3.6.24

A Madeira e o elogio ao parlamentarismo

 


«Depois das eleições da Madeira, pareceu-me evidente que o Partido Socialista não teria condições para se propor a formar governo. A opção de Paulo Cafôfo foi oposta à de Pedro Nuno Santos, que não seguiu a ideia de Rui Tavares – de saber que bloco tinha mais força (se o da Geringonça ou da AD com a IL) para se propor a governar –, assumiu imediatamente a derrota. Mas há outra diferença: o que estaria em causa, na Madeira, seria mudar o ciclo de poder do Partido-Estado que, manietando a sociedade e a economia, tem conseguido impedir a construção de alternativas.

O erro do Partido Socialista e do Juntos Pelo Povo não foi apresentarem-se como alternativa. Sou um parlamentarista e isto facilita estes debates, não tendo que andar a ver nas dobras dos discursos, nas vitórias ou nas derrotas decretadas por comentadores, a legitimidade de um governo. Não corro o risco das incongruências de quem não se opôs a um governo liderado por um partido derrotado nos Açores, em 2020, que foi ao representante da República sem sequer ter uma maioria segura e a quem foi dado o direito de tentar formar governo, procurando outros aliados. E assim conseguiu mudar o ciclo de 24 anos de poder do PS. Na altura, Montenegro não falou, como agora, de um inaceitável “geringonçar”, nem se espantou por, numa democracia, poder governar quem perdeu. Se há uma maioria parlamentar ela corresponde a uma maioria de votos e o governo é legitimo. Ponto.

O erro do PS e do JPP foi terem dado este passo sem nenhum sinal de que contariam com o apoio do CDS e da IL. Dirão que uma aliança entre estes partidos seria contranatura, mas retirar do poder um partido que lá está há meio século, forçando uma mudança de ciclo, podia ser cimento suficiente. Não foi. Aparentemente, não tinham esta segurança. Mas não fizeram mal algum à democracia com a sua tentativa. Apenas passara a vergonha de não ter base política para o passo que queriam dar.

O representante da República recebeu garantias de que o Chega não vai bloquear a aprovação de orçamentos. É o mesmo PSD que governa a Madeira e os Açores com a anuência do Chega que acusa o PS de fazer uma coligação negativa com Ventura.

Foi encontrada uma solução com sustentação no parlamento e ainda bem. Se o PS e o JPP o conseguissem, também seria aceitável. Qualquer uma destas soluções é mais saudável do que uma minoria governar na condição de parte da maioria dos deputados deixar de representar os seus eleitores, estando impedida de fazer oposição e até de apresentar propostas que sejam aprovadas pela maioria dos deputados. Seria especialmente absurdo exigir que a oposição se anulasse em nome da estabilidade de 48 anos de poder do mesmo partido. O problema da Madeira é excesso de estabilidade. Imaginem o bem que faria à tão frágil democracia madeirense se, para alem de uma sociedade e de uma economia manietadas, também se manietasse a oposição.

A crise adiada em que vivemos no País tem um responsável: um Presidente da República que, antes de dar posse a Montenegro, não cuidou de saber com que maioria pretendia ele governar. E não esperou, como se faz por esse Europa fora, por vezes durante meses de negociação, que cada um assumisse a sua responsabilidade. Pelo contrário, depois de acelerar a tomada de posse de um governo com o apoio muitíssimo minoritário, tem-se dedicado à chantagem pública sobre os atores políticos, passando do lugar de árbitro para o de jogador. O parlamentarismo funciona e tem as soluções. Só não está preparado para quem, em vez das suas regras, prefere o jogo cínico das sombras.»


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