4.5.24

O Manifesto dos 50

 


«Nos 50 anos da democracia, 50 personalidades subscrevem um manifesto que critica os aspectos mais nefastos do sistema de justiça em Portugal e apela à iniciativa política para uma verdadeira reforma.»

Aqui está ele: texto na íntegra e nomes dos 50 subscritores.
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Balanço

 

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E uma mulher também

 

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Lucília tem de cair

 


«De todas as declarações lamentáveis de Marcelo Rebelo de Sousa no famoso jantar com jornalistas estrangeiros nenhuma tem a gravidade da que foi dita a propósito da atuação da Procuradora-Geral da República.

O Presidente usa um adjetivo erudito e sonante – “maquiavélico”. Conta que, no próprio dia em que a Procuradoria Geral da República anunciou ao país a investigação sobre António Costa, Lucília Gago abriu um inquérito contra terceiros no “caso das gémeas”, cuja polémica envolve diretamente o Presidente da República (PR).

O “equilíbrio sofisticado”, ali narrado por Marcelo, não se resume, contudo, a uma mera estratégia de distribuição de investigações criminais aos titulares dos dois Palácios, como se fosse uma equitativa distribuição entre a esquerda e a direita. A suspeita que fica é um pouco pior, um pouco mais “maquiavélica”. As palavras de Marcelo sugerem que no dia em que o Ministério Público (MP) fez xeque-mate ao Primeiro-Ministro, Lucília Gago decidiu aproveitar para fazer um seguro de vida. Ao lançar investigações simultaneamente sobre o Governo e a Presidência da República, estes dois órgãos ficavam automaticamente limitados pelos óbvios conflitos de interesse. A partir daqui, os dois poderes que constitucionalmente podem pedir responsabilidades ou exonerar a Procuradora ficavam de mãos atadas, porque qualquer crítica seria lida como uma tentativa de impedir o “combate à corrupção”. E assim foi. Porque o guião ficou escrito e os atores já estavam contratados. Foi precisamente essa a atoarda do Chega na Assembleia da República (AR) no seu discurso do 25 de Abril.

Acontece que, seis meses depois da demissão de António Costa, parece não sobrar nada das alegações do MP que sustentaram o famoso parágrafo que dava conta da Operação Influencer. Ainda em novembro, o juiz que avaliou as medidas de coação deitou por terra possíveis indícios de corrupção ou prevaricação apresentados pelo MP. Em fevereiro, considerou as teses do MP “vagas” e “contraditórias”. Agora, em abril, o Tribunal da Relação fez um acórdão demolidor sobre as alegações do MP, fazendo cair a solidez da acusação de tráfico de influências. É certo que não conhecemos o processo em detalhe. Mas como soubemos dos 75 mil euros de Vítor Escária no próprio dia das buscas (!) e o MP não é conhecido por timidez em passar informação para os media, desconfio que se houvesse indícios de monta já o país saberia.

Depois de tudo isto, a gravidade da atuação do MP tutelado por Lucília Gago tornou-se insuportável. Primeiro, porque as consequências da sua atuação equivalem a nada menos do que um golpe de Estado – a 7 de novembro destruiu as condições de governabilidade de uma maioria política legitimada pelo voto dos cidadãos. Segundo, porque a sua credibilidade se evaporou irremediavelmente.

Se nada for feito qualquer investigação futura sobre titulares de cargos públicos será encarada com descrença e suspeita. Por isso, vale a pena esclarecer o Presidente do Sindicato dos Magistrados do MP que, quando declara que a ida de Lucília Gago ao parlamento abre um “precedente perigoso”, está distraído. O “precedente perigoso” já aconteceu a 7 de novembro. Nada será mais danoso para o MP do que desconfiarmos que esta investigação se pode eternizar só para que os magistrados não percam a face. Nada é mais venenoso para a saúde de um regime democrático do que a suspeita de que a investigação criminal se move por uma agenda política.

Há momentos em que podemos ser governados por medíocres, sem que isso seja necessariamente o fim do mundo. Há outros momentos em que, pelo contrário, precisamos desesperadamente de democratas e estadistas corajosos. De responsáveis políticos que percebam a gravidade do que está em causa e os riscos que se colocam no horizonte. Aqui chegados, precisamos que Governo e Presidente da República assumam que há um problema profundo na justiça e no Ministério Público em Portugal. Que se atravessem pela solidez do regime, em detrimento da auto-preservação ou de uma agenda política pessoal. Precisamos de quem fiscalize o fiscalizador. Precisamos de estabelecer uma agenda que chame a jogo todos os partidos democráticos para repensar a atuação, a responsabilidade e a hierarquia do MP. É um desígnio de regime, a ser pensado e estruturado no médio prazo e que aprenda com outros modelos que existem noutros países. Mas que não pode mais ser adiado.

De momento, o que sabemos com certeza é que a Procuradora “maquiavélica” perdeu as condições para o exercício de funções. É isto que se exige a Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa: Lucília tem de cair.»

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3.5.24

Portas

 


A bela porta da Torre Bellesguard, Barcelona, 1900-1909.
Antoni Gaudí.


Daqui.

Nasceram ambos num 3 de Maio

 


Pete Seeger chegaria hoje aos 105, Georges Moustaki aos 90.




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O 3 de Maio na Sorbonne

 


Foi numa 6ª feira da primeira semana de Maio de 1968 que o mítico movimento estudantil francês, que arrancara em 22 de Março com a ocupação da Universidade de Nanterre e chegara ao Quartier Latin na véspera, 2 de Maio, tomou maiores proporções. Depois de reuniões várias e de confrontos entre grupos de estudantes rivais, o reitor da Sorbonne ordenou a evacuação desta pela polícia e seguiram-se horas de verdadeira batalha campal, com barricadas, cocktails Molotov, pedradas, matracas e gases lacrimogéneos. Tudo resultou em dezenas de feridos e mais de 500 prisões e os distúrbios continuaram nos dias que se seguiram.

Depois, o movimento extravasou para o mundo do trabalho, a nível de operários, de camponeses e do sector terciário, reuniu-se numa gigantesca manifestação em 13 de Maio e esteve na origem de uma longa greve geral incontrolada.

Foram-se acalmando as hostes, foi dissolvida a Assembleia Nacional em 30 de Maio e realizaram-se eleições legislativas (que os gaulistas ganharam por larga maioria) no mês de Junho. Mas nada ficaria na mesma e não só em França.

A recordar:

A célebre intervenção de Daniel Cohn-Bendit no pátio da Sorbonne e a evacuação pela polícia:



E uma canção da época, pela emblemática Dominique Grange:


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Chamar os boys pelos nomes

 


«Podia-se assumir que, chegado um novo Governo, os mandatos dos cargos de nomeação política interrompem-se para dar lugar a pessoas da sua confiança. Não é a tradição das democracias mais maduras — mesmo em Portugal, tivemos o mesmo diretor-geral de Saúde com Sócrates, Passos e Costa —, onde confiança não se confunde com cartão partidário, mas ao menos seria claro. Até porque, se um Governo nomeia com critérios partidários, é difícil o seguinte não manter o círculo vicioso. Mas, seja qual for a razão para substituir quem está à frente de serviços, há regras básicas: respeito profissional e clareza nas motivações.

Primeiro episódio. A competência de Fernando Araújo nunca foi posta em causa. Nem pode ser acusado de partidocracia, já que a sua primeira nomeação, para o maior hospital do país, foi Ana Paula Martins, militante do PSD e ex-vice de Rui Rio. Já a nova ministra demitiu-se do cargo que ocupava alegando oposição à reforma do SNS para, na realidade, poder ser candidata pelo PSD às legislativas. Chegada ao ministério, não podia dizer que Araújo estava ao serviço de um partido (até a nomeou) nem que era incompetente. Usou o acinte, escrevendo uma carta a exigir um relatório em 60 dias que chegou aos e-mails do diretor-executivo e das redações no mesmo dia. Este tipo de exibição de poder talvez explique as revoltas que marcaram a sua passagem pelo Santa Maria. Mas teve o efeito desejado: Araújo e a sua equipa saíram, prescindido das indemnizações. A falta de civilidade tende a contar com o civismo das suas vítimas. Não sabemos da bondade da maior reforma do SNS desde a sua fundação porque nem se deu tempo para que produzisse efeitos. Num país de capelinhas corporativas, as opiniões mais firmes não desejam ser contrariadas por resultados. Espera-se apenas coerência: quem quer um corte com a continuidade não pode exigir o apoio do partido da continuidade. Se nem com os mais competentes que o PS nomeou conseguem trabalhar...

Segundo episódio. Em reunião, a ministra do Trabalho e Segurança Social transmitiu a Ana Jorge o desejo que continuasse no cargo. Mas exigiu-lhe um plano de reestruturação em 15 dias, sabendo que foi esta provedora que, em 11 meses, destapou e denunciou o buraco da internacionalização, teve de lidar com litígios por causa desse processo e desenvolveu medidas de contenção de custos e valores de contratos, não renovações automáticas de protocolos, redução de cargos de chefias, numa estrutura de que dependem inúmeros serviços e que depende de um negócio em crise. Ana Jorge disse que era impossível atender a uma exigência que, na realidade, apenas serviu de pretexto para a sua exoneração. Semelhante ao que foi feito a Araújo, acrescentando um comunicado que a responsabilizava pela situação que herdou de Edmundo Martinho. Só que foi ela que denunciou, mandou auditar e enviou para o MP a catastrófica tentativa de internacionalização do jogo, expondo, sem receio, um correligionário político.

O terceiro episódio está a preparar-se quando escrevo este texto, fabricando uma polémica sem história. Foi determinada, como sempre, uma taxa de IRS provisória para 328 mil reformados. Depois, como habitual, ela foi atualizada. 143 mil vão receber menos porque foram beneficiados antes das eleições e 185 mil vão receber mais porque foram prejudicados. A acusação de eleitoralismo é absurda. Para mais de metade seria eleitoralismo ao contrário. Mas tudo se encaminha para criar um ambiente propício à exoneração da presidente do Instituto da Segurança Social. E já se percebeu que a Agência para a Integração, Migrações e Asilo vai ser o quarto episódio. É natural que um governo decida quem mantém e quem substitui. Mas, como não está instituído que os dirigentes ponham os seus lugares à disposição e os mandatos não estão ligados às legislaturas, espera-se que cheguem ao fim. Ao contrário do que tenho ouvido, é suposto as exonerações serem excecionais.

À hora a que escrevo, não sei se será Pedro Mota Soares a “devolver credibilidade à gestão da Santa Casa” — quando era ministro, fez 14 nomeações definitivas, todas de militantes do PSD e do CDS, para as direções dos centros distritais da Segurança Social. No ecossistema do centrão, estes cargos de topo são importantes para distribuir jogo pela clientela. Sejam candidatos a assessores e a funcionários, ou IPSS e empresas à espera de acordos e negócios. E para resolver guerras políticas: a Câmara de Lisboa, que depois da proeza de produzir um buraco financeiro no. meio de um dilúvio de dinheiro do turismo e do imobiliário tem pouca autoridade para falar de gestões alheias, quer ter a tutela das decisões da Santa Casa e esteve intensamente envolvida nesta exoneração. Para todos, há uma rede de empregos, contactos, parcerias e negócios a tratar. Não é novo, mas a pressa é maior. Ao fim de oito anos, a fome é cega. E nestas periclitantes circunstâncias políticas, ninguém quer esperar para saber quanto tempo terá para o assalto ao Estado. A janela de oportunidade pode ser curta, a confiança no futuro não é assim tão grande e não dá para deixar que os mandatos acabem.»

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2.5.24

Capelas

 


Capela das Almas, Porto, início do século XVIII.
Eduardo Leite é o autor de mais de 15.000 azulejos que revestem o exterior e que são já do século XX.

Daqui.
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02.05.1968 – Nanterre

 


Foi em Nanterre que se deu o pontapé decisivo para o 3 de Maio na Sorbonne.
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«Quem não tem competência não se estabelece»

 


O que esperava Montenegro quando aceitou o convite para formar governo, depois de conhecer a pequena margem de maioria que obtivera nas eleições e de querer manter o «não é não»?

Considerou que tinha condições para governar o país com toda a oposição a trazê-lo ao colo? Em nome de quê? O PR acreditou e, aparentemente, enganaram-se. Veremos o que se segue e não me parece que se esteja a fortalecer a democracia – ou mesmo a defendê-la.
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Um pouco mais de azul (8)

 



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No grau zero da política

 


«1. Os líderes políticos parecem cada vez mais aqueles feirantes em cima de camiões a anunciar por determinado preço uma faca que depois dá direito a duas navalhas, três garfos, cinco colheres e por aí fora. Os portugueses ouvem-nos apresentar medidas no Parlamento sobre os impostos, sobre as Scut ou sobre as negociações laborais na função pública, puxam pela experiência e pela memória e avaliam-nos como merecem: como vendedores de banha-da-cobra. Com os assuntos do estado e as medidas para a governação levados para uma feira onde se grita muito e se compete para ver quem dá mais à clientela, o grau zero da política fica ao virar da esquina. Todos os partidos, com excepção do Chega, vão pagar caro esta atitude.

A força motriz desta forma de fazer política é a urgência em seduzir eleitorado no mais curto espaço de tempo possível. Com o Governo ancorado numa frágil base de apoio e com o PS a uma unha negra de o suplantar, uns e outros fazem tudo para brilhar muito e depressa. No limbo da incerteza, eles serão tudo o que queiramos que eles sejam: generosos a cortar nos impostos, majestosos a acabar com as portagens, empenhados em proteger os desvalidos do serviço público e tão sábios e inteligentes que conseguem fazer tudo sem desbaratar o equilíbrio financeiro.

Julgam que continuam a governar o país arcaico dos tempos do salazarismo ou da pré-adesão europeia. Ainda acreditam que os portugueses se deixam atrair por um prato de lentilhas. Que, depois da amargura da troika, não aprenderam a desconfiar dos que prometem tudo a todos. Que, ao agirem como agem, deixaram de ser os que nos representam para cuidar dos negócios do país, para se representarem a eles próprios e aos negócios dos seus partidos. Como necrófagos, nada constroem para o futuro, limitam-se a gerir a putrefacção no parlamento e a levá-la perto do Governo.

Na campanha eleitoral foi fácil perceber que os partidos, da esquerda radical à direita extremista, esfregavam as mãos no excedente orçamental e permitiam-se fazer promessas a eito. No caso do PSD, suspeitava-se de que a demagogia populista das suas previsões acabasse no dia em que o ministro das Finanças fizesse as contas, o que, de resto, acabou por acontecer. O partido que tanto prometeu antes de chegar ao Governo está agora às arrecuas, enquanto os socialistas que tanto criticaram os seus desvarios decidem avançar ainda mais depressa. Não fora o Chega, e o PS teria já aprovado o fim das cobranças das Scut, que podem custar ao Estado aí uns mil milhões de euros. Até haver um tabefe de Bruxelas, a vilanagem não se farta.

Se Montenegro dá X, a oposição avança com X mais Y. O Governo tenta alargar a sua base política de apoio com promessas, e a oposição, com destaque para o PS, não deixa, tentando provar que essas promessas pecam por escassas. Se há uma ténue possibilidade de o Governo passar uma lei que, por exemplo, baixa os impostos, logo vai a oposição a correr travá-la para depois levar a votos uma proposta ainda mais simpática para os eleitores. Na cacofonia da Assembleia, apagaram-se os últimos vestígios da razão. Não se sabe onde começa o Governo e acaba a oposição, e vice-versa. A preocupação com o interesse do país e das pessoas não cabe neste festim.

O parlamento caminha para uma bolha de irresponsáveis. Bem se esforçam por propagar valores, princípios ou ideologias em nome do interesse nacional, mas bastaram poucas semanas para se perceber que toda essa encenação é pura hipocrisia. Tratar da Justiça ou da economia, tem tempo. O que importa é a distribuição do bodo aos pobres, à espera que os pobres retribuam em breve com o voto. Todos querem estar na primeira fila. O parlamento está a deixar de ser o lugar da política para dar lugar ao palco da hipocrisia e do cinismo. Nas últimas semanas, percebemos que dali sairão talvez medidas ditas populares, mas não medidas necessárias.

O que espanta é a persistência da ideia segundo a qual o sucesso na política se decide neste jogo do quem dá mais. Talvez esses atributos funcionassem se houvesse um pequeno espaço para a concertação e o compromisso. Não havendo, esses gestos tácticos transformam-se de imediato em ruído que serve apenas para alimentar o “eles só estão lá para se governar”, o “são todos iguais”, ou o “querem lá eles saber do país”. Nós sabemos quem se alimenta da lama que esta democracia exaltada e inconsequente produz: exacto, esses mesmos.

2. CAgora que, mais do que nunca, faz falta serenidade, bom senso, prudência e calculismo, o Presidente insiste em exponenciar a sua propensão para ser desabrido, causar ruído e deixar no país a sensação crescente de que estamos entregues à confusão e à imprevisibilidade.

Já muito se escreveu sobre as infelizes declarações do Presidente aos correspondentes da imprensa estrangeira em Portugal. O que mais preocupa no que disse e na forma como o disse não é a imprudência ou ausência total de oportunidade: é a manifesta falta de sentido de Estado. O Presidente agiu com a imponderação que as dores de cabeça ou as indigestões por vezes provocam no comum dos mortais. Só que, no exercício das suas funções, ele não tem o direito a estados de alma que tanto levam ao devaneio como ao erro crasso.

Falar de erros ou crimes do colonialismo em abstracto para exigir que se “paguem custos” ou se punam responsáveis é muito mais do que reconhecer esses crimes e pedir desculpas pela sua ocorrência. A maioria dos portugueses do século XXI já deu conta de que a sua história ultramarina está longe de ser domínio da glória exclusiva, que há por lá capítulos negros, escritos com abusos e crimes. Mas uma coisa é reconhecer o lado negro da memória e inscrevê-lo na forma como o país encara o passado. Outra, muito diferente, é conceder-lhe um valor material que exige reparações. Ao ir por este caminho sem falar com o Governo, que nestas matérias é quem decide, Marcelo abusou. Tratou de veicular a sua opinião como se fosse a opinião dos portugueses.

Marcelo Rebelo de Sousa está onde gosta de estar: no centro da vida política. Depois de dizer o que disse, porém, está lá em corpo. O seu espírito, esse parece andar por aí a pairar, longe do terrível drama da instabilidade política que se agrava a cada dia que passa.»

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1.5.24

Casas

 


Casa do Ferreira das Tabuletas, Lisboa, 1885.
Luís António Ferreira, autor dos azulejos que revestem a fachada.


Daqui.
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Em 1911 foi assim

 


Lisboa – Operários da panificação, em greve, pelo descanso semanal.

(Foto de Joshua Benoliel)
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01.05.1974 – A libertação do Tarrafal

 


Em 29 de Outubro de 2008, o Movimento «Não apaguem a memória!» organizou, em Lisboa, um colóquio internacional «Tarrafal, uma prisão, dois continentes», com a participação de muitos conferencistas entre os quais vários presos de Portugal e de África.

Joaquim Pinto de Andrade, antigo preso, fez uma longa intervenção, da qual é oportuno recordar hoje como descreveu a libertação, no dia 1 de Maio de 1974, de todos os que se encontravam no Tarrafal. É sempre importante ouvir quem viveu os factos.




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01.05.1974 – Quando o futuro não tinha impossíveis

 


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01.05.1973 - Uma «despedida» do 1º de Maio em ditadura



Às 2:50 minutos do 1º de Maio de 1973, as Brigadas Revolucionárias executaram uma das suas acções mais espectaculares, da qual resultou a destruição de dois andares do Ministério das Corporações (actual Ministério do Trabalho e da Segurança Social), na Praça de Londres em Lisboa.

Explicaram mais tarde em comunicado (que pode ser lido AQUI, na íntegra): «O Ministério das Corporações é, por um lado, o instrumento mais directo dos patrões portugueses e estrangeiros, que através dele fixam as condições de trabalho do proletariado – salários, horários – enfim, exploração e repressão (…); e, por outro, um instrumento de exploração directa dos trabalhadores, através da Previdência (…) que fornece serviços de Saúde e Previdência miseráveis.»

Durante a tarde, foram recebidos telefonemas com falsos alertas de bomba em várias grandes empresas de Lisboa. Veio a saber-se depois que se tratara também de uma iniciativa ligada às Brigadas Revolucionárias, cujo objectivo era «libertar» mais cedo os trabalhadores para que pudessem participar na manifestação.

Facto demasiado grave e espectacular para que a censura o silenciasse, foi noticiado nos meios de comunicação social e objecto de todas as conversas, num dia em que se preparavam manifestações proibidíssimas, precedidas por largas dezenas de detenções, como a CNSPP (Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos), de 09.05.1973 veio a relatar:

«Tem-se verificado, nas últimas semanas, um acentuado agravamento da repressão política no nosso país: com o pretexto de impedir quaisquer manifestações públicas por ocasião do 1.º de Maio, procedeu a Direcção-Geral de Segurança à prisão indiscriminada de um elevado número de pessoas, em várias localidades e pertencendo aos mais diversos sectores de actividade profissional. Só durante o período que decorreu de 7 de Abril a 7 de Maio tem a CNSPP conhecimento de terem sido presas 91 pessoas, cujos elementos de identificação se possuem já. Sabe-se, no entanto, que muitas outras dezenas de pessoas foram detidas (...)
As forças policiais desencadearam, nos primeiros dias deste mês, uma desusada onda de violência. No 1.° de Maio, as zonas centrais da cidade de Lisboa e Porto foram teatro de grandes concentrações por parte das forças das diversas corporações policias e parapoliciais (com agentes fardados e à paisana). No Rossio e em toda a área circundante essa presença não se limitou ao papel de intimidação ou de repressão, mas adquiriu características de verdadeira agressão: espancamentos brutais e indiscriminados, grande número de feridos, dezenas de prisões. Dessa agressão, foram vítimas muitos trabalhadores, assim como estudantes e outras pessoas que se limitavam a passar pelo local».
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30.4.24

30.04.1975 – O dia em que terminou a Guerra do Vietname

 


No dia 30 de Abril de 1975, a rendição de Saigão (actual Ho Chi Minh) pôs fim à Guerra do Vietname que durou quase duas décadas e se saldou, como se sabe, por uma estrondosa derrota dos norte-americanos.

Foi motivo para grandes contestações enquanto durou, despertou para a política toda uma geração, nos Estados Unidos e não só, esteve na origem de protestos um pouco por toda a parte. Até em Portugal, em tempos de fascismo e apesar de proibidas, tiveram lugar pelo menos duas manifestações em Lisboa, em 1968 e em 1970. Quem lá esteve lembra-se certamente da polícia a pé e a cavalo, na Duque de Loulé (era lá que se situava então a Embaixada dos EUA), a dispersar tudo e todos à bastonada. Mas confesso que só interiorizei verdadeiramente a dimensão do que foi o conflito em questão quando estive no Vietname.

Nunca esquecerei o War Remnants Museum, um dos mais terríveis que conheço, onde se encontram muitas imagens, instrumentos de tortura e outros pavorosos testemunhos da ferocidade de que o homem foi e é capaz. Foi muito difícil percorrê-lo depois de ter visitado Cu Chi, «Terra de ferro, cidadela de bronze», como se autodenomina, localidade a 60 quilómetros a Noroeste de Ho Chi Minh, que se orgulha de ter contribuído de um modo muito especial para a vitória da «Guerra anti-Yankees». É lá que se encontram 200 quilómetros de túneis que serviram de vias de comunicação, de esconderijo, de hospitais, e até de salas de parto, para os resistentes vietnamitas. Se tinha lido várias descrições, o que vi toca os limites do inacreditável.

E, para além de tudo isto, é quase impossível perceber como é que os americanos alguma vez acreditaram que podiam ganhar aquela guerra, apesar dos dois milhões de mortos que ficaram para trás.

Dois vídeos, um sobre o Museu, outro sobre os túneis de Cu Chi:






Não menosprezem o «Menino doutor»

 


“A primeira bandeira em Marte pode não ter as nossas 7 quinas, mas terá 12 estrelas. E uma delas também será a nossa.”

Ele só não quis associar a nossa bandeira à «Aventura dos Cinco», que leu ainda num infantário, mas a Camões e a «Sete anos de pastor Jacó servia» que sabia de cor na pré-primária.
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Da falta de noção

 


«Nuno Melo afirmou que o Governo estaria a estudar formas de atrair mais jovens para as Forças Armadas e que o serviço militar poderia ser uma alternativa para jovens que cometem pequenos delitos.»

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O caminho das pedras

 


«Com as várias propostas de redução do IRS atiradas para a especialidade, os portugueses que todos os meses se sentem espoliados ao olhar para o recibo de vencimento tiveram, nos últimos dias, mais uma evidência do saque que sofrem todos os meses. O último relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (Taxing Wages 2024) revela que a carga fiscal (incluindo impostos e contribuições para a Segurança Social) aumentou em Portugal pelo quinto ano consecutivo. Atingiu os 42,3% em 2023 - muito acima dos 34,8% de média da OCDE -, o que nos coloca no 8.º lugar entre 38 países. Veja-se o exemplo de um trabalhador solteiro, sem filhos, que auferiu no ano passado o salário médio (23 714 euros): para casa levou pouco mais do que metade (57,7%) da remuneração bruta.

Agora que parece haver consenso de que a asfixia fiscal, agravada pela espiral inflacionista dos últimos anos, é a raiz da maioria dos males de que padece a sociedade portuguesa, é preciso aliviar rapidamente o IRS. Mas antecipa-se um caminho de pedras. Depois de ver desmontando o seu tão propagandeado choque fiscal, Montenegro teve na semana passada a prova de que tem de amadurecer as estratégias de negociação para conseguir impor num Parlamento fragmentado as suas propostas. Com a abstenção do Chega, a Esquerda deu luz verde aos projetos do PS, BE e PCP de revisão dos escalões de impostos que vão mais longe do que o Governo queria. E à AD só restou baixar à especialidade sem votação o seu projeto.

O que se exige agora, em sede de comissão de orçamento e finanças, é que quem nos representa seja capaz de chegar a uma solução que melhore a vida dos portugueses sem violar a norma-travão (que impede a aprovação de medidas que coloquem em risco as metas de despesa e receita do Orçamento do Estado). E de nada adianta ao primeiro-ministro queixar-se que PS e Chega querem formar um “Governo alternativo”. Ao aceitar governar com uma vitória tangencial, Luís Montenegro não pode impedir que a Oposição construa alternativas, principalmente quando criou, e defraudou, expectativas numa das matérias mais relevantes para as famílias. É a democracia a funcionar.»

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29.4.24

Casas

 


«Casa Frison», Sablon, Bruxelas, 1894.
Arquitecto: Victor Horta.


Daqui.
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29.04.1945 – As francesas votam pela primeira vez

 


Em França, foi só em 1945 que as mulheres exerceram pela primeira vez o direito de voto. Em eleições municipais, 87 anos depois dos homens.

Em Outubro do mesmo ano, foram 33 as eleitas para a Assembleia Constituinte, num total de 586 deputados. Isto no país que, em 1789, gritou: «Liberé, égalité, fraternité». Foi longo o caminho.

(Note-se que só em 1965 é que as francesas puderam abrir uma conta bancária, ou aceitar um emprego, sem autorização do marido.)




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Nuno Brederode Santos

 


Sete anos de ausência. Passa o tempo, ficam a falta e as saudades.
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Não será fácil murchar este cravo

 


«Pela data redonda, esperava que o desfile do 25 de abril fosse o maior de sempre. Mas não esperava que fosse, provavelmente, a maior manifestação desde o 1º de maio de 1974. Maior do que qualquer protesto. Seria bom, aliás, que o jornalismo, que tantas vezes repete números absurdos das organizações, usasse os instrumentos que a tecnologia já oferece para saber quantas pessoas estiveram na avenida.

A razão da enchente impressionante parece-me óbvia: 50 anos depois, os inimigos mais frontais do 25 de abril elegeram 50 deputados. O desconforto de parte da direita democrática com a data, por nela ter tido um papel secundário (até a travagem do PREC foi liderada pelo centro-esquerda, tornando possível uma rápida reconciliação), não é uma novidade. É evidente na relação com os símbolos da revolução ou na tentativa de lhe acrescentar sempre um “mas”.

Primeiro tentaram vender a ideia da “evolução”, diminuindo o papel fundador de abril, que poderia ter sido substituído pela falhada primavera marcelista. Que teria sido melhor que, em Portugal, tivesse acontecido a morna transição espanhola. Como não resultou, tenta-se equiparar o 25 de novembro, a travagem de um processo que se estava a descontrolar, ao 25 de abril. Curiosamente, não são os principais autores do golpe de novembro a fazê-lo, mas os que desejavam que aquela data iniciasse uma revanche contra a esquerda. Ou seja, os que também foram derrotados nesse dia.

Com o aparecimento do Chega, o saudosismo perdeu a vergonha. A extrema-direita cresceu muito e é possível que vá crescer mais, como aconteceu no resto da Europa. O populismo cresce. A cedência aos apetites autoritários também. Mas o susto é tal que tendemos a ignorar que nós, os que amam abril, somos a larga maioria do país. Não estou a falar apenas dos democratas. Estou a falar dos que se reveem no processo revolucionário, mesmo que reconheçam os seus erros inevitáveis. Como se viu na quinta-feira, a memória da mais bela revolução do século XX é uma arma poderosa contra isso.

A força simbólica de abril não está apenas associada às indispensáveis liberdades políticas – o voto e a liberdade de expressão, de manifestação e de imprensa –, mas à descolonização e a um conjunto impressionante de conquistas sociais. O facto de a nossa democratização não ter resultado de uma transição tutelada pela elite que sustentou a ditadura, como aconteceu em Espanha, mas de um processo revolucionário que deu a cada conquista a força de não ter sido oferecida, garantiu, à nossa democracia, uma natureza única.

Somos uma democracia mais sólida do que a espanhola. Com menos traços autoritários, E não é apenas por causa da guerra civil, das nacionalidades ou do terrorismo. É por causa da revolução e da força popular de abril. É por isso que resisto a uma excessiva institucionalização da data, que a enfie nos corredores alcatifados do poder.

Graças à coragem dos capitães e à cobardia dos generais, o 25 de abril foi um golpe de baixa patente. E isso ajudou a que fosse tomado pelo povo ao fim de poucos dias, transformando-se numa revolução. As comemorações fazem-se com uma manifestação anual onde confluem protestos atuais, celebrando o seu espírito subversivo e popular. “25 de abril sempre”, que Jorge Sampaio fixou na memória coletiva, é muito mais do que um desejo. É o apelo que nos fará sair à rua sempre que a minoria do ódio mostrar os dentes.

O atraso histórico de um país pequeno, pobre e periférico, que segurou demasiado tempo um Império, somado a meio século de uma ditadura provinciana e conservadora, deixou um legado difícil de ultrapassar. Mas, mesmo em comparação com tantas democracias na Europa, a nossa tem uma força especial: não nos foi oferecida. Foi conquistada por militares vindos do povo e por um povo que não queria apenas o voto e a palavra, queria a paz e a dignidade, sair da guerra e sair do bairro de lata.

Na última quinta-feira, mostrámos que somos uma ruidosa maioria que não ficará calada perante a fanfarronice saudosista. Os nossos pais ensinaram-nos a beleza de abril. Nós ensinamos aos nossos filhos. Eles ensinarão aos nossos netos. Não será fácil murchar este cravo.»

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28.4.24

Torradeiras

 


Torradeira eléctrica “The Sweetheart”, Art Déco, 1920.

Daqui.
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D. Sebastião II

 


Estava eu a lidar com um belo robalo grelhado em frente de uma televisão sem som e vi-o. Decidi ouvir agora em diferido e em verdade, em verdade vos digo: vai ser ele a espetar em Marte a bandeira da União Europeia.
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E não havia correctores

 

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Desfazer o que ainda não foi feito

 


«É um dos traços culturais do ecossistema político português mais irritantes e menos construtivos: a tentação de mudar tudo sempre que se inaugura um novo ciclo de poder. É assim com socialistas, é assim com sociais-democratas. A incapacidade de os maiores partidos se entenderem nas chamadas reformas estruturais tem não apenas fundamento nas naturais discordâncias programáticas ou estratégicas, mas também, e demasiadas vezes, em choques de personalidade. A muda B de determinado lugar porque não gosta dele; ou então A muda B de determinado lugar porque se sente ameaçado por ele. É natural que a alternância política reflita diferentes perspetivas de governação, o que não é natural é estarmos constantemente a fazer reset às políticas.

Veja-se o que aconteceu agora com o afastamento, por inércia, do diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo, um médico independente que estava a empreender uma reforma difícil mas relativamente bem-sucedida. E que, ainda por cima, estava a fazê-lo com uma pouco habitual unanimidade entre os agentes do setor. Cedo se percebeu que o filme não ia acabar bem, depois de a ministra Ana Paula Martins ter exigido, por despacho, que a equipa de Araújo prestasse contas de tudo em 60 dias, incluindo sobre dossiês que não estavam na sua alçada. A relação entre ambos não era a ideal, sobretudo porque a ministra não é propriamente fã do modelo que o gestor definira para as unidades locais de saúde. Sem dizer sim ou não, Ana Paula Martins foi deixando Fernando Araújo em “lume brando”, forçando a sua demissão. Até ver, desconhece-se o que vai fazer o Governo com o trabalho deixado pela Direção Executiva do SNS, mas teme-se que entremos numa nova fase de refundação das bases do sistema de saúde, sem que daí advenham grande ganhos para o cidadão. O que, no caso em apreço, significa desfazer o que ainda não tinha sido feito.»

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