«A União Europeia não nasceu para lidar com guerras. Foi criada para as evitar, alimentando o objectivo comum de manter a paz conquistada após séculos de revoluções, lutas religiosas, territoriais, civis e duas guerras mundiais.
A UE nasceu para criar laços tão fortes — políticos, económicos e sociais — entre os seus Estados-membros que se tornasse impossível haver agressões mútuas. E a solidariedade transformou-se, de facto, num dos mais importantes valores (e sentimentos) europeus.
A guerra esteve na origem, mas nunca nos meios nem nos fins da União Europeia, que evoluiu muito desde o primeiro esboço supranacional: a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (matérias-primas muito úteis para quem queria fazer a guerra), criada há quase 75 anos pelo Tratado de Paris.
“Pensávamos que estávamos a recolher os dividendos da paz, mas, na realidade, estávamos a acumular um défice de segurança”, disse esta semana a presidente da Comissão Europeia, vincando a ideia de que o projecto europeu ainda faz sentido, e talvez até faça cada vez mais sentido, atendendo às mudanças em curso.
Ursula von der Leyen acrescentou que os tempos mudaram e que é preciso “rearmar a Europa” e “construir uma defesa comum” porque — e estas já são palavras de António Costa, líder do Conselho Europeu — “a paz sem defesa é uma ilusão”.
Subitamente, expressões como “defesa aérea e de mísseis, sistemas de artilharia, munições, drones e sistemas anti-drone, capacitação estratégica, mobilidade militar, inteligência artificial, cibernética e guerra electrónica” entraram no léxico usado nas instituições europeias.
E a mensagem passou a ser: é preciso “mobilizar mais fundos públicos e privados para a defesa” sem cortar nas despesas do Estado social. “A UE e os Estados-membros não têm de escolher entre investir na paz ou nos sistemas de saúde, educação e habitação, porque o programa para Rearmar a Europa e a activação da cláusula de escape providenciam financiamento adicional”, sublinhou Costa.
Quando se confirmar, essa será a melhor das notícias, porque manter a Europa solidária sem pôr em causa a sua segurança, e vice-versa (manter a Europa segura sem comprometer a sua solidariedade), é um dos desafios mais importantes dos próximos tempos.
O mundo não precisa de mais uma potencial guerra, mas como canta Gabriel, O Pensador, [já] “não adianta olhar pro céu/com muita fé e pouca luta”.»