17.12.22

Palácios

 


O belo Palácio Kretzulescu , Bucareste, Roménia, 1902-1904.
Arquitecto: Petre Antonescu.


Daqui.
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17.12.1906 – Fernando Lopes-Graça

 


Seriam 116.

 
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Queques que guincham

 


«Comecemos pelos "queques que guincham". Se eu escrevesse isto num texto de opinião referindo-me a qualquer partido, levava com uma quantidade enorme de leitores a protestarem mandando mails para o meu director, o conselho de redacção reuniria para me criticar violentamente e provavelmente ainda haveria uma queixa à Entidade Reguladora da Comunicação, fora um eventual processo em tribunal. E, caro leitor, embora tenha que viver com as responsabilidades naturais de ser uma cidadã jornalista, não faço parte de nenhum órgão de soberania, nem sou um primeiro-ministro com maioria absoluta a falar de um partido da oposição. Com Costa, como sempre, nada acontece.»

Ana Sá Lopes 
Newsletter do Público, 16.12.2022
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O espartilho da pobreza

 


«Não seria honesto, nem sequer justo para largos milhares de famílias, afirmar que o apoio de 240 euros atribuído pelo Governo a mais de um milhão de agregados carenciados é um mero acto de propaganda política. Apreciemos ou não a estratégia de gestão orçamental de António Costa, trata-se de uma quantia que, infelizmente, faz a diferença na vida de muita gente. Ainda que não tire ninguém da pobreza. As ajudas públicas fazem sentido porque há demasiados cidadãos a precisar delas. Basta atentarmos na evolução dos rendimentos para percebermos que a fronteira entre as classes baixas e a média é cada vez menos visível, o que se traduz necessariamente num definhamento da qualidade de vida e, em particular, do poder de compra. De resto, os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística mostram que Portugal continua a ficar para trás na maratona do crescimento e da competitividade, ocupando uma nada honrosa 16.a posição entre os 19 países da Zona Euro. Atrás de nós só mesmo a Letónia, a Eslováquia e a Grécia.

A verdade é que nenhum Governo tem sido capaz de conter este atraso estrutural do país, por mais loas que nos cantem de que o pior já passou e que agora é que vai ser, com o dilúvio de fundos comunitários. É, pois, neste contexto que um Estado excessivamente assistencialista se torna perversamente perigoso. Porque a pobreza e as carências daqueles que, geração após geração, dependem das ajudas públicas para sobreviver acabam por transformar-se na regra de um jogo em que quem lança os dados para a mesa é o partido de turno no comando, que passa a poder "usar" a pobreza estrutural como terreno fértil para obter ascendente político e eleitoral. E isto, repito, nada tem que ver com a justeza dos apoios atribuídos agora aos mais carenciados. Mas um país de mão estendida está condenado a ficar agrilhoado neste espartilho vicioso.»

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16.12.22

Salas

 


Casa Schott, Nancy, França, 1900.
Janelas de vitrais por Antoine Bertin.


Daqui.
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Marcelo, católicos e eutanásia

 



«Presidente da República analisou a evolução da influência católica em Portugal nos últimos 50 anos e concluiu que menor relevância leva a que temas como o da eutanásia tornem "mais espinhosas magistraturas chamadas a arbitrar".»

Mas o que é isto? Será que se tem a noção da gravidade de afirmações deste tipo feitas por um presidente de uma República laica?

Além disso: não há católicos nas instâncias envolvidas em todo o processo daquilo que está em questão? Alguém os excluiu? Se têm menos peso do que antigamente, ou se são simplesmente menos conservadores do que outrora, são os outros que têm culpa?

Tudo tem limites – ou devia ter.
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16.12.1938 – Liv Ullmann

 


Liv Ullmann nasceu em Tóquio, filha de pais noruegueses e chega hoje aos 84.

Começou a carreira como actriz de teatro na Noruega, na década de 1950, mas foi como musa e companheira de Ingmar Bergman (com quem viveu alguns anos e de quem teve uma filha) que se tornou célebre. Como esquecer «Persona», o seu primeiro filme de 1966 («A Máscara», em Portugal), como não ter retido as imagens do seu papel em «Saraband» (2003), o último filme realizado por Bergman – só para citar dois exemplos. 

Ficam aqui dois vídeos:




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Poucochinho, poucochinho

 


É tudo tão triste, tão poucochinho, da parte de «ambos os dois» (como diria um qualquer pivô de TV)…

Quem fica a ganhar é Ricardo Araújo Pereira: junta isto a queques que guincham e já tem matéria para o próximo programa.
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A tanga das contas certas e a questão social



 

«O Partido Socialista e a sua maioria parlamentar apresentam ao país o orçamento de Estado para o próximo ano de 2023 com uma marca muito elogiada pela direita, pelos patrões e pelos principais comentadores políticos do regime. De que se trata, então? Trata-se da expressão “contas certas”. Parece que este conceito vem substituir a narrativa “não deixar ficar ninguém para trás”, lembram-se?

Ora, as contas certas, bandeira de afirmação e tentativa desesperada para Fernando Medina aumentar a sua reputação e peso político dentro do Governo, apesar de ser um termo técnico, complexo, multidisciplinar e difícil de decifrar para o povo menos escolarizado, quer dizer, menos despesa pública, menos investimento do estado, mais obediência aos tratados orçamentais da Europa, mais garrote asfixiante para financiar as instituições e os serviços públicos.

Ninguém quer um país endividado a gastar mais do que a riqueza que produz. Ninguém defende o crescimento de uma dívida incontrolável, ninguém propõe que não se pague a quem se deve. Ninguém diz que o que é preciso é gastar sem preocupação de angariar receitas. Todos defendemos equilíbrio entre despesa e receita para consolidar a boa governação. A economia ao serviço das pessoas e não as pessoas escravas da economia.

Vamos então perceber como chegamos aqui e de quem é a responsabilidade.

Quem viveu acima das suas possibilidades? Foram os pobres com prestações sociais miseráveis? Foram os trabalhadores com salários mínimos a trabalhar e, mesmo assim, a empobrecer? Foram os reformados e os pensionistas que chegam ao fim de cada mês sem dinheiro para comprar os medicamentos e pagar a renda de casa? Foram os beneficiários do Rendimento Social de Inserção que gastam a migalha mais minúscula do orçamento global da segurança Social?

Não, estimados leitores, quem gerou este desequilíbrio financeiro e a monstruosidade da dívida pública foram as más políticas dos sucessivos governos do PS, PSD e CDS. Quando faliram os bancos privados, foi o dinheiro público que saiu para o bolso dos accionistas; quando as parcerias público-privadas correram mal, o prejuízo foi acautelado mais uma vez pelo bolso dos contribuintes; quando as empresas públicas começaram a derrapar e a sua contabilidade começou a dar sinais de pouca sustentabilidade, ninguém fez nada para as salvar (desculpem, fizeram, nomearam para essas empresas quase falidas mais jobs para cargos remunerados a preço de ouro); quando grandes grupos económicos começaram a fugir ao fisco e a tentar pagar menos impostos em Portugal, nenhum governo teve coragem de agir para corrigir este escândalo. Quando na Europa fixaram taxas de juro exorbitantes para liquidar a nossa dívida, ninguém bateu o pé para renegociar.

Chegados aqui, vamos continuar a esperar 14 horas para sermos atendidos numa urgência de um hospital público. Vamos ver o filho do nosso vizinho a desistir da faculdade porque não encontrou alojamento e vaga numa residência universitária, vamos continuar a ver disparar o número de funerais sociais, gente que morre na rua e que já não tem qualquer tipo de laço familiar ou institucional.

Para manter as contas certas, o investimento na construção de habitação pública não vai sair do papel. Para manter as contas certas, muitas competências da área social vão ser transferidas para as autarquias locais e esta decisão política é tão má como quase criminosa. Para manter as contas certas, vão continuar a faltar recursos e meios para acompanhar e integrar as comunidades de imigrantes e as imagens destes trabalhadores no Alentejo devem-nos envergonhar a todos. Para manter as contas certas, vai novamente faltar dinheiro para prevenir a reincidência no crime e a ressocialização inclusiva dos reclusos.

Nas crises cíclicas da economia capitalista são sempre os mais vulneráveis, com menos capital económico, social e cultural que sofrem a privação e a precariedade nas suas vidas. As políticas de austeridade, mesmo que sejam mais doces e suaves à moda do PS, lançam sempre estilhaços existenciais sobre as famílias mais pobres.

Baixar a dívida não deve ser incompatível com a preocupação política de proteger as pessoas. O crescimento económico deve servir para pagar essa dívida sem sacrifício dos mais desfavorecidos. O problema é que a política de direita do PS, à semelhança dos anos traumatizantes do governo de Pedro Passos Coelho, quer baixar a dívida a todo o custo para lá do que é necessário. E isso, socialmente, já está a gerar consequências trágicas.

Espero que o Governo vá sacrificar a meta do défice de 0,9%, prevista para 2023, para evitar, como diz Manuel Carvalho, diretor do jornal Público, uma nova vaga de pobreza e o agravamento dos lamentáveis índices de desigualdade e pobreza.

O argumento de que tem de ser assim porque agora existem fatores externos que não podemos controlar, como a guerra da Ucrânia e a inflação, só demonstra que o PS sem a influência política da geringonça é mesmo o melhor aliado de António Saraiva e da CIP.»

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15.12.22

Nem para ele está fácil!

 

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Entretanto no Irão

 

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A foto do dia

 


Só por maldade da Visão é que foi escolhida esta fotografia de António Costa para a capa do número da revista que saiu hoje, para já não falar da frase escolhida para a acompanhar. Não li a entrevista, só a lerei se alguém ma enviar, mas a imagem é suficiente para já ter gerado nem sei quantos memes, mais ou menos divertidos, que inundam as redes sociais.

Tantos assessores e nenhum cuida da imagem do chefe?
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O subproletariado português



 

«“Tens amigos que estão em França há anos que ainda não têm documentos. Falas disso amiúde. Tens medo que eles sejam detidos ou deportados. Sabes que, para eles, a fronteira está por todo o lado, que pode surgir do nada.”

Estas palavras são do filme Nós Viemos, do cineasta de origem portuguesa José Vieira, que põe lado a lado imagens e relatos da diáspora portuguesa a caminho de França nos anos 1960 e de migrantes africanos que atravessam o mar Mediterrâneo nos dias que correm. Imigrantes subsaarianos a adaptarem-se às dificuldades das barreiras burocráticas e laborais seguidos de portugueses a serem resgatados por barcos de pesca no rio Bidassoa, que separa Espanha de França. As semelhanças são aterradoras.

A fronteira está por todo o lado. De facto, as fronteiras modernas não são linhas num mapa. Não são muros nem redes com arame farpado. São sistemas complexos dos quais apenas uma parte se materializa em vedações, e que se estendem bem para dentro dos territórios dos países. Um imigrante que tenha atravessado a fronteira irregularmente, ou cujo visto tenha caducado, não se vê livre das fronteiras só porque ultrapassou a linha que divide dois países. Está ainda sujeito à possibilidade constante de detenção e deportação, bem como a todo um sistema legal e burocrático que lhe retira os direitos há muito conquistados pelos trabalhadores do país de acolhimento.

Os atrasos do SEF

Em Portugal, o caminho mais utilizado para procurar a obtenção de uma autorização de residência é o artigo 88.º da Lei nº 23/2007, que regula a “Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional”. Este mecanismo permite que uma pessoa se candidate à regularização desde que, entre outras condições, tenha um contrato de trabalho.

Muitos estrangeiros encontram aqui uma forma viável de regularizar a sua situação neste país. No entanto, a inexistência de alternativas que não envolvam trabalhar sem cidadania por períodos longos gera situações terríveis em que imigrantes, desesperados por um contrato, são pressionados a aceitar quaisquer condições por parte dos seus empregadores, apenas para conseguirem ter os papéis certos para aceder ao 88.º.

De facto, nos últimos anos tem vindo a público um número impressionante de casos de migrantes empregados na agricultura, em várias partes do país, em condições extremamente precárias, trabalhando um número de horas que excede largamente o horário laboral, e às vezes mesmo sem remuneração. Na melhor das hipóteses, este sistema fomenta a exploração de pessoas já particularmente vulneráveis. Na pior, incentiva a escravatura.

Há, neste momento, mais de 200 mil pessoas à espera que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) avalie os seus pedidos e tornou-se regra, em vez de excepção, que o SEF exceda largamente o período legal de 90 dias para comunicar ao candidato uma decisão final. E isto não é um fenómeno recente. Em Agosto do ano passado, o Diário de Notícias reportava que o SEF estava, nesse momento, a avaliar pedidos com quatro anos.

São centenas de milhares de pessoas neste país a quem o Estado Português falhou.

O fardo dos imigrantes


14.12.22

Jarros

 


Jarro de vidro e prata da Boémia, cerca de 1905.
«Design»: Robert Ashbee; Gebrüder Frank (ourives austríaco).


Daqui.
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14.12.1962 – Forte condenação de Portugal na ONU

 


No fim do ano de 1962, a Assembleia Geral da ONU insistiu na condenação da política colonial portuguesa em várias resoluções, com especial destaque, pela sua dureza, para a 1807, aprovada em 14 de Dezembro por 82 votos contra 7 (Bélgica, França, Portugal, Reino Unido, África do Sul, Espanha e EUA) e 13 abstenções (onde se incluíam os restantes membros do «grupo NATO»).
 
Qual o seu âmbito? Ver as medidas que Portugal deveria adoptar, AQUI.
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Nuno Brederode Santos

 


Seriam 78, hoje. Quem me dera que ele ainda andasse por aí.

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A libertação não foi para os jovens

 


«Três dados recentes merecem debates de diferentes intensidades: 70% dos postos de trabalho perdidos na pandemia, em 2020, eram ocupados por jovens; os jovens portugueses foram os que, na UE, saíram mais tarde da casa dos pais; e o PIB per capita romeno irá ultrapassar o português em 2024. A tendência é repetir uma narrativa antiga: “este país não é para jovens”. Ainda eu era jovem e já este mantra era usado para bater na primeira geração que teve direitos sociais e laborais, culpando-a pelos direitos que nos tiravam a nós.

Portugal tem um desemprego jovem superior à média europeia e, segundo o Livro Branco sobre o tema, a causa está no abuso dos contratos a termo. Em 2021, 54% dos jovens trabalhadores tinham contratos a prazo enquanto na população total eram 14%. A sobrequalificação é um dos motivos de insatisfação e emigração, sobretudo por causa da precariedade em profissões altamente qualificadas. E, no entanto, em todas as campanhas, PS e PSD prometem travar a fuga de jovens baixando-lhes o IRS.

Não haverá muitos jovens a dizer que se vão embora ou não têm filhos por causa dos impostos. Até porque um terço ganha o salário mínimo e a esmagadora maioria dos restantes está nos escalões mais baixos. Ouço falar da casa que não podem pagar, dos salários baixos e da ausência de perspetiva de uma carreira que permita fazer planos, assumir compromissos ou ter proteção no desemprego.

Só que o discurso público é dirigido aos jovens de uma bolha social. Aqueles que, segundo Miguel Sousa Tavares, numa entrevista a António Costa, poderiam receber 2.700 euros no primeiro emprego. Os que levaram Carlos Moedas a querer gastar 4,5 milhões para isentar de IMT jovens que tenham dinheiro para a entrada de uma casa até 250 mil euros e que a encontrem a esse preço, em Lisboa. Serão uns quantos T0 que nenhuma jovem família poderá usar e, à primeira oportunidade, irão para o alojamento local. Em boa hora a oposição de Lisboa transferiu esse dinheiro para o apoio ao arrendamento.

Também não é por causa do IMT que os jovens saem de casa dos pais aos 33,6 anos, quando a média europeia é 26,5. É, entre outras coisas, porque apenas 2% do parque habitacional português faz parte de soluções públicas a preços controlados, enquanto a média europeia é de 12%. Em países com mais oferta pública e cooperativa, como a Holanda, a Suécia, a Dinamarca ou a França, os jovens são independentes mais cedo. Por cá, em vez de parque público, insiste-se nos “vistos gold” e nos regimes fiscais favoráveis para não residentes ou nómadas digitais, alimentando a especulação e expulsando os jovens das cidades.

As coisas não são piores para os novos do que para os velhos, como sabe quem perca o emprego ou a casa aos 50 anos. Mas os jovens apanharam em cheio com os efeitos da “liberdade” que nos andam a prometer há décadas. O discurso nunca muda: o problema é o “socialismo” de um país em que o Estado gasta menos do que a média europeia em saúde e educação (2019), tem menos funcionários públicos do que a liberal Irlanda (2020), tem uma carga fiscal abaixo da média europeia (2020) e o sector empresarial do Estado é dos mais pequenos em todo o continente (2015).

É neste caldo político que aparece o exemplo da Roménia. O seu PIB per capita é quase metade do português, mas foi medido em paridades de poder de compra. Ignorando que a Roménia não está no euro e a sua moeda desvalorizou quase 40% face ao euro nos últimos 15 anos e que está perto do centro económico da Europa, para onde exporta, devíamos olhar para dentro do seu crescimento para perceber o modelo de desenvolvimento que nos propõem.

A Roménia perdeu quase um quinto da sua população neste século; tem mais 4% risco de pobreza do que Portugal; o salário médio é quase metade e bem mais baixo em paridade de poder de compra; a esperança média de vida é oito anos mais baixa; a mortalidade infantil é o dobro; a desigualdade é superior à portuguesa, que já é bastante alta. E, mesmo assim, tem uma taxa plana de IRS de 10%, o que ajuda a explicar o estado lastimável dos seus serviços públicos, os maus indicadores de saúde e o facto do ranking da PWC a pôr em 32º lugar na atratividade de investimento. Está atrás de Portugal (16º) em todos os indicadores, menos no fiscal, único em que a Nigéria e o Quénia também nos vencem. As vantagens fiscais contam, mas não chegam.

A entrada no euro determinou duas décadas de estagnação nacional, mas foi o desmantelamento de um Estado Social incipiente que sacrificou os jovens. Eles foram as primeiras vítimas da desregulação laboral e da financeirização das cidades. Nenhuma das receitas para os libertar do jugo “socialista” teve o efeito esperado. A flexibilização laboral não garantiu melhores empregos e salários. A liberalização do mercado de habitação não lhes garantiu casa. Só em delírios de privilegiados o país com uma das mais baixas taxas de arrendamento público e das mais altas taxas de precariedade é "socialista". Os jovens não são vítimas da segurança dos pais, que é baixa. São vítimas da “libertação” que lhes foi prometida há décadas e que hoje é paga com uma vulnerabilidade total. Sem casa nem contrato, sobra a emigração.»

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12.12.22

Berços

 


Móveis de berçário (berço e biombo), feitos para W.J.H. Leering, de nogueira esculpida e marfim, 1901, Haia.
Design por Johan Thorn Prikker, execução por Johan Coenraad Altorf.
Colecção do Kunstmuseum Den Haag, Haia.

Daqui.
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RAP e Moedas

 


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Assim devera eu ser

 

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A arte de existir em desaceleração

 


«No conto "Descida ao Maelström", Edgar Allan Pöe explora os diferentes estados emocionais de um pescador apanhado pelo aterrorizante redemoinho que ameaça engoli-lo. No início da descida, adormecido pela falta de esperança, o protagonista sente-se esmagado pela ação conjunta do vento e dos jatos de água e espuma. "Eles cegam, ensurdecem e asfixiam, e anulam toda a capacidade de ação e reflexão."

Ao longo dos anos, volto muitas vezes a este conto para refletir sobre a aceleração da nossa existência, que nos deixa tantas vezes impotentes perante o abraço do grande vórtice. A falta de tempo não é um mero queixume, ou uma desculpa recorrente para as nossas imperfeições. É uma grande tempestade à qual nos vamos entregando, e que na sua voragem nos deixa sem capacidade de observar e pensar o mundo, capacidade crucial para descobrir a chave capaz de nos fazer regressar à superfície.

A candidatura vencedora de Évora a Capital Europeia da Cultura é um profundo alerta existencial e um convite a iniciarmos a saída do vórtice. Como se anuncia no projeto, o objetivo é abrir espaço para um mundo ainda por vir, uma forma de humanidade que tem a cultura no centro. O vagar, que o júri reinterpreta na universal filosofia "slow living", é a expressão ancestral que sintetiza um modo de ser assente na memória, que abre espaços no tempo para observar a paisagem e se fundir com ela, que cria pontes globais entre aquilo que é local e até marginal.

Num mundo acelerado, que só uma pandemia obrigou a colocar em pausa, o vagar é um desafio para a humanidade, tão oportuno que se afirmou como marca distintiva da candidatura. A pluralidade de abordagens, optando pelo termo "culturas" ao invés da forma singular, foi outra mais-valia. Existimos no cruzamento de perspetivas, na troca de olhares diversos sobre o mundo que nos rodeia. Mas a criação que esse olhar motiva exige tempo. Pensar exige tempo. Hoje vivemos com mais recursos e tecnologia do que nunca, mas será o tempo o fator decisivo para, em cada crise, pensarmos o mundo e termos lucidez para encontrar a solução certa. No fundo, para conseguirmos ver o barril a que iremos amarrar-nos até sair do Maelström.»

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11.12.22

Ainda faltam mais de 12 dias



 

Mas a pressa de já ter as salas engalanadas dá nisto.
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O drama Covid na China

 


As notícias de hoje são alarmantes:


«A flexibilização da chamada política de "covid-zero" da China ocorreu após protestos em todo o país contra as duras regras do vírus que atingiram a economia e confinaram milhões em suas casas.
Mas o país agora enfrenta uma onda de casos que não está preparado para lidar, com milhões de idosos ainda não totalmente vacinados e hospitais com subfinanciamento sem capacidade para receber um grande número de pacientes.»
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Manoel de Oliveira

 


Seriam 114, hoje. Mas sempre chegou aos 106...


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A solidão de Marcelo e a solidão de Ronaldo

 


«Pior do que a solidão do poder é a solidão que se segue ao exacto minuto em que se perde o poder – e as imagens de Cristiano Ronaldo a começar os jogos no banco nestas duas últimas rondas de Portugal no Mundial do Qatar são o mais perfeito registo do que sempre acontece quando termina o grande unificador, o poder do chefe da repartição das finanças número 9 de Lisboa ou do outrora melhor jogador do mundo. Nunca há complacência para quem está “no banco” e qualquer humano que esteve numa posição de poder e deixou de estar fica capaz de fazer uma tese de doutoramento sobre o sentido mais puro do efémero e de como é possível passar, num instante, de “bestial a besta”, para usar a frase popular que melhor define estes processos.

As lágrimas de Ronaldo a deixar o campo no seu último Mundial de futebol são outro poderoso símbolo – a queda do ídolo não é diferente da queda dos meros mortais. Por exemplo, na política, com raras excepções, acaba-se sempre mal: restringindo a amostra apenas a recentes primeiros-ministros, Guterres acabou mal, Durão acabou mal, Santana Lopes acabou mal, Sócrates acabou pessimamente, Passos acabou mal sem conseguir segurar o seu governo em 2015.

Na recente entrevista que deu ao podcast de Francisco Pinto Balsemão, o Presidente da República disse que era um solitário e estava cada vez mais solitário “até para se defender”. Em conversa com o meu camarada Vítor Matos, para o trabalho sobre o Presidente da República que está publicado na edição deste domingo, a questão da solidão de Marcelo também veio ao de cima. Vítor Matos, jornalista do Expresso, é autor de uma biografia notável de Marcelo Rebelo de Sousa que, no caso de o Presidente ficar para a História, será leitura obrigatória nas universidades. A questão é que, no momento presente, há dúvidas fundadas sobre se a presidência de Marcelo fica para a História.

Vítor Matos argumentava que boa parte dos problemas do Presidente se deve ao seu desejo absoluto de solidão. “Está cada vez mais sozinho, não tem assessores de imprensa”, dizia o Vítor. O facto de não ter assessores de imprensa fará de Marcelo um caso único nos gabinetes de chefes de Estado de todo o mundo ou, pelo menos, das democracias ocidentais.

Marcelo está evidentemente a confundir “a solidão do poder” com “a solidão no poder”. A “solidão do poder” foi particularmente sentida por Jorge Sampaio quando, contra a vontade da sua família política, o PS, da esquerda e de boa parte do PSD, decidiu empossar Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro em 2004 sem convocar eleições antecipadas. A dura decisão foi tomada contra a opinião de quase todos os seus conselheiros, com a excepção de Magalhães e Silva. É dos casos da história portuguesa recente em que a solidão do poder foi mais simbolicamente protagonizada pelo chefe de Estado.

Agora, o facto é que Jorge Sampaio tinha um grupo de amigos próximos – alguns deles trabalhavam em Belém – com quem se aconselhava politicamente. O mesmo com Mário Soares: Soares Presidente sempre decidiu o que entendia, mas tinha conselheiros que ouvia.

Marcelo ouve alguém? Tem um grupo de conselheiros que lhe digam tudo o que ele não quer ouvir? A ideia é que não – e a entrevista a Pinto Balsemão confirma-o. Marcelo diz que está sozinho “para se defender”. O problema é que o outrora consensual Marcelo, amado à esquerda e à direita, já deixou de o ser – ao ponto de nos últimos tempos ter sido mesmo o PS ou o primeiro-ministro a vir em defesa do Presidente da República. Foi Marcelo, antes das presidenciais de 2016, a dizer que o Presidente tende a “apagar-se” quando há uma maioria absoluta. A tendência tem que ser invertida porque é exactamente nestas circunstâncias que o povo precisa mais do chefe de Estado.»