Eu nunca tinha ouvido falar de Miguel Alves, o novo secretário de Estado adjunto de António Costa, que vai ajudar a coordenar o governo e nem sei mais o quê. Mas o nível deste discurso que ele fez na última campanha eleitoral deixa-me… Sei lá! Perplexa?
«O primeiro-ministro (PM) tem colocado expectativa num hipotético Acordo de Política de Rendimentos, em discussão na Concertação Social. Que contributo esperar dessa discussão, para a melhoria estrutural da economia e das condições de vida? Os trabalhadores e os reformados, que vêm perdendo rendimentos aceleradamente, vão ver essa situação invertida?
Em finais de 2019, antes da pandemia da covid-19, a necessidade de abandonar estratégias de competitividade baseadas na compressão permanente dos salários parecia ser generalizadamente aceite. O PM falava em revalorização salarial e na necessidade de equilibrar a injusta repartição do rendimento nacional - muito desfavorável ao trabalho -, considerando essas opções como fatores indispensáveis para "reter as gerações mais jovens" e "melhorar o perfil de especialização da economia". António Costa pode jurar que não abandonou esses objetivos, mas as políticas que vem promovendo negam a sua viabilidade.
Com a pandemia e os primeiros sinais de inflação, rapidamente exponenciados com a invasão da Ucrânia, o cenário que nos era apresentado em 2019 foi-se dissolvendo no ar. Alguns economistas, liderados pelo governador do Banco de Portugal, puseram a circular a ideia de que aumentos salariais em contexto de inflação tendem a alimentar uma espiral imparável de subida de preços. O palpite do governador foi prontamente assumido pelo Governo como verdade científica. As confederações patronais que, confrontadas com a dificuldade em atrair mão de obra, admitiam melhorar as remunerações, estão agora entrincheiradas na imposição de baixos salários: estão as empresas que vivem reais dificuldades e precisam de ajudas; as muitas que conseguem transferir o agravamento de custos, mas não o confessam; as que têm beneficiado de lucros fabulosos.
Os objetivos anunciados pelo Governo para a atualização salarial da Administração Pública - que contamina sempre toda a negociação salarial - indiciam que está em curso, não a revalorização salarial prometida, mas sim novo afundamento dos rendimentos (reais) dos trabalhadores.
O PM sabe que o efeito da inflação no rendimento tanto pode ser conjuntural como estrutural, ou seja permanente. Quando a inflação é acompanhada de uma atualização do rendimento equivalente ao aumento médio dos preços, o seu efeito no rendimento real (isto é, em termos de poder de compra) é meramente conjuntural. Mas, se essa atualização não ocorrer e o rendimento de que se dispunha antes do aumento dos preços for acrescido de uma percentagem inferior à taxa de inflação, então o valor real do rendimento degrada-se condicionando negativamente toda a sua trajetória futura. O efeito da inflação torna-se permanente, repercute-se no futuro. Isto é particularmente grave para os pensionistas para quem é difícil compensar a degradação do valor real da pensão com outras fontes de rendimento.
As prestações pecuniárias ocasionais, como as que o Governo adota, são compensatórias? Sim. Mas só compensam momentaneamente, não se repercutem em rendimentos reais no futuro. E, as transferências ocasionais desligadas da consolidação dos direitos sociais fundamentais (ancoradouro da cidadania e da democracia), são caminho perigoso.
O senhor primeiro-ministro terá consciência de que a bota não dá com a perdigota. Talvez um pouco mais de rigor e verdade ajudem na resolução dos sérios problemas dos cidadãos e do país.»
«A prova de que o nosso sistema de ensino tem problemas é que o próprio Ministério da Educação não aprende. Todos os anos, o ano lectivo começa com professores em falta. O que é desaconselhável porque há quem diga que os professores são uma peça importante do processo educativo. Estudos indicam que aulas em que os alunos se limitam a olhar para um estrado vazio são menos enriquecedoras do que aquelas em que está presente um professor, a explicar coisas. Não é garantido que, mesmo com um professor a explicar coisas, os alunos aprendam. Mas toda a gente concorda que ajuda bastante.
Todos os anos, em Setembro, falamos erradamente em “regresso às aulas”. Trata-se, na verdade, de um regresso à escola. O regresso às aulas costuma ocorrer apenas em Outubro, Novembro ou, às vezes, Fevereiro. É um problema recorrente, pelo que integra a categoria de problemas “estruturais”. Ninguém divisou ainda um modo de solucionar a questão, mas eu tenho uma proposta. Consiste em aplicar ao ministro da Educação o mesmo sistema de faltas que é imposto aos alunos. De acordo com os jornais, há cerca de 60 mil alunos com pelo menos um professor em falta. Seriam então assinaladas 60 mil faltas ao ministro. O encarregado de educação do ministro — que será, em princípio, António Costa — seria chamado a justificar as faltas. Se não fosse apresentado um atestado médico ou documento comprovativo do falecimento de 60 mil familiares, o ministro reprovaria, e seria convidado a sair. Obrigá-lo a repetir costuma ser um castigo para alunos e professores, e não para ele.
Em defesa do Ministério da Educação, há que dizer que é difícil agradar aos cidadãos. Recordo que, para aquele casal de Famalicão, há aulas a mais; mas para a generalidade dos pais há aulas a menos. Se faltassem docentes apenas das aulas de cidadania talvez os protestos diminuíssem, mas nem essa sorte temos. Além disso, este é o ano em que as escolas portuguesas vão receber cerca de quatro mil alunos ucranianos refugiados. Tivéssemos nós um início de ano lectivo sem sobressaltos e esses alunos poderiam verificar, com mágoa, a diferença entre um país tranquilo, no qual tudo funciona, e a sua própria pátria, devastada por uma guerra. Se lhes dermos a oportunidade de sentir que um país em paz também pode estar mergulhado numa barafunda irremediável, talvez eles não sofram tanto com a comparação. O Ministério da Educação não é incompetente, é empático.»
Victor Jara foi assassinado em 15 (ou 16) de Setembro de 1973, poucos dias depois do golpe em que morreu Salvador Allende.
No dia 11, estava nas instalações da Universidade, que foram cercadas por militares, sendo depois transportado para um Estádio transformado em campo de concentração, onde foi torturado e assassinado.
Poucas horas antes de morrer, escreveu o seu último poema – «Somos cinco mil» – que chegou até nós graças aos seus companheiros de cativeiro.
«Queríamos as nossas vidas» e as ruas encheram-se com a maior manifestação desde o 25A. E agora, em Setembro de 2022, não queremos? Sei lá! As ruas estão serenas.
Haverá ainda por aí alguns soberanos com os pés para a cova, outros a tomarem posse depois de eleições ou a celebrarem centenários com corações de reis em campanhas eleitorais? Para prever se «o nosso» não pára e se continua a voar de continente em continente! Um espanto!
«Das questões substanciais da entrevista que António Costa deu, na segunda-feira, à CNN, e da forma como honra a palavra que dá, tratarei no texto de amanhã, no semanário. Agora fico-me pela novela do aeroporto de Lisboa, que está em cena há meio século. Ficámos a saber que o primeiro-ministro se está a preparar para decidir a metodologia de decisão sobre a sua localização. Que as conversas com Luís Montenegro durarão, mais coisa menos coisa, um ano e meio. Que, 50 anos depois, Costa mostrou a firmeza que oferece ao processo de não decidir e voltou tudo à estaca zero. Ou antes dela, porque agora Santarém foi acrescentado ao naipe de escolhas. Vai ser mais um ano e meio de especulação com terrenos e pressões económicas múltiplas.
Mas há uma coisa que António Costa sabe: Pedro Nuno Santos não participa no processo de decisão mais relevante que o seu Ministério tem em mãos. Diria que é mesmo a única coisa que Costa tinha para dizer sobre o tema porque é mesmo a única coisa que lhe interessa no tema. Duvido que seja verdade, porque Costa nem sequer tem uma equipa política e técnica no seu gabinete para negociar a localização do aeroporto. Mas foi essa a ideia que quis passar.
Depois de lhe ser perguntado se Pedro Nuno Santos participa nas reuniões preparatórias, em vez de um evidente “sim”, já que é o ministro da tutela, Costa respondeu: “O ministro estará presente nos momentos em que tivermos que encerrar o acordo e sobretudo quando tivermos que executar o que for decidido.” Ou seja, o ministro das Infraestruturas saberá por Luís Montenegro onde será o aeroporto de Lisboa. Nem consigo imaginar a satisfação com que quadros socialistas terão visto um dos seus principais dirigentes e ministros menorizados desta forma perante o líder da oposição, quase obrigados a ir a despacho à Santana à Lapa.
António Costa quis fazer crer que o papel do ministro é executar, não é decidir ou participar na decisão. Como saberão, quem vai executar a obra não é o Governo, é a Vinci. O papel do ministro, de qualquer ministro, é mesmo tomar decisões. Mas o primeiro-ministro passa a ideia, numa visão reveladora da forma como gosta que os portugueses olhem para quem trabalha consigo, que os ministros executam, não participam nas decisões dos seus próprios ministérios.
António Costa sabe que Luís Montenegro não se podia estar mais nas tintas para a localização do aeroporto. Que, sendo evidente que o tema serve para novelas internas do Governo, fará tudo para arrastar o assunto. Sabe que o PSD já mudou de opinião vezes sem conta. Sabe que enquanto prolongar a decisão, vai mudar mais umas quantas. Que a palavra que o PSD tenha sobre a localização do aeroporto tem um prazo de validade semelhante à palavra do PS sobre a lei de atualização das pensões.
Nada disto interessa a Costa. Está obcecado com o homem que, em 2018, se atreveu a subir ao palco do congresso do PS e a sair de lá com uma ovação, obrigando-o a avisar que não tinha metido os papéis para a reforma. Talvez Pedro Nuno Santos tenha tido, como lhe acontece muitas vezes, demasiada pressa. Mas é evidente que ganhou um inimigo para a vida, porque Costa não suporta a sombra. Só aguenta “yes-men” e 2yes-girls”, afastando ou destruindo todos os que no Governo se atrevam a pensar que têm existência autónoma.
António Costa está de tal forma obcecado que parte da estrutura do Governo foi desenhada para barrar o futuro de Pedro Nuno Santos. A sua alternativa para o sucessor – porque Costa nem sequer aguenta a ideia de não ser ele a determinar quem lhe sucederá daqui a uns longínquos quatro anos – é o senhor ou a senhora Seja Quem For. E para anular aquele que, no PS, continua melhor colocado para a sucessão, não se importou de alimentar uma novela absurda e adiar uma decisão fundamental. E se a vida do PS é com o PS, isto diz-nos respeito: segundo a Confederação de Turismo, atirar o novo aeroporto de Lisboa para 2028 custará ao país sete mil milhões de euros e 25 mil empregos.
É miserável que um primeiro-ministro trate assim um ministro. Revela falta de sentido de Estado que razões estritamente internas ao seu partido determinem decisões fundamentais para o país e que fragilize um ministro que tem de lidar com interesses externos ao Estado. Neste tema, Costa comporta-se como um presidente de uma concelhia, não como um primeiro-ministro.
António Costa sabe que Pedro Nuno Santos tem uma boa parte do partido para a fase seguinte. Não o pode fazer cair, como fez com outros. Por isso, tenta destrui-lo dentro do Governo. Se Pedro Nuno Santos ainda deseja a liderança do Partido Socialista, este bullying coloca-o perante um dilema. Se, farto deste tipo de indignidade, sair do Governo, afasta-se de tudo o que consumirá o PS nos próximos quatro anos – o exercício do poder – e arrisca-se a perder o partido. Se decide ficar, corre o risco de António Costa matar a sua imagem e a sua dignidade. Tem quatro longos anos para o fazer.»
«O tratamento mediático mainstream tanto no Brasil como em Portugal, seu antigo colonizador, do bicentário da independência do maior país da América Latina foi, de um modo geral, uma demonstração de uma irrefutável verdade histórica: as elites ocidentalizadas (o adjetivo é político-cultural) globalmente hegemónicas são profundamente racistas e eurocêntricas. Não nos deve espantar, pois, que ajam como se a importância de África e dos africanos para a construção do mundo moderno fosse inexistente.
Não me refiro ao pedido das autoridades brasileiras para que Portugal enviasse, a título de "empréstimo" (?) o coração de D. Pedro II para, supostamente, ser venerado pelos brasileiros (será que eles, a braços com uma profunda crise civilizacional instaurada pelo bolsonarismo e às vésperas de uma eleição decisiva, que pode interrompe-la ou mantê-la, o fizeram mesmo?). De igual modo, não comentarei os vários textos que li na imprensa portuguesa enaltecendo, com um saudosismo bacoco, a "obra" do Portugal colonial no Brasil.
A questão de fundo é a omissão deliberada do seguinte facto crucial: o papel determinante do trabalho de milhões de africanos escravizados na construção do Brasil, dos quais, lembro, cerca de 80% eram provenientes de Angola. De igual modo, é impossível deixar de mencionar os milhões de cadáveres dos povos originários locais e dos africanos levados à força para o território brasileiro. A "obra" colonial de Portugal no Brasil - assente, diga-se, numa invenção criada pelos portugueses em São Tomé e Príncipe e que se espalharia pelo mundo de então, nomeadamente nas américas, a "tecnologia da plantação" - é, pois, tributária do sangue de todos esses homens.
O facto é que, pesem embora as deliberadas e estruturais (o que é a mesma coisa) políticas de destruição dos brasileiros de origem negro-africana, os mesmos continuam a ser até hoje a maioria demográfica do país. Além do seu contributo económico à construção do Brasil, o seu papel para a formulação da cultura e da identidade brasileiras é absolutamente incontornável. As principais marcas do Brasil ainda hoje são negras: o samba, o Carnaval e Pelé. Além disso, e graças principalmente ao trabalho das novas gerações de intelectuais afro-brasileiros surgidos como resultado das políticas públicas dos governos Lula, começam a ser resgatadas as contribuições de várias outras figuras negras para a própria independência, bem como para a construção do Brasil, em diferentes áreas.
Essas contribuições foram liminarmente ignoradas, de um modo geral, quer nas comemorações oficiais do bicentenário do Brasil quer nas repercussões do assunto na imprensa dominante, no país e fora dele. Por isso, o jornalista, escritor e produtor cultural Tom Farias recordou, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, que a ideia de comemorar os 200 anos de vida do Brasil como país independente "não se coaduna com a ideia de liberdade de homens e mulheres negros e negras - de ontem e de hoje". O título do artigo antecipa o seu conteúdo: - "Uma independência sem negros não vale a pena".
A maka é que as elites historicamente hegemónicas em todos os países da América Latina são descendentes dos antigos colonizadores portugueses e espanhóis, sendo responsáveis pela reprodução, após as respetivas independências, não apenas da ideologia, mas igualmente das mesmas estruturas de dominação herdadas do passado. Lembro-me, a propósito, de um conhecido meu colombiano a quem um dia perguntei pela situação dos negros no seu país, ao que ele me respondeu que na Colômbia não havia negros. Confesso que, por instantes, fiquei sem saber como reagir, tendo sido acometido de sentimentos contraditórios.
A verdade é que a contribuição negro-africana para a constituição de novas nações no continente americano e no Caribe, para a consolidação e universalização do capitalismo e para a edificação da modernidade não carece de demonstração. Apenas de honestidade para reconhecê-lo e valorizá-lo devidamente.»
«O mundo está fascinado com a morte de Elizabeth. Nunca a morte de um político, mais ainda quem tivesse representado o seu povo por eleição, recebeu tal atenção. O universo mediático, que é onde respiramos, inunda-nos de imagens celebratórias deste funeral ao longo de uma dezena de dias, incluindo solenidades em catadupa e insistentes demonstrações de ansiedade e devoção de populares e dignitários.
Há nisso respeito por uma figura que os britânicos se habituaram a ver a representar cuidadosamente o seu papel nesta trama que é a monarquia, porventura compungida pelo comportamento, quantas vezes boçal, de filhos e netos, e entretanto movendo-se vagarosamente entre as intrigas da corte e os desastres do seu império, que foi desabando em vergonha e cinismo durante este reinado. Mas há ainda a ocupação obsessiva do espaço público, esta morte telenovelisada é a chave para tentar preservar prestígio na representação de uma monarquia que sofre sempre que passa o poder: é demasiado óbvio que a transmissão da coroa por hereditariedade, ou a sua consagração com uma religião de Estado, são relíquias medievais que não escapam à comparação democrática. Morreu então Elizabeth e a espetacularização do seu passamento atinge píncaros que nunca alcançou em vida.
E morreu Godard. Não terá tantos dias de exéquias, o caixão não viajará de palácio em palácio, faltarão as missas compungidas, a Comunidade de Madrid não declarará três dias de luto, não haverá bandeira a meia haste por esse mundo fora, não virão chefes de Estado fazer-se fotografar no funeral, nem será transmitido em direto, faltarão as notas oficiosas e oficiais que não serão publicadas pelas diversas chancelarias. No entanto, Godard marcou mais o nosso tempo do que Elizabeth.
Godard trabalhou, Elizabeth não. Ele inventou, ela repetiu.
Godard criou, Elizabeth conservou. Ele viveu a vida difícil, ela viveu a vida fácil.
Godard submeteu-se à opinião do público, ela via o povo como súbditos que se curvavam.
Godard transgrediu, atreveu-se, inventou. Ela protegeu tradições para se opor à modernidade.
Godard iluminou, o herdeiro dela gaba-se de ser um anti-iluminista.
Godard trabalhou com outra gente, fez atrizes e atores, deu-lhes vida, criou saber. Elizabeth preservou uma modorra infinitamente aborrecida.
Godard deixa uma herança, vamos ver os filmes dele enquanto houver cinema. Elizabeth deixou Carlos e uma família que em parte se mostra e em parte se evita.
Para o que interessa, que é a cultura, ou o que nos faz partilhar a vida, as ilusões, os encantamentos, as nostalgias, a esperança e a realidade, é de Godard que nos vamos lembrar. E essa memória e respeito pela obra será a homenagem que nenhum poder dinástico jamais alcançará.»
«Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire ? J'sais pas quoi faire!»
Geraldo Vandré nasceu em 12 e Setembro de 1935, iniciou a carreira nos anos 60 e algumas das suas canções tornaram-se ícones da oposição ao regime militar de 1964. A mais conhecida, muito cantada em Portugal antes do 25 de Abril por razões óbvias, é certamente «Pra não dizer que não falei das flores».
Nasceu na Guiné (Bafatá), em 12 de Setembro de 1924, fez o liceu em Cabo Verde, veio mais tarde para Lisboa onde se licenciou em Agronomia. Em 1956 foi um dos fundadores do PAIGC, partido que liderou e que, em Janeiro de 1963 declarou guerra contra o colonialismo de Portugal. Dez anos mais tarde, em 20 de Janeiro de 1973, assassinaram-no em Conacri.
Foi precisamente em Conacri (1969) que esta entrevista teve lugar:
Vale a pena percorrer um riquíssimo arquivo, recuperado e tratado pela Fundação Mário Soares, a pedido das autoridades guineenses e caboverdeanas e com o especial empenho de Aristides Pereira, Iva Cabral e Pedro Pires. Encontra-se na «Casa Comum», site criado por aquela Fundação, e pode ser consultado a partir daqui.
«Muito antes de Marta Temido se ter demitido por causa de "um episódio de grande gravidade", mas que os responsáveis do Hospital de Santa Maria consideraram que o desfecho poderia ter sido igual se a grávida não tivesse sido transferida, já São Bento e Belém tinham decidido que a ministra estava a prazo. A verdade sobre a sua demissão está muito mais perto da perceção, partilhada pela própria ministra, de que "o sector da saúde a via mais como parte do problema do que da solução".
Por se tratar de um problema estrutural onde abundam soluções conjunturais, é natural que os titulares da pasta sejam apresentados como os primeiros responsáveis pelos falhanços e acabem sacrificados, como forma de nos convencer que o governo foi enganado. A substituição de uma ministra pode servir para pôr o conta-quilómetros a zero, mas a habilidade para vender carros velhos como se estivessem a sair da fábrica atinge nesta história um nível de profissionalismo político só ao alcance de António Costa.
Adalberto Campos Fernandes caiu num fim-de-semana, logo depois do Orçamento do Estado ter sido aprovado, e foi substituído por Marta Temido, crítica das relações do ministério com as Finanças. Os "críticos" levaram o ministro a queixar-se dos que o fazem "apenas para desestabilizar". Marta Temido é agora substituída por um dirigente do PS que ainda este ano acusava "o Ministério da Saúde de centralismo exacerbadíssimo" e criticava o fim das PPP na Saúde. Por mais palmadinhas nas costas que as televisões mostrem na hora de uns partirem e outros chegarem, substituir alguém por um dos seus críticos permite ao chefe do governo passar a ideia de que culpa nunca é dele, nem do governo que chefia, mas de quem recebeu guia de marcha.
Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, é evidente que se cansou muito rapidamente de Temido, uma ministra que se afirmou à esquerda e que o obrigou a intervir na Lei de Bases da Saúde para permitir as PPP e que verá agora com bons olhos a chegada de um ministro que é favorável a essas parcerias e a uma descentralização efetiva na gestão do Serviço Nacional de Saúde. A cumplicidade entre o primeiro-ministro e o Presidente da República é evidente desde que apareceu este bloco central de palácios (expressão original do agora ministro Pedro Adão e Silva), mas talvez nunca tenha atingido uma comunhão de interesses tão flagrante.
Ouvir António Costa dizer que "quem quer mudança da política tem de fazer cair o governo" não nos pode levar a pensar que o primeiro-ministro está a dizer que a linha seguida na Saúde não vai ser alterada. A literalidade no discurso político é coisa rara e, portanto, é bem provável que Costa nos esteja a dizer que Temido caiu por ter feito perigar a política de Costa & Marcelo SA, no ramo da Saúde. Aliás, a primeira escolha do primeiro-ministro para esta área, Adalberto Campos Fernandes, dizia que havia quem no PS tivesse o fascínio de fazer do partido "um Bloco 2.0". Costa acha exatamente o mesmo e quer o PS na Saúde de regresso ao centro, onde conquistou a maioria absoluta como resultado de um braço-de-ferro orçamental, com PCP e Bloco, que tinha epicentro no SNS.
A firma vai de vento em popa e, por mais erros que cometa, continua a funcionar em monopólio quase absoluto. Estamos ainda muito longe de viver a política portuguesa sem Costa e Marcelo em perfeita simbiose. É por isso que os dois arranjam sempre forma de se encontrarem ao centro. Luís Montenegro não parece ser o líder da oposição para levar a firma à falência. Será o povo ou um cargo feito à medida em Bruxelas para o sócio fundador.»
«Há vida além do trabalho e são cada vez mais os profissionais que recusam ceder aos excessos da vida profissional. A pandemia deixou ao mercado de trabalho vários legados. Um deles foi a ideia de que é possível trabalhar de outra forma, rompendo com a prática das longas jornadas de 10 a 12 horas de trabalho no escritório. Nos últimos meses uma nova tendência tem vindo a ganhar dimensão no mercado. Os especialistas chamam-lhe demissão silenciosa — quiet quitting, na designação original — e a tendência tornou-se viral através da rede social TikTok.
Não se trata de uma demissão no sentido formal do termo. Os trabalhadores não se recusam a trabalhar nem são negligentes na execução das tarefas, simplesmente impõem limites. Não fazem horas extra, não vão além das funções para as quais foram contratados, não trabalham mais por “amor à camisola”. Cumprem a função para a qual foram contratados, no horário estipulado. Vanda Brito, diretora de recursos humanos da consultora Kelly Portugal, defende que esta mudança de mentalidade, cimentada durante a pandemia, marca uma rutura com a forma como nos relacio¬namos com o trabalho e o seu papel nas nossas vidas. “É um caminho sem retorno, este de mostrar que a nossa carreira não nos define como pessoas e não é o centro da nossa existência”, que está a ser alavancado sobretudo pelas novas gerações de profissionais, mas “certamente que terá um efeito de contágio às anteriores”.
Mas, para Vanda Brito, a grande questão é: “As organizações estarão preparadas para atingir objetivos quando uma parte da sua força de trabalho admite que só fará o mínimo e estritamente necessário?” E a resposta é clara: “Não. As empresas terão, forçosamente, de acompanhar esta mudança de paradigma no que diz respeito à forma como os profissio¬nais se relacionam com o trabalho.”
A forma como esse caminho é percorrido, diz, será crítica para a capacidade de contratação, retenção e competitividade das empresas. “O que os trabalhadores nos estão a dizer, sobretudo os mais jovens, é que gostam de trabalhar, querem trabalhar, mas não é o trabalho que os define ou que domina a sua vida”, explica, enfatizando que “esta postura marca uma rutura com as gerações anteriores, muito focadas na carreira, na necessidade de reconhecimento, na progressão e no sucesso”.
Anthony Klotz, professor da Faculdade de Gestão da Universidade de Londres, que sinalizou também a tendência recente da vaga de demissões — conhecida como great resignation —, que se iniciou quando as empresas começaram a chamar os profissionais de volta ao escritório, depois de quase dois anos em teletrabalho, sinalizou recentemente numa entrevista à BBC que o menor compromisso dos trabalhadores com o empregador tem vindo a ser estudado.
MAUS CHEFES OU MAUS PROFISSIONAIS?
São várias as razões que podem levar um trabalhador a aderir ao movimento da demissão silenciosa, e muitos profissionais podem até ter mesmo como objetivo o despedimento. Klotz sinaliza como exemplos a insatisfação profissional, falta de reconhecimento das chefias, objetivos de progressão frustrados, salário ou condições de trabalho pouco aliciantes, desmotivação ou ansiedade constante com a rotina laboral.
Na verdade, uma pesquisa recente da consultora Zenger/Folkman, publicada na “Harvard Business Review”, sinaliza que o movimento da demissão silenciosa tem mais a ver com maus chefes do que com maus trabalhadores que não estão dispostos a “dar o litro”. A consultora, especializada no desenvolvimento de lideranças, reuniu dados de 2801 gestores que foram avaliados por 13.048 subordinados.
Focando-se no papel dos líderes e partindo da questão que diferencia aqueles que encaram o trabalho como uma prisão dos que sentem que o trabalho lhes dá um propósito, a consultora concluiu que os gestores avaliados como menos eficazes têm três a quatro vezes mais subordinados que se enquadram na chamada “desistência silenciosa”, por comparação aos líderes mais eficazes.
Argumentos que reforçam a convicção de Vanda Brito de que “esta é uma oportunidade única para repensar a cultura das empresas e os modelos de liderança”. Um bom líder, diz, “faz com que os colaboradores queiram estar na empresa e se empenhem nos objetivos”. Mas para isso “é preciso criar um ambiente justo e de reconhecimento”.
E o tema até é urgente. A braços com uma crise económica, com a inflação a disparar e dificuldades de contratação, as empregas precisam da sua força de trabalho em “compromisso máximo” para não falhar objetivos e garantir a sustentabilidade. Assim, sinaliza Vanda Brito, “este movimento da demissão silenciosa pode trazer problemas adicionais às organizações”.»
11 de Setembro de 1973 foi uma data trágica para o Chile, o dia em que o regime democrático foi derrubado por uma acção conjunta dos militares e outras organizações chilenas, com o apoio do governo dos Estados Unidos e da CIA.
Salvador Allende afirmou, bem antes desse dia, que estava a cumprir um mandato dado pelo povo em 1970 e que só sairia do palácio depois de o cumprir. Ou que o faria «com os pés para diante, num pijama de madeira». Assim aconteceu.
Depois, foi o que é conhecido: 30.000 chilenos foram assassinados durante o regime de Pinochet.
Na íntegra, o texto do último discurso de Salvador Allende, que nem sempre é fácil seguir quando se ouve no vídeo:
«Seguramente ésta será la última oportunidad en que pueda dirigirme a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de Radio Postales y Radio Corporación.
Mis palabras no tienen amargura sino decepción. Que sean ellas un castigo moral para quienes han traicionado su juramento: soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el almirante Merino, que se ha autodesignado comandante de la Armada, más el señor Mendoza, general rastrero que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al gobierno, y que también se ha autodenominado director general de Carabineros.
Ante estos hechos sólo me cabe decir a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar!
Colocado en un tránsito histórico, pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que hemos entregado a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente.
Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.
Trabajadores de mi patria: Quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra en que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo.
En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unidos a la reacción, crearon el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara el general Schneider y reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.
Me dirijo a ustedes, sobre todo a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la patria, a los profesionales patriotas que siguieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios clasistas que defendieron también las ventajas de una sociedad capitalista.
Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron y entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero que trabajó más, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las vías férreas, destruyendo los oleoductos y los gasoductos, frente al silencio de quienes tenían la obligación de proceder.
Estaban comprometidos. La historia los juzgará.
Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz ya no llegará a ustedes. No importa. La seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal con la patria.
El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.
Trabajadores de mi patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.
¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!
Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano. Tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.»
ONE WORLD TRADE CENTER, com 102 andares, aberto ao público em Maio de 2015. Perto do 9/11 Memorial, nele se encontra o «One World Observatory», com 360º de vista sobre NY.
Com o requinte das novas tecnologias, é possível localizar e focar, num tablet, cada edifício ou espaço importante de Manhattan e ver, em detalhe, a sua estrutura, história e funcionalidade. Fascinante.