14.12.22

A libertação não foi para os jovens

 


«Três dados recentes merecem debates de diferentes intensidades: 70% dos postos de trabalho perdidos na pandemia, em 2020, eram ocupados por jovens; os jovens portugueses foram os que, na UE, saíram mais tarde da casa dos pais; e o PIB per capita romeno irá ultrapassar o português em 2024. A tendência é repetir uma narrativa antiga: “este país não é para jovens”. Ainda eu era jovem e já este mantra era usado para bater na primeira geração que teve direitos sociais e laborais, culpando-a pelos direitos que nos tiravam a nós.

Portugal tem um desemprego jovem superior à média europeia e, segundo o Livro Branco sobre o tema, a causa está no abuso dos contratos a termo. Em 2021, 54% dos jovens trabalhadores tinham contratos a prazo enquanto na população total eram 14%. A sobrequalificação é um dos motivos de insatisfação e emigração, sobretudo por causa da precariedade em profissões altamente qualificadas. E, no entanto, em todas as campanhas, PS e PSD prometem travar a fuga de jovens baixando-lhes o IRS.

Não haverá muitos jovens a dizer que se vão embora ou não têm filhos por causa dos impostos. Até porque um terço ganha o salário mínimo e a esmagadora maioria dos restantes está nos escalões mais baixos. Ouço falar da casa que não podem pagar, dos salários baixos e da ausência de perspetiva de uma carreira que permita fazer planos, assumir compromissos ou ter proteção no desemprego.

Só que o discurso público é dirigido aos jovens de uma bolha social. Aqueles que, segundo Miguel Sousa Tavares, numa entrevista a António Costa, poderiam receber 2.700 euros no primeiro emprego. Os que levaram Carlos Moedas a querer gastar 4,5 milhões para isentar de IMT jovens que tenham dinheiro para a entrada de uma casa até 250 mil euros e que a encontrem a esse preço, em Lisboa. Serão uns quantos T0 que nenhuma jovem família poderá usar e, à primeira oportunidade, irão para o alojamento local. Em boa hora a oposição de Lisboa transferiu esse dinheiro para o apoio ao arrendamento.

Também não é por causa do IMT que os jovens saem de casa dos pais aos 33,6 anos, quando a média europeia é 26,5. É, entre outras coisas, porque apenas 2% do parque habitacional português faz parte de soluções públicas a preços controlados, enquanto a média europeia é de 12%. Em países com mais oferta pública e cooperativa, como a Holanda, a Suécia, a Dinamarca ou a França, os jovens são independentes mais cedo. Por cá, em vez de parque público, insiste-se nos “vistos gold” e nos regimes fiscais favoráveis para não residentes ou nómadas digitais, alimentando a especulação e expulsando os jovens das cidades.

As coisas não são piores para os novos do que para os velhos, como sabe quem perca o emprego ou a casa aos 50 anos. Mas os jovens apanharam em cheio com os efeitos da “liberdade” que nos andam a prometer há décadas. O discurso nunca muda: o problema é o “socialismo” de um país em que o Estado gasta menos do que a média europeia em saúde e educação (2019), tem menos funcionários públicos do que a liberal Irlanda (2020), tem uma carga fiscal abaixo da média europeia (2020) e o sector empresarial do Estado é dos mais pequenos em todo o continente (2015).

É neste caldo político que aparece o exemplo da Roménia. O seu PIB per capita é quase metade do português, mas foi medido em paridades de poder de compra. Ignorando que a Roménia não está no euro e a sua moeda desvalorizou quase 40% face ao euro nos últimos 15 anos e que está perto do centro económico da Europa, para onde exporta, devíamos olhar para dentro do seu crescimento para perceber o modelo de desenvolvimento que nos propõem.

A Roménia perdeu quase um quinto da sua população neste século; tem mais 4% risco de pobreza do que Portugal; o salário médio é quase metade e bem mais baixo em paridade de poder de compra; a esperança média de vida é oito anos mais baixa; a mortalidade infantil é o dobro; a desigualdade é superior à portuguesa, que já é bastante alta. E, mesmo assim, tem uma taxa plana de IRS de 10%, o que ajuda a explicar o estado lastimável dos seus serviços públicos, os maus indicadores de saúde e o facto do ranking da PWC a pôr em 32º lugar na atratividade de investimento. Está atrás de Portugal (16º) em todos os indicadores, menos no fiscal, único em que a Nigéria e o Quénia também nos vencem. As vantagens fiscais contam, mas não chegam.

A entrada no euro determinou duas décadas de estagnação nacional, mas foi o desmantelamento de um Estado Social incipiente que sacrificou os jovens. Eles foram as primeiras vítimas da desregulação laboral e da financeirização das cidades. Nenhuma das receitas para os libertar do jugo “socialista” teve o efeito esperado. A flexibilização laboral não garantiu melhores empregos e salários. A liberalização do mercado de habitação não lhes garantiu casa. Só em delírios de privilegiados o país com uma das mais baixas taxas de arrendamento público e das mais altas taxas de precariedade é "socialista". Os jovens não são vítimas da segurança dos pais, que é baixa. São vítimas da “libertação” que lhes foi prometida há décadas e que hoje é paga com uma vulnerabilidade total. Sem casa nem contrato, sobra a emigração.»

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