que se entenda que estas catástrofes são previsíveis, que têm causas e responsáveis?»

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20.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 10

 


Iniciar uns dias de viagem pelo Laos com um pôr do Sol em Luang Prabang é memória gravada para ficar. Sobretudo quando se reencontra o mítico Rio Mekong que já vem de longe quando lá chega. Nasce no Tibete, atravessa uma província da China, Birmânia e Tailândia e, depois do Laos, segue para o Camboja e para o Vietname. Andei nele várias vezes em alguns destes países, em barcos e barcaças, com algumas aventuras pelo meio. Mil saudades, navegar é preciso. E se pudesse ser no Mekong…
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Paulo Rangel

 


Ter sido posto a circular agora na net um vídeo em que Paulo Rangel cambaleia, há anos, porque terá apanhado um pifo num bar de Bruxelas onde esteve com amigos, é infame e mostra como o nível da luta política está abaixo de cão (sem ofensa para este). Felizmente, vejo indignação semelhante à minha em muitas pessoas sérias, da esquerda à direita.

Aos que partilham o vídeo e condenam a pessoa, quais virgens ofendidas que só bebem sumos de fruta em esplanadas em horas autorizadas, peço que, quando se enfrascam em casa, não venham depois para as redes sociais despejar baboseiras etilizadas.
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Yoani Sánchez

 


Goste-se ou não de Yoani Sánchez, vale a pena ler este artigo publicado ontem no NYT.

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Políticos grátis

 


«Recentemente, referi aqui a minha consternação por ter constatado que, no decorrer da última campanha para as eleições regionais francesas, a generalidade dos candidatos, em vez de proporem aos eleitores uma escolha entre programas, os aliciavam com as vantagens práticas, verdadeiras promoções de supermercado, de que beneficiariam se lhes dessem os seus votos. Tu me dás uma coisa a mim, eu te dou uma coisa a ti, segundo um refrão napolitano. Pareceu-me uma forma de corrupção em larga escala. É uma nefasta de deseducação cívica, incitando os eleitores a renunciarem às suas convicções em troco de uma possível benesse imediata. Neste contexto, a escolha dos candidatos afigurava-se como um quebra-cabeças para o eleitor. Em todas as listas apareciam ofertas atraentes, mas, como só um voto era possível, tinha de medir acuradamente a que lhe seria mais favorável para a satisfação das suas necessidades.

Agora, considerando os conteúdos da actual guerra de cartazes para as nossas eleições autárquicas, é me penoso verificar que este modo de acção política é contagioso. E não saberei que vacina propor aos eleitores portugueses, tantas são as coisas grátis que lhes são propostas. Não apenas mais isto e mais aquilo, mas tudo declaradamente grátis, sem mais encargos, salvo o de se deixar atrair pela lista mais generosa.

Embora tenha defendido nestas colunas que em Portugal os cargos políticos e os de direcção de serviços públicos, como os municípios ou os museus, por exemplo, deveriam ser remunerados ao mesmo nível dos dirigentes de bancos e empresas privadas, hoje, condicionado e impressionado pela lógica da linguagem dos cartazes, parece-me coerente aconselhar aos candidatos à gestão municipal que se apresentem como candidatos grátis, ou seja sem custos para o erário público. Como ninguém é obrigado a ser candidato, seria um gesto altruísta, que, estou certo, seria devidamente apreciado e granjearia votos. O que assim se economizaria, seria utilizado para custear as promessas feitas durante as campanhas.»

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19.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 9

 


Ainda bem que já fui a Machu Picchu há bastante tempo, porque não seria hoje capaz de subir aqueles terríveis degraus, depois de os descer para ver o engenho e arte com que os Incas construíram aquilo tudo! Há duas áreas distintas, uma dedicada à agricultura, numa série impressionante de socalcos, e uma outra urbana com templos, casas e sepulturas, dispostos ao longo de ruas e de escadarias.

Esta «cidade perdida dos Incas», que é o símbolo mais típico do seu império, construída no século XV a 2.400 metros de altitude (quando a França e a Inglaterra ainda se batiam na Guerra dos Cem Anos e Vasco da Gama lutava com o cabo das Tormentas…), extraordinariamente bem conservada e com uma localização absolutamente excepcional, manteve-se desconhecida até 1911, quando um explorador americano lá foi conduzido por duas famílias.

Património da Humanidade desde 1983, é destino inesquecível para quem já lá foi e fortíssima recomendação de viagem para quem puder fazê-la, o que nem sempre é fácil pela fortes medidas entretanto decididas em termos de limitação do número de turistas.
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Sondagem Legislativas



 

Toda a informação AQUI.
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Os direitos são iguais em Budapeste ou no Mediterrâneo

 


«A União Europeia (UE) tem problemas com dois tipos de tiranetes e com dois tipos de direitos humanos. Aqueles que estão no meio de nós, que desconstroem os valores de uma democracia e do Estado de direito (nos quais a UE tem especial apreço em dizer que são inalienáveis) e aqueles que a circundam e usam os movimentos migratórios para a chantagear (sem respeito pelo que é um ser humano).

A UE lida com a Hungria e a Polónia com a delicadeza diplomática que decorre do facto de serem Estados-membros, censura aqui, admoesta ali, e avança com a “abertura de um procedimento de infracção”, devido à inaceitável homofobia dos dois governos.

O alargamento a leste teve este efeito de dividir um bloco que se queria unido. Pode ter sido uma opção economicamente proveitosa para os países do Norte da Europa, e pode ter sido uma opção obrigatória pós-URSS, mas as sinuosas democracias da Hungria e da Polónia desfazem a coerência interna e prejudicam a importância externa da UE.

Neste capítulo, a presidência eslovena do Conselho da União Europeia tem tudo para ser nociva. A diversidade da UE já foi benigna; hoje é uma prova de malignidade. O denominador comum entre países culturalmente diferentes entre si, que querem e devem preservar as suas diferenças, é aquilo a que o primeiro-ministro da Eslovénia chama os “valores europeus imaginários”.

Por outro lado, a UE não sabe como lidar com a chantagem nas suas fronteiras, seja com a Turquia, Bielorrússia ou Marrocos, que o fazem por pressão política e desejo de represália. Porque o processo de adesão de um país foi suspenso, porque foram aplicadas sanções a outro — por ter desviado um avião europeu no espaço aéreo europeu —, ou, então, porque um Estado-membro tratou à socapa o líder de um movimento de libertação de um território ocupado. A táctica de “despejar seres humanos” nas fronteiras alimenta-se e alimenta o receio primário ante o migrante nas sociedades europeias.

Todavia, a UE pode descartar as suas responsabilidades nos campos de detenção na Turquia ou, mais escandalosamente, na Líbia? O que a Amnistia Internacional relata sobre este último caso é absolutamente escabroso e é ainda mais escabroso que os seus relatos de violações, tortura e mortes arbitrárias sejam ignorados. Pior, é inadmissível que a agência europeia para a gestão das fronteiras externas seja suspeita de cumplicidade na devolução forçada de migrantes à Líbia.

Nem o esforço de sobreviver merece respeito. A UE deveria ter um problema de consciência. Em Budapeste ou no Mediterrâneo, os direitos humanos são os mesmos.»

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Negacionistas?




Na manifestação de ontem, revelaram uma magnífica ignorância. Nem escrever sabem!
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18.7.21

Cuba - Un alarido

 


«Parece muy posible que todo lo ocurrido en Cuba a partir del pasado domingo 11 de julio lo hayan alentado un número mayor o menor de personas opuestas al sistema, pagadas incluso algunas de ellas, con intenciones de desestabilizar el país y provocar una situación de caos e inseguridad. También es cierto que luego, como suele suceder en estos eventos, ocurrieron oportunistas y lamentables actos de vandalismo. Pero pienso que ni una ni otra evidencia le quitan un ápice de razón al alarido que hemos escuchado. Un grito que es también el resultado de la desesperación de una sociedad que atraviesa no solo una larga crisis económica y una puntual crisis sanitaria, sino también una crisis de confianza y una pérdida de expectativas.

A ese reclamo desesperado, las autoridades cubanas no deberían responder con las habituales consignas, repetidas durante años, y con las respuestas que esas autoridades quieren escuchar. Ni siquiera con explicaciones, por convincentes y necesarias que sean. Lo que se impone son las soluciones que muchos ciudadanos esperan o reclaman, unos manifestándose en la calle, otros opinando en las redes sociales y expresando su desencanto o inconformidad, muchos contando los pocos y devaluados pesos que tienen en sus empobrecidos bolsillos y muchos, muchos más, haciendo en resignado silencio colas de varias horas bajo el sol o la lluvia, con pandemia incluida, colas en los mercados para comprar alimentos, colas en las farmacias para comprar medicinas, colas para alcanzar el pan nuestro de cada día y para todo lo imaginable y necesario.

Creo que nadie con un mínimo de sentimiento de pertenencia, con un sentido de la soberanía, con una responsabilidad cívica puede querer (ni siquiera creer) que la solución de esos problemas venga de cualquier tipo de intervención extranjera, mucho menos de carácter militar, como han llegado a pedir algunos, y que, también es cierto, representa una amenaza que no deja de ser un escenario posible.

Creo además que cualquier cubano dentro o fuera de la isla sabe que el bloqueo o embargo comercial y financiero estadounidense, como quieran llamarlo, es real y se ha internacionalizado y recrudecido en los últimos años y que es un fardo demasiado pesado para la economía cubana (como lo sería para cualquier otra economía). Los que viven fuera de la isla y hoy mismo quieren ayudar a sus familiares en medio de una situación crítica, han podido comprobar que existe y cuánto existe al verse prácticamente imposibilitados de enviar una remesa a sus allegados, por solo citar una situación que afecta a muchos. Se trata de una vieja política que, por cierto (a veces algunos lo olvidan) prácticamente todo el mundo ha condenado por muchos años en sucesivas asambleas de Naciones Unidas.

Y creo que tampoco nadie puede negar que también se ha desatado una campaña mediática en la que, hasta de las formas más burdas, se han lanzado informaciones falsas que al principio y al final solo sirven para restar credibilidad a sus gestores.

Pero creo, junto con todo lo anterior, que los cubanos necesitan recuperar la esperanza y tener una imagen posible de su futuro. Si se pierde la esperanza se pierde el sentido de cualquier proyecto social humanista. Y la esperanza no se recupera con la fuerza. Se le rescata y alimenta con esas soluciones y los cambios y los diálogos sociales, que, por no llegar, han causado, entre otros muchos efectos devastadores, las ansias migratorias de tantos cubanos y ahora provocaron el grito de desesperación de gentes entre las que seguramente hubo personas pagadas y delincuentes oportunistas, aunque me niego a creer que en mi país, a estas alturas, pueda haber tanta gente, tantas personas nacidas y educadas entre nosotros que se vendan o delincan. Porque si así fuera, sería el resultado de la sociedad que los ha fomentado.

La manera espontánea, sin la atadura a ningún liderazgo, sin recibir nada a cambio ni robar nada en el camino, con que también una cantidad notable de personas se ha manifestado en las calles y en las redes, debe ser una advertencia y pienso que es una muestra alarmante de las distancias que se han abierto entre las esferas políticas dirigentes y la calle (y así lo han reconocido incluso dirigentes cubanos). Y es que solo así se explica que haya ocurrido lo que ha ocurrido, más en un país donde casi todo se sabe cuando quiere saberse, como todos también sabemos.

Para convencer y calmar a esos desesperados el método no puede ser las soluciones de fuerza y oscuridad, como imponer el apagón digital que ha cortado por días las comunicaciones de muchos, pero que sin embargo no ha impedido las conexiones de los que quieren decir algo, a favor o en contra. Mucho menos puede emplearse como argumento de convencimiento la respuesta violenta, en especial contra los no violentos. Y ya se sabe que la violencia puede ser no solo física.

Muchas cosas parecen estar hoy en juego. Quizás incluso si tras la tempestad regresa la calma. Tal vez los extremistas y fundamentalistas no logren imponer sus soluciones extremistas y fundamentalistas, y no se enraíce un peligroso estado de odio que ha ido creciendo en los últimos años.

Pero, en cualquier caso, resulta necesario que lleguen las soluciones, unas respuestas que no solo deberían ser de índole material sino también de carácter político, y así una Cuba inclusiva y mejor pueda atender las razones de este grito de desesperación y extravío de las esperanza que, en silencio pero con fuerza, desde antes del 11 de julio, venían dando muchos de nuestros compatriotas, esos lamentos que no fueron oídos y de cuyas lluvias surgieron estos lodos.

Como cubano que vive en Cuba y trabaja y crea en Cuba, asumo que es mi derecho pensar y opinar sobre el país en que vivo, trabajo y donde creo. Ya sé que en tiempos como este y por intentar decir una opinión, suele suceder que «Siempre se es reaccionario para alguien y rojo para alguien», como alguna vez dijera Claudio Sánchez Albornoz. También asumo ese riesgo, como hombre que pretende ser libre, que espera ser cada vez más libre.»

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Mandela



 

Seriam já 103, hoje.
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Cartão vermelho na política

 


«Há uma reflexão a fazer: no último ano, marcado por uma gestão da pandemia exigente e de contornos desconhecidos, alguns dos momentos em que o Governo enfrentou maiores dificuldades estão relacionados com a relação com o mundo do futebol. Dificuldades para a política que não se limitaram ao Executivo.

Foi assim no ano passado, aquando da realização da fase final da Champions em Lisboa, apresentada como prémio para os profissionais de saú¬de, com a devida guarda de honra das principais figuras da República. Depois disso, com o laxismo nas celebrações do título do Sporting e, de novo, com a autorização à última hora da final da Champions, desta feita com público, no Porto. Pelo caminho, foi com justificada estupefação que se assistiu ao apoio de vários responsáveis políticos a Luís Filipe Vieira nas eleições do Benfica — do primeiro-ministro aos presidentes de câmara de Lisboa e do Seixal, passando por diversos deputados — ou à eleição dos autarcas do Porto e Gaia, em gritante conflito de interesses, para os órgãos sociais do FC Porto. A pairar sobre tudo persiste uma reverência para lá do razoável do poder político face a tudo o que envolve a Seleção.

Não me chocaria que o poder político se imiscuísse no futebol, designadamente para ajudar a mudar estruturalmente as suas práticas de governação e contrariar a opacidade dos negócios. Seria, aliás, uma forma de proteger a dimensão associativa e de grande mobilização social que também caracteriza o dirigismo desportivo. Em lugar de alguma proatividade para a mudança, os políticos escolheram fazer vénias contínuas aos dirigentes do futebol. Com custos para a política.

Agora que a procissão judicial ainda vai no adro, é oportuno refletir sobre o caráter instrumental do mundo do futebol para a articulação de várias esferas de poder. Trata-se, afinal, de um universo no qual circulam com agilidade montantes financeiros muito significativos, em negócios em que é fácil, sem justificação razoável, ir acrescentando comissões e intermediários, sempre nas margens da legalidade, com apoios fundamentais de paraísos fiscais. Tudo devidamente oleado por uma cultura de escrutínio débil e por clubes com práticas institucionais frágeis. Não surpreende, por isso, que para o futebol tenha convergido essa categoria muito portuguesa que são os empresários sem empresas e sem capital e que no desporto-rei se entrecruzem relações sociais de favorecimento a partir da banca, com ramificações no imobiliário.

De há muito que é assim, mas após o colapso do universo BES este mundo ficou mais exposto e a única forma de ser resgatado era a fuga para a frente. Foi o que aconteceu, como demonstram os negócios inomináveis revelados pela Operação Cartão Vermelho. Que os políticos não se tenham apercebido disto em tempo útil é um erro de perceção preocupante.»

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