30.4.16

Dica (282)




«The European Union has a dangerous case of nostalgia. Not only is a yearning for the “good old days” – before the EU supposedly impinged on national sovereignty – fueling the rise of nationalist political parties; European leaders continue to try to apply yesterday’s solutions to today’s problems.»
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Ai, Expresso, Expresso



Expresso de hoje sobre visita do PR a Moçambique (p.6 do primeiro caderno).

Que Marcelo tem revelado capacidades inesperadas é um facto. Que vá encontrar-se com Malangatana já me parece magia a mais. 
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Paulo Varela Gomes – uma pequena estória para a História



Não conheci pessoalmente Paulo Varela Gomes. Ou melhor: vi-o uma vez, de raspão, em 1967, teria ele 14 ou 15 anos, quando fui a sua casa ter com a mãe, Maria Eugénia Varela Gomes, para ela me entregar uma carta que o Paulo escrevera ao papa Paulo VI, poucos dias antes da chegada deste a Portugal. Pedia-lhe que intercedesse pela libertação do pai, então ainda a cumprir os seis anos de pena a que fora condenado por causa do golpe de Beja. O objectivo era que a carta em questão fosse entregue na Nunciatura e, por razões que já expliquei em tempos mas que não vêm agora ao caso, era-me fácil desempenhar discretamente a tarefa. A Maria Eugénia acredita que a iniciativa foi eficaz e que à mesma se ficou a dever a redução das medidas de segurança a que o marido estava sujeito, de um ano e meio para seis meses.

Não será fácil a quem nasceu ou cresceu em liberdade «sentir» o significado destes pequenos factos: uma carta de um adolescente que tem o pai preso pela PIDE, uma entrega semiclandestina de um texto dirigido a um papa cuja visita não se desejou mas da qual se tentou tirar partido, etc., etc. Mas foi também assim que chegámos à liberdade. E que temos de a defender, como o Paulo tão bem sublinhou no fim de um magnífico texto – Aquilo que é necessário – escrito a propósito do 50º aniversário do Golpe de Beja: «A iniquidade não pode vencer.»

A morte venceu-o agora. Os seus heróicos pais ainda por cá ficam. 

(Na foto, Maria Eugénia Varela Gomes com os filhos.)
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«Quizás, quizás, quizás»



«O atual PSD faz lembrar aquela música cubana interpretada, entre outros, por Nat King Cole, que reza assim: "Y así pasan los días; Y yo, yo desesperado; Y tú, tú contestando; Quizás, quizás, quizás."

Desde que ganhou as eleições mas perdeu o poder, o PSD anda desconsolado, sorumbático, incapaz de reagir à realidade das coisas. Fosse uma pessoa e devia ir ao médico pedir uns antidepressivos ou, pelo menos, andar de bicicleta, comer gengibre, tomar uns suplementos de ginkgo biloba, sei lá. (…)

Numa tal prostração não parece ter ânimo para pensar. Pois se alguém o fizesse depressa perceberia que este comportamento não leva a lado nenhum. Por vários motivos. Desde logo porque a geringonça funciona. (…) A direita não entende a inovação. Os quatro partidos estão unidos no essencial, mas assumem as suas divergências particulares. O PS acha que consegue reformar a Europa por dentro, como é próprio da social-democracia, a restante esquerda quer sobressaltos, como cabe a partidos mais radicais. Está bem assim. (…)

Hoje temos uma vida democrática mais dinâmica e sobretudo mais honesta. E também mais robusta. Ninguém tem de abdicar de nada. Ninguém tem de engolir sapos. O que só dá força ao acordo e promete que o mesmo está para durar. E, já agora, da forma como as coisas têm corrido, mesmo que um dia algum facto imponderável imponha o fim do acordo à esquerda e novas eleições, estes partidos sairão reforçados. Porque provaram que têm utilidade, não são só má-língua. O PSD não se iluda.

O outro motivo, tão ou mais forte, diz respeito ao comportamento do novo Presidente da República. Não passa dia em que Marcelo não tire o tapete a Passos Coelho, não menorize a sua birra infantil, não sugira outra atitude ao partido em nome da pacificação do país. Cada elogio de Marcelo a António Costa, e têm sido muitos, atira Passos Coelho para o canto, para a irrelevância, em que pelos vistos gosta de estar à espera de um milagre.

Com poucas semanas de mandato, embora bastante frenéticas diga-se, Marcelo já conseguiu um outro feito. Apagou aquela figura esguia e cinzenta que durante décadas andou a puxar o país para baixo. Ainda se lembram do tristonho Cavaco? Talvez mesmo só Passos Coelho que perdeu o seu maior apoio.»

Leonel Moura

Momento Zen



Um mimo!
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29.4.16

Dicas úteis



Para utilizar no teclado do seu PC.
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Travar o vento com as mãos



Nicolau Santos no Expresso diário de 29.04.2016:


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Dica (281)




«Enquanto o pai e as meninas de sorriso rasgado se dirigem a mim, passam por um grupo de refugiados que estão sentados no chão, debaixo de um sol intenso. Estão em greve de fome, como forma de protesto por causa da detenção arbitrária e das condições desumanas do Campo de Moria. O que diferencia uns e outros? Uma data. 20 de Março. Os primeiros chegaram antes, os segundos chegaram depois.

E tudo o Acordo levou...

Tudo aquilo que construímos até agora, foi destruído em 24 horas.» 
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Je suis taxiste?



As estações de TV estão felizes porque têm tema para todo o dia, as redes sociais estão ao rubro, os taxistas entrevistados dizem as maiores barbaridades, um porta-voz dos mesmos afirma que não participará numa plataforma de negociações, anunciada pelo ministro, porque não se senta à mesa com a Uber, etc., etc. 

Regulamente-se o que for necessário, mas uma coisa é garantida: as Ubers deste mundo vieram para ficar – como a máquina a vapor, os perigosos computadores e outros que tais. E qualquer que seja o desfecho, hoje está a ser um grande dia para a empresa em questão, em termos de marketing. 

Já agora e para que conste: em Nova Iorque, a Uber já ultrapassou os famosos yellow cabs. 
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"USA e abusa"



«Vai ser certamente um dos mais brutais duelos presidenciais da história dos EUA. Donald Trump, um indivíduo que muita gente odeia, contra Hillary Clinton, uma pessoa com quem ninguém simpatiza. O resultado final desta eleição pode fazer toda a diferença para o mundo... e para nós também.

Depois das eleições primárias, na terça-feira, em que Trump venceu em todos os estados, o milionário pode estar a dois estados de conseguir a nomeação para se tornar o candidato republicano à Casa Branca. Depois do primeiro Presidente negro, os EUA podem vir a ter o primeiro Presidente cor-de-delícia do mar.

No início, Trump não foi levado a sério pelo Partido Republicano (eu, até agora, também ainda não consegui). Trump foi visto como alguém que dava um colorido de "jet set" à campanha dos republicanos e que, por comparação, podia fazer dos outros candidatos pessoas mais ajuizadas e informadas. Era giro ter um candidato de fora do partido, conhecido dos media, com vida de "jet set", uma espécie de Ronald Reagan em alcoolizado (eu vejo um Nuno Melo que nasceu no Texas ou um Marinho e Pinto a quem saiu o Euromilhões) que não iria muito longe. Acordaram demasiado tarde. (…)

Será na convenção de Julho que Cruz e Kasich ainda tentarão ser nomeados - num processo de "convenção aberta" - caso Trump não consiga uma maioria absoluta numa primeira votação - mas isso poderia ser o fim do partido. Como diriam os americanos: "Too late." Voltar atrás no tempo para impedir que caia a desgraça sobre a raça humana, só chamando o ex-governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger.

Tendo o Partido Republicano a tradição democrática que tem, não pode querer resolver esta nomeação com um golpe na votação. Resta-lhe as armas ou a reza.»

João Quadros

28.4.16

Assim vão os nossos vizinhos


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Dica (280)



Tantos pensionistas a ocuparem o partido do Estado. (Francisco Louçã) 

«De facto, não é esse o número do Pordata. O Pordata diz que há 3.627.161 pensões em pagamento (dados de 2014). É muita gente? Parece que sim, só que não são 3.627.161 pensionistas. Basta pensar um segundo e a razão é evidente: é que há muita gente que recebe mais do que uma pensão. Lembram-se do ex-presidente Cavaco Silva? Recebe três e o assunto foi bastante falado. Pois muitos dos pensionistas recebem mais do que uma pensão, cumprindo a lei (como Cavaco Silva cumpre a lei, assinale-se para evitar falsos debates). É o que acontece a quem tem pensão de velhice e, sendo viúva ou viúvo, também tem uma pensão de sobrevivência, mas aplica-se igualmente noutros casos em que há acumulação de pensões (mais uma vez, é o que acontece com Cavaco).

Por isso, em contas mais certas, o The 2015 Ageing Report da Comissão Europeia apresenta um número total de pensionistas que é realista porque informado: 2.552 mil. É só um milhão a menos do que as contas que são tão comuns na imprensa e entre vários autores pouco dados ao estudo. Um milhão a menos é muito engano junto.»
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Jogos tenebrosos




«A agência de notícias alemã MNI diz que Jean-Claude Juncker considera “irrazoável e inconstitucional” o pacote de austeridade extra que o FMI está a tentar impor à Grécia como condição para fechar a primeira avaliação do memorando.»

E continua o massacre do povo grego.
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A indecência merece mais respeito



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje: 

«Um amigo assusta-se e envia por sms “fodasse!” (…) Sempre que há um sobressalto, um lamento, uma discordância, alguém escreve: “fodasse!” Ora a palavra “fodasse” não existe. (…) Estamos perante alguém que deseja dizer um palavrão e não consegue – o que prova que é preciso ter formação para ser malformado. (…)

A culpa, como sempre, é do Ministério da Educação. Os programas estão desajustados da realidade, como se vê. Estudam-se verbos de três conjugações, mas ignora-se a forma reflexa de um dos verbos que mais vamos usar pela vida fora.»

Na íntegra AQUI.
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Rui D’Espiney – mais um que vai apagando uma geração




Dos três, foi o único que não conheci pessoalmente. Mas guardei um vídeo em que Rui D’Espiney fala sobre a crise académica de 1962 e deixo-o aqui em jeito de homenagem. (*)



(*) A Crise Académica de 62, Fundação Mário Soares, 2007 (dvd)
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Janus e a estabilidade



«Na antiga Roma, Janus era o deus das portas, das transições, do início e do fim. As portas do templo de Janus abriam-se em tempo de guerra e fechavam-se para assinalar a paz. Tinha duas faces, podendo assim olhar para o passado e para o futuro ao mesmo tempo.

Tal é a forma de acordo entre o PS e o BE e o PCP. Cada um deles olha para direcções opostas, pensando no seu futuro após este acordo de interesses. O chamado debate sobre o Programa de Estabilidade evidencia este concílio de deuses onde assenta a maioria: cada um vê o que quer e evita vislumbrar o que o enjoa. Pelo meio cada um degusta um ou outro sapo ou elefante segundo o menu ideológico seguido. (…)

Bruxelas quer uma ficção com que possa entreter os seus funcionários e alimentar a sua gula de "reformas" e aqui a tem. É um Programa de Estabilidade com um argumento menos interessante do que qualquer série da Netflix. Até porque a Europa lembrou-se agora de começar a discutir os critérios do défice estrutural. Claro que no meio de tanta magia, folclore e fogo-de-artifício, só falta debater o que é essencial: qual é a estratégia para desenvolver a economia nacional. Assunto que continua a não motivar as mentes da elite política do país, talvez por ser demasiado cansativo. Janus não mostra só a divisão entre PS e BE e PCP. Ilustra o que divide a Europa de Portugal e o Governo actual da oposição. A instabilidade continua após a discussão do chamado Programa de Estabilidade.»

Fernando Sobral

27.4.16

«O PSD não pensa, o PSD obedece»




Foi a frase do dia!
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Dica (279)



Socialize the Banks. (Nuno Teles) 

«Breaking up the banks won’t do. They should be publicly owned and democratically controlled.»
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27.04.1974 – O dia em que os PIDES chegaram a Caxias



O Diário de Lisboa de 27 de Abril relata que, na madrugada desse dia, 170 agentes da PIDE foram levados da António Maria Cardoso para a prisão de Caxias, depois de cerca de outros 200 terem fugido por uma passagem subterrânea que ligava a sede daquela polícia a um outro prédio. 

Vinte e quatro horas antes tinham saído os antigos presos. O sinistro forte passou a ter outros hóspedes.

Mais:

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É isto


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Destinos



José Pacheco Pereira no Público de 25.04.2016:

«Não sou muito da escola dos “projectos nacionais”, que regularmente pergunta qual é o destino nacional, ou que critica o défice desse “projecto”. Entendo que, na maioria das vezes, se trata de uma espécie de redacção mais ou menos laboriosa sobre o “destino” de Portugal, de que não resulta senão uma série de desejos ideológicos ou truísmos vulgares. Para além do mais, sempre pensei que a história não só não tem direcção, como é, na sua essência, imprevisível e, por isso mesmo é, na melhor das hipóteses, inútil.

Mas percebo a tentação de o fazer. Há momentos em que uma espécie de estagnação parece atingir-nos e em que apetece perguntar: mas para onde é que isto vai? quando parece que não vai para lado nenhum. Tenho consciência de que a melhor resposta é “sei lá!”, fugindo da infeliz tentativa de responder à pergunta doutra maneira. Mas, no fundo, para que servem as tentações que não seja para nelas cair…

A gente olha para o nosso país - e eu olho para a minha “pátria amada” – e vê como essa estagnação antecede uma tempestade, e não gosta do que vê. E não gosta do que se espera. (…)

A questão da “Europa”, não a Europa, mas aquilo a que hoje chamamos Europa, é a mais grave que Portugal defronta. Começa porque a soberania nacional está seriamente diminuída em aspectos cruciais para a independência de um país. O nosso parlamento está castrado de poderes orçamentais e muito do governo do país é feito de fora, pelo BCE e pela Comissão Europeia, em particular pelo Eurogrupo.

Esta governação alheia, muito para além de qualquer legislação europeia em vigor, assente em práticas abusivas cada vez mais consentidas sem contestação, atenta, como se viu no caso da banca, contra o interesse nacional. A “Europa” actua como um governo federal que não foi eleito por ninguém, que assumiu poderes nos países mais débeis como a Grécia e Portugal e não toca num cabelo dos poderosos. Não é pelos resgates, nem pela dívida, está muito para além disso. (…)

Não podemos continuar nesta economia de mediocridade, moldada por uma ideologia que serve apenas os poderosos e que escarnece dos mais fracos. Os que não tem offshores, não desbarataram milhares de milhões de euros, não pediram milhões à banca para a deixar “mal parada”, mas estão condenados pela “Europa” a pagar estes custos. Por isso repito: com a “Europa” como ela é hoje, não vamos lá.» 
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26.4.16

Guernica




Guernica foi bombardeada em 26 de Abril de 1937.
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Ainda sobre cravos e lapelas


Também pode ser que quem não pôs cravo na lapela estivesse a temer levar com disto.


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Dica (278)




«No debemos temer aquí llegar hasta el final. El sistema jurídico capitalista global es en sí, en su dimensión más fundamental, la corrupción legalizada. La cuestión sobre dónde comienza el crimen (cuáles operaciones financieras son ilegales) no es una cuestión legal, sino una cuestión eminentemente política, atañe a la lucha por el poder.

Entonces, ¿por qué miles de hombres de negocios y políticos hacen lo que documentan los Panamá Papers? La respuesta es la misma que la del antiguo y vulgar enigma popular: ¿Por qué se lamen los perros? Porque pueden.» 
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Marcelo e o cravo: fumou mas não inalou



Corre pelas redes sociais uma foto com gritos de indignação por Cavaco não ter posto, ontem, um cravo na lapela. Não entendo já que foi apenas coerente consigo próprio.

Escandaliza-me mais que Marcelo tenha levado um cravo na mão, o tenha guardado debaixo da bancada, mostrado durante alguns segundo enquanto discursava e voltado a esconder. Tal como o outro, quis dizer-nos que fuma mas não inala. 
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Não, ou a vã glória do discurso



«Marcelo Rebelo de Sousa disse três vezes não no seu discurso do 25 de Abril, em resposta a outras tantas perguntas que formulou. Portugal não deve viver sistematicamente em campanha eleitoral, o pluralismo político não impede consensos sectoriais de regime, a contraposição de duas fórmulas de Governo não atinge o fundamental na unidade dos portugueses.

Sublinhados os não, o Presidente da República, cujo início de mandato tem sido marcado pela forma generosa como tem distribuído afectos, pediu aos partidos que troquem "as emoções pelo bom senso" em nome de consensos sectoriais em áreas como a Justiça e a Segurança Social (…)

A glória do discurso de 25 de Abril de Marcelo Rebelo de Sousa é vã precisamente por isso. Os desafios que o Presidente agora colocou irão rapidamente parar à pasta dos assuntos pendentes dos partidos, mais preocupados com o seu presente do que com o futuro do país.

A não ser que desencante poderes presidenciais que consigam materializar os consensos que agora pediu, a glória de Marcelo esgotar-se-á nas palavras, tal como sucedeu aos seus antecessores.»

Celso Filipe

25.4.16

Os primeiros jornais em liberdade

19:30 – Abriram-se as portas do quartel do Carmo

Uma bela intervenção




O Bloco não tem só mulheres, para o caso de não terem dado por isso.
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Tiros no Largo do Carmo, às 15h30



Não houve só cravos, no Largo do Carmo, no dia 25 de Abril. Por volta das 12:30, as tropas cercaram o Largo e três horas mais tarde disparam contra a fachada, depois de um pedido de rendição feito por Salgueiro Maia 20 minutos antes, através de megafone, não ter sido atendido.

O som e os tiros, em reportagem de Adelino Gomes:


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A Celeste dos Cravos



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O meu 25 foi assim – e ninguém mo roubará



Noite cerrada, o telefone a tocar pouco depois das quatro da manhã, alguém que me diz que a tropa está na rua, uns minutos de espera, de ouvido colado a um velho aparelho de rádio, a voz inconfundível de Joaquim Furtado: «Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de se recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma.»

No primeiro acto de desobediência a novas autoridades, que ainda nem o eram, saí imediatamente e só regressei a casa na madrugada do dia seguinte. Fui ter com amigos, reunimos máquinas fotográficas, deambulámos de carro e a pé pela cidade – horas e horas primeiro pelas ruas da baixa, depois no Carmo até à rendição de Marcelo.

Pelas 11 da manhã, quando absolutamente nada estava ainda decidido, alguém me tirou esta fotografia, no Largo do Corpo Santo, em Lisboa – guardo-a como a mais preciosa de toda uma vida. Tinha acabado de perguntar àquele soldado, empoleirado no tanque, o que se passaria a seguir. Que não sabia, mas que estava com Salgueiro Maia e que tudo ia correr bem. E eu também não duvidei, nem por um minuto, que sim, que ia acabar o pesadelo em que vivera desde que tinha nascido. Sem me passar pela cabeça temer o que quer que fosse.

Já no Largo do Carmo, a espera, as dúvidas, os boatos, o megafone de Francisco Sousa Tavares – e também os cravos, a Grândola. Pelo meio algumas corridas, evacuação obrigatória do local quando se pensou que o quartel não se renderia a bem, almoço tardio com últimos feijões do fundo de uma panela numa tasca do Largo da Misericórdia, pelo mais total dos acasos na companhia de José Cardoso Pires; um carro estacionado mesmo em frente, com as quatro portas abertas para o que desse e viesse. Regresso ao Carmo, o desenrolar de tudo o que se sabe, o poder que Marcelo Caetano não quis deixar cair na rua antes de sair de chaimite, os gritos sem fim de vitória, que se cravaram na memória e ainda hoje fazem arrepiar. A liberdade, enfim, que nunca se imaginara poder ser tão grande.

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Passaram 42 anos. Portugal é hoje, sem qualquer espécie de dúvida, um país melhor do que era naquela quinta-feira de Abril. Mas não é aquilo que sonhámos, não foi por isto que tantos lutaram durante décadas de ditadura, que alguns morreram, não é o que podia e o que devia ser hoje. Falhámos uma oportunidade única, nós que tivemos na mão uma das mais belas revoluções dos tempos modernos. Os humanos não são deuses omniscientes, e ainda bem, porque teria sido absolutamente insuportável, naquela primeira semana luminosa, naquele 1º de Maio triunfante, uma espécie de «regresso ao futuro» em que pudéssemos ver o Portugal de 2016.

O mundo está mais perigoso do que há quatro décadas e a Europa também. Ou, pelo menos, os perigos são outros e temos hoje meios mais potentes para os conhecermos rapidamente e para sentirmos na pele os seus efeitos. Sem sabermos bem como, nem muitas vezes com que instrumentos, resta-nos lutar pela democracia de hoje e de amanhã, com a mesma força com que festejámos a sua chegada há quarenta e dois anos. Não vai ser fácil. Mas é para isso que ainda estamos vivos. 


Uma primeira versão deste post, ligeiramente diferente, foi publicada numa brochura que a APRe! divulgou em 25 de Abril de 2014, com textos escritos por um grande grupo de membros da Associação. 
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24.4.16

Já a 25



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Melo Antunes sobre o 25 de Abril



«O 25 de Abril era a grande oportunidade histórica de transformarmos a realidade portuguesa no sentido de uma sociedade mais justa e mais livre. Acho que perdemos essa oportunidade histórica.» 

Melo Antunes, Abril de 1984 
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Durante algum tempo foi mais ou menos assim


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E as vítimas são os refugiados




«“Se as pessoas tivessem sido acolhidas no ponto de entrada, bem tratadas no ponto de entrada, bem apoiadas e distribuídas equitativamente o problema não se tinha sequer sentido”, afirmou Guterres, que disse que Portugal, em tais circunstâncias e numa questão de percentagem populacional, teria recebido 20 mil pessoas, o que não teria um “impacto significativo”.»
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Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias depois


@João Abel Manta

«A cidade apareceu ocupada e radiosa. Deparámos com colunas militares, inundadas de sol; e povo logo a seguir, muito povo, tanto que não cabia nos olhos, levas de gente saída do branco das trevas, de cinquenta anos de morte e de humilhação, correndo sem saber exactamente para onde mas decerto para a LIBERDADE!

Liberdade, Liberdade, gritava-se em todas as bocas, aquilo crescia, espalhava-se num clamor de alegria cega, imparável, quase doloroso, finalmente a Liberdade!, cada pessoa olhando-se aos milhares em plena rua e não se reconhecendo porque era o fim do terror, o medo tinha acabado, ia com certeza acabar neste dia, neste Abril, Abril de facto, nós só agora é que acreditávamos que estávamos em primavera aberta depois de quarenta e sete anos de mentira, de polícia e ditadura. Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias, só agora.»

José Cardoso Pires, Alexandra Alpha

Miguel Portas



O Miguel Portas partiu há 4 anos e cada um presta-lhe a homenagem que entende. Eu escolho este vídeo que me fez conhecer melhor esse espantoso país que é a Etiópia, já depois de lá ter estado.


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24 nunca mais


@João Abel Manta

Termidor Errado

IX

E foi para esta farsa
que se fez a revolução de Abril, capitães,
ao som das canções de Lopes-Graça?
Foi para voltar à fúria dos cães,
ao suor triste das ceifeiras nas searas,
as espingardas que matam os filhos as mães
num arder de lágrimas na cara?
E, no entanto,
no princípio, todos ouvíamos uma Voz
a dizer-nos que a nossa terra poderia tornar-se num pomar
de misteriosos pomos.
E nós,
todos nós, chegámos a pensar
que éramos maiores do que somos.

José Gomes Ferreira, A Poesia Continua, velhas e novas circunstanciais.