18.4.20

Isto não se inventa!



Tudo ao molho e fé em Deus, que a Emergência já lá vai (?), mas com nome e função na viseira  do ministro porque ele é que é o presidente da Junta.
.

Entretanto na Europa



Esteban González Pons no Parlamento Europeu.
.

Grande Francisco!




«De acordo com a imprensa internacional, o grupo ofereceu ao líder máximo da Igreja uma garrafa de uísque, gesto que terá levado Francisco a dizer uma afirmação no mínimo curiosa: que aquela bebida alcoólica é a "verdadeira" água benta.
“Questa e la vera acqua santa. (Esta é a verdadeira água benta)", terá dito, provocando uma gargalhada geral entre os presentes.
Após o sucedido, o vídeo terá sido censurado pelo Vaticano, que cortou a parte onde surge o comentário feito pelo Papa Francisco.»
.

Não vai ficar tudo bem



«Com o país de olhos postos no contador diário apresentado por pivôs-catequistas, tento ver o futuro. Em dias bons vejo nações que valorizam o Estado Social e o SNS. Políticos que leram o editorial do insuspeito “Financial Times”, onde de defende um papel mais robusto para os governos na economia, mercados laborais mais seguros, serviços públicos tratados como investimento, redistribuição de recursos e impostos sobre os mais ricos. Um povo que não voltou a engolir a conversa de 2011. Noutros dias enjoo-me com o “vai ficar tudo bem”, que nos trata como crianças. Não vai ficar tudo bem e só depende de nós se o mal que vai ficar ajudará a construir qualquer coisa decente para os nossos filhos ou se apenas nos retirará mais direitos sociais e liberdades cívicas. O indispensável regresso condicionado às ruas e ao trabalho, antes da vacina, vai aumentar o controlo social. Temos de ser cuidadosos com as portas que vamos abrindo, porque algumas nunca mais se fecharão. Se isto durar mais do que um ano, o excecional vai normalizar-se. Até porque corresponde ao ar deste tempo: a tecnologia ao serviço da vigilância em sociedades que prescindiram da privacidade e, por consequência, de um bom quinhão de liberdade.

Não há nada de novo na proposta dos CEO de algumas das maiores empresas nacionais, que queriam que o Estado, por via das operadoras de telemóveis, rastreasse movimentos e contactos de infetados para notificarem e imporem quarentena a quem tenha sido exposto ao risco. A Google e o Facebook já sabem mais sobre nós do que alguma vez a Stasi conseguiu saber sobre os cidadãos da RDA. Mas espero que o Estado me proteja do abuso, não que o incentive ou me peça para colaborar voluntariamente com ele. Dado este poder de vigilância aos Estados, isto será o novo normal. Agora era contra a covid-19, depois seria contra outra epidemia, o terrorismo, a segurança nacional... E não me venham dar garantias de privacidade, que até seria possível. Temos demasiados anos disto para se desculpar a candura.

Este é o momento ideal para meter o pé na porta, aproveitando o medo dos cidadãos, o catecismo do jornalismo, o patriotismo da oposição e o fascínio pela eficácia da tirania tecnológica da China. Imaginem este instrumento disponível na crise económica, social e política que nos espera. Imaginem os governos que ainda vão ser eleitos por essa Europa fora. Imaginem a repressão social que ainda será necessária para garantir que esta crise não prejudica quem neste preciso momento despede precários mas distribui dividendos. Felizmente, o poder político continua, em Portugal, a resistir a este caminho. A Alemanha propõe a criação de um “certificado de imunidade”, um passaporte que permite conquistar o estatuto de cidadão pleno. Parem de olhar para a curva, lembrem-se dos dias que se seguirão e pensem em todas as potencialidades deste ‘biopoder’. Querem que fique tudo bem? Não deixem que o medo nos ofereça o inferno para que toda a literatura futurista nos avisou. Estejam dispostos a correr, como outros correram, alguns riscos pela liberdade. Foi o medo que construiu todas as tiranias.»

.

17.4.20

Poema de Carmen Yáñez, mulher de Luis Sepúlveda



Publicado aqui.
.

Gabriel García Márquez




Morreu há seis anos. O tempo passa depressa.
.

Os dividendos do nosso descontentamento



«O PÚBLICO noticiou ontem que algumas empresas cotadas, incluindo EDP e Galp, mantêm a intenção de pagar os dividendos relativos a 2019. Acontece que estamos na pior crise da economia mundial desde os anos 30, em que Portugal espera uma contração do PIB de 8% (segundo o FMI). Quando trabalhadores e pequenos empresários perdem tanto (muitos quase tudo!), pagar dividendos é um rastilho para a raiva política (como disse o Financial Times). É também provavelmente uma decisão estúpida para a própria saúde financeira das empresas, que podem estar a gastar agora em dividendos recursos que lhes farão falta daqui a uns meses.

Em Portugal, há 40 mil novos desempregados (um aumento de mais de 12% em apenas um mês e meio, dos 315 mil do final de fevereiro) e 930 mil trabalhadoras e trabalhadores com quebras significativas de rendimento por estarem em lay-off. Nunca é demais recordar que estas vítimas da crise são aquelas que estão do lado bom do mercado de trabalho: têm um período suficiente de descontos para a segurança social, vínculos contratuais com as empresas. Do lado mau estão todas as pessoas com vínculos precários, pequenos empresários e trabalhadores independentes. Sabemos que são cerca de um milhão. Sabemos também que o formulário da segurança social para o apoio previsto pelo Governo foi disponibilizado a 1 de abril e que, nos primeiros quatro dias de abril, cerca de 100 mil (10% do universo) se candidataram.

Também sabemos que o apoio (para quem não tem filhos) tem como limite máximo o salário mínimo nacional e só está disponível para quem tem descontos para a segurança social em pelo menos seis meses dos últimos 12. Do lado escuro estão as pessoas que recebem uma parte substancial (ou a totalidade) do seu rendimento sem o declarar, que neste momento estão dependentes do Rendimento Social de Inserção – um apoio curto, com burocracia excessiva e prazos demorados –, cujas condições de acesso não foram alteradas. A decisão de prolongar as prestações dos atuais beneficiários é boa para quem já tem o apoio, mas de pouco serve à condutora de tuk-tuk que vivia essencialmente de gorjetas e está neste momento sem poder pagar as contas. O facto de acionistas de grandes empresas se prepararem para manterem o seu rendimento é só mais uma evidência da polarização excessiva da nossa sociedade: ou a reformamos rapidamente, ou o risco de desintegração, pela mão da raiva política assinalada pelo respeitável Financial Times, é real.

O que podemos fazer? Ocorrem-me pelo menos duas coisas. A primeira é que o Governo iniba as empresas que recebam apoios no contexto desta crise de distribuir lucros e pagar prémios de desempenho. O The Guardian noticiou na quarta-feira que a Comissão Europeia vai proibir dividendos e prémios nas empresas em que o Estado se torne (temporariamente ou não) acionista devido à crise. Por enquanto, em Portugal esta possibilidade só está em cima da mesa para a TAP. Mas não há qualquer razão para a interdição não se alargar a todas as empresas com ajudas. Em França, Bruno Le Maire já fez saber que as empresas que recorram a ajudas do Estado, incluindo moratórias nos pagamentos de Segurança Social e impostos, não devem distribuir lucros ou pagar dividendos.

A segunda é menos direta, mas igualmente eficaz. Vamos imaginar que estas empresas pagam dividendos porque realmente podem e não estão a calcular mal os riscos de ficarem descapitalizadas em face da maior crise dos últimos 100 anos. É plausível, quando estamos a falar da EDP e da Galp. Mas isso quer dizer que há rendas, que é como quem diz: a remuneração do capital e dos conselhos de administração é superior àquela que lhes cabe como retorno justo da sua produtividade. Portanto, é evidente que há espaço para aumentar os impostos sobre os lucros destas grandes empresas e sobre as remunerações dos seus acionistas e quadros dirigentes, sem que isso tenha um custo económico. Quero dizer: impostos que recaem sobre rendimentos que são rendas desincentivam as ditas rendas, mas não desincentivam a atividade económica.

Isso mesmo mostrou o artigo “Optimal Taxation of Top Labor Incomes: A Tale of Three Elasticities”, publicado em 2014 no American Economic Journal: Economic Policy por Thomas Piketty, Emmanuel Saez e Stefanie Stantcheva. Os autores mostram que os países onde as taxas de imposto sobre os contribuintes mais abastados são mais elevadas são aqueles onde as administrações recebem prémios menos chorudos, sem impacto no crescimento económico. Perante uma fiscalidade mais pesada, os quadros dirigentes têm menos incentivo para investir tempo e energia a desenhar formas de se pagarem a si próprios montantes chorudos.

O problema da solidez financeira em face da crise foi o que levou vários reguladores, como o BCE e a Autoridade Europeia de Seguros e Fundos de Pensões, a restringirem a distribuição de dividendos às empresas que regulam. Mas por que razão os Conselhos de Administração tomam estas decisões arriscadas? O artigo “Dividends and bank capital in the financial crisis of 2007-2009”, de 2011, olha para decisões semelhantes tomadas pelos bancos durante a última crise.

Os autores – quatro economistas das universidades de Nova Iorque, Berkeley, Princeton e London Business School – analisam as decisões de 21 grandes bancos nos EUA, Reino Unido e Europa e mostram que estes continuaram a pagar dividendos ao longo da crise. Uma das razões apontada para este comportamento é a de que os membros das administrações são também acionistas, e olham sobretudo para o próprio umbigo quando o barco da economia se está a afundar. É certamente por isso que a CMVM recomenda que os Conselhos de Administração façam chegar aos acionistas informação de qualidade, que transmita com clareza a situação de incerteza do contexto atual e lhes permita tomar decisões informadas que não coloquem em risco a sustentabilidade financeira das empresas. Proteger, portanto, os acionistas não gestores dos acionistas insiders.

Nas palavras dos autores do artigo: “Deve ser difícil de acreditar, mas os Conselhos de Administração dos bancos praticamente não diminuíram os dividendos nos primeiros 15 meses da pior crise desde a Grande Depressão.” Afinal, a pior crise afinal ainda estava para vir e estamos agora mergulhados nela. Parece que os reguladores dos bancos puseram a incredulidade de parte e proibiram estes comportamentos irresponsáveis. E para as empresas não financeiras? Vamos ter de esperar até à próxima crise?»

.

Sugestão patriótica



Quem tem uma bandeira pendurada à janela pode reconvertê-la para fins mais úteis.
.

16.4.20

O Presidente da República, o enfermeiro Luís e o maior bolo-rei do mundo



«Nunca pensei escrever estas palavras, mas a verdade é que os acontecimentos dos últimos dias me forçaram a ceder à evidência. Presumo que, tal como milhares de portugueses, neguei até onde me foi possível. Ao longo dos últimos meses fui disfarçando o incómodo, fui fingindo que não via, fui ignorando a verborreia… Só não assobiei para o lado porque nunca aprendi a fazê-lo. Acontece que agora, depois do telefonema do Presidente da República ao meu colega Luís, não posso continuar a fugir à mais clara das verdades: a principal figura do Estado português sofre da síndrome do maior bolo-rei do mundo.

Numa escala numérica de provincianismo, telefonar ao enfermeiro português que cuidou de Boris Johnson é, pelo menos, um sólido e brilhante nove. A sério, qual é a diferença entre este telefonema do Presidente e o português que infla o peito para dizer que “eles até podem ter um ordenado mínimo três vezes superior ao nosso, mas nós é que organizámos a feijoada na ponte”? Pois… Muita vergonha alheia, não é?

E sabem o que é ainda mais ridículo nisto tudo? É que aposto a minha mão direita em como o meu colega dispensava bem este telefonema. Porque o que o Presidente da República parece não compreender é que o Luís se limitou a fazer o mesmo que milhares de enfermeiros, médicos, assistentes operacionais e técnicos de diagnóstico e terapêutica fazem todos os dias: cuidar, com profissionalismo e competência, de todos aqueles que necessitam. O Luís cuidou de Boris Johnson como teria cuidado de um idoso abandonado num lar, de uma prostituta encontrada na rua ou de um indigente. Porque para o Luís, e para todos os Luíses que se dedicam a cuidar dos outros, todas as vidas valem o mesmo. Não há doentes de primeira ou doentes de segunda.

O Luís passou o turno à cabeceira de Boris Johnson não porque era o primeiro-ministro inglês deitado numa cama, mas porque o Luís é, tal como eu e milhares de outros colegas, enfermeiro numa unidade de cuidados intensivos. E isso é o que nós fazemos. Estamos ao lado dos doentes, numa monitorização apertada, 24 horas por dia. Desde sempre. Desde muito antes da pandemia. E à cabeceira dos doentes continuaremos quando tudo isto acabar. Era importante que algum dos assessores de Belém informasse o nosso Presidente deste facto. Se calhar, assim, evitavam-se estas demonstrações de provincianismo bacoco.

E, telefonemas à parte, o Luís continua longe de casa, emigrado. É mais um dos 18 mil enfermeiros que deixaram Portugal nos últimos anos. É mais um dos que decidiu virar as costas às propostas milionárias dos 6,42 euros por hora que, no final do mês, depois de 140 horas de trabalho, rendem um brilhante salário de 899 euros. Talvez fosse com isto que o nosso Presidente da República se devesse mostrar preocupado, talvez esta fosse a melhor forma de elogiar o trabalho do Luís. Aposto que ele ficava bem mais agradecido do que com o telefonema que só mostra que, às vezes, somos mesmo um povo pequenino. Mesmo que tenhamos conseguido fazer o maior bolo-rei do mundo. Têm dúvidas? É consultar o Guinness.»

.

Luis Sepúlveda (2)


.

Luis Sepúlveda



O que todos temíamos há um mês e meio, mas que não queríamos ler em nenhum jornal, aconteceu hoje:

Vale a pena ler uma entrevista que Nuno Ramos de Almeida lhe fez em 2017:
.

Notre-Dame um ano depois





.

15.4.20

Humor em tempo de confinamento



Lisboa, Praça das Flores.


E já tinha havido uma outra versão:



(Via M. João Matos Silva no Facebook)
.

Confinamento em tempos de Páscoa


«Estamos a viver o nosso segundo confinamento e, digo-vos, não sabemos qual deles será pior. Porque o confinamento prisional, não sendo voluntário, foi determinado pelo sentido de vida que escolhemos, pela nossa opção ideológica, porque tínhamos um inimigo à vista, que sabíamos quem era e contra o qual lutávamos.»

«Vem isto a propósito da nossa Páscoa, minha e de minha mulher, de há 55 anos. Estávamos ambos confinados, mas no sentido absoluto do termo, obrigados a ficar em determinado sítio, o Forte de Caxias, não podendo daí sair. Ali ficámos até meados de Agosto. Eu, depois de ter passado cinquenta e tal dias no total isolamento dos curros do Aljube, fui parar, juntamente com outros camaradas, a uma sala do rés-do-chão, ela e outras companheiras, a uma outra no 1.º andar. Não me lembro, nem ela, de qualquer comemoração alusiva à época. (…)

E, agora, neste confinamento absurdo, já mais perto dos oitenta, não conseguimos encontrar sentido que nos faça crer no futuro, mesmo que curto, ao aproximarmo-nos do túnel final. Porque fomos obrigados a abdicar daquilo que criámos ao longo das nossas vidas, das filhas e dos netos, afastados do resto da família e dos nossos amigos. Porque ficámos sozinhos, mas não abandonados, numa solidão que nenhum dos modernos meios de comunicação consegue colmatar. Porque a nossa vida sofreu uma profunda alteração, sem que ainda tenhamos encontrado o seu novo ordenamento, nem sequer conseguimos vislumbrar qual será.»

Artur Pinto
.

Uma história do arco da velha (1)



O autor cumpre aqui a promessa de fazer render a prosa e oferece o seu contributo à telescola. Como TPC (Trabalho Para Confinamento), os telealunos devem traduzir o texto que se segue do português coloquial para o formal, de preferência no formato de banda desenhada.

«O Zé dos Anzóis deitou-se com as galinhas, falou com os seus botões, consultou o travesseiro e ferrou o galho com um olho aberto e outro fechado. Habitualmente despertava com o rabo virado para a Lua, mas naquele dia acordou com os pés de fora porque na véspera lhe tinham dito que ia estar feito ao bife. A informação fê-lo ficar com o bicho carpinteiro e a sensação de ter as orelhas a arder. Sentiu a pulga atrás de uma orelha e a impressão de lhe estarem a fazer o ninho atrás da outra. Sem saber para onde se virar, por causa dos maus lençóis em que se encontrava, deixou-se ficar de molho, a passar pelas brasas e a pensar na morte da bezerra. Há alguém a querer fazer-me a cama, concluiu.

Levantou-se de pé atrás e com a telha. Sentiu uma pedra no sapato, disse para si próprio meti a pata na poça e tenho de descalçar esta bota. A barriga deu horas, apeteceu-lhe matar o bicho e dar ao dente. Estava com água na boca, mas tinha a sensação de que o caldo se tinha entornado e que cheirava a esturro. Não estava disposto a engolir sapos vivos naquela caldeirada, mas a coisa não ia ser canja. Que berbicacho!

Na véspera tinha levado com um balde de água fria. Tinha a cabeça em água e água pela barba. Pôs as barbas de molho e decidiu que não podia lavar as mãos, nem sacudir a água do capote, pois já era tempo de deixar de andar entre os pingos da chuva. Se querem lavar a roupa suja, ele iria levar a água ao seu moinho, nem que tivesse de remar contra a maré, sem abandonar o barco, nem meter água. Tudo aquilo trazia água no bico, mas não podia borrifar-se para o assunto. As coisas não podiam ficar em águas de bacalhau.

Estava com cara de pau e olhos de carneiro mal morto, quase a amarinhar pelas paredes acima e a bater com a cabeça nas paredes, mas sabia que não podia enterrar a cabeça na areia. Sentia-se na corda bamba e no fio da navalha, parecia uma barata tonta à nora sem saber a quantas anda. Duvidava ser capaz de dar conta do recado porque a coisa estava mal parada!

Pôs a mão na consciência. Tinha-se posto a jeito e dado barraca. Saiu da casca e dos eixos, pisou o risco, e, por isso, arranjou lenha para se queimar e sarna para se coçar. E também borrou a pintura quando meteu o pé na argola com aquele passo em falso, tendo sido apanhado com a boca na botija. Um bilhardeiro que queria mexer os cordelinhos cortou-lhe na casaca, meteu a foice em seara alheia, o bico onde não é chamado e deu com a língua nos dentes, o que fez com que lhe descobrissem a careca. Mas o tiro ia sair-lhes pela culatra.

Deixa-os pousar! Queriam entregá-lo aos bichos, mas ele não iria fazer figura de urso nem estava disposto a ser o bode expiatório de uma história do arco-da-velha. Atiraram-lhe uma casca de banana e andam com macaquinhos no sótão, mas o melhor é tirarem o cavalinho da chuva. Não ia ficar de braços cruzados, dar o braço a torcer e a mão à palmatória, meter o rabo entre as pernas, fugir com o rabo à seringa, enfiar a viola no saco ou baixar a bola, decidiu.

Deu voltas ao miolo e depois resolveu, num golpe de asa, enfrentar o boi pelos cornos. Agora é que a porca vai torcer o rabo. Como não ia dar de frosques, nem pôr-se na alheta, dirigiu-se a toque de caixa pela calada da noite até à reunião. Bateu com o nariz na porta, mas entrou pela porta do cavalo. Sem dar nas vistas, pôs-se à coca.

A reunião começou em cascos de rolha, na casa do diabo mais velho atrás do sol posto, onde o Judas perdeu as botas. Esteve marcada para as calendas, mas foi antecipada para a semana dos nove dias, lá para as quinhentas do dia de São Nunca à Tarde, o dia em que as galinhas tiveram dentes. Em vez de estar à cunha, a sala estava às moscas e só apareceu meia dúzia de gatos-pingados a dizer que ia cair o Carmo e a Trindade, todos eles fisgados em dar cabo do canastro ao Zé dos Anzóis.»

.

Afinal Deus não é brasileiro



Governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel está com covid-19.

… ou não teria errado na pontaria.
.

14.4.20

Coronavírus, migrantes e a Índia de Modi




.

Pandemia e o empacotamento de velhos



«As notícias já não são bem notícias, são uma espécie de roleta russa que nos vai revelando o número dos que não tiveram sorte. O mundo acorda e deita-se à espera de melhores dias que tardam. As pestes matam e corroem a alma aos que ficam.

Entretanto, nas águas negras do infortúnio, as televisões encontram o seu melhor mundo. Por ali passam todos os números da desgraça. Muitas vezes com rostos. Outros com os números que falam de óbitos e de mais casos, incluindo os que estão nos cuidados intensivos e até dos recuperados. Os donos dos microfones têm o poder de nos dizer o que eles nos querem dizer.

Mas também, diga-se em abono da verdade, que se não fosse a covid-19 os velhos não existiam. Estavam nos tempos correntes empacotados em lares (estranha palavra que quer dizer atualmente despensa, mas que na origem significava as divindades protetoras da família – ainda me lembro de na infância se referir a ir para Penates, outros deuses protetores da casa), à espera que num fim-de-semana um familiar à vez os fosse visitar. Um velho, num mundo de sucesso, vale pouco. É uma canseira ter de pagar a um lar para ter um velho, pois num mundo de lufa-lufa um velho não dá lucro, apenas prejuízo. Num mundo dirigido pela implacável mão justiceira do mercado, o velho é uma mercadoria que nem sequer dá para o inventário.

A covid veio mostrar que afinal o mercado tem de ser ajustado, pois os velhos afinal têm um valor que não é completamente residual, antes constituem um nicho de mercado.

Ao morrerem como tordos são notícia porque, apesar do frenesim da vida, as famílias ainda se lembram dos velhos empacotados ao pé de outros velhos que aguardam pacientemente que chegue o dia de alívio dos que os depositaram em casas de repouso. As televisões sabem quanto vale em termos mediáticos a morte dos velhos em tempos de covid.

Na verdade, a morte de um velho, em tempos normais, não é grande notícia, não passa do esperado.

O que pode estar a acontecer é que ainda não se tenha extinguido a memória do familiar encavalitado noutros velhos em casas de repouso. E a televisão vai dando conta da via-sacra dos velhos infetados a caminho de onde os queiram, pois nem sempre se consegue empacotar nas devidas condições um velho, e muito menos um velho com covid.

Nestas circunstâncias, é sempre algo de muito apetecível verificar como desempacotar velhos que já não podem continuar a repousar nos lares onde estavam a aguardar a visita do familiar, muitas vezes escolhido à sorte entre os tais familiares.

Os espectadores adoram ver estas coisas em direto, falta claro o cheiro a sujo, a urina, mas o velhinho ali está a passar um mau bocado porque, afinal, não repousava na casa do repouso; apodrecia.

A pandemia trouxe para a tona dos dias o quanto valem os velhos em termos mediáticos. O seu valor, que andava muito por baixo, subiu um pouco.

Se não fosse a cegueira do mundo, talvez os que não são velhos tivessem tempo para pensar que um dia chegará a casa do empacotamento. A pandemia confina, fecha, mas pode abrir os olhos. É certo que os olhos só veem o que querem, mas se olharem e virem no presente o futuro aprenderão muito. A cegueira é a arma dos donos do tempo frenético. Outro tempo virá. O que mais tem o tempo é tempo; os velhos, não.»

.

Nesta Páscoa não houve almoços grátis


.

13.4.20

Covid-19: no Chile, reina a loucura




«O presidente do Chile, Sebastian Piñera, revelou que o país está a contar as vítimas mortais provocadas pela covid-19 como "recuperados" porque deixaram de poder contagiar a restante população. (…) 

"Temos 898 pacientes que deixaram de ser contagiantes, que deixaram de ser uma fonte de contágio para todos nós e, como tal, são incluídos no grupo de recuperados. Estas são pessoas que cumpriram 14 dias de diagnóstico ou que, infelizmente, faleceram".»
.

Velhos – Memória futura


«Não venhas? Podem infectar-me? Tenho 90 anos e há muitos que deixei de ter medo da morte, algum dia há-de vir. Mas agora, de repente, tenho medo é da vida, coisa que nunca tinha tido. Não estou interessado em viver o pouco tempo que me resta aqui fechado em casa, sem ver ninguém, a olhar para as paredes, a reler livros mortos, a seguir as notícias na televisão, um telefonema teu por dia, um telefonema por semana de cada neto, aqui fechado à espera de morrer. Sim, porque eu hei-de morrer um dia destes, não te iludas. Lembro-me do meu pai, que era tão velho como eu sou hoje quando o médico o proibiu de comer azeitonas. Saímos do consultório e ele foi comprar meio quilo delas, para meu grande choque. Faz sentido retirar as azeitonas a um homem de 90 anos que as adora? Aquece a sala que vou passar o domingo convosco. Já chamei um táxi.»

António Costa Santos no Facebook
.

13.04.2015 – Cinco anos sem Eduardo Galeano



Esse grande uruguaio nasceu em Montevideu, em 3 de Setembro de 1940, quis ser jogador de futebol mas acabou como escritor com mais de 40 livros publicados.

Andou a fugir de ditaduras. Em 1973 foi preso depois do golpe militar no seu país, exilou-se na Argentina, mas com o golpe militar de Jorge Videla, em 1976, viu o nome colocado na lista dos «esquadrões da morte» e partiu para Espanha. Só 9 anos mais tarde regressou à cidade que o viu nascer.






.

E o ridículo não paga imposto nem tem vacina




«O Presidente da República sublinha o especial reconhecimento apresentado hoje pelo Primeiro-Ministro britânico, Boris Johnson, ao enfermeiro português Luís Pitarma pelo seu trabalho e vigilância durante o internamento nos cuidados intensivos.»
.

Riscos sociais da contaminação



«As consequências da Covid-19 são muito mais do que sanitárias. O maior risco que corremos é o de uma infeção generalizada que leve de arrasto o emprego e o rendimento de imensos portugueses e por um longo período. É tempo de tratarmos da organização da comunidade, de impor soluções justas para graves problemas sociais, de tratar da economia antes que o seu rumo seja entregue, de novo e em absoluto, à finança.

Estamos ainda dominados pelo ambiente das solidariedades instrumentais, aquelas com que até os neoliberais concordam e reclamam (em particular do Estado), perante as premências da luta pela sobrevivência. Mas, tantos milhares de trabalhadores cinicamente "dispensados", e muitos outros milhares de cidadãos com as suas atividades inviabilizadas, estão a acentuar as desigualdades, a alargar os caminhos para a pobreza, a aumentar o exército de mão de obra disponível que alimenta a queda dos salários e a exploração. No mundo do trabalho está em marcha uma tremenda alteração das relações de forças que é preciso travar.

Concentremo-nos, pois, nos principais riscos do momento.

O primeiro é a armadilha de descurar o emprego e de não o proteger efetivamente, seja qual for o tipo de contrato de trabalho, assumindo-se a proteção social como a solução. A proteção social é importante, mas não há ajuda que substitua o salário digno adquirido pelo trabalho, que tem também um extraordinário potencial criativo no momento do regresso à vida normal.

A Segurança Social suporta alguns esforços acrescidos na situação de emergência, mas não nos esqueçamos que o sistema depende essencialmente da dimensão do emprego e do valor dos salários. O Estado social - expressão da solidariedade como valor coletivo institucionalizado que obriga a todos - não sobrevive sem pagamento de impostos, coisa que os neoliberais rechaçam. Repugna ver grupos empresariais publicitarem os seus atos solidários, quando têm as suas sedes em paraísos fiscais para fugirem aos impostos e ampliam os seus lucros pagando mal a trabalhadores e fornecedores.

O segundo é o de o Governo sucumbir de novo, como em 2011, ao canto da sereia das "ajudas" da União Europeia (UE). Elas escondem sempre, nas letras pequeninas dos acordos, a cobrança a prazo e em duplicado do que supostamente é oferecido. Se ficarmos a bater palmas, como ontem no final da reunião do Eurogrupo, seremos apanhados na ratoeira.

O terceiro é a ilusão de que o crédito é um substituto apropriado de transferências monetárias sem contrapartidas. Uma explosão do crédito agora prenuncia problemas futuros de incumprimento que se irão traduzir, a prazo, no acionamento em cadeia das garantias do Estado aos bancos. Os bancos não são e jamais serão instituições de solidariedade. Exijamos-lhes que cumpram as suas obrigações e não criemos outras expectativas.

Pode perguntar-se então o óbvio: de onde vem o dinheiro para se resolverem os problemas e a quem o entregar? Tem de vir de onde sempre veio: dos bancos centrais. Mas quem não tem Banco Central (como Portugal depois do euro) tem um problema complicado para resolver. O dinheiro tem de chegar aos governos para que estes possam implementar políticas económicas e sociais e fazê-lo chegar às pessoas.

Um cidadão perde a sua dignidade quando fica dependente da caridade alheia. O mesmo acontece a um país.»

.

12.4.20

Esta é que passou de moda




Ou nesta versão:


.

Ressurreição? Claro que não



Não pode sair do seu local de residência.
.

Boa Páscoa, ave agoirenta!



Esta espécie de urubu que dirige a CE resolveu assustar milhões de velhos em tempo de Páscoa e meter-se onde não é chamada. 
Mais vale que continue a decidir sobre galheteiros e tamanho de carapaus que podem ser pescados.
.
.

Páscoa: perguntas pertinentes



- Pai, o que é a Páscoa? 
- Ora, Páscoa é …uma festa religiosa! 

- Igual ao Natal? 
- É parecido. Só que no Natal comemora-se o nascimento de Jesus e na Páscoa a sua ressurreição. 

- Ressurreição? 
- Ressurreição é tornar a viver após ter morrido. Foi o que aconteceu com Jesus, três dias depois de ter sido crucificado. Ele ressuscitou e subiu aos céus. Entendido? 

- Mais ou menos... Mãe, Jesus era um coelho? 
- Que parvoíce é essa? Estás-te a passar! Coelho? Jesus Cristo é o Pai do Céu! 

- Mãe, mas o Pai do Céu não é Deus? 
- É filho! Jesus e Deus são a mesma coisa. Vais estudar isso na catequese. É a Trindade. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. 

- O Espírito Santo também é Deus? 
- É sim. 

- É por isso que na Trindade fica o Espírito Santo? 
- Não é o Banco Espírito Santo que fica na Trindade, meu filho. É o Espírito Santo de Deus. É uma coisa muito complicada, nem a mãe entende muito bem, para falar a verdade nem ninguém. 

- Bom, se Jesus não é um coelho, quem é o coelho da Páscoa? 
- Eu sei lá! É uma tradição. É igual ao Pai Natal, só que em vez de presentes, ele traz ovinhos. 

- O coelho põe ovos? Não era melhor que fosse galinha da Páscoa? 
- Era, era melhor, ou então peru. 

- Jesus nasceu no dia 25 de Dezembro, não é? Em que dia é que ele morreu? 
- Isso eu sei: na Sexta-feira santa. Morreu na Sexta-feira santa e ressuscitou três dias depois, no Sábado de aleluia. 

- Um dia depois portanto! 
- Não, filho - três dias! 

- Então morreu na quarta-feira. 
- Não! Morreu na sexta-feira santa... ou terá sido na quarta-feira de cinzas? Ouve, já me baralhaste todo! Morreu na sexta-feira e ressuscitou no sábado, três dias depois! 

- Como !?!? Como !?!? 

- Pai, qual era o sobrenome de Jesus? 
- Cristo. Jesus Cristo. 

- Só? 
- Que eu saiba sim, porquê? 

- Não sei não, mas tenho um palpite que o nome dele tinha no apelido Coelho. Só assim esta coisa do coelho da Páscoa faz sentido, não achas? 

.

Uma serenata especial



Pela Estudantina Universitária de Coimbra: 130 estudantinos cantam simultâneamente em 21 países, pelos profissionais de Saúde.
.