5.7.25

Mia Couto - 70, hoje

 


Hungria 2025: autoritarismo, corrupção e impunidade

 


«Em março deste ano, e em apenas 20 dias, o parlamento húngaro aprovou uma lei que limita o direito à manifestação. A intenção declarada era proibir o Pride Budapeste, uma marcha que todos os anos reúne milhares na rua pelos direitos das pessoas LGBTQIA+. Antes já tinham sido aprovadas duas outras leis para o mesmo efeito: a lei da propaganda, que proíbe a expressão pública das pessoas LGBTQIA+ por a considerar nefasta para as crianças, e uma alteração constitucional que coloca a proteção das crianças acima de qualquer outro valor constitucional, incluindo o direito de manifestação. Já o fascismo não faz parte do elenco legal de perigos para as crianças. Ficaram assim criadas as condições para que no dia 28 de junho, dia do 30º aniversário do Pride Budapeste, fossem autorizadas manifestações da extrema-direita contra as pessoas LGBTQIA+ e proibido o Pride.

Ativistas, movimentos e ONG, não apenas dos direitos das pessoas LGBTQIA+, mas dos direitos cívicos de modo abrangente, decidiram manter o Pride e pediram apoio europeu. Em junho, a Câmara de Budapeste decide juntar-se e declara que não será uma manifestação mas um evento municipal para o qual convida toda a população local e as instituições europeias. O Primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, avisa que continua a ser uma manifestação ilegal e coloca câmaras de vigilância com reconhecimento fácial nas ruas onde passará o Pride. E ameaça: há outras manifestações autorizadas para o mesmo dia e no mesmo percurso, se houver confrontos a culpa será de quem organiza o Pride. Apesar de Orbán, aconteceu o maior Pride Budapeste de sempre. E por causa do Pride, Orbán está agora numa posição muito complicada. Mas como chegamos aqui? E o que virá agora?»

Continuar a ler AQUI este importante texto de Catarina Martins.

Sim, é

 


Os efeitos perversos do processo de Sócrates e outros “marqueses”

 


«Do modo como as coisas andam, mais vale prevenir do que remediar: toda a gente sabe que tenho a convicção da culpabilidade de Sócrates, durante muito tempo bastante sozinho, quando, mesmo no topo do PSD, houve quem o protegesse de ser condenado, por exemplo, pela interferência nos órgãos de comunicação social, quando foi objecto de uma Comissão de Inquérito que, pelos vistos, ninguém queria. Aí, assisti ao espectáculo degradante de ver uma parte da nossa elite política e económica, incluindo Sócrates e alguns dos seus “marqueses”, mentir sem qualquer pudor.

Essa convicção nem sequer se baseava nas escutas passadas à comunicação social, mas em declarações do próprio Sócrates sobre como movimentava dinheiro vivo “porque não tinha confiança na banca”, a história das marquises, e o único documento rasurado no registo da Assembleia, cujo original parece ter desaparecido. Como escrevi há muitos anos, dava-se um pontapé numa pedra maldita e lá aparecia a cabecinha de Sócrates. Mas essa minha convicção, sistematicamente atacada pelos órgãos socratistas nas redes, que continuam a existir, não é uma condenação em tribunal, por isso pouco vale.

Perante a Constituição, a lei e um dos fundamentos basilares da democracia, Sócrates é inocente até ser julgado justamente e ser considerado culpado. E não lhe cabe a ele provar que é inocente, mas ao Estado que o acusa provar que é culpado. A presunção da inocência é uma das seguranças de que vivemos num Estado democrático, e é um princípio básico contra os abusos do poder, mas, pelo visto, o procurador-geral da República não entende assim e fez uma declaração da maior e total gravidade: “José Sócrates merece uma oportunidade para provar a sua inocência.” Se há motivo para demissão, este devia bastar, porque reflecte, por parte de um dos mais altos representantes da justiça, não ignorância, mas vezo. Vezo, palavra que vem de vício, tem vários significados, todos aplicáveis: “modo repetido de agir ou comportar-se”, “propensão”, “reincidência”, e vezo é uma palavra que se aplica muito bem ao comportamento do Ministério Público.

Por exemplo, já sabemos o que justificava o parágrafo que derrubou Costa e se alguma diligência está em curso? Já sabemos que complexidade tem a questão da Spinumviva e se há diligências em curso? Ou se, não havendo nada, não havendo qualquer acção, está apenas à espera do esquecimento ou de um bom momento mediático para chegar à conclusão de que não havia nada, sem grande escândalo? E os estragos pelo caminho, pelos anúncios em momentos certos, pelas fugas de informação, pela evidente tentativa de condenar pela opinião pública quando não se consegue condenar em tribunal? Isto tem a ver com os “políticos”? Tem, mas os “políticos” são cidadãos de uma democracia e as leis que os condenam, e as que os defendem nos seus direitos, são as que nos protegem a todos dos abusos do poder.

Um outro efeito perverso da Operação Marquês é o caminho já demasiado aberto para limitar os direitos da defesa, meus, vossos, deles, a pretexto da litigância dos advogados de Sócrates, e das mais que uma centena de recursos que apresentou. Pois eu não troco a possibilidade de um eventual abuso de recursos de alguém que é suficientemente rico para arcar com as enormes despesas, entre advogados e custas, pela eliminação desses instrumentos de defesa com a ideia de que isso pode tornar os processos mais “expeditos”. Primeiro, por uma razão conjuntural, a principal explicação da morosidade do processo de Sócrates e dos outros “marqueses” deve-se aos erros, incompetências, contradições do lado da justiça, com relevo para o Ministério Público, que nos chamados megaprocessos actua com mais olhos do que barriga e, claro, faz asneiras, cria monstros que crescem ano após ano, penalizando os inocentes e ajudando os culpados à espera de prescrições. Dar-lhes mais poder e fragilizar a defesa é um prémio ao abuso, à incompetência e ao corporativismo justicialista.

O ataque à presunção da inocência é um dos instrumentos do populismo, e um instrumento eficaz. As cedências dos políticos democráticos feitos no útero partidário têm uma dupla razão: cobardia, e ignorância — uma combinação poderosíssima. Não foi preciso chegar o Chega com a sua justiça popular, sem lei nem direitos, a justiça da rua, para em muitos aspectos a presunção da inocência já estar abandonada, por exemplo, no fisco e nas repetidas tentativas anticonstitucionais de condenar o chamado “enriquecimento ilícito” invertendo o ónus da prova, ou possibilitando o confisco de bens antes de qualquer condenação judicial.

A democracia é sempre frágil, muitas vezes complicada e morosa, contraditória e com efeitos perversos, como estes de que estamos a falar, mas eu, que estou convencido da culpabilidade de Sócrates, quero que ele tenha o julgamento mais justo e limpo de abusos possíveis, sem limitação a nada de legal que o ajude a defender-se, desejo que esta minha convicção pessoal seja, em tribunal e perante a lei, apenas irrelevante.»


Da nacionalidade, ainda

 


4.7.25

Perfeito para longas viagens

 


Guarda-roupa antigo de luxo, França, 1920.
Goyard.


Daqui.

Crianças e nacionalidade

 


Lei da nacionalidade

 


«Constitucionalista Jorge Miranda faz parecer sobre lei da nacionalidade e lei de estrangeiros. O "pai da Constituição" aponta problemas na extensão do prazo para pedir nacionalidade, na retroatividade da lei, na ideia de que a nacionalidade pode ser retirada e ainda na limitação do poder dos tribunais nos casos do reagrupamento familiar. Documento será entregue ao Presidente da República e aos partidos»

Notícia AQUI.

Somos contra imigrantes e pode-se bater nas mulheres

 


«Não queremos cá imigrantes e não nos incomoda grande coisa que um homem, mesmo ocupando elevados cargos públicos, bata na mulher. É uma definição triste, mas é isto que somos, em Julho de 2025. Todos aqueles que atacam a imigração em nome de um suposto feminismo – em Portugal as mulheres são muito bem tratadas e a violência doméstica é condenada judicial e socialmente de forma exemplar – bem podem limpar as mãos à parede.

Dois casos (e meio):

1. O Governo avançou com as mudanças à lei da nacionalidade, mostrando que consegue ir não "além da troika", como no passado, mas além do Chega, se preciso for. Claro que o Chega nunca ficará satisfeito com as mais desumanas leis inventadas por Montenegro. A radicalização anti-imigrante, com as consequências sociais que daí advêm, vai agravar-se.

A resposta do ministro Leitão Amaro à pretensão do PS de que as propostas e projectos lei sobre nacionalidade baixassem à comissão sem votação (uma forma de remeter uma discussão mais profunda para a sede de comissão parlamentar respectiva) é de antologia. O Chega não precisa de estar no Governo para estar no Governo: a adopção das políticas da direita populista radical nesta matéria por Montenegro e companhia mostram ou uma enorme ingenuidade – acha que é assim que mata o Chega – ou uma vontade de humilhar o PS que, na situação difícil em que se encontra, estava disponível para fazer vários acordos com o Governo.

As duas ideias (copiar o Chega achando que lhe rouba os votos e humilhar o PS, que está na mó de baixo) devem ter sido metidas na varinha mágica e saiu uma mistura digna de quem se esqueceu da velha social-democracia do PSD, que ainda tem aqui e ali uns defensores, embora agora já não tenha a ex-deputada Rubina Berardo, que se fartou das políticas de direita populista.

Então o que disse Leitão Amaro, seguindo o guião anti-imigrante da direita populista? A votação de sexta "vai testar cada partido e demonstrar onde está". "Querem preservar o que ainda sobra de uma época de facilitação ou contribuir para uma mudança de política que vem a ser feita desde o ano passado?", perguntou, provando que o interlocutor preferido não será o PS.

Resta dizer que o velho Montenegro, como aqui explica o Filipe Santa-Bárbara, defendia o reagrupamento familiar como uma forma de integração de imigrantes. O novo Montenegro já não. O Chega, no fundo, é que ganhou as eleições.

Gouveia e Melo, que andou a esforçar-se para mostrar o seu centrismo, também deu a sua contribuição para o discurso anti-imigrantes esta semana: "Claro que precisamos de gente por causa da nossa demografia. Mas não é qualquer gente. Devemos de alguma forma conseguir controlar os fluxos para defender também os interesses portugueses". Não precisando Portugal de "qualquer gente", segundo o candidato presidencial, era bom que ele fizesse a lista daqueles que não quer. Alemães? Louros de olhos azuis? Milionários com direitos a vistos gold? Era sumamente interessante.

O discurso contra o imigrante é hoje dominante no mainstream social e está associado não a políticas públicas – quem paga as reformas dos portugueses? – mas a um ódio visceral em grande parte racista, a roçar o slogan "A Europa será branca ou não será". Sabem o que vai acontecer? Não será.

2. O Governo marcou esta quinta-feira as eleições autárquicas para 12 de Outubro. Esta sexta-feira, o presidente da Câmara de Vizela, cujo processo de violência doméstica foi agora reaberto pelo Ministério Público – depois de um arquivamento surreal, tendo em conta as provas apuradas no hospital –, vai reapresentar a sua recandidatura, desta vez como independente. José Luís Carneiro seguiu o procedimento de Pedro Nuno Santos e manteve a retirada do apoio do PS à recandidatura.

Mas sabem o que fizeram os socialistas vizelenses? Vão todos apoiar Victor Hugo Salgado. Em massa. Estão nas listas. Aparentemente, negociaram com a direcção não virem a ser expulsos. São todos "Victor Hugo Salgado", como dizem. A mulher do presidente da câmara ficou com o nariz partido? Não interessa. O PS vizelense não quer saber o que se passa na casa de cada um.

Quando lermos um acórdão de um juiz a desculpabilizar a violência doméstica – e têm sido vários – lembremo-nos do caso de Vizela. A justiça reflecte sempre a sociedade e a sociedade não se importa absolutamente nada com a violência doméstica. Estamos no tal país que não quer imigrantes porque respeita imenso as mulheres, não é?

P.S. Nas minhas férias, li que Pedro Adão e Silva apresentou um livro de um condenado num caso de violência doméstica, Manuel Maria Carrilho, na Feira do Livro de Lisboa. Além de condenado por violência doméstica, Carrilho foi condenado em vários processos de difamação contra a ex-mulher e a família da ex-mulher, quando foi para os jornais acusá-los de coisas de que me abstenho por manifesto pudor de reproduzir.

Espero agora que Pedro Adão e Silva apresente o próximo livro de José Sócrates – pelo menos esse ainda não foi condenado. Isto é o nosso país, a alegada elite e a alegada não elite. Acho que Alexandre O’Neill foi o melhor trovador da coisa: "País engravatado todo o ano/e a assoar-se na gravata por engano".»

Ana Sá Lopes
Newsletter do Público, 03.07.2025

3.7.25

É isto mesmo

 


Passaram 11 anos e não mudei de opinião.

 


(Encontrei isto por acaso no neste blogue… )


Ventura e Brito Guterres

 



 

03.07.1883 – Franz Kafka

 


Na situação verdadeiramente kafkiana em que o mundo se encontra, recordemos que Franz Kafka nasceu em Praga e que faria hoje uns mais do que improváveis 142 anos.



Renúncia
Era muito cedo, pela manhã, as ruas estavam limpas e vazias, eu ia à estação. Ao comparar a hora no meu relógio com a do relógio de uma torre, vi que era muito mais tarde do que eu acreditara, tinha que apressar-me bastante; o susto que me produziu esta descoberta fez-me perder a tranquilidade, não me orientava ainda muito bem naquela cidade. Felizmente havia um polícia nas proximidades, fui ter com ele e perguntei-lhe, sem fôlego, qual era o caminho. Ele sorriu e disse:
– Queres conhecer o caminho através de mim?
– Sim – disse –, já que não posso encontrá-lo por mim mesmo.
– Renuncia, renuncia - disse e voltou-se com grande ímpeto, como as pessoas que querem ficar a sós com o seu riso. 

Franz Kafka, 1922
..

Despesa militar: fraude ou tragédia

 


«Está prestes a construir-se mais um consenso nacional sem debate. Ou com um debate que se resumirá, mais uma vez, em reafirmar o nosso europeísmo e atlantismo, como se a condição para a participação portuguesa nestes espaços fosse a de nos mantermos, usando um termo que esteve em voga, fora do radar. O novo consenso é gastarmos 3,5% do nosso PIB em gastos militares tradicionais, a que se acrescentam, na habitual promoção europeia da mentira, 1,5% de despesa de segurança nacional, com utilização civil e militar, para chegar aos tais 5%.

Desta vez, não estamos sozinhos na cobardia. A meta dos 5% é como a degradante mensagem de Mark Rutte ao homem que acabou de abandonar a Ucrânia, ameaça anexar um território de um membro fundador da NATO e não dá garantias de cumprir o artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte. Servem para alimentar o ego de Trump, mostrando que a Europa se transformou na corte de um rei louco.

Os EUA não gastam 5% do seu PIB em defesa. Esse limiar só é ultrapassado por cinco países. Três estão em guerra (Ucrânia, Rússia e Israel), dois são ditaduras (Argélia e Arábia Saudita). Os EUA gastam cerca de 3,5% para alimentar um poderoso complexo económico-militar, para saltar de guerra em guerra e ter bases espalhadas um pouco por todo o mundo. Tudo o que, espera-se, não estará no horizonte da Europa.

Defendo uma coordenação europeia no investimento em defesa, que permita complementaridade, contrariando redundâncias e incompatibilidades, e uma estrutura europeia de defesa fora de uma União já demasiado bloqueada, que inclua alguns países fora da UE (Noruega e Reino Unido) e exclua outros que estão dentro (Hungria e Eslováquia, por agora), aliados objetivos de Putin. A coordenação de investimento não obriga a gastar mais (a Europa tem capacidade militar de sobra), mas de forma mais racional. Decidir gastar sem se saber com quem e para quê é tratar de negócios, não é tratar de segurança. Fazer este planeamento sem debater o investimento tecnológico ou controlo soberano sobre infraestruturas sensíveis é viver no passado.

Na crise financeira, que se transformou, por inépcia de Bruxelas e Frankfurt, numa crise das dívidas soberanas, os países periféricos e mais expostos foram tratados como culpados e devidamente castigados, chegando, no caso da Grécia, a níveis de sadismo assinaláveis. Agora, que o centro sente o perigo mais próximo e a Alemanha acha que até pode lucrar com uma economia de guerra, a conta será dividida por todos, incluindo os países mais pobres e seguros, como nós. E o bom aluno voltou a chegar-se à frente, para ser rápido a mostrar serviço. Quando olhamos para Durão Barroso e António Costa percebemos o habitual excesso de zelo: o governante da província sonha ser alguém na política dos grandes.

Portugal tem um aeroporto para construir, um TGV para começar, um Serviço Nacional de Saúde para salvar, uma Escola Pública para reinventar, uma crise da habitação para debelar. Temos muito por fazer. É absurdo andar a inventar onde gastar, só em “gastos militares tradicionais”, 10 mil milhões, que é mais ou menos o que o Estado português gasta em educação e ensino superior. Como podemos achar que isto é a nossa prioridade? Como se toma esta decisão, que condiciona tantos investimentos urgentes para o nosso futuro, sem um debate sério?

Há investimentos militares necessários e alguma especialização interessante, tendo em conta a nossa posição atlântica. Mas tenhamos noção das proporções. Até por sabermos que, como o dinheiro não cai das árvores e temos um governo apostado em reduzir os impostos, isto terá mesmo de ser tirado ao Estado Social. Aqui e na Europa, abrindo a porta do poder aos amigos de Putin.

Claro que isto pode não passar de um jogo contabilístico, que eterniza uma forma de estarmos na Europa e no mundo, baseada em enganos, truques e falta de coragem. Mas, se assim é, não continuem com a conversa do retorno do investimento em defesa, baseada num imaginado keynesianismo militar. Primeiro, porque os jogos contabilísticos não animam economias. Depois, porque os gastos, se forem mesmo feitos, também não.

A indústria militar tem poucos players instalados e implica um enorme desenvolvimento tecnológico. E, para que isto resulte no longo prazo, é preciso fazer o que os Estados Unidos fazem há décadas: criar mercado. Ou seja, promover guerras para escoar produto. Talvez Portugal consiga vender munições e fardas, para, em troca, comprar aviões. O deve e haver deixará o país mais pobre e desqualificado. É um péssimo negócio, irracional nos seus termos e absurdo nas nossas prioridades. Na melhor das hipóteses, isto é uma fraude. Na pior, uma tragédia.»


2.7.25

Eperne?

 


Eperne, taça de frutas Arte Nova, final do século XIX/início do XX.
 
Uma eperne é um centro de mesa decorativo que consiste  tipicamente num suporte central e que pode ter vários braços ou suportes para segurar frutas, flores ou pequenos pratos.

Daqui.

Augusto Santos Silva – Surprise!

 


Só hoje é que ASS percebeu que a sua candidatura "seria divisiva" no partido?

Se espera que «surja uma candidatura independente mas agregadora«, vai lutar publicamente para que isso aconteça? Esperemos que sim – mas bem sentados.

Boa sorte, Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

 


«Quando se soube que José Sócrates ia apresentar queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, fui tomado por inúmeras emoções. Nem sabia que tinha tantas. Ao longo da vida, pensava não ter experimentado mais do que duas ou três, e quase todas no Estádio da Luz. Mas agora José Sócrates processa judicialmente o Estado português e eu sinto-me irremediavelmente dividido. Quem nunca teve vontade de processar Portugal? De ser indemnizado pelas várias, digamos, portugalices que nos são infligidas todos os dias? Por outro lado, também desejo que o Estado português processe José Sócrates. Que é o que está a acontecer há 14 anos. Mas o facto de ao fim de 14 anos ainda não ter havido uma conclusão volta a fazer com que me apeteça processar o Estado português. O problema é que o Estado português sou eu. Ou também sou eu. Se o Estado português tiver de indemnizar José Sócrates, eu também pago a José Sócrates. Por outro lado, José Sócrates também paga a José Sócrates, o que é refrescante. Já era altura de José Sócrates pagar alguma coisa, em vez de sobrecarregar sempre o amigo.

Não sei se me faço entender quanto à intrincada complexidade do caso. Devo dizer, aliás, que o Processo Marquês dura há 14 anos, mas eu deixei de o compreender há 12. José Sócrates ainda não foi julgado nem condenado. No entanto, já cumpriu um ano de prisão. Entretanto, queixa-se da demora do processo. No entanto, vai contribuindo como pode para a demora do processo. Já agora em que consiste o processo? Primeiro, um tribunal acusou Sócrates de ter um testa-de-ferro. O dinheiro da corrupção ia parar à conta do amigo de Sócrates, que depois lho entregava, visto que o dinheiro era efectivamente do antigo primeiro-ministro. Mas depois apareceu outro juiz que viu no testa-de-ferro o corruptor. Era o corruptor mais banana da história da corrupção, porque o corrompido tinha a desfaçatez de lhe exigir o dinheiro em termos bastante agrestes. Mas a seguir houve nova decisão, indicando que afinal o testa-de-ferro, que tinha passado a ser corruptor, voltava a ser despromovido à condição de testa-de-ferro. Creio que, no momento em que escrevo, ainda é esta a acusação que vigora. E de repente, com o campeão nacional ainda por apurar, José Sócrates quer ir jogar as competições europeias, e processa o Estado português em Bruxelas. O mínimo que devemos a estes juízes internacionais é que alguém lá vá explicar-lhes o que se passa aqui. Mas muito devagarinho. 14 anos talvez não seja tempo suficiente.»


O Cavalo de Troia dos “nossos valores” e do “nosso modo de vida”

 


«A conversa dos “nossos valores e modo de vida” reapareceu com Pedro Nuno Santos e logo na altura a critiquei, pelos perigos que a ideia aparentemente benigna quanto à integração dos imigrantes numa comunidade encerra. Ela regressou a propósito da nacionalidade (de uma forma mais recuada, porque pelo menos faz corresponder à aceitação dos valores e modos de vida nacionais a igualdade de direitos). E parece ter-se instalado como verdade autoevidente.

No último Expresso da Meia Noite, o secretário de Estado Adjunto da Presidência, Rui Armindo Freitas, disse: “Para trabalhar em Portugal não é preciso ser português, mas para ser português é preciso muito mais do que só trabalhar em Portugal, é preciso adesão aos nossos valores constitucionais e ao nosso modo de vida, isto é que é integração”. Quando Mariana Mortágua perguntou a que modo de vida se referia, a líder parlamentar da IL, também presente no debate, respondeu, falando dos direitos das mulheres. E a líder do BE recordou que eles estavam na lei, que inclui, de facto, os tais “valores constitucionais”, esses sim de respeito obrigatório. Se não estão, temos de estar a falar de outra coisa qualquer.

O suposto modo de vida e os valores nacionais podem ser menos exigente do que a lei. O respeito pela igualdade das mulheres está na lei, mas dificilmente se pode dizer que seja um valor sólido (e muito menos um modo de vida) na nossa sociedade. Se fosse, não tínhamos as taxas de violência doméstica que temos, em que, na esmagadora maioria dos casos, as vítimas são mulheres. Se fosse, as mulheres não ganhavam, em média, menos do que os homens. Se fosse, os lugares de topo não eram ocupados por homens em áreas em que as mulheres já são mais qualificadas. Pode dizer-se que os direitos das mulheres são, na nossa sociedade, mais respeitados do que noutras. Mas isso é uma comparação negativa. É abusivo dizer que fazem parte do nosso “modo de vida”. Até porque o modo de vida é uma coisa elástica, no tempo, no espaço e nos meios sociais e culturais.

O primeiro-ministro e o Presidente da República foram (e parece-me que ainda são) contra a lei que garante a autodeterminação das mulheres sobre os seus corpos. Os valores que os levaram a ter essa posição não os tornam menos portugueses. Até porque os valores de uma comunidade não são estáticos. A lei é que foi dando solidez a direitos das mulheres. Como as leis relativas aos homossexuais, a que o primeiro-ministro e o Presidente da República também se opuseram. É por isso que, quando ouço conservadores falar dos nossos valores, depois de terem estado na oposição a todas as leis que os consubstanciaram, temo que estejam a falar de outras coisas. Ou que esse seja um mero argumento xenófobo, que só vale para os outros. Já reparei que o feminismo e a causa LGBT são coisas que interessam a alguns quando têm outras pessoas para discriminar.

Da mesma forma, a Igreja Católica discrimina as mulheres e os homossexuais. E a maioria dos portugueses é católica. O que vale para os valores nacionais: uma suposição do que são valores e modo de vida, ou os limites da lei, que resultam da construção de consensos democraticamente sufragados, que até podem ser mais exigentes do que a ideia que alguns têm do que serão os nossos valores?

Apesar de aparecerem como evidentes, quem define quais são os valores e o modo de vida nacionais? A pergunta não é ociosa, é prática: que pessoas concretas e com que critérios vão determinar, pondo num papel, num exame ou numa comissão de avaliação, o que são os nossos valores e modos de vida, os mesmos a que será feita referência para aceder à nacionalidade, se estes não estiverem expressos na lei e na Constituição? Serem maioritários (também é a homofobia ou o ódio aos ciganos) não chega para serem mandatórios. Se não estão na lei, não foram sufragados. Se estão, quem chega tem de fazer o mesmo que quem está: cumpri-la.

A ideia de que o Estado pode impor, como constitutivo da nacionalidade e até imperativo para aceder a ela, valores e modos de vida que não foram plasmados na lei é antiliberal e perigosa. Porque o espírito que vale para o estrangeiro acabará por valer para todos, atacando a ideia de que, dentro do chapéu do respeito pela lei, uma comunidade convive com a diversidade de modos de vida e de valores que a torna plural.

Isto é especialmente relevante quando assistimos ao crescimento de um movimento conservador que desrespeita as minorias e os seus modos de vida. Como na extensão do poder coercivo e arbitrário do Estado, que vemos nos EUA, a imigração serve como Cavalo de Troia a uma agenda ultraconservadora, iliberal e autoritária. O que está em causa vai para lá dos estrangeiros. Corresponde a uma uniformização da ideia de nacionalidade e, por consequência, de Nação. De onde, mais tarde ou mais cedo, serão excluídas minorias nacionais, sejam ou não "nativas".

O Estado pode e deve impor a lei, democraticamente sufragada. Não pode nem deve impor modos de vida para lá dela. Poderá, quando muito, promovê-los. E, mesmo assim, dentro dos limites dos valores constitucionais. É curioso que sejam os mesmos que atacam as aulas de cidadania, por não reconhecerem ao Estado o direito de promover valores morais (que estão na Constituição), porque cabe à família fazê-lo, a querer ir muitíssimo mais longe quando se fala de imigração e nacionalidade: ter o Estado, de forma arbitrária e subjetiva, a determinar o que são valores de todos para lá do que a Constituição e a lei definem.»


4 de Julho nos States

 


1.7.25

Antiaborto

 


«Em cinco anos, grupos extremistas e religiosos doaram mais de 3,3 milhões de euros a movimentos e associações portuguesas com agendas antiaborto. Um novo relatório europeu alerta para um fenómeno que ascende a mais de mil milhões de euros em toda a Europa. Em causa estão direitos sexuais e reprodutivos.»

Ler notícia AQUI.

01.07.1958 – Salazar sobre a oposição depois das eleições presidenciais

 


Em 8 de Junho de 1958, realizaram-se eleições para a Presidência da República, em que a oposição apresentou como único candidato o general Humberto Delgado. É bem conhecido o sucesso da campanha que as precedeu e que causou o maior «sobressalto político» (a expressão é de Franco Nogueira) que o Estado Novo conhecera até então.

Poucos dias mais tarde, mais precisamente no dia 1 de Julho, Salazar dirigiu-se aos portugueses em discurso proferido na União Nacional, comentando desta forma o comportamento da oposição:

«Para mobilizar 23% do eleitorado, as oposições fizeram a maior coligação e a mais completa junção de esforços de que há memória e tiveram de aceitar a cooperação, senão a preponderância directiva, de elementos comunistas. Os que sobrevivem do chamado partido democrático, monárquicos liberais ou integralistas desgarrados, socialistas, elementos da Seara Nova, o directório democrato-social, vestígios dos partidos republicanos moderados, alguns novos, sedentos de mudança, e os comunistas – todos poderiam unir-se, como fizeram, mas só podiam unir-se para o esforço da subversão, não para obra construtiva. Não se pode ser liberal e socialista ao mesmo tempo; não se pode ser monárquico e republicano; não se pode ser católico e comunista – de onde deve concluir-se que as oposições não podiam em caso algum constituir uma alternativa e que a sua impossível vitória devia significar aos olhos dos próprios que nela intervinham cair-se no caos, abrindo novo capítulo de desordem nacional.»

Com a voz inconfundível de Salazar como pano de fundo, aqui ficam imagens que recordam algumas cenas da epopeia que foi a campanha de Humberto delgado.


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Salgueiro Maia

 


Ainda lhe faltavam uns meses para chegar aos 30 no 25 de Abril. Faria hoje 81.

«Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!»
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Os neonazis e a ameaça à democracia

 


«Por altura da celebração do Dia de Portugal registou-se em poucos dias um número pouco habitual de crimes de ódio e violência associados a neonazis, o que se passou no contexto de um aumento de 200% deste tipo de criminalidade nos últimos cinco anos. É tão absurdo que isto esteja a acontecer em Portugal que custa acreditar que jovens e menos jovens tenham perdido a vergonha de fazer a saudação nazi, manifestando-se através de agressões verbais e físicas a imigrantes ou pessoas de esquerda, sem sequer pensarem que o que estão a fazer pode constituir crime.

É de supor, por isso, que só a ignorância, a maldade e falta de vergonha ou o exibicionismo pode levar alguém a fazer a saudação nazi ou ter comportamentos violentos contra imigrantes, contra a cultura, contra a esquerda ou contra as instituições democráticas, inspirando-se na ideologia a que Adolf Hitler deu corpo e que ficou como uma mancha na história da humanidade, pela sua crueldade e barbárie. É preciso nunca esquecer que foi acima de tudo com a esquerda que se derrubou a ditadura e instaurou a democracia em Portugal.

Os assumidos neonazis domésticos saberão, ou se calhar não, que na Segunda Guerra Mundial terão morrido entre 70 e 85 milhões de pessoas, entre os quais cerca de seis milhões de judeus que foram enviados pelos nazis para as câmaras de gás ou fuzilados em massa ou foram vítimas de outros métodos cruéis, como a privação pela fome e por falta de assistência médica.

Assistimos a uma alarmante banalização e normalização dos movimentos extremistas, que têm proliferado com alguma impunidade, quiçá devido a simpatias ocultas por parte de alguns membros das forças de segurança, o que poderá talvez explicar que certas manifestações públicas de ódio não tenham quaisquer consequências criminais.

Foi mesmo desmontado um grupo com inspiração nazi que faz soar todos os sinais de alarme, com o infeliz acrónimo MAL, que significa Movimento Armilar Lusitano, indiciado por atividades terroristas, em que foram descobertos membros da PSP, da GNR e da Marinha, um considerável arsenal de armas e várias centenas de militantes, a quem seria fornecido apoio logístico e treino militar para causar perturbação pública. Entre as ideias subversivas estaria a intenção de fazer um assalto ao Parlamento e ao Palácio de Belém e derrubar o regime democrático, o que é arrepiante.

Mas nada disto é propriamente novidade, visto que se trata de uma reprodução de outros atos extremistas, como os que estavam em preparação pelo grupo autodenominado Reino da Alemanha, ligado ao movimento Cidadãos do Reich, que preparavam o derrube da democracia alemã. Na Alemanha, foram desmanteladas nos últimos anos várias células terroristas associadas à extrema-direita que manifestam claramente a sua vontade de derrubar o regime democrático liberal, onde foram identificados elementos pertencentes às forças de segurança. E a inspiração para o assalto ao Parlamento certamente viria da invasão do Capitólio impulsionada por Donald Trump em 6 de janeiro de 2021 e, dois anos depois, à Praça dos Três Poderes, em Brasília, pelos apoiantes de Jair Bolsonaro.

Portanto, a pergunta é simples. Visto que André Ventura anda a apregoar o fim desta República, ainda não se percebeu para instaurar o quê, é legítimo que nos interroguemos sobre o conhecimento, proximidade e envolvimento que possam ter militantes do Chega com as correntes que têm como objetivo subverter a ordem democrática, como o MAL, o 1143 ou o Ergue-te, entre outras. Não deixa de ser curioso que, numa altura em que as investigações ao MAL prosseguem com visibilidade pública, o líder do Chega ameace com uma comissão parlamentar de inquérito sobre… a chegada de imigrantes a Portugal.

E como é possível tantos jovens deixarem-se instrumentalizar pelo Chega e por outros movimentos extremistas, sabendo que, mais tarde ou mais cedo, muito provavelmente poderão estar perante a justiça, porque o que estão a fazer infringe a lei e a Constituição?»


30.6.25

Portas?

 


Porta de vitrais Arte Nova, "Villa Bergeret ", Nancy, França. 1903.
Joseph Janin (vidro); Eugene Valin (madeira).

Daqui.

Cadafalso europeu

 


«Sem que se entenda um racional evidente, a Europa embarca na política de rearmamento à boleia de uma percepção de domínio e chantagem norte-americana que devia fazer corar de vergonha os líderes europeus, se os houvesse. (…)

Que os EUA queiram desmantelar o Estado social europeu, não admira. Mas, à excepção de Espanha, que o faça com a concordância acéfala da União Europeia é de um requinte que ilumina a vergonha alheia. (…)

Resta a consolação de pouco disto ser para valer. Ao longo dos próximos quatro anos, Portugal investirá acima dos 2% do PIB, de forma gradual e crescente, para em 2029 estar em posição de cumprir o objetivo final de 5% nos seis anos seguintes. (…) Ou seja, só o imediato é para levar a sério, já que em 2029 estaremos – provavelmente – com uma nova administração norte-americana e todo um novo mundo que não se adivinha. Na Europa, este é só um cadafalso para várias decapitações.»

Na íntegra AQUI.

Levantar a nossa humanidade contra a guerra

 


«Há momentos na História em que as civilizações parecem caminhar para o suicídio. Não será com o nosso silêncio. É preciso voltar à mesa da diplomacia, à defesa intransigente de todos os direitos humanos, de todos. Nenhuma solução virá da guerra.»

Ler texto AQUI

Orbán e o Pride

 


A mesquita de Samora Correia e a imaginada tolerância portuguesa

 


«Não me importo de chegar tarde aos debates para não ir na onda da indignação e, mesmo quando ela é legitima (como é o caso), tentar tirar dela o que interessa.

A Associação Ahmadia do Islão em Portugal (um movimento religioso nascido em 1835 e estabelecido e legalizado em Portugal desde 1987, que representa um grupo muçulmano nascido na Índia, com uma interpretação pacifista e tolerante do Islão, missionário e muito perseguido em vários países islâmicos, onde os seus membros são considerados hereges e não-muçulmanos) quer construir uma mesquita à entrada de Samora Correia, em frente do quartel dos bombeiros. PS e PSD protestaram e o presidente da Câmara, da CDU, garantiu que não há qualquer projeto e que transmitiu à Associação que todos os eleitos estão contra.

A Associação Ahmadia diz querer fazer ali a sua sede nacional porque as atuais instalações, em Odivelas, são demasiado pequenas. O espaço não se destina a uma escola islâmica, mas a uma mesquita, escritórios, biblioteca, instalações desportivas e salas para reuniões. O argumento da autarquia é que não há uma comunidade muçulmana que justifique a mesquita. Os dos outros partidos são piores. Só ninguém explica que argumento tem para o travar. Contam o número de fiéis para permitir os templos evangélicos que se multiplicam no País? Qual é a desvantagem deste investimento em Samora Correia? O terreno é privado, a construção não tem, que se saiba, dinheiros públicos. Mas, subitamente, aquele passou a ser um terreno onde devia ser construída outra coisa.

ENTRAM DE MANSINHO

O candidato socialista à Câmara, Pedro Gameiro, afirmou, num vídeo partilhado nas redes sociais junto ao terreno, que “a mesquita não se fará aqui nem em lado nenhum do nosso concelho". As forças vivas e políticas participaram numa manifestação pelas “tradições” da terra, incluindo o PS. Não está, portanto, em causa o terreno e a sua função. Está em causa ser uma mesquita que, para estas pessoas, atenta contra as tradições de Samora Correia. Que são, imagino, tradições cristãs ofendidas pela existência pública de sinais de outra religião no seu território. O presidente da Câmara descansa: “Só há construção se houver licenciamento”. Note-se a evidência de que ninguém, nesta polémica, saber rigorosamente nada sobre os Ahmadia. São muçulmanos e isso chega para não os quererem lá.

No dia 10 de junho (claro), houve uma manifestação de 200 pessoas em Samora Correia, com o gritos “Mesquita não, não queremos o Islão”. O protesto “pelas tradições e costumes” foi organizado pelo independente depois de se ter desvinculado do Chega. A manifestação começou junto à Igreja Matriz, acabou no lugar onde pode vir a existir a mesquita e no fim cantou-se o hino nacional. Os populares diziam que Samora Correia “não pode ser invadida por uma cultura que põe em causa os seus valores”. “Eles entram de mansinho, instalam-se e depois já ninguém os consegue tirar daqui”, disse outro. No protesto, estiveram presentes o Chega, o PSD e o PS. O último foi especialmente ativo na mobilização e protesto.

Nesta história, a única pessoa que parece ter dito uma coisa normal foi Fazal Ahmad, presidente da Associação Ahmadia do Islão em Portugal: “A cultura de uma cidade não desaparece com a construção de uma mesquita. A mesquita não vai apagar igrejas, nem vai proibir festas populares, nem vai eliminar as tradições locais”. O medo tem uma origem: horas de televisões e redes sociais a diabolizar os muçulmanos, o que leva a população de Samora Correia, que estaria prestes a receber a sede de um dos movimentos mais tolerantes do Islão, a temer vir a ter o seu “Martim Moniz”.

IMITAR O PIOR

Perante a hiperatividade do PS local contra a mesquita, usando a “tradição” como argumento, Augusto Santos Silva recordou que “todas as religiões têm igual direito de expressão e prática de culto” e que o Estado se relaciona com todas elas, sendo laico. E acrescentou: “A concelhia de Benavente pode perfeitamente defender que, naquele terreno específico (talvez público, não sei), se deva fazer antes um parque, e não um edifício, defendendo então, logicamente, que se procure outra localização; pode indicar que tem informações seguras de que o projeto específico a que se opõe não é o de uma mesquita, mas o de uma madraça fundamentalista disfarçada de mesquita (como infelizmente sucede em outros sítios, por exemplo na Bélgica ou em França), mas então que apresente essas informações. Não pode é dizer que se opõe a que pessoas professando a religião muçulmana (ou outra qualquer) possam construir locais adequados ao seu culto.” Mas é isso mesmo que diz, porque todas as restantes questões não se põem.

A existência de locais de culto é um elemento central de integração de imigrantes. Quanto mais visíveis e institucionalizados forem, melhor para diminuir o risco de radicalização. O artigo 41º da Constituição da República (aprovada pelo PSD e pelo PS) garante a liberdade de culto. Isso e a laicidade de um Estado que não defende as “tradições cristãs” (sou um ateu sem qualquer formação cristã e não aceito que o Estado me considere menos português por isso) são os dois pilares da relação das instituições públicas, onde se incluem as autarquias, na relação com os diversos credos e organizações religiosas.

Um dos argumentos que leio nas redes sociais é o de que nos países muçulmanos não há igrejas. A ignorância é mãe extremosa do preconceito. Síria, Jordânia, Turquia, Palestina, Egito, Marrocos ou Iémen, só para ficar por alguns países muçulmanos onde estive, têm templos católicos e cristãos, fiéis, paróquias. Há paróquias católicas espalhadas pelo mundo não cristão. Mal estamos se os países com que nos comparamos já nem sequer são estados com uma religião oficial muçulmana, alguns deles ditaduras, mas teocracias.

A RAMPA DESLIZANTE

A rampa deslizante é isto. Começou com o discurso contra a imigração, tratada como um problema e não como uma realidade genericamente positiva a que estão associados, como sempre, problemas com os quais é preciso lidar. Se a conversa começou com a defesa de uma imigração regulada, humanista, que seja possível integrar, continuou como tem continuado em todo o lado: bombardeando todos os instrumentos de integração. Contra o reagrupamento familiar, contra o acesso ao SNS, contra a regularização e agora contra a liberdade de culto. Queremos que os imigrantes se integrem, mas sem família, religião, direitos e a sua cultura. Tudo o que não aceitaríamos como emigrantes. Estar integrado é trabalhar e não existir.

Já nada disto vem da extrema-direita. A rapidez do crescimento do Chega é acompanhada pela rapidez com que a sua agenda está a ser assimilada no espaço público, mediático e partidário. E isso está a ser especialmente poderoso no Partido Socialista, que, em muitos casos, não tem outro cimento que não seja o poder. Nem a história de defesa da tolerância e do diálogo inter-religioso personificada por figuras como Mário Soares, Jorge Sampaio e António Guterres parece recordar aos autarcas do PS a natureza laica do partido em que resolveram militar.

Diz-se: é preciso dar voz às populações. Se a política se limitasse a isso, os partidos seriam desnecessários. Eles moldam o debate, como o Chega tem sabido fazer. Se o medo e o preconceito não encontram resistência, claro que se tornam hegemónicos. Sempre. Os verdadeiros políticos lideram, ativando o melhor ou o pior das pessoas.

O discurso sobre a nossa natureza tolerante e intercultural escondeu, por se basear numa visão fantasiosa da nossa expansão imperial, os nossos próprios preconceitos. Ao contrário do que acontece em França, na Bélgica, na Alemanha ou no Reino Unido, não conhecemos o terrorismo ou conflitos sérios. A nossa comunidade muçulmana continua a ser esmagadoramente moderada. E, no entanto, chegámos muito depressa, quase sem resistência e com a adesão quase imediata do centro-esquerda, ao pior que vemos no discurso intolerante e xenófobo destes países. O que demonstra que o nosso verdadeiro problema sempre foi a imagem benévola que mantivemos de nós próprios, evitando, com isso, todos os debates que outros fizeram.

Para que não se dê tudo como perdido, o bispo Américo Aguiar defendeu a construção de duas mesquitas na cidade do Porto. Há quem perceba que a integração tem a condição de deixarmos que os outros se integrem. Que o respeito que exigimos pede respeito pelos outros.»


29.6.25

29.06. 2018 – José Manuel Tengarrinha

 


Já passaram sete anos.

O botão "adiar" do Governo

 


«Ao caldo dos imigrantes, acrescenta-se a questão da nacionalidade e serve-se tudo em porções bem medidas, que dançam como anémonas na maré extremista. A Direita, unida como nunca, agradece, a Esquerda adormece e o povo absorve o soro. Talvez até comece a ficar convencido de que na imigração está o grande problema do país, o que dá imenso jeito ao Executivo de Luís Montenegro, porque não se fala de saúde, educação e, sobretudo, habitação, quando este é o verdadeiro triângulo da urgência. (…)

A imigração, nesta altura, funciona um pouco como o botão “adiar” do despertador do telemóvel. Está na hora de sair da cama, sabemos que é obrigatório fazê-lo, mas clicamos e ficamos a dormir mais um bocadinho. (…) Protelar o inevitável nunca foi uma boa estratégia. Quando o Governo adia, atrasa-nos a todos, deixando o país encravado no limbo da espera.»

Na íntegra AQUI.

Oiçam a Meryl Streep

 


29.06.1975 –Alcoentre e fuga dos pides

 



Zohran na capital do Capitalismo

 


«Zohran Kwame Mamdani. É o nome do favorito à presidência da cidade com mais judeus em todo o mundo, fora de Israel. O muçulmano pró-palestiniano, ugandês de origem indiana, que chegou ao país e à cidade com sete anos e tem 33, desconhecido de todos há quatro meses, quando tinha 1% nas sondagens para as primárias democratas, é a estrela inesperada, depois de ter vencido Andrew Cuomo, ex-governador do estado. Conotado com Cortez e Sanders, Mamdani passou as semanas seguintes às presidenciais a visitar os bairros onde Trump teve o melhor resultado de um republicano em décadas. Numa cidade onde 70% dos eleitores são democratas, ouviu sempre o mesmo: Trump fala do custo de vida e das dificuldades dos trabalhadores. A resposta de Mamdani foi uma campanha com foco, centrada no controlo do preço da habitação, em autocarros gratuitos, cuidados de saúde, creches para todos e mercearias municipais em cada bairro a proposta mais ridicularizada (até por cá). Estas lojas que compram alimentos por grosso e estão isentas de IMI existem no Kansas ou no Wisconsin e vão ser lançadas em Chicago e em Atlanta. Para financiar estas medidas promete, ao mesmo tempo que Trump anuncia baixar os impostos aos ricos cortando programas públicos de saúde para os mais velhos e mais pobres, criar uma taxa adicional sobre os fundos e sobre os cidadãos mais ricos da cidade mais rica do país mais rico do mundo. O Presidente chamou-lhe “lunático 100% comunista”, mas há analistas republicanos preocupados com um democrata que fala do custo de vida.

O tom otimista e cheio de esperança e humor num espaço público zangado, de inclusão quando a exclusão marca os nossos dias, conquistou as redes sociais. Mais do que a estética e a forma humana e desconcertante de fazer campanha, o sucesso de Mamdani resulta da capacidade de nunca sair da sua agenda, mesmo quando os outros se concentram na criminalidade ou na imigração. E de tentar reconectar os democratas, embevecidos com o sucesso de uma economia com níveis de desigualdade semelhantes aos que conduziram à crise de 1929, com a sua tradicional base eleitoral. Numa reportagem no “NYT” para perceber o voto em Zohran, uma das entrevistadas conta como, trabalhando numa corretora em Wall Street, não consegue comprar uma casa como a que o seu pai comprou com o salário de motorista. É verdade que são eleições locais. Mas isso também é um dado interessante. No Texas, bastião republicano, os democratas governam as quatro grandes cidades. De Londres a Paris, de Barcelona a Berlim, a esquerda europeia resiste na política local. O eleitorado parece acreditar em soluções progressistas na escala onde sente que ainda há alternativas.

Numas primárias em que votaram quase um milhão de pessoas, Mamdani venceu Cuomo, acusado de escândalos sexuais, e deverá defrontar Eric Adams, o atual presidente, um democrata acusado de corrupção que se passou para o lado de Trump em troca da queda das acusações. Assim está o campo democrata, cuja cúpula financeira investiu dezenas de milhões em anúncios contra Mamdani, usando as suas críticas a Israel, mas pensando no seu programa fiscal e so¬cial. Cinco meses passados da tomada de posse de Trump, a liderança democrata continua sem saber como reagir. Entre o silêncio e a omissão, a maioria do partido parece resignada e à deriva. A exceção é a ala de Mamdani, Sanders e Cortez, que junta centenas de milhares de pessoas pelo país fora. Os democratas norte-americanos e a esquerda europeia têm de decidir se continuam a responder à agenda do ódio ou se têm a sua própria agenda, em torno da desigualdade na distribuição de rendimentos e na incapacidade de as classes médias viverem nas suas cidades. Só que isso exige coragem perante o poder do dinheiro, que encontrará em mínimos de decência sinais de lunática radicalidade.

Scott Rechler, um dos maiores proprietários de Nova Iorque e financiador de Cuomo, explicou o que está em causa: “Queremos ter uma liderança que fale do que é Nova Iorque. É a capital do capitalismo.” A elite democrata, dominada pelos grandes proprietários imobiliários, prepara a reação: pode arranjar um terceiro candidato (talvez o derrotado Cuomo) e irá angariar 100 milhões de dólares para uma campanha esmagadora. Bill Ackman, um bilionário dos fundos especulativos apoiante de Trump, que doou 500 mil dólares a Cuomo, pode acabar por apoiar Eric Adams. Esta é uma das mensagens de Zohran Mamdani: um candidato dos cidadãos enfrenta os candidatos do dinheiro que compra a democracia na cidade. Imagine-se o poder simbólico de este confronto acontecer no centro do mundo.»