4.1.20

«Vamláver», como diz quem tem a chave na mão




«Por unanimidade, a mesa bloquista aprovou uma resolução muito crítica à proposta governamental e decidiu que “a proposta de OE2020 apresentada pelo governo do Partido Socialista não terá o voto favorável do Bloco de Esquerda”.

Registando que se mantém um processo de negociação com o Governo, “que não deve ser interrompido”, a Mesa decidiu “mandatar a Comissão Política para prosseguir esse processo, que permitirá verificar se há caminho possível para algumas matérias orçamentais fundamentais que o Bloco propõe, o que conduzirá, nesse caso, a uma abstenção que torne possível esse debate na especialidade ou, em caso contrário, à rejeição da proposta de lei”.»
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Marcelo, tal e qual como vem no folheto



Expresso, 04.01.2020
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Trump - é isto


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Este homem não vai sair de lá sem duas guerras: uma civil e outra (espera-se) regional



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Enquanto a gente por cá se entretém a fazer interpretações mais ou menos escolásticas de frases simplistas, dúplices, sibilinas, em dupla língua orwelliana, sem sentido ou com sentido, cínicas, lugares-comuns, disparatadas, ambíguas, explícitas, mas de um modo geral muito pouco importantes, proferidas pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro, o mundo está perigoso como nunca esteve desde a crise dos mísseis. Esta nossa capacidade para a irrelevância é ela própria assustadora e, embora isso pouco sirva de justificação, é também do conjunto da Europa “civilizada” da Europa do “meio” até ao Atlântico, passando ao lado do “Brexit”.

Este é um dos casos em que os actuais riscos mundiais têm uma interpretação pouco marxista, porque se devem à acção de um indivíduo: Donald Trump e a sua trupe e ao partido de serviçais em que se tornou o Partido Republicano. Claro que tudo em que ele mexe tem razões, racionalidades, explicações estruturais e conjunturais e pode ser interpretado, ou seja, tem um sentido implícito. Mas ele mesmo é irracional, criativo e carismático, no sentido genuíno da palavra cujo uso está muito abastardado, e, por isso, não explicável na sua irredutível singularidade.

Claro que homens racionais, frios, cerebrais, determinados podem ser também muito perigosos, como também o são homens de fé cega, que não conhecem limitações à sua crença, e às suas epifanias, e quase sempre à relação privilegiada que acham que têm com o Divino ou o Destino. Mas podem ser percebidos, interpretados e limitados pelo mundo exterior que os compreende. Trump não; é um caso em que um conjunto de idiossincrasias pessoais, a começar pelo seu narcisismo patológico e pela crença em virtudes próprias quase mágicas, assim como uma ignorância abissal, um simplismo grosseiro e uma agressividade sem limites, todos os defeitos de carácter, um comportamento errático e caótico, se associam a esta pequena coisa — ele é o homem mais poderoso do mundo.

A resposta a Trump é débil para o grau da sua perigosidade. É débil nos democratas nos EUA, é débil nos fracos que o compreendem, mas são cobardes para o defrontar, e é débil nos que o acham que o podem conter mantendo-o à distância. Mas, acima de tudo, é débil em todos os que ainda não perceberam duas coisas básicas: Trump não sai de lá com eleições e, numa esquina qualquer dos dias, na sua política errática, deita mais gasolina para a fogueira para se vingar, ou mostrar poder, ou gabar-se, e a fogueira pode não ser contida a tempo. Na verdade, Trump nem sequer esconde a sua vontade de ser Presidente vitalício, com uma série de tweets em que os anos passam e ele permanece vestido de Capitão América. E também já disse mais do que uma vez que os seus apoiantes não permitiriam o seu afastamento, mesmo em eleições, que teriam de ser necessariamente fraudulentas, e isso provocaria uma guerra civil. E já disse mais: que com ele estão a polícia, as forças armadas e os cidadãos com armas. O que é que é preciso dizer mais?

Mas antes da “guerra civil”, Trump — que não tem uma política externa coerente, com excepção de ser um fantoche de Netanyahu e da extrema-direita israelita, e de M.B.S., o príncipe herdeiro saudita, e, num plano mais global, de Putin — envolve os EUA numa série de actos arriscados que servem os seus sinistros aliados, sem a prudência que eles, apesar de tudo, revelam. O assassinato de importantes generais iranianos, no solo de um país estrangeiro que é seu aliado, e com a violação de todas as regras internacionais, não vem na sequência do assalto à embaixada em Bagdad — vem na sequência da morte de um “contratado” americano, esta figura eufemística do mercenário, seguida de ataques da aviação às milícias pró-iranianas no Iraque e, por fim, à invasão da embaixada, que foi devolvida pelos ocupantes sem vítimas.

Vejamos as verdades, o mundo não-Trump. Que o Irão é um país que patrocina milícias em todo o Médio Oriente desde o Líbano ao Iémen é verdade. Que a sua capacidade de construir armas nucleares existe e é inaceitável por Israel também é verdade. Mas que o conflito com a Arábia Saudita, um dos países patrocinadores do terrorismo mundial, põe frente a frente dois adversários parecidos um com o outro, e com um fundamento religioso muito antigo pela hegemonia no islão, é verdade. Que os sauditas fazem o mesmo que o Irão, patrocinando milícias e combatentes clandestinos em todo Médio Oriente, mais uma vez é verdade. Que o Irão é uma teocracia, sem liberdades e democracia, é verdade. Mas na comparação consegue, imaginem, ganhar à Arábia Saudita, onde ainda há menos liberdades e muito menos diversidade do que no Irão. Por fim, quanto à questão nuclear, o acordo com o Irão obtido pela comunidade internacional com enormes dificuldades estava a ser cumprido, e os EUA acabaram com ele, numa das suas reviravoltas políticas que só tem uma explicação: dar cabo de tudo o que Obama tinha conseguido.

Face a este homem perigoso, deviam olhar para Churchill na Segunda Guerra e não para Chamberlain, porque é a falta de uma reacção forte e decidida das democracias que permite a Trump fazer o que quer. Um dia acordam com o fogo à porta e vão ler sobre o “estado do mundo” num tweet matinal com erros de ortografia.»
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3.1.20

O mundo está pior e mais perigoso



E nós impotentes. Terrível!
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Quando Greta fizer 30 anos


«Se não aparecerem novos líderes que invertam a dinâmica que é previsível, os anos vinte do século XXI serão o caminho para que os desastres anunciados se concretizem, os oceanos subam, a seca se estenda, populações em massa tenham que mover-se pelos efeitos adversos das alterações climáticas e o mundo estará mais desigual, mais injusto e menos preparado para o futuro.

Estou pessimista? Sim, porque não se vê no horizonte que os povos elegessem hoje líderes com energia para mudar o que quer que seja nas grandes questões do mundo e - ou os cientistas estão errados - ou quando Greta tiver trinta anos teremos que lidar com gravíssimos problemas sociais e ecológicos, o que exigirá então soluções, que é melhor nem tentar antecipar agora.»

Paulo Pedroso
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Janeiras de reformados e pensionistas



06.01.2020, 15H00, á porta da residência do Primeiro-Ministro (Rua da Imprensa à Estrela), de preferência vestidos de preto.

Por iniciativa do Grupo de Teatro da APRe! de Coimbra, à qual se juntaram já outros grupos e pessoas, terá lugar um protesto contra aquilo que o OE 2020 prevê para a população em causa, concretizado numa música adequada à data.

Espera-se que muitos respondam «à chamada». Jovens também, não se esqueçam de que os velhos vos acompanharam em todos os protestos das vossas gerações à rasca…

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- A Lei que “amarra” as nossas pensões à inflação de 2019 (0,2%) é a Lei 53-B de 2006?
- O governo anuncia que a maior parte dos pensionistas terá um aumento acima da inflação e que esse aumento é de de 0,7% para as pensões até 877 Euros?
- Uma pensão de 400 euros tem um aumento de 2,8 Euros?
- Há mais de um milhão e quinhentos mil pensionistas com pensões abaixo do salário mínimo?
- As pensões entre 877 Euros e 2632 Euros têm um aumento de 0,2%?
- Uma pensão de 900 Euros tem um aumento de 1,8 Euros?
- As pensões acima de 2632 Euros não terão qualquer aumento, tal como não tiveram em anos anteriores e quando tiveram foi sempre numa percentagem abaixo da inflação?
- A inflação prevista para 2020 poderá chegar a 1,6%?
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Acontecimento internacional: a ascensão da extrema-direita



«A extrema-direita governa a Hungria e a Polónia. Tem posições relevantes na Suécia, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Holanda, Bélgica, França, Itália, Espanha e em todo o antigo bloco de leste. Nos Estados Unidos, com a vitória de Donald Trump, normalizou-se, servindo de exemplo global na sua forma de atuar. Nas Filipinas conseguiu montar um máquina de crime organizado em nome da segurança pública. Mas foi o Brasil que serviu, pela proximidade cultural e linguística, de modelo para a nova extrema-direita portuguesa. Em Portugal, posto o pé na porta do Parlamento, o seu crescimento é inevitável. Porque se integra num fenómeno global. Ainda mais quando, apesar das experiências de outros que podemos observar, a comunicação social e os outros partidos mostram não saber lidar com o fenómeno.

Perante este fenómeno, que pode mesmo destruir as democracias ocidentais, temos de compreender as razões do voto, agir sobre elas e traçar linhas vermelhas para os seus protagonistas.

As razões do voto são diferenciadas e complexas. Numa lista grosseira e superficial, identificaria um processo de globalização que, tendo coincidido com o desmantelamento de várias almofadas sociais, correspondeu à expulsão de milhões de cidadãos da promessa de prosperidade; a retirada de poder aos Estados Nacionais, que correspondeu a uma alienação democrática dos cidadãos; a crise financeira de 2008, que teve efeitos globais muitíssimo mais profundos do que conseguimos ainda compreender; uma distribuição entre trabalho e capital cada vez mais desigual, com um crescimento das desigualdades internas nos países desenvolvidos para próximo do período antes da segunda guerra mundial; o esmagamento das classes médias, sem as quais a extrema-direita historicamente nunca vinga; e uma crise dos mediadores, que tornou a manipulação muito mais fácil.

Agir sobre tudo isto é impossível. Mas a esquerda tem de se dirigir aos “deploráveis”, como lhes chamou Hillary Clinton num momento de honestidade sobre todas as suas próprias limitações políticas. Até porque, ao contrário do que pensam os que analisam esta extrema-direita apenas à luz do passado, ela tenderá a absorver o programa neoliberal de retirada de funções sociais do Estado, como se vê no programa de Paulo Guedes no Brasil e do Chega em Portugal. Estamos a falar de um novo tipo de extrema-direita, que integrara a agenda neoliberal da elite económica. Se a esquerda souber concentrar aí o seu foco pode derrotá-la.

Mas, mesmo compreendendo as origens deste voto e agindo sobre elas, a democracia não pode deixar de ser clara nos limites que impõe. O que passa por contrariar de forma resoluta a ideia que se instalou que nela cabem todo o tipo de organizações, propostas e discursos. Que a democracia é neutra e não tem o direito a defender-se dos que a querem destruir. Uma ideia que a extrema-direita aproveita para usar todas as garantias democráticas para fragilizar a própria democracia.

O Estado Democrático não deve hesitar em agir com firmeza sempre que estas organizações tentem subverter as instituições do Estado, usando-as como palco para campanhas de ódio. Deve ser implacável com todas as tentativas de infiltração nas forças de segurança, apetecíveis como instrumento de repressão sobre os sectores mais vulneráveis da sociedade. Agir sem complexos sempre que a extrema-direita use, de forma profissional e anónima, as redes sociais para espalhar a difamação sobre os seus adversários. E nunca ceder aos que querem impedir que a escola pública ensine valores fundamentais de liberdade, tolerância e respeito pelos direitos humanos, recusando qualquer ideia de que a escola do Estado democrático é um mero prolongamento da vontade de cada pai ou mãe, sem deveres para com valores fundamentais que os transcendem, inscritos na Constituição. Se os democratas cederem em tudo isto, já está derrotada.»

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2.1.20

A margem de 2020


«Assistimos a um estranho movimento que tenta dissociar o resultado das contas públicas do desempenho do Estado no exercício das suas funções. Assim, elogia-se o excedente orçamental mas critica-se o estado da Saúde ou dos transportes quando, na verdade, o primeiro só é possível à custa dos segundos. (…)

Quem defende o excedente diz que é por uma questão de reputação do país. Mas a verdade é que, depois de atingir uma situação perto do equilíbrio, insistir num excedente pode ajudar a reputação momentânea de um Governo ou de um ministro, mas não protege o país. Num cenário de crise, a reputação desfaz-se num piscar de olhos, e o que conta é se os serviços públicos e a economia foram reforçados com os investimentos necessários.»

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A Nova Zelândia que eu ainda vi…




«As cinzas e a poeira dos incêndios da Austrália estão a ser transportadas até aos glaciares neozelandeses que mudaram de cor e podem perder 30% do volume.
Desde a década de 1970 que investigadores têm vindo a registar a diminuição em quase um terço dos glaciares deste país. É expectável que desapareçam até ao final da década.»

Eu vi os glaciares assim, exactamente há três anos!

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Greve com música


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A última oportunidade



«Bem-vindos a 2020. Parecendo que não, já passaram quase 900 anos desde que Afonso Henriques - o conquistador - expulsou daqui os mouros para, quatro anos depois, conseguir o reconhecimento do reino de Portugal, dando assim início à primeira dinastia.

De 1139 até 1974 não foi propriamente "um tirinho", mas a história, de alguma forma, repetiu-se. Em vez de mouros, expulsámos os ditadores que nos oprimiram durante 41 anos e reconquistámos a nossa liberdade. O que fizemos depois com ela pode ser alvo de muitas discussões, de muita divergência, mas não deve colocar em causa o essencial: Portugal, com todos os problemas mais ou menos estruturais que ainda tem por resolver, é hoje um país melhor. E tem uma democracia mais madura.

Se isto não é apenas um lugar comum, o que segue também não o é: as democracias são sempre projetos inacabados, que se constroem passo a passo, com avanços e recuos, mas que só sobrevivem se soubermos preservar os seus alicerces. Aqui chegados, a 2020, é importante termos todos a noção de que alguns dos pilares mais importantes da nossa democracia estão a ser seriamente ameaçados. E que, se não se fizermos nada, podemos mesmo vir a perdê-la.

O populismo, que é, para muitos, a ameaça mais latente, é, na verdade, a consequência natural de um desgaste lento em zonas onde o Estado não pode - não deve - falhar aos seus cidadãos. Dos erros com que não aprendemos e que vamos repetindo, dos problemas estruturais que fomos empurrando com a barriga, das respostas que continuam por dar.

O discurso de ano novo do Presidente da República, mas, sobretudo, o de Natal do primeiro-ministro - dedicado exclusivamente ao Serviço Nacional de Saúde -, são a prova disso mesmo. Em 2020 ainda há urgências hospitalares a fechar por falta de médicos, centros de saúde e hospitais públicos indignos de um país de primeiro mundo, ainda não há médico de família para todos e continuamos a ter famílias desesperadas porque não têm onde colocar os familiares que precisam de cuidados continuados. No Portugal de 2020, em que agora entramos, ainda há uma saúde que é diferente para pobres, para remediados e para ricos. Ainda há médicos e enfermeiros a fugir para o privado ou para o estrangeiro porque se sentem maltratados, mal pagos e pouco reconhecidos pelo Estado.

No Portugal de 2020 ainda há quem receba menos de 300 euros de pensão. Ou quem trabalhe todos os dias, sem conseguir fugir da pobreza. Crianças que, não podendo trabalhar, ficam condenadas a essa pobreza. Ou quem trabalhou a vida toda para agora viver pobre até à morte.

No Portugal de 2020 ainda há jovens altamente qualificados pagos como se tivessem a quarta classe, que não encontram casa que possam pagar e que adiam os seus projetos familiares porque desconfiam do futuro que o país lhes tem reservado.

No Portugal de 2020 a educação ainda depende da conta bancária e do estrato social. Ainda há escolas que são autênticos guetos, onde a violência e o insucesso escolar andam de mão dadas. E, apesar disso, nessas escolas ainda há professores que resistem e não desistem de educar, mesmo quando são maltratados por alunos, pais e pelo próprio "patrão", o Estado.

No Portugal de 2020 ainda há quem pague os seus impostos e os dos outros, que fogem, só porque sim, porque podem. São os mesmos - os que pagam impostos - que assistem incrédulos à lentidão de uma justiça que, paradoxalmente, se torna injusta e que tantos, justa ou injustamente, classificam de impunidade.

No Portugal de 2020 ainda há dois países: o do litoral e do interior. O país sobrelotado e o país cada vez mais vazio, onde quem resiste devia ser elevado à qualidade de herói nacional. Porque paga ao Estado o mesmo que os do litoral - mais portagens - e recebe infinitamente menos.

Se tudo isto - e o mais que aqui não cabe - são ameaças reais aos pilares da nossa democracia, nada disto é uma inevitabilidade. E a próxima década pode muito bem ser a última oportunidade para não deitarmos tudo a perder. Para construirmos uma economia que cresça e apareça, em vez da roda de hamster onde temos andado nos últimos largos anos e de onde já caímos três vezes. Para reformarmos a justiça, a saúde, a educação, as forças de segurança e militares. Para olharmos de uma vez para a vida das pessoas, em vez de andarmos a contar os meses para o próximo ato eleitoral.

Porque, por cada ponta solta que deixarmos, haverá sempre um oportunista à espreita. Alguém que se alimenta do sofrimento dos outros e que está sempre pronto a cavalgá-lo, em nome da sua própria sobrevivência. Por cada ameaça que o Estado - e nós também somos o Estado - deixar escapar, ignorar, empurrar com a barriga, é mais um passo que está a dar para acabar com um regime democrático que, até prova em contrário, é o melhor dos sistemas políticos.

Em democracia há sempre soluções. Foi isto que me ensinaram e é nisto que acredito. Mas a democracia não é um fim em si mesmo e 2020 pode bem ser o início de um combate há muito adiado ou o princípio do fim.»

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1.1.20

Bissexto


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Revolta de Beja – Um texto de Paulo Varela Gomes



Republica-se hoje muita informação sobre a Revolta de Beja, que teve lugar no dia 01.01.1962. Prefiro divulgar de novo este magnífico testemunho de um filho de um dos principais protagonistas dessa desesperada tentativa de libertação, que entretanto também nos deixou.

Aquilo que é necessário

Na manhã do dia 1 de Janeiro de 1962, eu, o meu irmão e as minhas duas irmãs fomos acordados, não pelo meu pai ou a minha mãe como era costume, mas por um tio e uma tia. Mandaram-nos vestir um roupão sobre os pijamas e acompanhá-los. Atravessámos a curta distância que separava da casa do meu avô materno a casa onde vivíamos, e à qual nunca mais voltei. Durante semanas só nos disseram coisas vagas. As empregadas do meu avô calavam-se de repente quando passávamos. Soubemos depois que a família não tinha a certeza que o meu pai sobrevivesse aos ferimentos de bala que sofrera no ataque ao quartel de Beja na madrugada daquele dia 1. A minha mãe estava presa. Voltou para casa um ano e meio depois. Ele, ao fim de seis anos. Lembro-me: a minha mãe, a quem não deixaram abraçar os filhos pequenos, encharcando com lágrimas os punhos cerrados de fúria com que agarrava as grades do parlatório de Caxias. O nosso terror. O meu pai, numa cela da Penitenciária de Lisboa, entubado, magríssimo, a voz quase apagada, um fantasma desvanecido contra a luz da janela, aquele homem que eu recordava grande, alegre, garboso na sua farda. Desapareceu de vez a infatigável alegria do meu irmão, um miúdo palrador e de olhos cheios de luz. Ganhou dificuldades de fala e endureceu. Nunca mais encontrou a paz. Por mim, fui adolescente a querer ser homem sem ter para isso pai. Não foi fácil e não se tornou menos difícil depois. As minhas irmãs, eu sei lá, nunca falamos disso. A família juntou-se para nos acolher e ajudar, houve amigos que estiveram à altura da ocasião, mas vivíamos com alguma dificuldade. Quando a minha mãe foi libertada, tinha perdido a profissão que a PIDE a impediu de retomar. Arranjou os empregos possíveis. Dormia pouquíssimo, trabalhava loucamente e aguentou tudo. Só perdeu a juventude e a saúde.

Quando visitávamos os meus pais em Caxias, em Peniche, encontrámos pessoas que sofreram muito mais que nós e estavam muito mais desamparadas. Especialmente os familiares de militantes do PCP, gente heróica sem bravata. Aprendemos que, para além dos nossos pais e dos que, com eles, foram a Beja (alguns, com menos sorte e resistência física que o meu pai, para lá morrerem), havia em Portugal muitas pessoas rectas que, ao fazerem o que era necessário fazer, causaram danos colaterais como aqueles que a minha família sofreu. Aprendemos que é mesmo assim, que nada se consegue sem danos colaterais. Aprendemos também, todavia, que a maioria das pessoas não suporta esta ideia e quer somente paz e sossego. É a vida, mas felizmente haverá sempre aqueles que são maiores que a vida. Se os não houvera, a iniquidade venceria necessariamente.

Coincide com os 50 anos da Revolta de Beja a perseguição movida pelo regime que hoje vigora em Portugal contra Otelo Saraiva de Carvalho, o operacional responsável pela revolta seguinte, o 25 de Abril de 1974. Que isso não nos impeça de dizer e fazer o que é necessário. A iniquidade não pode vencer.»
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E nunca foi ao Corvo


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Começar o ano com o Chico



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31.12.19

Excelente 2053



Não há como ser previdente e optimista. Excelentes 33 anos para todos e obrigada por passarem por aqui.
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Passar o ano «ao contrário»



Já acabei anos em vários locais de três continentes. Mas sempre que vejo primeiro Auckland, depois Sydney, etc., a chegarem à meia noite, lembro-me do ano em que passei «ao contrário», num voo de Los Angeles para Londres.

Partimos ainda no dia 31 e quando passámos perto da primeira cidade onde já era dia 1, a tripulação assinalou o facto e começou a distribuir champanhe aos poucos passageiros (quem se lembra de viajar nessa noite…). Depois, voltou a fazê-lo, creio que de hora a hora, à medida que íamos sobrevoando «longitudes» onde já eram 1, ou 2 ou… horas. Chegámos a Londres um pouco tontos…
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Revolta de Beja



Hoje, às 21:05, na RTP2.

Ler AQUI.
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As «penitências» de Augusto Santos Silva




Não me lembro de Santos Silva se ter penitenciado alguma vez por ter «malhado» em tudo o que mexe à esquerda. Nada que estranhe, aliás…
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31.12.1968 – Uma importante iniciativa contra a guerra colonial



É um ritual: em 31 de Dezembro regresso à passagem do ano de 1968 para 1969. Há sempre quem não saiba que a Cantata da Paz, tão divulgada por Francisco Fanhais depois do 25 de Abril, foi por ele estreada nessa noite, numa Vigília contra a guerra colonial, com letra propositadamente escrita para o efeito por Sophia de Mello Breyner.



Em 31 de Dezembro de 1968, cerca de cento e cinquenta católicos entraram na igreja de S. Domingos, em Lisboa, e nela permaneceram toda a noite, naquela que terá sido a primeira afirmação colectiva pública de católicos contra a guerra colonial. O papa Paulo VI decretara que o primeiro dia de cada ano civil passasse a ser comemorado pela Igreja como dia mundial pela paz e, alguns dias depois, os bispos portugueses tinham seguido o apelo do papa em nota pastoral colectiva.

Assim sendo, nada melhor do que tirar partido de uma oportunidade única: depois da missa presidida pelo cardeal Cerejeira, quatro delegados do grupo de participantes comunicaram-lhe que ficariam na igreja, explicando-lhe, resumidamente, o que pretendiam com a vigília:

«1º – Tomar consciência de que a comunidade cristã portuguesa não pode celebrar um “dia da paz” desconhecendo, camuflando ou silenciando a guerra em que estamos envolvidos nos territórios de África.

2º – Exprimir a nossa angústia e preocupação de cristãos frente a um tabu que se criou na sociedade portuguesa, que inibe as pessoas de se pronunciarem livremente sobre a guerra nos territórios de África.

3º – Assumir publicamente, como cristãos, um compromisso de procura efectiva da Paz frente à guerra de África.»

Entregaram-lhe também um longo comunicado [que está online] que tinha sido distribuído aos participantes, no qual, entre muitos outros aspectos, era sublinhado o facto de a nota pastoral dos bispos portugueses, acima referida, tomar expressamente partido pelas posições do governo que estavam na origem da própria guerra, ao falar de «povos ultramarinos que integram a Nação Portuguesa».

Apesar de algumas objecções, o cardeal não se opôs a que permanecessem na igreja, ressalvando «a necessidade de uma atitude de aceitação da pluralidade de posições».

Pluralidade não houve nenhuma e, até às 5:30, foram discutidos todos os temas previstos e conhecidos: vários testemunhos, orais ou escritos, sobre situações de guerra na Guiné, Angola e Moçambique.

Hoje, tudo isto parece trivial, mas estava então bem longe de o ser. Aliás, seguiu-se uma guerra de comunicados entre Cerejeira e os participantes na vigília. Com data de 8 de Janeiro, uma nota do Patriarcado denunciou «o carácter tendencioso da reunião», terminando com um parágrafo suficientemente esclarecedor para dispensar comentários: «Manifestações como esta, que acabam por causar grave prejuízo à causa da Igreja e da verdadeira Paz, pelo clima de confusão, indisciplina e revolta que alimentam, são condenáveis; e é de lamentar que apareçam comprometidos com elas alguns membros do clero que, por vocação e missão, deveriam ser não os contestadores da palavra dos seus Bispos, mas os seus leais transmissores».

A PIDE esteve presente (há disso notícia em processo na Torre do Tombo), mas não houve qualquer intervenção policial. Alguns jornais (Capital e Diário Popular) noticiaram o evento, mas sem se referirem ao tema da guerra colonial – terão provavelmente tentado sem que a censura deixasse passar. A imprensa estrangeira, nomeadamente algumas revistas e jornais franceses, deram grande relevo ao acontecimento. E foi forte a repercussão nos meios católicos.

P.S. – Quatro anos mais tarde realizou-se uma outra vigília pela paz, na Capela do Rato, com consequências bem mais gravosas, já que envolveu uma greve de fome, prisões e despedimentos da função pública.
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30.12.19

E hoje não é dia de «Inimigo Público»




«”Esta é uma condecoração pensada para a projecção de Portugal no mundo, tal como fez o Infante D. Henrique”, concluiu Marcelo Rebelo de Sousa.»

«“É com orgulho que recebo esta condecoração. Sei o significado dela, sei bem quem é o Infante D. Henrique, porque todos os dias no Brasil tinha de atravessar a Avenida Infante D. Henrique."» (J. Jesus citado noutros jornais)
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E por vezes



E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites, não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos.

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão-Ferreira


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Nesta, alinho


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Igualdade, ficção científica



«2019 termina como começou. Só no mês de janeiro foram mortas oito mulheres em contexto de violência doméstica. Nestes últimos dias do ano, sucedem-se homicídios e explicações que mostram o quanto o sentimento de posse continua a dominar as relações.

"Ele era muito ciumento. Não queria que ela trabalhasse, nem que falasse com ninguém", conta uma amiga de Helena, a mulher de 34 anos degolada à frente dos dois filhos.

Somam-se outras notas dos dias com a desigualdade retratada em números. Duplicaram as queixas de trabalhadoras do comércio junto da Comissão para a Igualdade. Reclamações devido a diferenças em função do sexo, horários e salários. As desigualdades no acesso ao emprego agravaram-se e, ao ritmo atual, teremos de esperar até ao ano 2276 para que homens e mulheres estejam nivelados.

Há 30 anos, sonhavam-se viagens ao espaço, tecnologia inovadora, capacidade de teletransporte, um mundo de ciborgues. Tirando a perigosa utilização de dados pessoais em múltiplos setores e aplicações, a realidade está bem afastada dos caminhos imaginados pela ficção científica. E, ainda assim, não fomos dominados por máquinas, mas estamos longe de atingir o respeito integral pela vida e pela pessoa humana.

Somos, na era das redes e da conexão permanente, rápidos a disparar mas nem sempre ponderados a refletir. Gritamos muito sobre os problemas, mas tardamos a encontrar soluções. Não se vislumbra um sinal de alteração de comportamentos ou de decréscimo nos números da violência doméstica, por mais que o assunto tenha enchido páginas e estado no centro do debate público nos últimos meses. Na viragem para um novo ano, projetamos desafios da ciência, do ambiente, da política. Falta aquele que é o objetivo aparentemente mais simples, transversal a todos os outros: mais humanidade em tudo o que fazemos e idealizamos. No que isso significa de atenção a todos e ao valor absoluto de cada um.»

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29.12.19

Francisco e Marcelo




Este papa está a copiar o nosso Marcelo: fala todos os dias sobre tudo e mais uma ova!

«A Sagrada Família, Jesus, José e Maria, rezava, trabalhava e comunicava entre si.» Como é que ele sabe?
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Anda tudo a falar de 20-20



… e ninguém se lembra de que já houve 20-20-20.
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Portugal precisa mesmo de ter excedente orçamental?



«NÃO. Há excedente orçamental sempre que as receitas do Estado superam as despesas (incluindo os encargos com a dívida). Podemos pensá-lo como lucro, mas dá-se o caso de o Estado não ser uma empresa. O seu objetivo não é a criação de valor acionista. Logo, os excedentes são sempre recursos não reinvestidos no país.

O excedente não deve ser, por isso, o objetivo. E o défice, deve? Também não. O equilíbrio está numa gestão sob critérios de justiça social que pondere a sustentabilidade das contas no longo prazo. A austeridade provou-nos que a cura errada agrava a doença, mas a sua lógica perdura em regras orçamentais europeias que representam um programa que está a esventrar o Estado social — e não só. Face à renúncia do Estado a reforçar a sua capacidade redistributiva e de proteção social, está aberta uma crise de representação que é o espaço das direitas mais perigosas. Há muita ideologia por detrás das “contas certas”.

Acresce que, tal como o mundo empresarial nos tem vindo a provar, a orientação para o lucro de curto prazo tem efeitos nefastos na economia. De igual forma, a gestão curto-prazista das contas públicas pode levar à subvalorização de outras opções — como a redução dos impostos sobre as famílias ou o investimento na qualificação económica — e a más decisões orçamentais. Adiar a compra de um comboio em nome de uma décima de excedente pode representar anos de despesa acrescida num aluguer. A degradação de equipamentos públicos torna mais cara a sua futura recuperação.

E porquê investir agora? Porque os juros estão historicamente baixos e necessitamos de capacidade produtiva e serviços públicos resilientes. Sob uma eventual nova crise, o excedente passará a défice em segundos e nenhuma reputação resistirá aos humores coléricos dos mercados. Só um investimento criterioso, feito agora, poderá proteger-nos então.

Mas “o superávite ajuda a baixar os juros”! Bom, isso desconsidera o papel do BCE e do crescimento económico na atual redução para taxas negativas (e sem excedente). “O excedente reduz a dívida!” Mas, no oceano da dívida, os 590 milhões que mudariam o SNS são uma gota — mais eficaz é aproveitar agora para substituir dívida cara por barata, trabalhando para que, no médio prazo, o país continue a crescer mais que a dívida.

O ideal teria sido não comprometer €3900 milhões no Novo Banco da Lone Star... Mas quem sou eu para falar de contas certas a quem tomou a notável decisão de deitar esse dinheiro à rua?»

Mariana Mortágua
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