14.12.13

Decência


@René Magritte

«Hoje, quando, em cima de tudo o resto. vejo tranquilamente discutirem a descida de salários no sector privado, e o Governo ensaiar a pose heróica de "resistir" a mais uma imposição da troika, acho que perderam mesmo a vergonha. Já não é de economia que se trata, mas de decência. Quando vejo o grupo Pingo Doce a anunciar que vai oferecer cabazes de produtos alimentares aos seus funcionários que descobriu estarem a passar fome – ou seja, que lhes vai dar uma esmola em vez de subir os salários que recebem – e ainda oiço o seu patrão pregar lições de austeridade, de bom governo e de patriotismo aos que vivem do trabalho e aqui pagam todos os seus impostos, eu, sem me imiscuir nas crenças ou descrenças de quem quer que seja, acho que o Papa Francisco devia convocar para a Santa Fé uma cimeira dos grandes patrões e banqueiros do sistema capitalista mundial, da Holanda à China, e dar-lhes uma lição de moral, já nem digo sobre os valores cristãos que tantos apregoam, mas sobre simples valores de vida civilizados. Que eles há muito dispensaram de praticar.»

Miguel Sousa Tavares, no Expresso de hoje.
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14/12/1962 – Dia negro para o Portugal colonial



No fim do ano de 1962, a Assembleia Geral da ONU insiste nas condenações da política colonial portuguesa em várias resoluções, com especial destaque, pela sua dureza, para a 1807, aprovada precisamente em 14 de Dezembro por 82 votos contra 7 (Bélgica, França, Portugal, Reino Unido, África do Sul, Espanha e EUA) e 13 abstenções (onde se incluíam os restantes membros do «grupo NATO»).

Qual o seu âmbito?

– A Portugal, cuja atitude condenava, porque contrária à Carta, pedia a adopção das seguintes medidas:
a) Reconhecimento imediato do direito dos povos dos seus territórios não autónomos à autodeterminação e independência;
b) Cessação imediata de todos actos de repressão e retirada das forças, militares e outras, utilizadas com tal fim;
c) Amnistia política incondicional e liberdade de funcionamento dos partidos políticos;
d) Início de negociações, na base da autodeterminação, com os representantes autorizados, existentes dentro e fora do território, com o fim de transferir os poderes para instituições políticas livremente eleitas e representativas da população;
e) Rápida concessão de independência a todos os territórios, de acordo com as aspirações da população;

– A Estados membros dirigia um duplo convite, no sentido de pressionarem o governo português e de não lhe concederem qualquer assistência que favorecesse a repressão;

– À Comissão de Descolonização pedia a máxima prioridade ao problema dos territórios portugueses;

– Ao Conselho de Segurança, que, caso não fossem acatadas esta e as anteriores resoluções da Assembleia, tomasse medidas para Portugal se conformar às suas obrigações de Estado membro. 


Portugal manteve-se inabalável e a guerra continuou. Hoje, sabemos o resto da história. 
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Pobre camelo



Nem quer acreditar, mas é um facto: neve no Egipto!

(Daqui)

Uma bela forma de protesto



Em Espanha, os «Médicos del Mundo» lançaram uma campanha de sensibilização contra as reformas no domínio da saúde, que tiveram já como efeito que mais de 800.000 fossem excluídas do sistema. Doentes crónicos, desempregados, imigrantes e reformados foram os mais atingidos.

Uma das iniciativas da campanha, que tem como objectivo a recolha de assinaturas para uma Petição dirigida ao governo, foi pôr nas ruas de Madrid actores e acrizes, vestidos com batas hospitalares e com suportes de soro, a pedir esmola para pagarem assistência hospitalar e medicamentos.O impacto terá sido grande.

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13.12.13

Etiqueta


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Os mais europeus, pelo menos nos galheteiros



No jornal i de hoje, Saragoça da Matta sublinha que «toda a normalização e higiene que emanam de Bruxelas pouco ou nada interferem no quotidiano e nas tradições do coração da velha Europa». E dá muitos exemplos daquilo que se pode encontrar em mercados e restaurantes, de Espanha à Dinamarca passando pelo Benelux e pela Alemanha, realidades que infringem as sacrossantas leis higienistas da União Europeia: velhos galheteiros, enchidos ao ar livre, queijos descobertos, peixe fresco e pão embrulhados em papel, etc., etc. Pensei exactamente o mesmo há poucos meses quando passeava em Barcelona, pelo Mercat de La Boqueria e não só.

Só neste rectângulo mais a Oeste é que «a higiene impera, bem como as coimas providencialmente impostas pelo direito de mera ordenação social rigorosamente tutelado por polícias municipais, nacionais e especiais.» E SM conclui: «Tanto que me convenço seriamente de que Espanha, França, Itália e Alemanha, bem como os países do Benelux, não integrem plenamente a União Europeia. Devem ser membros “em trânsito” para a europeização. (...) Se o critério for o dos pontos vistos, Portugal é, afinal, o mais europeu dos países da Europa.»

Mas porquê??? Se alguém conseguisse explicar... Somos obedientes e veneradores em nome de que princípios específicos? Ou será por ancestralidade? De Afonso Henriques? De Salazar? De uma democracia ainda débil e amedrontada? Da padeira de Aljubarrota não é certamente e o PREC não batia assim.
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Palavras para quê


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Marretas e FMI



«Ninguém sabe o que diz o cozinheiro sueco dos "Marretas". Também não sabemos o que cozinha. Apresenta receitas incompreensíveis para o comum mortal. Ninguém percebe o que ele diz, porque a sua linguagem, parecendo sueco, não o é. A palavra que mais usa é "Bork", o que não quer dizer nada em nenhuma língua. Sem a capacidade de humor deste trapalhão, o FMI é a versão triste do cozinheiro sueco. Ninguém percebe o que diz, porque fala a diferentes vozes e contradiz-se sucessivamente. A sua experiência em Portugal é prova disso: nem empresários nem sindicalistas conseguem entender o que realmente quer para além da sua tradução da palavra que mais usam: "Bork" (no caso, "cortes").»

Fernando Sobral, no Negócios.
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12.12.13

Acto falhado?



O Coelho que temos é ave mas não fresca? 
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Antevisão da entrevista que Passos Coelho dará hoje à TVI



Por Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje.

- De que país é que está a falar?
- Da Alemanha. De qual é que vocês estavam a falar?

- De Portugal.
- Ah. É uma realidade que conheço menos bem. Mas creio que também há razões para optimismo.

Na íntegra AQUI.
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Europa, Europa...



Mais ou menos a propósito deste post, registe-se que nenhum europeu foi orador na cerimónia que teve lugar na África do Sul depois da morte de Mandela, como Teresa de Sousa sublinhou no Público de ontem:

«Talvez também porque a Europa ainda arrasta consigo “o fardo do homem branco”, nenhum líder europeu teve direito a discursar. Hoje a Europa, com todo o seu poder económico, vê a sua influência posta em causa pela China e pelo Brasil. Virada para dentro, vergada por uma crise que ninguém, fora das suas fronteiras, consegue compreender, não consegue ver a oportunidade de comprometer-se com esse mundo novo que encontrou o seu herói num homem que nasceu em África e que aprendeu o valor da dignidade, da liberdade e da democracia numa cela onde passou 27 anos.» 
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O Pólo Norte da austeridade



«O Governo herdou uma bússola e ela só aponta para o Pólo Norte da austeridade. É fria como o gelo e nem sequer se cruza com o Pai Natal para um momento de calor emocional. As últimas declarações de Passos Coelho demonstram isso.
Tira-se ao primeiro-ministro o discurso sobre a austeridade e sobre o cumprimento do programa de assistência e ele derrete como um gelado sem sabor. Não fica nada, a não ser água fria que não aquece os portugueses. (...)

Esta austeridade é impossível de manter sem se mostrar um horizonte com mais sol. Christine Lagarde diz isso, mas o FMI não pratica. O BCE sabe isso, mas Durão Barroso é biodegradável. A Irlanda percebeu o bloqueio e tem amigos fortes (EUA e Grã-Bretanha). Saltou dele. Passos Coelho é diferente: acredita que o Pólo Norte é em Berlim.»

Fernando Sobral no Negócios.
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11.12.13

Pescadinha de rabo na boca

O Ocidente sem fé no futuro?



Não é preciso fazer grandes inquéritos, nem comparar percentagens dos resultados obtidos nas respostas, para se saber que, em grande parte do Ocidente (nomeadamente na Europa), se perdeu «a fé no futuro». O simples turista sente-o imediatamente assim que desembarca em muitos países da Ásia, da América Latina e mesmo em alguns africanos: vista de fora, a Europa continua bela e depositária de grandes valores, mas «virada para trás» e em risco de se tornar um belo conjunto museológico.

O Económico publica hoje um artigo de Gideon Rachman em que este afirma que, apesar de o Ocidente continuar a ser, para muitos milhões de pessoas do mundo inteiro, o lugar onde o cidadão comum leva uma vida de conforto mais do que invejável, as estatísticas mostram que norte-americanos, e sobretudo europeus, se mostram muito mais pessimistas do que outros quanto ao futuro dos seus filhos.

Tudo como consequência da globalização? Sim, de certo modo, mas a verdade é que esta veio para ficar e não vale a pena sonhar com proteccionismos ou com uma possível guerra na Ásia, que devolveriam a supremacia incontestada ao Ocidente. Mais: se «o surgimento de uma mão-de-obra global ajudou a manter os salários baixos no Ocidente», «seria moralmente duvidoso tentar estimular os padrões de vida ocidentais à custa de uma tendência económica que retirou centenas de milhões de pessoas da pobreza nos países em desenvolvimento».

E das duas uma: ou a classe política, dos dois lados do Atlântico, aprende decididamente a gerir correctamente esta conjuntura (segundo Gideon Rachman, promovendo um sistema fiscal mais redistributivo e subindo o salário mínimo), ou, «se tivermos mais uma década de malaise económica no Ocidente, ou se rebentar uma nova crise financeira, é muito provável que as soluções e os políticos sejam mais radicais» e que vejamos reforçada a ascensão da direita populista tanto na Europa como nos EUA.

Mas infelizmente, muito infelizmente, não parece haver grande luminosidade ao fundo do túnel.
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Fica o convite

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Dúvida: O que é a dívida pública?



A IAC publicou recentemente um documento com «10 Perguntas Frequentes sobre a Dívida» e respectivas respostas, simples e sucintas, que ajudam a eliminar muitos «fantasmas». Escolho mais uma:

O que é a dívida pública?

As despesas do Estado são financiadas por receitas públicas, a maior parte proveniente dos impostos e, quando as despesas ultrapassam as receitas, também por empréstimos. A dívida pública resulta destes empréstimos contraídos e amortizados pelo Estado ao longo do tempo.

Em muitos países, nomeadamente nos Estados Unidos e no Japão, o Banco Central é um dos financiadores do Estado, mas na zona euro isso não é permitido pelos tratados. Assim, os Estados obtêm os empréstimos através da venda de títulos de dívida, no chamado “mercado primário”, a instituições como bancos e fundos de investimento e a particulares. Os credores do Estado, quando adquirem um título, passam a receber um juro todos os anos, até a um momento definido pelo prazo do título (maturidade), em que o valor inicial é todo devolvido ao investidor (amortização).

Estes títulos são, por exemplo, Obrigações do Tesouro (OT), que são dirigidas ao sistema financeiro (bancos, fundos de investimento, seguradoras, fundos de pensões) ou outros títulos, como os Certificados de Aforro, que funcionam como instrumentos de poupança para particulares. No caso das OT, os títulos são negociáveis no chamado “mercado secundário”, o que quer dizer que podem ser vendidos entre instituições e não é fácil saber quem as detém em cada momento. Isto também implica que elas têm um preço no mercado que pode variar diariamente.

Também é possível receber empréstimos de outros países ou instituições internacionais, como é o caso do empréstimo da troika (que inclui o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional). Em alguns empréstimos deste tipo há cláusulas de “condicionalidade”, o que quer dizer que o devedor é obrigado a cumprir certas condições políticas para ter acesso ao dinheiro.

Em 30/8/2013, as OT representavam 48% da divida pública portuguesa, enquanto o empréstimo da troika atingia os 32%. Nessa data os instrumentos detidos por particulares representavam 5%. (1)

Em 2008 a dívida pública portuguesa era equivalente a 71,7% do PIB, não muito maior do que a da média da zona euro (70,2% do PIB). Mas no final de 2012 já se tinham atingido os 123,6%, muito acima da média (90,6% do PIB). Entre 2008 e 2012 a dívida pública portuguesa foi a que mais cresceu, depois da irlandesa. (2)


(1) Fonte: IGCP
(2) Fonte Eusostat
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Qual ida à Lua! Qual invenção da roda! Qual Hiroshima!




«Não me recordo de um outro acontecimento que tenha tido uma tal impacto em todo o planeta como o desaparecimento de Nelson Mandela.» 
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10.12.13

Tributo




«It was just a normal Saturday morning in a Woolworths store in Parkview. South Africans were still recovering from the sad news of Nelson Mandela’s passing on 5 December. Then a little magic happened in the aisles of the popular food and clothing store that touched everyone's heart. A flash mob by the Soweto Gospel Choir paid tribute to South Africa’s hero. The results were touching and truly inspiring.» 
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Um protesto destes por dia, nem sabem o bem que vos fazia



Teve lugar esta manhã, no Salão Nobre da Assembleia da República, a cerimónia de atribuição do Prémio Direitos Humanos 2013, presidida por Assunção Esteves. Um dos premiados foi «José António Pinto, assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã, conhecido pelo seu trabalho e empenho pessoal na resolução dos problemas daqueles que são socialmente mais desfavorecidos e vulneráveis».

Mas JAP deixou na AR a medalha de ouro comemorativa do 50º aniversário da declaração Universal dos Direitos Humanos e afirmou que a trocava por outro modelo de desenvolvimento económico.
«Quero que os cidadãos do meu país hipotecado realizem os seus sonhos, quero que estes governantes estanquem imediatamente este processo de retrocesso civilizacional que ilumina palácios mas que, ao mesmo tempo, enche a cidade de pessoas a dormir na rua.»

(Ouvir aqui.) (*)

«Não quero medalhas, quero que os cidadãos deste país protestem livremente e de forma digna dentro desta casa e que quando reivindicam os seus direitos por uma vida melhor não sejam expulsos pela polícia destas galerias.»

Ele não foi expulso do Salão Nobre e as paredes de S. Bento registaram mais um protesto – simples e corajoso.

(*) Neste momento, deixou de ouvir o som no site da RTP, talvez temporariamente.
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Entre a Irlanda e a Grécia?



«Vivemos num terreno minado entre Dublin e Atenas. Entre o que julgamos um sonho e o que pensamos ser um pesadelo. Sonhamos agora que a troika se vai embora em Junho, que pagaremos a dívida, que vamos erradicar o défice, que os mercados nos vão acolher como filhos pródigos, que Angela Merkel fará uma digressão por Portugal a agradecer a fé.

Sonhamos que todos os sacrifícios, todos os impostos, todo o desemprego, toda a emigração servirá para ficarmos mais longe de Atenas e mais próximos de Dublin. Temos a certeza, no entanto, que deixou de haver uma Europa: existem várias Europas onde a solidariedade só é natalícia. (...)

O caminho não é entre Dublin e Atenas. É entre um país bom para todos os portugueses ou só para alguns.»

Fernando Sobral no Negócios de hoje. 
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Votos de Feliz Ano Novo... para 2036

9.12.13

Soa a humor negro



... mas dá-me um gozo especial que seja a Grécia a presidir à União Europeia a partir de 1 de Janeiro de 2014.

O princípio do sabonete



«Olli Rehn, o grande mestre da arte de transformar o deserto em oásis, continua a sua saga. Desidratado, confunde alucinações com realidades. Um dia destes dir-nos-á que viu um rinoceronte e um elefante a dançar como Fred Astaire e Ginger Rogers. E esperará que acreditemos.

Numa de deficiente hidratação, Rehn disse que Portugal e Espanha já não vivem acima das suas possibilidades. Ou seja, a política para tornar os povos do Sul um grupo de indigentes e de mão-de-obra barata ao dispor dos mais esclarecidos países do Norte da Europa está a ter sucesso. É a chamada Europa a duas velocidades com um único euro. (...)

Há quem não entenda o princípio do sabonete: quando um pé escorrega nele, há quem possa partir um braço ou uma perna.» (Realce meu.)

Fernando Sobral no Negócios de 5/12.
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Porque não exterminá-los?

Portugal e o apartheid



João Cravinho (filho) divulgou ontem este importante texto no Facebook. Aqui fica.

«É curiosa a polémica que surge agora em torno da recusa do governo português de 1987 em apoiar uma resolução da ONU contra o apartheid. A mais de um quarto de século de distância devia ser possível reconhecer as limitações do contexto e mesmo os erros cometidos à altura. É um assunto que conheço porque me interessei naquele tempo pela política externa portuguesa em relação à África do Sul, escrevi dois ou três artigos de jornal e logo a seguir à libertação de Mandela fui para a África do Sul tentar construir pontes entre a comunidade portuguesa (que por erros próprios e dos governantes em Lisboa tinha entretanto ficado completamente isolada) e os representantes da luta contra o apartheid. Mantenho daqueles três meses em Joanesburgo a recordação de testemunhar um momento único na vida de um país, a par de memórias extraordinariamente gratificantes de trabalho político.

Mas regressando à política externa portuguesa. Aquilo que se passou foi que em Lisboa, no Palácio das Necessidades, houve uma abdicação de responsabilidade em termos da posição face ao regime sul-africano. As posições portuguesas eram essencialmente ditadas por meia dúzia de “comendadores” da comunidade portuguesa, fortemente apoiados por Alberto João Jardim. Simplificando, a comunidade portuguesa era composta por duas componentes: imigrantes vindos da Madeira nos anos 20 e 30, gente modesta, de baixa escolaridade, pequenos comerciantes frequentemente interagindo com negros que eram clientes das suas lojas. Para este grupo a existência de mecanismos de discriminação racista tinha o benefício imediato de os proteger da concorrência dos sectores mais dinâmicos entre os negros. A outra componente da comunidade portuguesa tinha um nível mais elevado de escolaridade e resultava do êxodo de Moçambique em 1975. Este grupo tinha maior capacidade de progressão social mas ideologicamente era intensamente alérgico à ideia de democracia eleitoral. Ambas as componentes da comunidade portuguesa, as mensagens que chegavam a Lisboa falavam da necessidade de apoiar diplomaticamente o regime do apartheid. Da África do Sul chegava também algum financiamento partidário e apoio eleitoral que não deixava de ter alguma influência.

Em Lisboa, em vez de se pensar nos interesses de médio prazo de uma comunidade portuguesa que inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, teria de fazer a transição para a democracia, a opção foi no sentido de dar o apoio discreto que fosse possível para aliviar a pressão internacional. É assim que Portugal se vê, nos anos 80, numa posição de alinhamento com as posições de Reagan e Thatcher, destoando da forma como na Europa e em quase todo o mundo se olhava para o regime do apartheid. Foi claramente um erro da política externa portuguesa, porque em vez de preparar a comunidade portuguesa para a transição encorajou-a a manter-se numa posição de defesa intransigente do regime. O resultado foi que a comunidade portuguesa acabou por ser a única que não teve entre os seus membros lutadores contra o apartheid. Gregos, italianos, judeus de muitas partes, brancos de muitas origens lutaram contra o apartheid. Entre os portugueses nem um único nome era conhecido.

A mudança chegou muitíssimo tarde, quase em cima do colapso do regime. Em particular foi José Cutileiro, que chegou a Pretória como embaixador em 1989, que começou a mandar sinais urgentes para Lisboa quanto à necessidade de mudar de rumo. Estamos portanto a falar de menos de um ano antes da libertação de Nelson Mandela. Claro que a boa educação mandava que houvesse declarações de voto aquando da tomada de posições em Nova Iorque ou Bruxelas, mas a realidade é bastante simples, e espanta agora, vinte e tal anos mais tarde, que se venha sugerir que as posições assumidas pela diplomacia portuguesa eram as melhores possíveis. Não eram, manifestamente não eram.» (Realces meus.)
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8.12.13

Cada governo tem o Maçães que merece



A não perder: a crónica de Pedro Marques Lopes, no DN de hoje.

«Há quem tenha ficado muito revoltado, chocado até, com a posição assumida pelo secretário de Estado da Integração Europeia, Bruno Maçães, numa mesa redonda sobre "governância económica e crise europeia", em Atenas. Em termos muito simples, este cavalheiro, representando o Estado português, mostrou total alinhamento com as posições alemães e contra qualquer tipo de iniciativa, dos países mais afectados pela crise, para encontrar uma alternativa. Mais tarde, quando acusado de ser mais troikista que a troika, mais alemão que os alemães e fanático da velocidade do ajustamento, veio para uma rede social orgulhar-se de assim ser tratado.

Ora, eu acho que o ex-autor de discursos de Passos Coelho merece ser elogiado. Não pelas posições expressas, mas pela maneira clara e desassombrada como exprimiu a posição do Governo português e as convicções políticas e ideológicas de quem nos governa.

Bruno Maçães, um dos principais ideólogos do primeiro-ministro, fez cair todas as máscaras. Não é que já não suspeitássemos, mas agora ficou absolutamente claro que o Governo não negoceia com a troika. Ou melhor, negoceia mas dentro do espírito "tu dizes mata, e eu esfola". Hoje, estes liberais de badana devem estar a esconjurar Gaspar, esse traidor que não percebeu o sentido da História.

Espero que agora não exista mais discussão sobre o porquê do Governo ter aplicado o dobro da austeridade contratada no memorando. Nem sobre se o primeiro-ministro queria dizer outra coisa quando afirmou que este seria sempre o seu programa, mesmo sem memorando. Ficou cristalino que aquilo de ir para além da troika não foi um "erro de comunicação". Era mesmo assim. E às tantas até foi escrito pelo Maçães.»

Continuar a ler aqui
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Lennon, 8 de Dezembro de 1980



Primeiro um entre quatro, mais tarde a solo, John Lennon, «the smart Beatle», deixou uma marca que os trinta e três anos passados sobre o dia em que foi estupidamente assassinado não apagaram.

Músico por excelência mas não só, activista também, ele que devolveu a medalha de Membro do Império Britânico à Rainha Isabel II, como forma de protesto pelo apoio do Reino Unido à guerra do Vietname e o envolvimento no conflito de Biafra. Já com Yoko, na década de 70, continuou a envolver-se numa série de iniciativas de luta pela paz, sobretudo e ainda por causa do Vietname. Tudo isto e o apoio explícito a organizações da extrema-esquerda, como os Panteras Negras, estiveram na origem de uma perseguição por parte do governo de Nixon com abertura de um processo para tentativa de extradição.

«Give peace a chance» (1969) e «Power to the people» (1971), entre outras, inscrevem-se expressamente nesta linha de actuação:






E é impossível recordar Lennon sem... «Imagine» (1971):


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Boas Festas 2013


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Dúvida: A dívida deve ser paga «a todo o custo»?



A IAC publicou recentemente um documento com «10 Perguntas Frequentes sobre a Dívida» e respectivas respostas, simples e sucintas, que ajudam a eliminar muitos «fantasmas». Escolho mais uma:

A dívida deve ser paga «a todo o custo»?

A resposta a esta questão remete para o domínio da ética, mais especificamente para o problema da responsabilidade da dívida (do devedor, do credor ou de ambos?)

Por dívida entendem-se duas situações distintas: dívida como relação social básica (todos nós pedimos, logo devemos, coisas uns aos outros) e dívida como relação financeira (contrair uma dívida num banco, por exemplo).

Em sentido social, a dívida é da responsabilidade do devedor porque, por regra, este empréstimo não envolve lucro. Em sentido financeiro, emprestar é um negócio: o credor empresta na expetativa de obter lucro. Mas, como o resultado é incerto, cobra juros, que remuneram, além do tempo, o risco envolvido. Neste sentido, a responsabilidade de uma dívida é também do próprio credor e não apenas do devedor.

A reforçar as diferenças entre os dois tipos de dívidas, existe ainda um outro aspecto.

As dívidas que envolvem agentes financeiros, são pela sua natureza abstrata e descontextualizada, transferíveis. Ao contrário, uma dívida em sentido social é intransmissível, isto é, o dever de reciprocidade a que alguém se obriga para retribuir um valor em dívida, não pode ser transferido para um qualquer outro «credor».

Por norma, a dívida em sentido financeiro é, inadequadamente, avaliada em termos morais, como se se tratasse de uma dívida de carácter meramente social. A afirmação «temos que pagar as dívidas» (financeiras, entenda-se) é posta em termos morais, para a aproximar da dívida social e assim, por analogia, transferir a «culpa» da dívida apenas para o devedor: este acaba por naturalizar a sua obrigação, sem qualquer possibilidade de se libertar da sua culpa ou falha «moral»: tem que pagar! No entanto, se a questão fosse (devidamente) colocada em termos financeiros, ficariam expostos os mecanismos desta dívida e a respetiva responsabilidade do credor.

Relativamente à dívida pública, mesmo admitindo que o Estado português seja um devedor «honrado» e o único responsável, ainda assim deve perguntar-se por que razão o imperativo do pagamento aos credores deve ser considerado moralmente superior a outros compromissos igualmente assumidos pelo Estado (saúde, justiça, educação)? Manter a expectativa de elevados lucros dos agentes financeiros credores é o único compromisso que o Estado decide «honrar». Porquê?

«A dívida deve ser paga a todo o custo»? Não. O «custo» deve ser repartido por todos os responsáveis, incluindo os credores. Neste contexto, repartir responsabilidades significa algo normal e que sempre se praticou: renegociar uma dívida. 
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