«Depois do SNS (para os eleitores mais velhos) e da habitação (para os eleitores mais novos), veio o Plano de Ação para as Migrações, a pensar na concorrência do Chega. Os conservadores britânicos bem tentaram conter a coisa, radicalizando cada vez mais a sua ação, e o resultado será, para alem de uma provável derrota eleitoral, o regresso de Nigel Farage à política. Porque quanto mais se promete impedir a chegada de imigrantes maior a frustração de não o conseguir.
Tenho ouvido Sebastião Bugalho a celebrar esta decisão, por resolver o problema de 400 mil pessoas. A única coisa que vejo, de prático, com decisão tomada e prazos conhecidos, é um novo problema para mais uns milhares de imigrantes. Porque, por razões estritamente eleitorais, o governo decidiu transformar o debate sobre o mau funcionamento da AIMA e do SEF (sobre isso já escrevi aqui) numa mudança de política de imigração.
Dificultar o acesso legal, com a ilusão que só para aqui virá quem já vem do país de origem com contrato de trabalho, terá como única consequência aumentar o número de trabalhadores ilegais, permitindo que a imigração sem direitos cumpra a função de redução da pressão salarial. Os imigrantes continuarão a ser necessários para a economia. Apenas serão, como se deseja, mais baratos.
As filas para pedir a regularização vão seguramente diminuir. A ilegalidade não levanta problemas burocráticos, porque quem não tem direito a papéis não faz filas para os receber nem dá má publicidade ao governo. Os efeitos serão mais estruturais e, quando quiserem fingir que os resolvem será com mais um endurecimento inútil das regras.
A decisão de pôr fim à manifestação de interesse como forma de legalização de imigrantes baseia-se numa mentira e numa ilusão. A mentira que tem sido passada é de que esta manifestação de interesse tem sido a porta de entrada descontrolada. Só podia usar este instrumento quem tivesse entrado legalmente em Portugal e tivesse um contrato de trabalho ou quem, não podendo provar a legalidade da entrada (até por muitos entrarem por via terrestre), tivesse umcontrato de trabalho e descontos para a segurança social há pelo menos um ano.
Em resumo, o mecanismo que o governo extinguiu era a forma de legalização de quem já tinha trabalho em Portugal. Sabendo que fim do fluxo migratório não se decreta, o que pretendem fazer quem venham a estar na mesma situação? Deportar pessoas que têm trabalho? O próprio governo deu a resposta, abrindo a possibilidade a novas regularizações extraordinárias, a conta-gotas. A prova de que isto não resolve coisa alguma.
O segundo pressuposto desta alteração não é uma mentira, é uma ilusão. É que os consulados, que nem para os portugueses funcionam, vão tratar dos vistos com contrato de trabalho prévio. O Sindicato dos Trabalhadores Consulares já se riu. Nem aos vistos normais conseguem dar resposta. O reforço de três pessoas suplementares em 15 embaixadas servirá, no máximo, para ajudar a cumprir as atuais funções consulares. Alem de muitos países ou regiões de onde vêm grandes fluxos migratórios nem sequer terem representação diplomática ou consular portuguesa. Quem acha que esta será a via de entrada no país gosta de ser enganado. E quem acha que restaurantes, construtoras e pequenas fábricas vão fazer contratações por via das embaixadas não sabe em que país vive.
Em que é que as novas normas resolvem os problemas de quem espera e desespera pela regularização? Na realidade, limita-se a pôr outros tantos na mesma situação e, no que toca a quem espera por uma resposta, o governo nem sequer consegue avançar com prazos. Está tudo na mesma. A solução foi deixar novos imigrantes na ilegalidade. A promulgação desta decisão, mal foi conhecida e sem ter havido qualquer debate político ou estar implementada qualquer solução alternativa, cria um vazio. É a demonstração que o Presidente já pouco mais é do de que amanuense do governo.
A conversa sobre a atração de imigrantes qualificados onde nem se conseguem fixar os nacionais qualificados demonstra o registo propagandístico do plano. Se estamos a falar de trabalhadores qualificados, como pedreiros ou eletricistas, de que temos falta, a imigração brasileira tem trazido muitos e muitos até fazem, se trabalharem com direitos, a qualificação em Portugal. É nisso que devemos trabalhar. Se estamos a falar de altamente qualificados (têm vindo de países comunitários, norte-americanos e estudantes), isso depende da atratividade da nossa economia, das nossas empresas e das universidades. Aí, o principal papel do Estado cumprir a sua função burocrática em vez de ser uma permanente barreira.
O que o governo acabou de fazer não foi passar de portas escancaradas para portas abertas. Foi passar de uma porta com problemas para uma janela que não funciona. Os imigrantes que fazem a economia andar e entravam como turistas vão continuar a entrar, na mesmíssima quantidade e da mesma forma, porque há trabalho para eles. Enquanto a economia deles precisar, eles virão. Seja qual for a lei, como tem descoberto o Reino Unido, por mais que a endureça. Apenas permanecerão ilegais, nas mãos das redes e dos patrões, sem acesso à regularização e a instrumentos de integração. O plano do governo, que criminaliza a imigração, é impraticável. Mas uma excelente notícia para quem lucra com a clandestinidade.»