15.3.25
O voto útil e os pequenos partidos
«Como já é habitual em cada acto eleitoral, partidos como o PS e o PSD apostarão na retórica do “voto útil”, desconsiderando os partidos com menor expressão e almejando uma maior concentração de votos nas suas estruturas partidárias. Fazem-no sob o pretexto dos “votos perdidos”, apelando a que a expressão eleitoral do seu campo político (esquerda ou direita) neles convirja, evitando um “desperdício” que põe em causa uma eventual vitória. Ora, em democracia, nenhum voto é desperdício. (…)
Em democracia, espera-se que os cidadãos tenham a liberdade de votar na proposta política que melhor representa as suas convicções, sem quaisquer amarras. No entanto, a lógica do voto útil ainda logra um sucesso considerável, um fenómeno que não é unicamente condicionado pela retórica dos grandes partidos. O sistema eleitoral português, organizado pelos distritos do país, configura-se como um entrave à representação nacional proporcional das várias forças partidárias na Assembleia da República. Em distritos como Portalegre, que elege unicamente dois deputados, é virtualmente impossível que outro partido que não o PS ou PSD eleja. (…)
Nenhum voto é desperdiçado, mesmo no sistema eleitoral que actualmente vigora. É certo que um voto no Porto ou em Lisboa num partido considerado “pequeno” terá maior impacto, possibilitando a sua eleição, mas um voto em Leiria ou em Bragança num destes partidos também não é em vão, dado que a lei do financiamento dos partidos é regida pela percentagem da sua votação. No fundo, com mais financiamento o partido consegue chegar a mais pessoas e organizar mais iniciativas, crucial para se afirmar numa democracia representativa.»
15.03.1961 – Angola, no «dia do terror»
Foi nessa data que se deu o ataque da UPA no Norte de Angola, naquele que foi considerado o primeiro acto para a libertação do país e que marcou o chamado «dia do terror». O vídeo resume bem os acontecimentos.
Foi também nesse dia que, pela primeira vez, os Estados Unidos votaram positivamente uma moção contra Portugal no Conselho de Segurança da ONU.
Nos primeiros dias de Março, o próprio Kennedy, através do embaixador em Lisboa, envolveu-se pessoalmente na questão, insistindo com Salazar para que Portugal anunciasse publicamente o princípio da autodeterminação e independência de Angola. Diz Franco Nogueira (Salazar – A resistência, Vol. V, p.211) que, no fim de uma reunião com o embaixador Elbrick, Salazar terá concluído: «Ouvi-o atentamente e agradeço-lhe a sua visita. Muitos cumprimentos ao Presidente Kennedy. Muitos boas tardes, senhor embaixador.» E nada mudou na posição portuguesa, como é sabido.
Assim se chegou a 15 de Março, quando Libéria, Ceilão e República Árabe Unida apresentaram um projecto de resolução no Conselho de Segurança, que sublinhava os perigos que a situação em Angola representava para a paz e para a segurança mundiais e exigia expressamente reformas que pusessem fim ao colonialismo. Kennedy deu instruções para que os Estados Unidos votassem positivamente, juntando-se assim aos três proponentes e à URSS. Cinco votos a favor, portanto, mas seis abstenções (França, Inglaterra, China, Chile, Equador e Turquia): a resolução não obteve a maioria de votos necessária para ser aprovada, mas as relações dos Estados Unidos com o salazarismo ficaram profundamente afectadas. Quanto a Angola, esperaria mais 14 anos para ser independente.
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A herança da Censura do Estado Novo na política de hoje
«Durante 48 anos, uma das obras da Censura foi demonizar a política, a ideologia, a diferença de ideias e o seu confronto. Tudo aquilo que Salazar considerava dever ser poupado aos portugueses para seu bem-estar e impedir “excitações”. Era melhor glorificar o chefe e a ordem natural de quem manda, seja no Estado, seja na Igreja, seja na academia, seja em todas as instituições, seja naquelas que, em particular, tinham fardas. Fardas para os de cima e fardas para os de baixo, dos senhores aos criados de mesa, os contínuos, os bedéis.
Esta herança maldita está cá e basta haver um momento de maior confronto político, de preferência aos olhos de todos no Parlamento, e logo uma onda de indignação se levanta a favor dos bons costumes, dos salamaleques, da pomposidade. Na verdade, as democracias, até pela maior exposição pública dos seus actos e pelo confronto aberto que lhe é natural, não são bacteriologicamente puras, não participam no chamado “fascismo higiénico” das ditaduras, são, no limite da liberdade de expressão (sim, também está em causa), “mal-educadas”, e é por isso que parecem, aos olhos de 48 anos de censura interiorizada, uma “balbúrdia”. Até o absurdo exemplo, tirado ipsis verbis da propaganda do Estado Novo, da desordem da I República emergiu nestes dias.
Na verdade, é não só no discurso hipócrita dos políticos, mas também na imediata aceitação de lugares-comuns ignorantes no jornalismo, que a censura manda nas cabeças. A hipocrisia tem um enorme papel porque, fazendo aquilo que vêm logo a seguir considerar um “mal”, cobrem tudo por uma linguagem estereotipada que transmite essa mesma hipocrisia.
1) “O espectáculo deprimente da Assembleia” é um remake do que aconteceu na eleição do presidente da Assembleia. Não, o espectáculo da Assembleia só é “deprimente” porque assenta num discurso hipócrita de todos, que batem e escondem a mão, e os jornalistas e comentadores repetem as classificações censórias e demonizadoras do confronto.
No caso da actual discussão da moção de confiança, bate-se no peito com a “vergonha” da negociação, a “barganha” que aconteceu no Plenário e, eventualmente, fora dele. E depois? Qual é o problema de, no meio de uma crise política, haver este tipo de confrontos, truques, coreografias? Lamento dizer, mas em democracia é assim.
2) Mil e uma vezes se deve repetir que os parlamentos são assim em todas democracias, entre apartes e insultos e má educação. O Chega apenas generalizou e agravou o vocabulário dos insultos, e o efeito de matilha, mas eles estiveram sempre lá, mesmo que não cheguem às actas, sempre com o maior cuidado expurgadas dos chamados “apartes”. Deve haver punição aos insultos pessoais? Sim, quando o seu conteúdo é soez e visa pessoalmente o deputado A e B, e, no caso do Chega, atingirem mais as mulheres do que os homens, porque eles são muito machos e gostam de o mostrar. A linha entre uma interpretação extensiva da liberdade de expressão (que é a minha) e as actuais “linhas vermelhas” censórias implica sempre o maior cuidado com a defesa, mesmo com nojo, da primeira.
3) Mas o insulto puro, obsceno, dirigido à pessoa, como nalguns casos, indo até à agressão física, deve ser punido. A melhor maneira de punir os abusos deste tipo é ir ao dinheiro. É introduzir uma pena sancionatória nos salários, que os deputados prevaricadores pensam duas vezes no seu bolso, que é uma coisa com que pensam sempre. Se for preciso mudar o estatuto dos deputados, é por aí que se deve ir.
4) “A ministra decidiu por ideologia”, foi dito várias vezes a propósito de decisões da anterior ministra da Saúde. E depois? Esta frase implica duas coisas: uma, a de que uma decisão por política ou ideologia é menor, com o subproduto de esconder que outras decisões “do outro lado também o são”; dois, que a essência de governar é tecnocrática e de que há soluções “superiores” à ideologia por serem “técnicas”.
5) “Ninguém quer eleições.” Sim, ninguém quer, a começar pelos eleitores. E aqueles que querem têm de disfarçar e jurar que não querem. Mas as eleições podem ser o processo saudável e democrático de resolver impasses políticos, embora sem a garantia de que seja assim. No caso actual, o coro político-mediático quase dá a entender que as eleições são algo de indesejável em si, toleradas nos prazos previstos, mas maléficas quando se chega lá pela conflitualidade democrática.
Nos dias de hoje, com a crise actual, todo este discurso serve as candidaturas populistas, seja para as legislativas como as presidenciais, e mostra uma incompreensão profunda do que é uma democracia na sua natural imperfeição. É também por ser imperfeita que é democracia.»
14.3.25
14.03.1975 – «O dia em que o capitalismo se afundou»
As semanas que se seguiram ao 11 de Março foram naturalmente ricas em acontecimentos e convulsões. Três dias depois, para além de ser criado o Conselho da Revolução, deu-se a nacionalização da Banca e dos Seguros.
Da imprensa da época:
«As nacionalizações são saudadas à esquerda e não são contrariadas à direita. O PPD apoio-as, aliás, embora previna que “substituir um capitalismo liberal por um capitalismo de Estado não resolve as contradições com que se debate hoje a sociedade portuguesa”.
Mário Soares mostra-se mais expansivo. Eufórico mesmo, considerando aquele “um dia histórico, em que o capitalismo se afundou”. Dirá, a propósito o líder socialista, num comício: “A nacionalização da banca, que por sua vez detém (...) a maior parte das acções das empresas portuguesas e, ao mesmo tempo, a fuga e prisão dos chefes das nove grandes famílias que dominavam Portugal, indicam de uma maneira muito clara que se está a caminho de se criar uma sociedade nova em Portugal”.»
(Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, Os dias loucos do PREC, edições Expresso / Público, 2006, p. 28.)
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Primeiro tomamos Espinho, depois Berlim
«Há um ano, a distância entre a AD e o PS foi muito curta – escassos 54 mil votos, no que foi a vantagem mais pequena em legislativas em cinco décadas de democracia. Esquecemo-nos, mas a maioria que agora cessa dependia de dois deputados eleitos pelo CDS. Com esta circunstância de partida, é difícil antecipar quem sairá vencedor. Pura e simplesmente, não sabemos de que forma a vantagem que a AD tem (está no Governo há pouco tempo, ainda sem as naturais marcas globais de fadiga, e com os ventos económicos a soprar a favor) será contrabalançada por uma perda de confiança no primeiro-ministro, que vê a sua credibilidade afetada por um problema ético. É prematuro antecipar como é que os portugueses estão, de facto, a ler e a processar o que se vai sabendo sobre o universo empresarial de Montenegro.
Se estas são as dimensões incertas das eleições, é possível antecipar com alguma segurança que a correlação de forças entre esquerda e direita não se alterará profundamente. Mesmo que o PS saia vencedor, a direita preservará uma maioria de deputados. Do mesmo modo que o cenário de fragmentação parlamentar se manterá, com cerca de uma dezena de partidos representados em São Bento. O que deve ter consequências: com um sistema organizado num número crescente de polos que pouco dialogam entre si, a formação de uma maioria para governar será uma tarefa cada vez mais exigente.
Perante isto, restam dois caminhos: o país envereda irremediavelmente por uma sucessão de microciclos governamentais ou a cultura política dos partidos altera-se e estes, em lugar de se andarem a esgatanhar, demonstram maior propensão ao compromisso.
A este propósito, nos últimos dias não têm faltado vozes a sugerir que se atente no exemplo de Berlim. Na Alemanha, ultrapassado o período que se seguiu à Guerra, com uma bipolarização perfeita entre CDU e SPD, os últimos longos anos têm sido caracterizados por governos assentes em coligações amplas, formadas após aturadas negociações programáticas. Agora, CDU e SPD não hesitaram em voltar a entender-se, numa espécie de bloco central protetor da natureza demoliberal do regime face à ameaça de extrema-direita.
Entre nós, não há nenhum motivo para se ir tão longe como na Alemanha na articulação entre PSD e PS. Mas há uma exigência de reciprocidade, se o “não é não ao Chega” for para ser levado a sério. O que implica responder a uma pergunta crucial na campanha: o segundo partido mais votado viabiliza o programa de Governo e o primeiro orçamento sem se envolver em nenhuma negociação?
A resposta a esta pergunta encerra, agora, um estranho paradoxo. Enquanto há um ano era o PS que estava numa posição mais difícil – na medida em que, sem maioria de esquerda e com impossibilidade de apoio do PSD, qualquer solução de Governo envolvendo os socialistas era politicamente inviável, desta feita é o PSD que se encontra nessas circunstâncias. Após a novela Spinumviva, não se pode pedir a nenhum partido que viabilize um executivo PSD com Montenegro primeiro-ministro. As coisas são como são: quem escolhe a via Espinho não pode, depois, esperar que os restantes partidos sigam o exemplo de Berlim.»
13.3.25
Um candeeiro e é azul
Candeeiro de mesa em vidro camafeu gravado a ácido, base e abajur prateados. Cerca de 1900.
Émile Gallé.
Daqui.
Aguiar Branco? Tudo tem limites
Há pouco tempo, ainda se afirmava que um ministro devia ter cuidado com o que dizia mesmo à mesa de um café. Agora, como é que um presidente da AR trata uma reunião com dezenas de pessoas «responsáveis», como a de ontem? Como uma tasca de baixo nível?
13.03.2010 – O dia em que Jean Ferrat morreu
Jean Ferrat foi um dos grandes franceses da canção e já passaram quinze anos desde que parou. Depois de Léo Ferré, Georges Brassens, Jacques Brel e alguns outros.
Representante típico de gerações de intérpretes politicamente comprometidos, para sempre ligado a Nuit et Brouillard e a tantos outros títulos, o eterno compagnon de route do Partido Comunista Francês, que não hesitou em denunciar a invasão de Praga em 1968.
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O suicídio moral do PSD e a anemia geral dos partidos
«Manuela Ferreira Leite: "Isto é o caminho para a ditadura" José Pedro Aguiar-Branco: “Pedro Nuno Santos fez pior à democracia nestes últimos seis dias do que André Ventura nos últimos seis anos” Sebastião Bugalho: "Este PS é um Chega de Esquerda”. Estas frases alucinadas, em que nenhuma destas pessoas pode, não seu perfeito juízo, acreditar, foram ditas ontem, no Conselho Nacional do PSD. Elas não são tão absurdas por haver uma grande indignação. Elas são tão exageradas porque toda esta indignação, depois do triste espetáculo de quarta-feira, é artificial. E quanto mais artificial, mais caricatural. O que existe entre muita gente do PSD é incómodo. Incómodo e, com honrosas excepções, uma enorme falta de coragem.
Talvez por não ter nada a perder ou a ganhar, Jorge Moreira da Silva foi das poucas vozes com peso no PSD a dizer o que praticamente muitas figuras relevantes do partido realmente acham: que aquilo a que estamos à assistir é “penoso” e revela muito sobre o estado do PSD. E acrescentou que receia “que os dirigentes do PSD (nacionais e distritais) não tenham percebido o verdadeiro impacto desta crise na relação com os eleitores e no futuro próximo do PSD”. Imagino que não estivesse sequer a falar do impacto eleitoral, que é uma incógnita, mas de um impacto mais profundo, que deixará, como deixou no PS, marca duradoura na confiança dos portugueses.
Com José Sócrates, tudo começou com pequenos avisos, alguns favores e muito desplante. Continuou com inexplicáveis sinais exteriores de riqueza. Se ouvirmos a reação de Hugo Soares à legitima pergunta sobre a onerosa estadia do primeiro-ministro no Hotel Sana, quando existe uma residência oficial e os preços parecem incomportáveis (o primeiro-ministro tem de pagar os de mercado) para uma longa estadia, foi semelhante às indignações de Sócrates com as perguntas sobre os seus gastos privados quando já nem sequer era primeiro-ministro. Não estou a dizer que Montenegro é Sócrates, até por haver uma grande distância entre Espinho e Paris. Estou a dizer que depois de Sócrates há benevolências que não nos devemos permitir.
Esta campanha vai ser feia, porque a única safa de Montenegro é começar a espalhar, mesmo que por interpostas pessoas, a lama em que foi apanhado a chapinhar. E acontecerá num momento especialmente difícil, em que o país devia estar a discutir coisas bem mais relevantes. Perante uma nova queda do muro de Berlim, vamos para umas eleições falar da avença de um primeiro-ministro que decidiu atirar o país para uma crise para não expor as suas vulnerabilidades éticas.
Se é disto que Moreira da Silva fala quando fala do “impacto desta crise” está carregado de razão. Engana-se é quando teme que os dirigentes do PSD não o tenham percebido. Pelo menos os dirigentes nacionais, que têm alguma cultura política, perceberam perfeitamente. Mas, como me explicava uma figura importante no passado do PSD, não há partido para reagir a isto.
Não tenho a menor dúvida que se o PSD tivesse um sobressalto republicano e fizesse cair Montenegro para o substituir por Passos Coelho ou Moreira da Silva (duas opções bem diferentes), até poderia vencer as eleições. No segundo caso, até poderia haver condições para Marcelo fazer o que não aceitou com Costa, quanto ele propôs Centeno para o substituir. Perdesse ou ganhasse, o PSD mantinha intacta a sua superioridade moral face ao passado do PS. Só que esse partido já não existe. Esses partidos já não existem. Existem, pelo menos nos grandes, federações de carreiras e negócios locais. É dessa realidade que emana, aliás, Montenegro e os problemas que hoje o perseguem.
Há, claro que há, muita gente no PSD incomodada. Alguns até poderiam falar, como Moreira da Silva falou, por, como ele, nada terem a perder ou a ganhar. Perguntam-se é para quê. Sabem que não faria qualquer diferença. Que ficariam sozinhos, desligados da massa clientelar que faz fila para ir ao pote, como tem sido evidente na fúria exoneradora e nomeadora destes meses, especialmente em serviços descentralizados que mexem com muito dinheiro, como a saúde. Como a direção do PSD mandou dizer, por via de fonte não identificada, “quem tentar abrir uma guerra interna morre”.
A melhor solução para uma crise que se centra em Montenegro, e não no governo ou no PSD, teria de vir do próprio PSD. Em nome da ética republicana, travando a caminhada para o lodo. E isso não aconteceu porque não pode acontecer. O que nos pode levar a debates sérios sobre o nosso sistema político e eleitoral, mesmo os que me desagradam.
Prefiro, politicamente, Pedro Passos Coelho a Luís Montenegro? Não. Mas não tenho dúvida que se o PSD não fosse dominado por minúsculas carreiras locais o ia buscar para substituir Montenegro e ir a votos. E nós aqui estaríamos para debater o que interessa: opções políticas, económicas e sociais. Isso não é possível, porque não há política que sobreviva a um caso tão de descaradamente evidente de falta de ética. Não é possível discutir política com um primeiro-ministro que recebe uma avença de casinos quando está no cargo.
Gostaria de estar, neste momento, a opor-me a um bloco central, que impede que haja alternativas claras entre si, caso Moreira da Silva fosse líder do partido. Gostaria de estar, neste momento, a opor-me à radicalização do PSD, que o transformaria num misto do neoliberalismo radical da IL com o extremismo do Chega, caso a escolha fosse Passos Coelho. Porque sei que, em qualquer dos casos, não estaríamos a falar de avenças e esquemas. Por assim não ser, o PSD é o único responsável.»
12.3.25
Em cima da mesa
Centro de mesa com suporte prateado, de vidro de chumbo, prata, madeira e esmalte, Londres, 1906.
Designer: Harry Powell.
Fabricante James Powell & Sons (Whitefriars) Ltda.
Daqui.
12.03.1959 – O dia em que o «Golpe da Sé» falhou
Estava prevista para a madrugada de 12 de Março de 1959 uma revolta contra o salazarismo, com o país ainda agitado pelo malogro das eleições presidenciais do ano anterior, às quais concorrera Humberto Delgado. Tratou-se do falhado «Golpe da Sé», assim denominado porque era na catedral de Lisboa que os participantes se reuniam, contando com a cumplicidade do padre João Perestrelo de Vasconcelos.
Um grande grupo de militares, cuja figura principal era o capitão Almeida Santos, mas onde apareciam nomes como Varela Gomes e Vasco Gonçalves, e de civis sobretudo católicos liderados por Manuel Serra, propunha-se realizar um verdadeiro golpe de Estado, tendo previsto o controle de meios de comunicação, transportes, fornecimento de electricidade, etc., etc.
Tudo fracassou devido a fugas de informação e foram detidas mais de 40 pessoas, incluindo o padre Perestrelo e Manuel Serra. Dos detidos, distribuídos pelas prisões de Caxias, Aljube, Trafaria e Elvas, cerca de metade foi julgada. Dois evadiram-se de Elvas e um deles, o capitão Almeida Santos, foi assassinado – episódio que deu origem ao romance de José Cardoso Pires, A Balada da Praia dos Cães. Quanto a Manuel Serra, a páginas tantas hospitalizado no Curry Cabral, conseguiu fugir, vestido de padre, e seguiu directamente para a embaixada de Cuba em Lisboa onde pediu asilo político. Alguns meses mais tarde, utilizando outro estratagema (cortou rapidamente a barba e o cabelo), fugiu de novo, dessa vez para a Embaixada do Brasil, já que o seu objectivo era juntar-se a Humberto Delgado naquele país, o que veio a acontecer.
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Uma indecorosa garotada
«Ontem, assistimos a um dos momentos mais deprimentes da nossa democracia parlamentar. Senti-me a numa reunião de uma Associação de Estudantes, com os excitados truques de “jotinhas”. Como pode passar pela cabeça de um primeiro-ministro que a votação de uma moção de confiança serve para propor um leilão em que o escrutinado regateia as condições em que o parlamento o escrutina? Se o PS aceitasse fazer esta absurda negociação abriria um precedente insustentável para os governos seguintes.
O governo tinha uma tática para conseguir uma de duas vitórias: matar a CPI, transformando-a numa “rapidinha”, ou construir uma narrativa de vitimização que permitisse mudar a perceção dos portugueses, que, segundo das sondagens, o responsabilizam pela crise. Quando percebeu que o PS não estava disponível para o leilão, resolveu esticar a corda, para carregar as tintas da vitimização. Também na tática, a dose conta. E tivemos uma overdose.
Mesmo antes deste circo, já teríamos assistido a um momento político surreal: perante um caso grave, o primeiro-ministro provocou uma crise política depois de duas moções de censura chumbadas, exigindo que a oposição decretasse o fim das suspeitas, através de uma moção confiança desnecessária e que sabia inviável desde o dia em que tomou posse.
Se alguém tivesse dúvidas que o objetivo da moção era ser chumbada, bastaria ler o comunicado que serviu para a apresentar, em que o PS é acusado de alimentar “um clima artificial de desgaste e de suspeição ininterrupta sobre o Governo” e em que se diz que que o clima de suspeição é “desprovido de bases factuais e sem a mínima correlação com a realidade”. Ou seja, o PS deveria viabilizar uma moção de inocência do primeiro-ministro e de culpa de si mesmo.
Luís Montenegro tinha todas as condições materiais para governar: programa de governo e orçamento aprovados, um Presidente colaborante, uma oposição interna calada e com pouco do que decidia a passar pelo parlamento. E tinha a posição do PS definida desde o primeiro dia: viabilizou programa do governo e o orçamento, inviabilizou duas moções de censura e apelou a que não apresentasse moções de confiança, que não teriam o voto socialista. Porque não fazer cair um governo não é o mesmo que o apoiar.
Quando isto foi explicado, no debate sobre o programa de governo, já lá vai um ano, Luís Montenegro achou suficiente, não apresentando um voto de confiança, como poderia ter feito. Tão suficiente, que até insinuou que a abstenção socialista no voto de rejeição do PCP ao programa era uma forma de apoio. Mudou de opinião. Porque percebeu que o tempo jogava contra o primeiro-ministro. Quanto mais rápido se votar, quando ainda se sentem os efeitos da distribuição de dinheiro e muitos eleitores ainda não perceberam bem o que é este caso, melhor.
O único responsável por esta crise é Luís Montenegro. É responsável pelas suas falhas éticas, que a fizeram nascer. É responsável por forçar uma moção de confiança que sabia chumbada, para poder ir o mais depressa possível a votos, na derradeira esperança deles substituírem a verdade. E é responsável pelo espetáculo de taticismo infantil de ontem, tentando transformar a moção de confiança numa negociação de uma CPI.
Até ontem, não desejava eleições. Não achava que este fosse o melhor momento e o melhor ambiente para acontecerem. Mudei de opinião. Quem sequestra, desta forma, um partido, um parlamento e um País para se proteger a si mesma não pode ser primeiro-ministro. Já tivemos uma experiência traumática. Não precisamos de a repetir.»
11.3.25
11.03.1975 - O dia em que nasceu o PREC
Nesse décimo primeiro dia de Março de 75, pelas 11:45, o RAL 1 (mais tarde conhecido por RALIS), foi bombardeado por aviões da Base Aérea nº 3 e cercado por paraquedistas de Tancos, na concretização de uma tentativa de golpe de Estado, liderada por António de Spínola.
O que se passou durante o resto desse dia é resumido num documento do Centro de Documentação 25 de Abril e está parcialmente gravado nos vídeos (no fim deste post). Dia que acabou já sem Spínola no país: com a mulher e quinze oficiais fugiu de avião para Badajoz.
11 de Março marca o início do PREC, que viria a durar oito meses e meio – até ao 25 de Novembro. Quem já era adulto lembra-se certamente dos ambientes absolutamente alucinantes de tudo o que se seguiu, sobretudo a partir de 14 de Março quando foi criado o Conselho da Revolução e se deu a nacionalização da Banca e da maior parte das companhias de Seguros.
E não se julgue que foi só a chamada extrema esquerda a aplaudir essas medidas:
«As nacionalizações são saudadas à esquerda e não são contrariadas à direita. O PPD apoiou-as, embora prevenindo que "substituir um capitalismo liberal por um capitalismo de Estado não resolve as contradições com que se debate hoje a sociedade portuguesa".
Mário Soares mostrou-se eufórico, considerando tratar-se de "um dia histórico, em que o capitalismo se afundou". Disse num comício que "a nacionalização da banca, que por sua vez detém (…) a maior parte das acções das empresas portuguesas e, ao mesmo tempo, a fuga e prisão dos chefes das nove grandes famílias que dominavam Portugal, indicam de uma maneira muito clara que se está a caminho de se criar uma sociedade nova em Portugal".» (Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, Os dias loucos do PREC, p. 28.)
Foi assim, por mais inverosímil que pareça a 50 anos de distância.
Para quem quiser conhecer ou recordar os acontecimentos:
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O salto no escuro de Montenegro
«Em 2009, José Sócrates foi a votos com um caso judicial a ferver. Ganhou. Mas não foi absolvido. Dois anos depois, caiu, arrastado pelo peso da sua própria sombra. O que as urnas lhe deram, a realidade tirou. E, hoje, Montenegro segue o mesmo caminho. Convoca uma moção de confiança para ser chumbada. Assume a pose de vítima. Simula um cerco que só existe na sua narrativa. Porque, se há instabilidade, não vem do Parlamento. Nem da oposição. Nem da ausência de apoios. Vem dele.
E há formas de esclarecer. Há mecanismos para investigar. Montenegro poderia ter aproveitado as inúmeras oportunidades que teve, desde o primeiro dia, para explicar ao país que não fez nada de errado, que não acumulou rendimentos, que a sua empresa prestou serviços legitimamente. O Ministério Público pode abrir um inquérito. Uma Comissão Parlamentar pode escrutinar o seu passado. Há uma estrada para a transparência. Mas Montenegro não a quer percorrer. Prefere o atalho das eleições.
Como se um boletim de voto fosse um certificado de idoneidade. Como se uma vitória apagasse os factos.
Se quisesse resolver a crise sem se prestar ao escrutínio democrático, a solução era óbvia. Bastava sair, indicar ao Presidente da República um novo Primeiro-Ministro. Há cerca de ano e meio, Marcelo recusou essa hipótese. Agora, poderia reconsiderá-la — porque o problema não é o governo. É ele. E, se o problema é ele, o governo ainda pode ser salvo. Mas Montenegro não quer salvar o governo. Quer salvar-se a si próprio. E arrasta o país com ele.
Fá-lo em modo de campanha. Já não governa. Candidata-se. A residência oficial do Primeiro-Ministro virou estúdio. Há um ano e meio, criticava — e bem — António Costa pelo mesmo. Agora faz igual. Como se o cenário apagasse o enredo, como se a contagem decrescente para as urnas reescrevesse a história.
E se o Ministério Público abrir um inquérito a meio da campanha? E se Montenegro for constituído arguido? Ontem, disse que não vê razões para desistir. Mas, então, porque afastou Luís Newton e Carlos Eduardo Reis quando foram constituídos arguidos? Para eles, a suspeita foi sentença. Para si próprio, irrelevante. O critério muda conforme a cadeira que se ocupa?
O voto dissolve suspeitas? A eleição apaga as perguntas?
As eleições não são um ritual de purificação. Não são água benta. São, quando muito, um espelho. E, quando Montenegro olhar para esse espelho, não verá redenção. Verá o reflexo da mesma crise, da mesma sombra, do mesmo impasse que recusou enfrentar. Porque o problema não é político. É dele.
E, enquanto for dele, será do país.»
10.3.25
Mais um vaso
Vaso «Pássaro do Paraíso», Selb, Baviera, Alemanha, 1913-1930.
Fabricado por empresa Rosenthal.
Designer: Florence Weisskopf (?)
Daqui.
O Governo quer mesmo ir a votos dê por onde der
«Há alguma dúvida de que Luís Montenegro teria ameaçado com a moção de confiança, a 1 de Março, se não fosse a sua intenção mais genuína avançar para eleições antecipadas? Obviamente que não. A fórmula escolhida era estapafúrdia porque o objectivo era, obviamente, fazer-se de vítima.
E, no entanto, a confusão instalada é tão grande que se chega ao ponto de “culpar” o PS por, ao avançar com a Comissão Parlamentar de Inquérito, ter como objectivo provocar eleições. Ora, Montenegro assumiu que estava disposto a avançar para uma moção de confiança antes de Pedro Nuno Santos falar da comissão de inquérito e admitir, para mais tarde, uma moção de censura.»
10.03.1920 – Boris Vian
Boris Vian faria hoje 105 anos e morreu antes de chegar aos 40. Escritor, engenheiro mecânico, inventor, poeta, cantor e trompetista, também anarquista, teve uma vida acidentada e ficou sobretudo conhecido pelos livros de poemas e alguns dos seus onze romances, como L’écume des jours e L’automne à Pékin.
Especialmente célebre ficou também uma canção – Le déserteur – , que foi durante muitos anos uma espécie de hino para todos os que recusavam participar em guerras, incluindo muitos portugueses. Lançada durante a guerra da Indochina, foi grande o seu impacto e acabou mesmo por ser proibida por antipatriotismo na rádio francesa, pouco depois do início do conflito na Argélia.
Nunca esquecerei quando Le déserteur cumpriu a função da mais improvável das marchas nupciais no casamento de um amigo, em Bruxelas, no fim dos anos 60.
(Serge Reggiani : Dormeur du Val, de Arthur Rimbaud, e Le déserteur de Boris Vian.)
Mais:
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(Serge Reggiani : Dormeur du Val, de Arthur Rimbaud, e Le déserteur de Boris Vian.)
Mais:
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Esqueçamos a política de defesa, tratemos de negócios
«Aparentemente, a Europa começou a debater defesa comum. Seria de esperar um debate sobre política de alianças. Sobre o lugar dos países europeus na NATO. Sobre a relação com os EUA, que hoje é aliado da Rússia, a quem se juntou para encostar a Ucrânia à parede e assaltar os seus recursos. Sobre a ameça à Gronelândia, um território estratégico (por agora dinamarquês, por isso europeu) que, se chegar à independência que legitimamente ambiciona, estará totalmente vulnerável. Sobre a guerra híbrida e os ataques às suas democracias, centrada nas plataformas dominadas pelos aliados de Trump. Até sobre uma revisão das relações europeias com a China, neste cenário.
Não que, como português, tenha grande autoridade para o lamentar. A Europa está a atravessa o momento mais decisivo, desde a queda do muro de Berlim, e um primeiro-ministro atolado na sua própria lama nada tem de relevante a dizer. E não se pode dizer que o PS dê mais relevância ao tema. Sobre a Europa, Portugal quer saber quanto nos cabe e quem executa melhor ou pior os fundos. As decisões ficam para quem manda.
Como escrevi antes, discutir o rearmamento sem saber com quem o fazemos e de quem nos defendermos é saltar para o fim da conversa. E mesmo o rearmamento exige outro debate: se este investimento será pago à custa do modelo social europeu, preparando as vitórias eleitorais dos aliados de Putin e Trump.
Sem espanto, o debate começou pela fatura: 800 mil milhões. Sem espanto, o caminho será o de endividar os estados, incluindo os que, estando em divergência económica e social há duas décadas, estão menos expostos ao perigo russo. E, coisa curiosa, permitir tudo o que era impossível para salvar as economias periféricas. Tudo isto poderia ser debatido se tivessem perdido cinco minutos a discutir de que e com quem nos defendemos.
Para pagar a conta, Von der Leyen abre as portas ao desvio dos fundos de coesão, que financiam a convergência económica entre os países mais ricos e os mais periféricos, para financiar o reforço militar. Para defender a Europa, menos Europa. Com o crescimento da extrema-direita, agravam-se as condições para o seu sucesso eleitoral. Outra hipótese é alterar os estatutos do BCE, tabu absoluto na crise das dívidas soberanas.
Não é por acaso que a conversa passou imediatamente para o comércio de armas, sem o debate político indispensável a qualquer estratégia de defesa ou segurança. O que está a acontecer é o que acontece há décadas na União, com quase todos os temas: o rearmamento é pensado como uma oportunidade de negócio alemão (que será reforçado por um chanceler muito ligado a esta indústria) e francês, na relação centrípeta com as periferias que tem dominado este mercado interno. Se quisermos fazer isto depressa, até serão os EUA a ganhar com o negócio que forçaram.
Não se está a debater política de defesa europeia. Por agora, só se fala de negócios. Se se é verdade que não há defesa sem armas, comprar armas não garante uma política de defesa. Não estamos a assistir a nenhuma revolução na Europa. Estamos a ver o costume, que sublinha e reforça a razão porque a Europa não é um bloco. É um mercado aberto de nações fortes com nações fracas, com os desequilíbrios que isso traz se não corresponder a transferências internas.
Nem sequer há um debate sobre prioridades militares que só podem resultar de análise política comum. Fala-se de dinheiro para as comprar. Porque a fragilidade da Europa, sendo pouco mais do que isto, não é apenas militar. É, antes de tudo, política.»
9.3.25
Taças
Taça austríaca de esmalte, cristal de rocha e prata dourada, pé com um pelicano a alimentar as suas crias. Cerca de 1870.
Daqui.
O jogo do tudo ou nada
«A crise política a que estamos a assistir resulta de uma estratégia de “tudo ou nada” que, a determinado momento, foi decidida pelos líderes dos dois principais partidos, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos.
Ambos tomaram esta decisão, cada um do seu lado, porque acreditam que poderão sair a ganhar com a ida a votos. O primeiro-ministro estará convencido de que é preferível ir a jogo agora, enquanto as cartas lhe são aparentemente mais favoráveis, do que deixar-se grelhar em fogo lento por uma Comissão de Inquérito e, na melhor hipótese, sobreviver politicamente até ao início do próximo ano. Para depois, sem glória, cair finalmente às mãos do sucessor de Marcelo na Presidência.
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Som para a semana
Pr'a melhor está bem, está bem, Pr'a pior já basta assim!
As eleições não lavam mais branco
«Até ver, o problema que neste momento envolve Montenegro é político e ético. Por isso, talvez seja produtivo não cairmos na tentação de judicializar a questão. Os factos estão à nossa frente e de forma inelutável: enquanto primeiro-ministro, Montenegro detinha uma empresa com a mulher e filhos, com sede em sua casa e o seu telemóvel como contacto, que continuou a prestar alegados serviços a um conjunto de clientes empresariais, angariados pelo próprio nas suas redes de influência política regionais. Sendo que o negócio de uma parte significativa desses clientes depende de concessões, decididas pelo Governo.
Já se percebeu que o primeiro-ministro estava consciente do que estava em causa, ao ponto de ter procurado omitir informação junto do Tribunal Constitucional. Montenegro até pode ter cuidado da legalidade procedimental (sobre isso, a justiça pronunciar-se-á, se for caso, no seu tempo, necessariamente lento), mas os factos são suficientemente ineludíveis para nos permitir, sem eufemismos, fazer um juízo ético definitivo: trata-se de uma conduta não compatível com o exercício da função. O que se sabe suscita diversas perguntas que carecem de resposta, mas o que já se sabe basta para não necessitarmos de saber mais.
Talvez mais este caso nos ajude a compreender as limitações do princípio tão glosado de que a ética republicana é a lei. Não só não é, como não pode ser. O cumprimento da lei não esgota todas as exigências que se colocam na vida pública e, ainda menos, no exercício de cargos políticos. Aliás, é também por termos abdicado da faculdade de fazer juízos para além do que a lei prevê que a democracia portuguesa se encontra no estado atual.
No que parece encerrar um paradoxo, enquanto se procura limitar a ética à lei, assiste-se a um processo imparável de judicialização da atividade política. A multiplicação de comissões parlamentares de inquérito – feitas à medida de deputados desejosos de brilhar em longos diretos televisivos e de televisões que carecem de formatos económicos e que geram audiências – é um sintoma pernicioso desta dinâmica parajudicial. Mas, bem mais funesta é a ideia de inspiração trumpiana de que o plebiscito amnistia ilícitos ou práticas eticamente reprováveis.
Aproximamo-nos perigosamente desses dois registos, que parecem, aliás, viver em tensão. Para uns, o PS, deve avançar-se para mais uma comissão parlamentar de inquérito, para outros, o Governo, a ida a votos é uma forma de os portugueses se pronunciarem sobre a conduta de Montenegro. Ambas as posições assentam em equívocos, ainda que de escalas distintas.
Há certamente mais questões a pairar sobre Montenegro, como sugerido pela catadupa de notícias. Mas o que sabemos é suficiente para reconhecer que este primeiro-ministro em concreto é politicamente inviável. Recorrer, de novo, a comissões de inquérito só infligirá ainda mais danos às instituições da República. Mais grave é, contudo, a ideia de que o resultado eleitoral permitiria superar os irritantes éticos que acompanham Montenegro, transformando as eleições num gigantesco julgamento popular, legitimador e de veredicto definitivo.
A sensação com que se fica ao assistir a tudo isto é que, também por cá, nos aproximamos de um daqueles sombrios momentos de interregno, quando, para parafrasear W. B. Yeats, tudo se desmorona e o centro não se sustém. Nesse que é um dos seus mais belos poemas, o irlandês alertava, também, que “aos melhores falta toda a convicção, enquanto os piores estão cheios de intensidade apaixonada”.»
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