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26.10.19
As vidas dos outros
«Poucas votações me ficaram tão presas na pele como esta que hoje, quinta-feira, decorreu no plenário em Estrasburgo. Tratou-se do voto sobre a criação de mecanismos europeus de proteção de vidas no Mediterrâneo. Foi uma negociação longa que colmatou numa votação também ela longa e muito dividida. Quando todas as emendas ao texto proposto já tinham ido a votos e chegámos ao voto final, aconteceu o impensável na minha cabeça. A proposta de salvar vidas foi chumbada por dois votos, 290 contra 288. Um murro no estômago, um nó na garganta. Pensei para comigo: há mesmo uma maioria de representantes que quer que continuem a morrer pessoas no Mediterrâneo? Ainda não recomposta, a bancada da extrema-direita celebrou e gritou entusiasticamente o resultado final. Do outro lado do hemiciclo, silêncio e impotência. A maioria tinha mesmo decidido que quem se faz ao Mediterrâneo não deve ter acesso a salvamento ou resgate, que nenhuma das vidas perdidas contou.
Se dúvidas tivesse, este voto, este momento em concreto, foi a consagração de que o ódio e o medo já são maioritários. Para esta maioria, os milhares de vidas perdidas no Mediterrâneo não são sequer um problema, uma dorzinha, um ataque à nossa humanidade e à nossa capacidade de vivermos em conjunto.
A maioria dos meus colegas decidiu mesmo que não se deve apoiar as missões de salvamento e resgate, que as pessoas e as organizações que trabalham para salvar vidas devem ser criminalizadas, que se deve manter os campos de detenção onde todos os dias são violados os direitos humanos, que não temos obrigação de prestar assistência e socorrer quem precisa, que não devemos assegurar um desembarque seguro, que não deve haver cooperação entre os países para receber quem chega.
A extrema-direita não tem maioria no Parlamento Europeu, para celebrar efusivamente esta "vitória" precisou dos votos favoráveis dos que se chamam democratas cristãos, precisou que a direita democrática parlamentar lhe fizesse o favor de poder celebrar a morte. A extrema-direita nunca teria chegado aqui sem a bengala das famílias políticas ditas responsáveis e defensoras de valores humanos. Este voto foi a confirmação de que, com ou sem festa, estão do mesmo lado, do lado que assume que nem todos merecem ser tratados por iguais e que milhares de vidas perdidas são "efeitos colaterais" na defesa do que eles chamam o "nosso modo de vida".
Curta memória que esquece rapidamente o ainda recente momento da história em que os fluxos foram no sentido contrário. Vergonha de quem não assume, nem quer assumir, os princípios mais básicos de dignidade e proteção da vida humana consagrados pelo direito internacional. Honra seja feita a duas deputadas e a um deputado do PSD, Cláudia Monteiro de Aguiar, Lídia Pereira e Paulo Rangel, que não seguiram o sentido de voto do seu partido ou da sua família política, em que se inclui o CDS-PP. Feitas as contas, na hora da verdade, o que distingue a direita da extrema-direita nestes temas é mesmo só o volume sonoro da reação ao voto. Vamos assim assistindo à vitória da desumanização.»
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26.10.1969 – Há 50 anos, as primeiras eleições do marcelismo
Há 50 anos, há meio século, votei pela primeira vez, e pela última, durante a ditadura (em 1973, abstive-me). Em 26 de Outubro de 1969, realizaram-se as primeiras eleições legislativas do marcelismo e muitos acreditaram que a tal «primavera» anunciada iria permitir que o processo eleitoral se passasse mais normalmente do que no passado, ou seja, com um mínimo de liberdade e de decência. Não foi o caso, como é sabido.
Apesar da velha querela de ir ou não às urnas, a oposição foi a votos – com resultados bastante modestos porque todo o processo foi marcado, uma vez mais, pela manipulação e pela arbitrariedade do governo. Concorreu-se em duas frentes – CDE e CEUD –, depois de um longo processo de alianças e dissidências. As divergências giravam, não só mas fundamentalmente, à volta do processo para escolha de nomes para candidatos. A CEUD propunha uma escolha em «perfeita paridade», feita a nível das duas Comissões, a CDE, mais «basista», defendia «uma concepção de representatividade construída a partir “de baixo”, devendo por isso os candidatos a deputados ser apenas a resultante da aplicação sistemática do princípio electivo em todos os escalões, a partir da base» (Comunicado da CDE, publicado em alguns jornais de 11 de Setembro de 1969.)
A cisão acabou por acontecer, apesar de muitas tentativas para a evitar, mais ou menos convictas conforme os intervenientes, e consubstanciadas em múltiplas e longuíssimas sessões. No que se refere a Lisboa, lembro-me de uma delas (terá sido a última?), relativamente restrita, que se realizou em casa de Salgado Zenha. José Tengarrinha e Mário Sottomayor Cardia (que, tacitamente, representavam o PCP) foram os mais empenhados em manter a unidade, desdobrando-se em sucessivas propostas de conciliação. Sem sucesso.
P.S. – Alguns podem estar interessados em conhecer, ou relembrar, o «Resumo do programa político da Comissão Democrática Eleitoral do Distrito de Lisboa».
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25.10.19
Entretanto no Chile
«Agentes de segurança são acusados de tortura e abuso sexual; saldo dos protestos aponta 18 mortos, 584 feridos e 2.600 presos no país.»
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Pântano ou oásis?
«A estabilidade, segundo António Costa. "Este Governo é para quatro anos, comigo não há pântanos", assegura numa reunião do Grupo Parlamentar do PS.
Liberto dos compromissos à Esquerda que cimentaram toda uma legislatura, a rejeição da "teoria do pântano" do 2.º Governo de António Guterres (demissionário após os maus resultados nas autárquicas de 2001 e de pouco mais de dois anos de poder em agonia) é usada por Costa para uma revisitação da "teoria do oásis" de Braga de Macedo, corriam os tempos idos de Cavaco Silva. Até que que haja obstáculos intransponíveis que permitam vitimização, gere-se a maioria relativa, navegando à vista, até ao limiar da maioria absoluta assim haja perspectiva. António Costa pode estar mesmo convicto de que os eleitores esquecerão facilmente as virtudes dos acordos à Esquerda dos últimos anos. Uma questão de fé na táctica.
A "geringonça" - que muitos apelidavam de experimentalismo táctico condenado ao insucesso - foi um teste de referência de quatro anos e acrescentou dimensão democrática à leitura política do país. Inspirou pluralismo, diversidade e a ideia de que é possível fazer mais com outros protagonistas. Apesar do lamentável fim da imunidade portuguesa à presença da extrema-direita no Parlamento, também assim se compreende a vontade popular em abrir o hemiciclo a novas forças partidárias. E assim vamos. A estabilidade para Costa é agora um movimento transitório. Está tudo bem até que fique mal. Receita para quatro anos de instabilidade em oásis.
Se Guterres era o primeiro-ministro do diálogo e caiu num pântano, Costa aborda um oásis a falar só para os seus. A quantidade não conduz forçosamente a qualidade mas 50 secretários de Estado é número redondo, "trade mark" para o XXII Governo Constitucional. Somando estes números a ministros, serão 70. A ideia de que todos-não-somos-de-mais viaja desde tempos imemoriais. Compete às elites compreender o esforço colectivo dos homens. Durão Barroso, precisamente aquele que em 2002 sucede ao pântano de Guterres, assegura que "as elites portuguesas não têm estado à altura da capacidade notável de resiliência que o povo português tem demonstrado". Se "a nossa fronteira não é em Vilar Formoso", como assegura, também a sua não será a da vergonha. Durão Barroso transporta o manual das portas giratórias e do esforço individual para as olear. É também, sabemos agora, possuidor de admiráveis qualidades para se ler ao espelho. O pântano é mesmo aqui.»
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24.10.19
A noite longa do Chile
Neste momento, já passa da meia-noite em Santiago do Chile. O silêncio, que habita as ruas de forma triste e dolorosa, é quebrado pelas canções de Violeta Parra, que atravessam as janelas de casas e edifícios. Então, o grito “milicos vuelvan a los cuarteles” quebra a noite, até que a música volta a acalmar e a aproximar pessoas que, em democracia, se encontram privadas de liberdade.»
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Nacionalismos estúpidos
«Boris Johnson mostrou-se chocado com a morte de 39 migrantes ilegais, um sentimento seguido por todos nós, europeus. E também os nossos pensamentos, tal como os do primeiro-ministro britânico, "estão com todos os que perderam a vida e seus familiares".
Mas a trágica morte de 38 adultos e um adolescente, dentro de um contentor de um camião que entrou no Reino Unido vindo da Bélgica, não pode ficar sem responsáveis políticos. Jean-Claude Juncker não poderia ter sido mais claro quando, no seu discurso de despedida no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, considerou o Brexit uma perda de tempo.
No balanço do seu mandato (2014-2019), confessou o desgaste com a luta contra o que chamou de nacionalismos estúpidos e lamentou que a Europa não tenha conseguido ir mais longe noutros domínios, como, por exemplo, na política de refugiados, apontando o dedo à falta de esforço dos estados-membros. Enquanto Boris Johnson brinca ao "in e out" da União Europeia, dezenas de pessoas morrem todos os dias a tentar fugir da fome e da guerra.
Portanto, nesta Europa a 28 não pode haver lugar para discursos de misses pela paz no Mundo e de outros chavões para exigir a coroa. Na verdade, a vida de milhares de pessoas tem estado refém de líderes políticos que não têm mais do que cinco minutos, entre as lagostas e o champanhe, para arranjar uma solução realmente digna desse nome.
A morte de milhares de pessoas não é compatível com a paciência de quem elege eurodeputados, nem de quem abre a porta à morte do seu semelhante.
Até lá, as fotos de crianças e adultos mortos na praia ou em contentores de camiões vão continuar a encher o espaço mediático e os nossos olhares chocados continuarão a ser apenas isso. Uns olhos como quaisquer outros.»
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23.10.19
Chile: de Luis Sepúlveda para o presidente Piñera
«El chileno vive con la fantasía de pertenecer a la clase media solo por tener una tarjeta de crédito. Han hipotecada su vida, compran los zapatos a crédito... cuando un chileno va de compras le preguntan: "¿Cómo lo va a financiar, en cuantos meses?". Lo que logró la dictadura fue convencer a una gran mayoría de chilenos de que el sistema funcionaba.
De oasis Chile no tenía nada, era un volcán que iba a hacer erupción. Las últimas medidas de Piñera son de un desparpajo increíble, no solo el alza del metro sino lo que se suma a ello. Una reforma tributaria que perdona a los grandes industriales las deudas contraídas con el fisco. El mismo Piñera es un deudor: de 30 años que debía de contribuciones por una de su propiedades solo pagará tres años porque en Chile los delitos económicos prescriben muy rápidamente, eso es parte de la normalidad chilena.
Piñera, además de su prontuario delictual personal, que lo inhabilitaría para ser presidente en cualquier país, es un tipo de una inteligencia menos que limitada, creo que incluso la derecha se haría un gran favor a sí misma si lo removieran del poder. Yo le digo: renuncie, hágale un favor a los chilenos, váyase con sus riquezas. Váyase si es posible a la m.... y sin pasaje de regreso.»
(Daqui)
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Brexit?
In the year 2525, if Brexit is still alive…
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O diabo está nas pequenas coisas
«Formado o Governo, composta a lista das Secretarias de Estado, os alertas multiplicaram-se e parecem avisados: que o novo Governo é velho, que a ordem dos ministros de Estado parece recado ou ajuste de contas, que continua a não haver um número dois, o que quer dizer que o primeiro-ministro fica sempre exposto a todas as tempestades, que a rejeição de um acordo de maioria parlamentar é calculismo que pode falhar em muitos momentos difíceis, que insinuar que há um acordo secreto com um partido é ofensa, que a continuação de um ministro que anunciou a despedida é vulnerável, que alguma substituição de secretário de Estado por gente do partido reduz a capacidade técnica, que a entrada de novos-socialistas laranjas pode dar asneira, que o aparelho de negociação do Governo no Parlamento parece querer manter uma lógica muito Largo do Rato, como a dos últimos meses do Governo anterior, que isso já deu mau resultado uma vez e que um defeito não costuma melhorar com a insistência – tudo conclusões razoáveis. Mas falta notar o essencial: é que, em 2019 e talvez em 2020, o maior risco do Governo não é nem a sua autossatisfação, que abunda, nem os seus adversários à direita, que faltam, nem sequer as contas em Bruxelas, que reluzem. É antes o diabo das pequenas coisas. Era melhor não as ignorar.
As pequenas coisas são as que o Governo mais facilmente esquece, ou simplesmente classifica como uma insistência enfadonha de quem não tem visão para os grandes rasgos do futuro. Elas são a urgência pediátrica que funciona como um semáforo, o hospital que espatifa dinheiro em contratações de empresas de trabalho médico temporário e itinerante, o estaleiro de obras de uma ala pediátrica que parece ter sido antecipado para uma visita eleitoral, sobrando depois uma obra de Santa Engrácia, a escola que não pode abrir porque não tem funcionários, o metropolitano que nos faz esperar longamente antes de aparecer pelo túnel, a falta da professora de Inglês ou de Ciências durante todo o ano, os pais que se juntam à porta da escola a perguntar quando é retirado o amianto ou são substituídos os contentores por salas. Tudo isso são as pequenas coisas, todas elas sintoma de problemas comuns e persistentes. Só que o Governo não vai ligar a nada disto. Centeno ditará que estas maçadas são com o titular da respetiva pasta e esse dirá que não tem nem dinheiro nem ânimo para o pedir mais uma vez. A chefia do Governo preferirá que nem lhe falem destas arrelias minúsculas.
O problema é que este diabo das pequenas coisas anda mesmo por aí e o telejornal vai colecionar estes acontecimentos, alguns passageiros, outros exagerados, sendo que na maioria dos casos falta voz a quem pergunta por prazos ou por soluções. E assim se vai fazendo mossa num Governo que parece indiferente às pequenas coisas. Imagino que no Castelo nem se notem estes episódios de água mole em pedra dura, ou que se registe somente que quem refila é a “pequena gente”, para lembrar uma frase de Macron a propósito disto mesmo.
O problema é que vinte anos de desinteresse pela ferrovia talvez fiquem bem escalpelizados num relatório, mas não transportam quem espera um comboio, e que a perda ou o não rejuvenescimento das equipas de especialistas nos hospitais e centros de saúde servem de diagnóstico mas não abrem as portas das urgências. Se o Governo continuar a querer fazer os grandes relatórios e os brilharetes e não se dedicar às pequenas coisas, a contratação de pessoal e a organização dos investimentos e dos serviços, bem pode esperar pelo dia em que alguém olhará para trás e cobrará pelos anos em que, havendo juro negativo, se optou pela pachorrenta lentidão.»
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22.10.19
A dança das cadeiras na Assembleia
Nem paro um minuto para decidir quem acho que tem razão nesta história. Ela é simplesmente RI-DÍ-CU-LA, RI-DÍ-CU-LA!!! Vergonha alheia…
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As feridas abertas da Guerra Colonial
A partir deste texto, encontra uma excelente série de textos, que ajuda a «quebrar o silêncio e desconstruir os mitos em torno deste conflito e do passado colonialista de Portugal».
Sugiro, por exemplo, este documentário «Poeticamente Exausto, Verticalmente Só - A história de José Bação Leal», da realizadora Luísa Marinho, que pode ser visto a partir DAQUI.
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Os jovens catalães: vândalos ou revolucionários?
«Muito se tem falado nos últimos dias sobre os confrontos que ocorreram na Catalunha. Ao mesmo tempo, assiste-se à demonização dos jovens por actos de autêntico vandalismo. Mas, afinal de contas, quem está por detrás disto? Quem são os jovens que ateiam fogo à própria cidade e travam uma guerra estratégica em resposta à sentença do procés?
Sobre o jovem catalão, e especialmente o barcelonês, pouco se vê desde fora. É uma espécie autóctone peculiar, ao resultar de uma improvável mistura de diversos factores. Crescem perante uma abertura massiva das suas fronteiras ao exterior e daqui advém um avultado tráfico de estímulos, modas, correntes e movimentos, tal como acontece em Londres, Nova Iorque ou Paris.
Aqui, o elemento diferenciador rege-se, na minha opinião, por uma forte componente de doutrinas psicossociais profundamente enraizadas na sociedade catalã desde tenra idade.
Por um lado, o associativismo, no qual se inseririam os populares Esplais e Caus, grupos que oferecem uma panóplia extensa de actividades extracurriculares como passeios organizados, workshops educacionais e afins. Grande parte dos miúdos inicia-se entre os três e os cinco anos e permanece até à adolescência.
Já o activismo juvenil propriamente dito destaca-se na faixa etária dos 15 aos 20. Se, por todo o mundo, os jovens são categorizados de pequenos adultos aos quais pouco lhes importam as disputas sociais e políticas, o catalão destaca-se pela vontade de observar, aprender, criticar e pôr em marcha os seus ideais em prol das causas que defende.
Dito isto, o contexto social é moldado pela participação não só em juventudes partidárias, mas através de iniciativa própria — o caso de marchas multitudinárias pelo feminismo no 8 de Março (8M), aquecimento global, LGBTI, etc. — ou da afiliação em sindicatos estudantis. O Sindicat d'Estudiants — autoproclamado como “organização estudantil, de esquerdas, revolucionária e anticapitalista” — convocou uma greve estudantil de 72 horas, levando à paralisação das universidades e mobilização de mais de 200.000 manifestantes em Barcelona nesta sexta feira.
Concluímos, então, que a identidade colectiva é de cidadãos do mundo com um toque da típica irreverência catalã, acompanhada de intensa actividade político-social e especial propensão para serem acérrimos defensores das suas causas. À parte, munem-se de uma espécie de imunidade de rebanho conferida pelo associativismo que lhes permite reagrupar e defender o todo perante a queda do individual, ao lutar activamente pelos compromissos – como, aliás, é o caso concreto.
Porém, numa idade em que somos autênticas esponjas, a manipulação dos meios e as exigências da economia e mercados devem ser igualmente tidas em conta. Não obstante, os 500 radicais contabilizados durante os protestos correspondem a 0,1% do total de manifestantes, sendo ainda que grande parte é composta por anarquistas (estrangeiros também), que em nada se revêem na causa.
Sendo assim convido-vos, caros leitores, a relativizar. E é este último ponto que quero que levem convosco depois de ler a peça. Não se deixem levar pelo sensacionalismo e ilusionismo fácil da minoria de hooligans que se retrata nas televisões. O quadro que pintei sobre a peculiar espécie corresponde à grande maioria dos jovens. Andam pacificamente pelas ruas, jogam softball nas manifestações e voltam a casa quando o Sol se põe, cansados após uma longa luta ideológica. Venham cá ver. Onde esta gente se manifesta não se queimam contentores, dança-se.»
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21.10.19
Entretanto no Chile
Declaração pública da União Portuária do Chile
«Os trabalhadores portuários decidiram começar uma paralisação nos terminais do nosso país em solidariedade com as reivindicações e luta que todos os chilenos temos levado em frente em todo o território nacional.
Entendemos que a luta na rua é legítima, no entanto, é importante separar-nos daqueles que consideram que o protesto social habilita o vandalismo. Apoiamos que as pessoas defenda as suas casas de inescrupulosos que não lhes interessam as lutas sociais e aproveitam esta situação de caos para cometer atos criminosos. É PROTESTO, não saques.
Em linha com a anterior, também rejeitamos que o presidente piñera fale de inimigo interno e de situação de guerra. Isto, na linha de militarizar a rua e declarar estado de exceção não é senão menosprezar a procura social, apagando o fogo com benzina e legitimando a auto-Defesa do povo chileno.
Hoje paralisamos o país.
Os trabalhadores portuários estamos comprometidos com as mudanças políticas e sociais e, por isso, propomos ao conjunto do movimento sindical advogar por uma assembleia constituinte dos trabalhadores e do povo.
Só uma Assembleia Constituinte abrirá a possibilidade de discutir um novo modelo produtivo, industrial e de desenvolvimento, um novo quadro de relações laborais, uma renacionalização do cobre e os recursos naturais, entre outras demandas sentidas pelo nosso povo.
Finalmente, somos testemunhas de uma grave crise de representatividade. O governo não está em sintonia com as pessoas, questão que se expressa na utilização do medo e da violência militar para dar governabilidade. É por isso que não confiamos neles.
Os portuários paralisamos e saímos para a rua.
Para a greve geral!
Por uma Assembleia Constituinte!
A defender o povo!
Não há grandes conquistas sem uma grande luta!
União Portuária do Chile
Contra a judicialização da política
«Dois anos depois da repressão policial que se abateu sobre milhões de cidadãos que pretendiam pacificamente votar num referendo sobre a independência da Catalunha, e cujas imagens correram mundo, o Supremo Tribunal espanhol acaba de condenar a penas de prisão entre nove e treze anos nove líderes políticos e associativos catalães, e a um ano e oito meses três outros, todos eles presos preventivamente e sem fiança já desde o outono de 2017. Pretendendo julgar os acontecimentos de que todos fomos testemunhas há dois anos, esta é uma sentença a todos os títulos alheia à natureza intrínseca da democracia e obriga-nos a todos a manifestar a nossa preocupação com uma deriva que vemos agravada.
Tendo o Estado espanhol optado por acusar os independentistas do crime de “rebelião” por forma a que a prisão preventiva sem fiança fosse automática, as sucessivas humilhações que os juízes espanhóis sofreram na Bélgica, Alemanha e Grã-Bretanha — países que recusaram a extradição de outros independentistas que neles se refugiaram — aconselharam o Tribunal a deixar cair a acusação central de “rebelião” por, apesar de toda a manipulação, não conseguir deixar comprovado a prática da violência, condenando-os por um eufemismo, o crime de “sedição”. Para vergonha do Estado de Direito espanhol, esta sentença, contra a qual será interposto recurso no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, vem agravar mais ainda uma trajetória de violação aos direitos, liberdades e garantias que não cessa de ser denunciada à escala internacional e cria um gravíssimo precedente relativamente ao direito de manifestação pacífica e aos direitos políticos em geral.
Bem pode o Governo espanhol classificar como “exemplo de autonomia e transparência, de garantia e profissionalismo” o julgamento levado a cabo no Supremo Tribunal, depois de a Federação Internacional dos Direitos Humanos, que enviou 60 observadores ao julgamento, ter entendido que nele se praticaram reiteradamente, entre outros, “atentados fundamentais contra o direito da defesa”. Somos muitos, tanto à escala internacional como dentro das fronteiras espanholas e lusas, a vir denunciar as consequências da securitização e da judicialização do caso catalão; nas palavras da presidente da Câmara de Barcelona, esta sentença contém “a pior versão da judicialização da política: a crueldade”.
Entre aqueles que o Estado espanhol quer manter presos por tanto tempo encontra-se uma antiga presidente do Parlamento, vários antigos membros do governo e os presidentes das duas associações cívicas mais populares da Catalunha. Todos se declaram “presos políticos” e o processo a que foram submetidos foi descrito por diversas organizações e personalidades à escala internacional (a Prémio Nobel da Paz Jody Williams, parlamentares de vários países, a Comissão de Direitos Humanos da ONU) como tendo uma natureza política. É revelador o facto de, a pedido do Governo espanhol, os tribunais proibirem às autoridades eleitas e aos órgãos de comunicação social catalães usarem expressões como “presos políticos” e “exilados” enquanto durar qualquer campanha eleitoral. Não surpreende que a justiça espanhola seja considerada como uma das mais politizadas da Europa e se a entenda como claramente parcial.
As sentenças agora conhecidas não devem deixar ninguém indiferente. Falamos de presos políticos, cidadãos, ativistas e líderes políticos que terão que cumprir penas de prisão pelo exercício de direitos políticos fundamentais. Vários outros processos continuam abertos contra muitos titulares de cargos públicos na Catalunha, um dos mais simbólicos dos quais contra o antigo diretor da polícia catalã, Josep Lluís Trapero, acusado, também ele, de “rebelião” e de “associação criminosa”, com o Ministério Público a pedir para ele uma pena de onze anos de prisão. O ataque contra os refugiados políticos vai ser retomado; o juiz Pablo Llarena acaba de emitir uma nova ordem de captura contra o ex-presidente da Generalitat da Catalunha, Carles Puigdemont, exilado com vários outros na Bélgica. Por fim, o Governo espanhol voltou a encher a Catalunha de milhares de polícias, sendo expectável uma resposta de força à semelhança do que se viu a 1 de outubro de 2017.
Os subscritores deste manifesto reiteram que o problema catalão é de natureza eminentemente política e que, por isso, carece de soluções políticas e não judiciais, pelo que pugnam pela amnistia imediata dos líderes políticos e associativos catalães presos e que sejam levantadas as acusações contra todos os cidadãos catalães que participaram na organização do referendo de outubro de 2017. E instam os responsáveis políticos espanhóis e catalães a que encontrem uma solução política, de modo a que os cidadãos da Catalunha possam, em condições de igualdade de oportunidades e de lisura processual, votar livremente sobre o seu destino político. Instam também as autoridades portuguesas e europeias a que se posicionem face aos problemas de compressão da democracia e dos direitos políticos fundamentais a que estamos a assistir em Espanha e na Catalunha.
André Freire é politólogo; Isabel Pires é deputada do BE; Fernando Rosas e Manuel Loff são historiadores.
Subscritores:
Albérico Afonso, professor / Alda Sousa, professora universitária / Alexandra Nunes, assistente administrativa / Alexandre Alves Costa, arquitecto / Alfredo Barroso, jornalista e político / Alfredo Caldeira, jurista / Alice Brito, advogada / Alice Samara, investigadora / Álvaro Garrido, professor universitário / Amândio Silva, resistente antifascista /
Ana Almeida, reformada /
Ana Benavente, socióloga /
Anabela Sotaia, dirigente do SPRC/Fenprof / Ana Campos, médica / Ana Costa, formadora / Ana Drago, socióloga / Ana Gomes, embaixadora de Portugal / Ana Maria Brito Jorge, professora / Ana Maria Oliveira, professora universitária / Ana Maria Simões, jornalista / Ana Paula Gouveia Quartarone, terapeuta da fala / Ana Paula Soares Dias Ferreira, professora universitária / Ana Prieto Rosenheim, reformada da EGEAC / Ana Vaz Pato, arquitecta / Andreia Lourenço Marques, ativista de direitos humanos / Ansgar Schaefer, investigador / Antonino Resende Jorge, professor / António Guedes de Oliveira, professor universitário / António Louçã, historiador / Artur Pimenta Alves, professor emérito / Artur Pinto, publicitário / Ascenso Simões, gestor / Bárbara Bulhosa, editora / Belandina Vaz, professora / Boaventura Sousa Santos, sociólogo / Bruno Cabral, realizador de cinema / Bruno Costa, doutorando / Carla Luís, jurista / Carlos Almeida, sociólogo / Carlos Carujo, professor / Carlos Vargas, economista / Catarina Isabel Martins, professora universitária / Catarina Martins, deputada, coordenadora do BE / Cátia Domingues, humorista / Cecília Honório, professora, ex-deputada BE /
Cipriano Justo, médico / Claire Tour, tradutora e gestora / Cláudia Gonçalves, tradutora / Cláudia Ninhos, historiadora / Constantino Piçarra, bibliotecário / Cristina Clímaco, professora universitária / Cristina Coimbra Vieira, professora universitária / Cristina Nogueira, educadora de infância / Daniel Adrião, dirigente do PS, consultor /
Daniel Oliveira, jornalista / Daniel Sampaio, psiquiatra / Diana Andringa, jornalista / Diana Barbosa, comunicadora de ciência / Diogo Faro, humorista / Diogo Ramada Curto, historiador / Domingos Abrantes, dirigente do PCP, conselheiro de estado / Domingos Lopes, advogado / Eduardo Barroco de Melo, investigador, Federação Distrital JS/Porto / Enrique Coraza de los Santos, professor e investigador (México) / Fernando Catroga, professor universitário / Fernando Oliveira Baptista, professor universitário / Filipe Medeiros Rosas, geólogo / Filipe Piedade, investigador / Filipe Rosas, médico / Francisca Guedes de Oliveira, professora universitária / Francisco Almeida, dirigente da Fenprof / Francisco Bairrão Ruivo, investigadora / Francisco Louçã, economista / Gabriela Ventura, investigadora / Gaspar Martins Pereira, professor universitário / Gonçalo Leite Velho, professor e dirigente do Snesup / Helder Costa, dramaturgo e encenador / Helena Cabeçadas, professora universitária reformada / Helena Pato, professora reformada / Heloísa Paulo, historiadora / Heloísa Santos, médica / Henrique Cayatte, designer / Ilídio Jorge Silva, professor universitário / Irene Pimentel, investigadora / Isabel do Carmo, médica / Isabel Faria, médica / Isabel Mendes Lopes, dirigente Livre / Isabel Menezes, professora catedrática /
Isabel Moreira, deputada PS / Isabel Travancas, antropóloga (Brasil) / Jaime Conde, resistente antifascista /
J. A. Nunes Carneiro, consultor / Joacine Katar Moreira, deputada Livre / Joana Craveiro, encenadora / Joana Lopes, gestora TI’s, reformada / Joana Mortágua, politóloga, deputada BE / João Arsénio Nunes, historiador / João Bau, investigador / João Brandão, professor universitário / João Caramelo, professor universitário / João Madeira, professor / João Teixeira Lopes, sociólogo / Jorge Pinto, dirigente Livre / José Adelino Maltez, politólogo / José António Moreira, professor universitário / José Eduardo Agualusa, escritor / José Eduardo Silva, investigador / José Guilherme Gusmão, eurodeputado BE / José Manuel Pureza, professor universitário, deputado BE / José Maria Ventura, professor aposentado / José Pacheco Pereira, historiador / José Soeiro, deputado BE / Licínio Lima, professor universitário / Luaty Beirão, activista / Luísa Junqueiro, cozinheira / Luís Farinha, historiador e diretor de museu / Luís Fazenda, professor / Luís Galego, técnico superior do Estado / Luís Graça, presidente da Assembleia Municipal de Faro / Luís Grosso Correia, professor universitário / Luís Trindade, professor universitário / Mafalda Araújo, socióloga e alumni da UB (universidade de Barcelona) / Manuel Carvalho da Silva, sociólogo / Manuel Pedroso Marques, coronel reformado / Manuela Mendonça, dirigente do SPN e da Fenprof / Manuela Pinto Nogueira, professora / Margarida Ventura, designer / Maria Cândida Proença, professora universitária / Maria do Carmo Marques Pinto, jurista, CRIDA Nacional República / Maria de Deus Brito, psicóloga / Maria Fernanda Rollo, historiadora / Maria Helena Dias Carneiro, reformada, ex-diretora no Expresso / Maria Helena Dias Loureiro, professora / Maria Isabel Loureiro, médica / Maria de Jesus Lima, professora do ensino superior aposentada / Maria João Gerardo, empregada de escritório / Maria José Magalhães, professora universitária / Maria Jorgete Teixeira, professora reformada / Maria Vitória Vaz Pato, investigadora Ciências da Saúde, reformada / Maria Manuel Rola, deputada do BE / Mariana Carneiro, socióloga do trabalho / Mariana Mortágua, economista, deputada BE / Marisa Matias, eurodeputada BE / Mário J. Gomes, antropólogo / Mário Machaqueiro, professor /
Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof / Margarida Tengarrinha, artista plástica, professora / Marta Bagulho, técnica superior / Marta Silva, doutoranda da Universidade de Coimbra / Miguel Bandeira Jerónimo, historiador / Miguel Cardina, historiador / Miguel Gonçalves Mendes, realizador / Miguel Vale de Almeida, antropólogo / Moisés Ferreira, deputado do BE / Mónica Gatica, professora universitária (Argentina) / Nelma Moreira, professora universitária / Norberto Cunha, professor universitário / Patrícia Gonçalves, dirigente Livre / Patricia Pensado Leglise, professora e investigadora (México) / Paula Godinho, antropóloga / Paulo Fidalgo, médico / Paulo Filipe Monteiro, realizador e professor universitário / Paulo Muacho, dirigente Livre / Paulo Pereira, gestor de projectos / Pedro Ferreira, professor universitário / Pedro Filipe Soares, deputado BE / Pedro Guedes de Oliveira, professor universitário / Pedro Lamares, ator / Pedro Nunes Rodrigues, dirigente Livre / Pedro V. Silva, professor universitário / Pedro Mendonça, dirigente Livre / Preciosa Fernandes, professora universitária / Raquel Bagulho, engenheira agrónoma /
Raquel Pereira Henriques, professora universitária / Ricardo Moreira, investigador / Richard Zimler, escritor / Rita Gorgulho, artista gráfica / Rogério Moreira, gestor / Rogério Reis, professor universitário / Rui Bebiano, historiador / Rui Feijó, politólogo / Rui Pereira, professor universitário / Rui Sá, engenheiro / Sandra Boto, investigadora / Sara Ponte, técnica de recursos humanos / Sandra Cunha, deputada BE / Sandrina Antunes, politóloga / Sara Carinhas, encenadora / Sérgio Fernandez, arquitecto / Silvia Vasconcelos, médica veterinária / Silvina Jensen, professora universitária (Argentina) / Sofia Castanheira Pais, professora universitária / Sofia de Melo Araújo, professora universitária / Sofia Roque, investigadora / Sofia Rosas, professora / Sónia Dantas, psicóloga / Sónia Duarte, professora e investigadora / Suzana Martins, professora / Suzana Sousa Dias, realizadora de cinema / Teresa Dias Coelho, artista plástica / Tiago Barbosa Ribeiro, deputado PS / Tiago Rodrigues, diretor do TNDM II / Timóteo Macedo, dirigente Solidariedade Imigrante / Vanessa Almeida, investigadora / Vítor Neto, professor universitário / Vitor Neves, ilustrador
Publicado AQUI.
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20.10.19
Pelo humor vamos lá
«A simpatia dos portugueses pela monarquia borbónica e a recusa de solidariedade à causa catalã só têm uma explicação: foram muitas décadas de leitura da "¡Hola!" nos cabeleireiros deste país.»
José Serrão no Facebook
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Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos
O Memorial, inaugurado no passado 25 de Abril, continua na Estação Baixa-Chiado do metro de Lisboa, mas agora na entrada da Rua do Crucifixo. O vídeo que nele pode ser visto foi entretanto actualizado.
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Boas recordações
Há quatro anos, andava eu pela Colónia do Sacramento, no Uruguai, bem mais divertida do que hoje nesta cinzenta Lisboa.
Algumas notas e imagens AQUI.
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Na Catalunha joga-se Espanha
«Aparentemente nada liga a exumação de Franco do Vale dos Caídos e as pesadas penas determinadas pelos tribunais espanhóis contra um grupo de independentistas catalães. Mas os dois acontecimentos estão umbilicalmente ligados ao modo como Espanha fez a sua transição para a democracia, por uma evolução outorgada pelo caudillo e conduzida nos seus primeiros passos em total respeito pelas suas determinações e por homens que foram da sua confiança e escolha. Esses homens co-criaram com todas as forças da oposição, legal e ilegal e com os regressados do exílio, um sistema constitucional e um Estado social e democrático de direito, que levou Espanha à rota do sucesso económico, à modernização social e à União Europeia. Uma história de sucesso, portanto. Mas um sucesso que se fez da manutenção de muitos tabus que uma revolução teria derrubado e produziu soluções sub-ótimas para questões essenciais.
A quem pareça estranha esta tese permito-me recordar quão mal resolvida continua a questão da memória histórica da guerra civil e quão desigual continua a ser o tratamento dado à memória de vencedores e vencidos.
Há muito mais questões políticas e sociais em que o franquismo condicionou a democracia espanhola. Uma das questões essenciais que ficou por resolver é a da profunda contradição entre a Espanha que Franco sonhou e lutou para erguer, centralizada, una, castelhana, de um só povo espanhol e a que o fim do século XIX anunciava, descentralizada, plural, feita de povos e culturas diversas.
O franquismo negou com todos os meios repressivos de que dispunha o respeito pela pluralidade nacional de Espanha. A certa altura, alguns movimentos nacionalistas responderam-lhe com a luta armada que alguns levaram até ao anacronismo, prolongando-a como fizeram os bascos, pela experiência democrática adentro e com isso atrasaram a formulação democrática e pacífica da discussão sobre a convivência entre nações numa Espanha unida.
A Constituição espanhola tratou o assunto com o compromisso possível entre os negacionistas da diversidade de povos de Espanha e os que procuram uma Espanha plurinacional. Os governos democráticos espanhóis adotaram claramente duas políticas complementares para enfrentar a questão. Por um lado, a repressão sobre os movimentos terroristas até à sua derrota total e, por outro, uma devolução de poderes às autonomias.
A devolução à espanhola aliada à derrota da ETA pareceu por algum tempo conter os movimentos nacionalistas no quadro institucional saído da transição. Mas o fim do espectro do terrorismo foi um catalisador das estratégias nacionalistas pacíficas. Estas teriam que virar-se necessariamente para a evolução institucional e foi aqui que os partidos nacionais espanhóis falharam.
É certo que os nacionalistas catalães não foram especialmente avisados na sucessão de gestos que culminou nestas sentenças. Podiam ter estudado a lição escocesa e estariam hoje em melhor posição, na posição em que está o Scotish National Party. Não podiam agir ignorando que não têm a Constituição e o Código Penal do seu lado.
Mas não é realista pensar que o problema catalão se resolve fingindo que não há apoio popular suficiente às teses independentistas. Pode bem ser que a maioria dos catalães nem queiram a independência. Mas há pelo menos uma minoria suficientemente larga que se expressa votando em forças que fazem dela a sua causa principal.
Ou vai haver uma ordem jurídica que permita um referendo para a autodeterminação dos catalães ou um acordo político que torne a urgência desse referendo irrelevante. Mas essa evolução não desafia apenas os nacionalistas. Desafia também os partidos nacionais espanhóis. Aproxima-se o momento em que as duas visões de Espanha terão que clarificar águas.
Visto de fora o caminho mais adequado seria baixar a tensão desde já, admitir a possibilidade de perdão de penas para os condenados e abrir novas portas de diálogo que permitam encontrar vias institucionais para o aprofundamento da autonomia e aceitar discutir a evolução para uma Espanha federal. Mas isso implicará o PSOE afastar-se claramente do PP, dos Ciudadanos e do Vox e que o rei seja mantido em silêncio sobre uma questão em que até agora fez estragos sempre que interveio. Nesta questão, ele não é símbolo de unidade, mas de poder imposto.
Em alternativa, a democracia espanhola pode radicalizar o nacionalismo catalão (outros poderão seguir-se) e manterá presas pessoas que cometeram o crime de terem ideias sobre a autodeterminação do seu povo e terem usado o poder que democraticamente ganharam para lutar pela sua causa com urnas e votos. Ou seja, se assim for, será a visão de Espanha de Franco a triunfar por agora, no momento em que simbolicamente perde o seu lugar de herói nacional.»
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