Dois textos publicados ontem, um de Manuela Cruzeiro nos
Caminhos da Memória, e um outro de João Tunes no
Água Lisa, estão na origem deste terceiro que começou por ser pensado como comentário aos dois primeiros e acabou por ganhar existência própria.
Manuela Cruzeiro faz uma reflexão sobre dois «inimigos íntimos» - Cunhal e Soares – e sobre tudo o que eles representaram, e ainda significam, na história da democracia portuguesa. João Tunes comenta e complementa a abordagem, trazendo-a até às repercussões que ainda hoje se fazem sentir na «quietude do voto».
Passados os primeiros dias eufóricos de Abril, tornou-se evidente que aqueles dois seres, desigualmente carismáticos, tinham sido forçados a entender-se no antifascismo e viriam a desencontrar-se, rápida e inevitavelmente, em que tudo o ia seguir-se. É também indiscutível, como João Tunes aponta, que a maioria dos resistentes dos tempos de ditadura, e os recém-chegados à esquerda em democracia, acabaram por se reunir em torno de Soares ou de Cunhal – uns logo em 74/75, outros mais tarde, depois de umas tantas derivas frustrantes ou experiências mais ou menos esgotadas.
Mas importa não esquecer que houve uma parte da oposição anterior ao 25 de Abril, que atravessou todo o PREC, que se sentiu certamente «vencida» no 25 de Novembro e que passou os restantes anos da democracia sem alguma vez ter seguido Soares ou Cunhal. Foi sempre mais ou menos residual? Em certa medida. Numa faixa que tem vindo a estreitar-se? Sim e não. Sim, na medida em que um número significativamente elevado de pessoas acabou mesmo por se aliar recentemente ao PS, militantemente ou apensa em termos eleitorais. Não, porque nela se foram acolhendo «desiludidos» do próprio PS, várias levas de dissidentes do PC e muitos e muitos jovens, entretanto chegados à idade adulta, que passaram totalmente ao lado da dicotomia PS/PC. Trata-se de uma mancha de contornos necessariamente indefinidos, que foi fazendo experiências e identificando afinidades e que, de alguns anos a esta parte, começou a olhar para o Bloco, e a nele encontrar, apesar de todos os seus defeitos e limitações, muitas vezes por mera exclusão de partes, a única opção eleitoral possível - não por causa da «crise», mas porque ela aparece como a mais próxima de fidelidades a alguns ideais e a muitos princípios inalienáveis, uma réstia de esperança para quem não se compadece com a tristeza da «real politik» e do voto útil, nem acredita que a história de Portugal acabe no Outono de 2009. O futuro confirmará ou não a bondade da escolha, ou se encarregará de mostrar novos horizontes. Continuemos, entretanto.