16.3.25

Este não escapa

 


Vaso em vidro soprado, Klostermühle, Boémia (agora Chéquia). Cerca de 1902.
Fabricado por Joh. Loetz Witwe.


A grandeza da exclusividade

 

«É curioso verificar que, ao contrário do que acontece com Luís Montenegro, a segunda figura do Estado, José Pedro Aguiar-Branco, já fez questão de mostrar ao país que não desempenha funções em exclusividade. Ou, no mínimo, exerce-as mal. O presidente da Assembleia da República (AR), reunido com outros militantes de relevo do PSD, surpreendeu ao afirmar que Pedro Nuno Santos fez pior à democracia em seis dias do que André Ventura em seis anos. (…) Aguiar-Branco resolveu mostrar-nos que não lidera a casa da democracia a tempo inteiro, justificando as declarações com o facto de ter falado “enquanto militante do PSD”. Definitivamente, um ano não foi suficiente para perceber a importância e a grandeza de ser segunda figura do Estado.»


16.03.1974 – O falhanço das Caldas

 


Há 51 anos, o golpe falhado das Caldas foi um passo importante para a queda da ditadura.

Em 2014, por ocasião do 40º aniversário dos acontecimentos, o Diário de Notícias ocupou duas páginas com vários textos sobre «A coluna rebelde que Spínola e Costa Gomes impediram de ocupar o Aeroporto de Lisboa»
. Excertos:

«A imagem que ficou na memória dos portugueses sobre a intentona tentada pelo Regimento de Infantaria N. º 5 das Caldas da Rainha no dia 16 de Março de 1974 foi a de uma coluna militar que ficou parada às portas de Lisboa. Ilustrava perfeitamente o golpe militar frustrado, que só teria o seu epílogo a 25 de Abril, e que logo deu origem a uma anedota bastante popular. A de que os camiões com 200 militares que iriam ocupar o Aeroporto de Lisboa teriam parado às portas de Lisboa porque o então presidente da República, Américo Tomás, ameaçou que o primeiro a chegar à capital seria obrigado a casar com a sua filha. (...)
A anteceder o 16 de Março tinham-se verificado mais dois factos políticos que fizeram o presidente do Conselho hesitar: a 22 de Fevereiro dera-se o lançamento do livro Portugal e o Futuro, do general Spínola, que defendia uma solução política e não militar para a guerra no Ultramar; a 14 de Março, o Governo demitira os generais Spínola e Costa Gomes dos cargos de chefe e vice- chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, devido à ausência no evento em que as chefias militares se solidarizavam com Caetano, numa cerimónia definida como representativa da “Brigada do reumático”.
A demissão dos dois generais espoletou a Intentona das Caldas e criou esse acto militar falhado.»

A nota oficiosa difundida pelo governo foi esta:

«Na madrugada de Sexta-feira para Sábado, alguns oficiais em serviço no Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha, capitaneados por outros que nele se introduziram, insubordinaram-se, prendendo o comandante, o segundo comandante e três majores e fazendo em seguida sair uma Companhia autotransportada que tomou a direcção de Lisboa.

O governo tinha já conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não tinham tido êxito.

Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR. Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por Unidades da Região Militar de Tomar.

Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo. Reina a ordem em todo o País.»

Alguns dias depois (em 22 de Março), na sua última «Conversa em Família», foi assim que Marcelo Caetano se referiu ao golpe das Caldas:


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Sopram ventos de guerra na Europa da paz


«A União Europeia não nasceu para lidar com guerras. Foi criada para as evitar, alimentando o objectivo comum de manter a paz conquistada após séculos de revoluções, lutas religiosas, territoriais, civis e duas guerras mundiais.

A UE nasceu para criar laços tão fortes — políticos, económicos e sociais — entre os seus Estados-membros que se tornasse impossível haver agressões mútuas. E a solidariedade transformou-se, de facto, num dos mais importantes valores (e sentimentos) europeus.

A guerra esteve na origem, mas nunca nos meios nem nos fins da União Europeia, que evoluiu muito desde o primeiro esboço supranacional: a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (matérias-primas muito úteis para quem queria fazer a guerra), criada há quase 75 anos pelo Tratado de Paris.

“Pensávamos que estávamos a recolher os dividendos da paz, mas, na realidade, estávamos a acumular um défice de segurança”, disse esta semana a presidente da Comissão Europeia, vincando a ideia de que o projecto europeu ainda faz sentido, e talvez até faça cada vez mais sentido, atendendo às mudanças em curso.

Ursula von der Leyen acrescentou que os tempos mudaram e que é preciso “rearmar a Europa” e “construir uma defesa comum” porque — e estas já são palavras de António Costa, líder do Conselho Europeu — “a paz sem defesa é uma ilusão”.

Subitamente, expressões como “defesa aérea e de mísseis, sistemas de artilharia, munições, drones e sistemas anti-drone, capacitação estratégica, mobilidade militar, inteligência artificial, cibernética e guerra electrónica” entraram no léxico usado nas instituições europeias.

E a mensagem passou a ser: é preciso “mobilizar mais fundos públicos e privados para a defesa” sem cortar nas despesas do Estado social. “A UE e os Estados-membros não têm de escolher entre investir na paz ou nos sistemas de saúde, educação e habitação, porque o programa para Rearmar a Europa e a activação da cláusula de escape providenciam financiamento adicional”, sublinhou Costa.

Quando se confirmar, essa será a melhor das notícias, porque manter a Europa solidária sem pôr em causa a sua segurança, e vice-versa (manter a Europa segura sem comprometer a sua solidariedade), é um dos desafios mais importantes dos próximos tempos.

O mundo não precisa de mais uma potencial guerra, mas como canta Gabriel, O Pensador, [já] “não adianta olhar pro céu/com muita fé e pouca luta”.»