10.3.25

Esqueçamos a política de defesa, tratemos de negócios

 


«Aparentemente, a Europa começou a debater defesa comum. Seria de esperar um debate sobre política de alianças. Sobre o lugar dos países europeus na NATO. Sobre a relação com os EUA, que hoje é aliado da Rússia, a quem se juntou para encostar a Ucrânia à parede e assaltar os seus recursos. Sobre a ameça à Gronelândia, um território estratégico (por agora dinamarquês, por isso europeu) que, se chegar à independência que legitimamente ambiciona, estará totalmente vulnerável. Sobre a guerra híbrida e os ataques às suas democracias, centrada nas plataformas dominadas pelos aliados de Trump. Até sobre uma revisão das relações europeias com a China, neste cenário.

Não que, como português, tenha grande autoridade para o lamentar. A Europa está a atravessa o momento mais decisivo, desde a queda do muro de Berlim, e um primeiro-ministro atolado na sua própria lama nada tem de relevante a dizer. E não se pode dizer que o PS dê mais relevância ao tema. Sobre a Europa, Portugal quer saber quanto nos cabe e quem executa melhor ou pior os fundos. As decisões ficam para quem manda.

Como escrevi antes, discutir o rearmamento sem saber com quem o fazemos e de quem nos defendermos é saltar para o fim da conversa. E mesmo o rearmamento exige outro debate: se este investimento será pago à custa do modelo social europeu, preparando as vitórias eleitorais dos aliados de Putin e Trump.

Sem espanto, o debate começou pela fatura: 800 mil milhões. Sem espanto, o caminho será o de endividar os estados, incluindo os que, estando em divergência económica e social há duas décadas, estão menos expostos ao perigo russo. E, coisa curiosa, permitir tudo o que era impossível para salvar as economias periféricas. Tudo isto poderia ser debatido se tivessem perdido cinco minutos a discutir de que e com quem nos defendemos.

Para pagar a conta, Von der Leyen abre as portas ao desvio dos fundos de coesão, que financiam a convergência económica entre os países mais ricos e os mais periféricos, para financiar o reforço militar. Para defender a Europa, menos Europa. Com o crescimento da extrema-direita, agravam-se as condições para o seu sucesso eleitoral. Outra hipótese é alterar os estatutos do BCE, tabu absoluto na crise das dívidas soberanas.

Não é por acaso que a conversa passou imediatamente para o comércio de armas, sem o debate político indispensável a qualquer estratégia de defesa ou segurança. O que está a acontecer é o que acontece há décadas na União, com quase todos os temas: o rearmamento é pensado como uma oportunidade de negócio alemão (que será reforçado por um chanceler muito ligado a esta indústria) e francês, na relação centrípeta com as periferias que tem dominado este mercado interno. Se quisermos fazer isto depressa, até serão os EUA a ganhar com o negócio que forçaram.

Não se está a debater política de defesa europeia. Por agora, só se fala de negócios. Se se é verdade que não há defesa sem armas, comprar armas não garante uma política de defesa. Não estamos a assistir a nenhuma revolução na Europa. Estamos a ver o costume, que sublinha e reforça a razão porque a Europa não é um bloco. É um mercado aberto de nações fortes com nações fracas, com os desequilíbrios que isso traz se não corresponder a transferências internas.

Nem sequer há um debate sobre prioridades militares que só podem resultar de análise política comum. Fala-se de dinheiro para as comprar. Porque a fragilidade da Europa, sendo pouco mais do que isto, não é apenas militar. É, antes de tudo, política.»


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