13.2.21

Adoro capicuas

 


Com um dia de atraso, a data de ontem...
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Decreto que regulamenta o estado de emergência

 


Sobre a badalada questão da venda de livros, a redacção da modificação ao artigo do decreto anterior é esta:

«Artigo 25.º
[...]
1 - O membro do Governo responsável pela área da economia pode, mediante despacho, determinar que os estabelecimentos de comércio a retalho que comercializem mais do que um tipo de bem e cuja atividade seja permitida no âmbito do presente decreto não possam comercializar bens tipicamente comercializados nos estabelecimentos de comércio a retalho encerrados ou com a atividade suspensa nos termos do presente decreto, com exclusão designadamente de livros e materiais escolares, que devem continuar disponíveis para estudantes e cidadãos em geral.»

Texto do decreto AQUI.
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Ainda é tempo, por pouco tempo...

 

«A minha geração (estou com 66 anos) foi uma geração privilegiada. Muitos de nós somos filhos de pais que viveram a sua infância e juventude durante a Segunda Guerra Mundial, sofrendo as carências de então e a pesada carga do Estado Novo. Muitos migraram para as cidades ou emigraram para outros países, para que os filhos tivessem mais oportunidades, e conseguiram. Na generalidade, tivemos uma vida melhor, vivemos a maior parte da vida em democracia, fomos espectadores e protagonistas das mais fantásticas mudanças políticas, sociológicas e tecnológicas de toda a história da humanidade e, no entanto, temos a triste consciência de que vamos deixar aos nossos filhos um mundo mais perigoso, mais degradado e à beira da insustentabilidade. Esta pandemia e as que despontam no horizonte são um sinal disso.»

Luís Campos
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A crise é bem mais que pandémica



 

«Em Portugal, como no conjunto dos países da União Europeia (UE), a pandemia trouxe agravamento de problemas às sociedades, mas as crises de que hoje tanto se fala têm origens bem anteriores e mais profundas.

A necessidade de medidas excecionais evidenciou a insustentabilidade do modelo económico e financeiro dominante; a irracionalidade das cadeias de valor em que a economia tem assentado; a violência da precariedade laboral e do desrespeito pelo trabalho digno; o impacto negativo das políticas neoliberais sobre o papel dos estados e sobre valores do bem comum e da comunidade; as fragilidades da democracia; a necessidade de uma atitude nova perante a globalização, fortalecendo as sociedades na sua organização regional, a nível dos estados e dos territórios. O drama é que se teima em não mudar muito o desastroso rumo que vinha de trás.

A União Europeia não se reforça como poder regional. Não é um polo com "autonomia estratégica" e pode caminhar para uma rutura profunda, com uma parte a encostar-se ao polo geopolítico que se afirma a Leste e, a outra, mais integrada no polo "Atlântico". Entretanto, no fundamental, a UE está a responder à crise prosseguindo políticas assentes na insultuosa dicotomia "frugais"/"não frugais", deixando países como Portugal numa situação delicada. Num contexto mundial em que se acentua a quebra das trocas comerciais, dos fluxos financeiros e dos movimentos do Investimento Direto Estrangeiro, os desafios tornam-se pesadíssimos. Acresce, para nosso mal, que a cultura dominante das maiores forças políticas nacionais há muito se entregou a um sebastianismo provinciano face ao exterior e, em particular, à UE.

O nosso país necessita de um Governo mais capaz em várias áreas e com muito mais fôlego. Oxalá o primeiro-ministro tenha vontade e determinação para tratar da tarefa logo que a pandemia esteja controlada. Contudo, esse fôlego jamais será conquistado se a direita do Partido Socialista for, como está a ser cada vez mais, a representante da Direita. Deixem à Direita a tarefa de tratar dela própria e de definir se se distancia ou não das forças antidemocráticas e fascistas. Se Rui Rio é uma confirmação do Princípio de Peter, compete ao PSD resolver o problema. Se quer o PSD quer o CDS não têm respostas (e não têm) para os problemas que o país enfrenta, espicacem-se e responsabilizem-se, mas só isso.

No plano noticioso e do comentário político a crise é profunda. Dominam os cenários apocalíticos, a ausência de reflexão, o registo individualista e o corta-cabeças. E não faltam notícias falsas ou manipuladoras. Esta semana disse-se que o salário médio dos portugueses subiu durante a pandemia. Puro engano. A ilusão resulta do facto de muitos milhares de trabalhadores precários e outros com baixos salários terem ido para o desemprego, deixando de contar para o cálculo da média.

Na economia e no trabalho os problemas a resolver são grandes. Os apoios às empresas não serão eternos, não existem sinais de mudança qualitativa na matriz de desenvolvimento e o desarmar do lay-off poderá colocar muitos trabalhadores na rampa do desemprego.

Há que desmontar as panaceias do determinismo tecnológico e da "deslaboralização" das sociedades e impedir a regulação unilateral do trabalho, para se defender emprego e termos sistemas de segurança social que garantam vidas dignas.»

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12.2.21

Já nem estranho, mas ainda não entranho

 


Onde isto já vai!
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12.02.1929 – Nuno Bragança

 


O Nuno chegaria hoje aos 92 e morreu, estupidamente cedo, com apenas 56. De uma colheita anterior à minha, foi sempre reconhecido por todos como absolutamente excepcional, mesmo antes, bem antes, de A Noite e o Riso por aí aparecer com estrondo.

Errando pelos mesmos meios oposicionistas, os destinos juntaram-nos também em casa de amigos comuns, onde passámos longas semanas de férias. Um pouco mais tarde, viria a acampar, no sentido estrito da palavra, no minúsculo apartamento em que o Nuno viveu vários anos em Paris.

Mais detalhes AQUI, num «post» escrito há dois anos.
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Vale mais do que algumas explicações

 

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O mercado é incompetente para vacinar o mundo

 


«Que o mercado funciona, não haja disso dúvidas. O problema é como funciona e se resolve o problema da produção e distribuição de bens essenciais. A experiência das vacinas está a provar que não é o caso. Por isso, logo dois meses depois do festejo do sucesso que foi a conceção de vacinas em tempo fulgurante, os alertas sobem de tom: segundo a UNICEF, a este ritmo de produção o mundo só estará vacinado dentro de sete anos. Se assim for, não haverá imunidade de grupo e o tempo permitirá novas mutações perigosas do vírus.

Não há pressa

Os planos de produção das vacinas aprovadas nos EUA e na União Europeia (UE), as da Pfizer, AstraZeneca e Moderna, só protegerão em 2021 um terço do mundo. Outras vacinas, como a russa e as chinesas, também ainda não asseguram a vacinação sequer dos seus próprios países. Entretanto, as três maiores empresas no ramo, que não conseguiram sintetizar uma vacina, planeiam produzir 225 milhões de doses: a GSK fez um contrato com a Curevac para 100 milhões, a Merck desistiu de fabricar as suas vacinas e a Sanofi fará 125 milhões de doses da AstraZeneca, o que, no total, vale para 1,5% da população mundial.

Este bloqueio à produção tem uma origem clara. Em primeiro lugar, as empresas detentoras das patentes (por 20 anos) não querem envolver outras. A dinamarquesa Bavarian Nordic ofereceu-se para produzir 240 milhões de doses, sem resposta. Na Índia, onde estão as filiais com maior capacidade, há uma única empresa a produzir. As três empresas querem maximizar os seus lucros com a patente e com a produção, depois de terem recebido 88,3 mil milhões de dólares de fundos públicos dos EUA e UE. O resultado é que só 43% da capacidade produtiva mundial estão a ser usados.

Os que ficam de fora

Das 108 milhões de pessoas já vacinadas, só 4% são de países em desenvolvimento, quase todas da Índia. Dos países mais pobres do planeta, só a República da Guiné encomendou vacinas, 55 doses. Em qualquer caso, o mercado funciona, considerando a falta de recursos dos países do Sul: o plano de vendas da Pfizer é dirigido em 80% para os países desenvolvidos, que só representam 14% da população mundial. O mercado só reconhece quem tem dinheiro.

É certo que a pandemia ainda não parece ter atingido da mesma forma o Sul. A África Subsaariana, com 15% da população mundial, só identificou 3% dos casos. Mas sofre outro choque: a sua economia teve no ano passado uma queda como não acontecia há 25 anos, com mais 32 milhões de pessoas em pobreza extrema. E, como quase todas as 253 milhões de crianças deixaram de ter aulas desde há seis meses, os efeitos vão ser prolongados (se imagina aulas online, lembre-se de que metade da população do continente não tem eletricidade nem computador). Este mundo ficou de fora e a Covax, a aliança da OMS para as vacinas, admite que, no melhor dos casos, haverá um quinto desta população vacinada em 2021.

Guerras de alecrim manjerona

Um ano depois de declarada a pandemia, apesar do sucesso científico sem precedentes, chegamos à realidade do mercado. E a guerra é feia de se ver: a Comissão Europeia, em desespero pela redução das entregas no trimestre pela Pfizer (menos um terço) e AstraZeneca (menos 80 milhões de doses), anunciou, a 29 de janeiro, o controlo de exportações. Juncker não perdeu a oportunidade para criticar a sua sucessora, que em março tinha feito um brilharete no Parlamento Europeu contra medidas protecionistas. Em todo o caso, o controlo não era bem para levar a sério, foi somente um estratagema para justificar contratos desastrados que permitiram aos fornecedores fazerem o que quisessem. Como escreveu Teresa de Sousa, insuspeita de reservas antieuropeís¬tas, “a presidente da Comissão, que fez da vacina a sua imagem de marca e que tinha trabalho para apresentar, delapidou desnecessariamente o crédito acumulado ao não reconhecer os erros e ao responder às críticas com ataques a terceiros em todas as direções”.

Ursula van der Leyen, que no tempo dos discursos tinha sido incensada pelos seus discursos e como a mulher que salvaria a Europa, é agora abandonada pelos que descobrem que afinal, como aconteceu com todos os recentes presidentes da Comissão, foi colocada nesse lugar para seguir a luz de Merkel e de Macron, e não para lhes fazer sombra. O resultado é que a vacinação europeia é menor do que a do Reino Unido ou dos EUA e, como lembra o “Economist”, a função de dirigir a operação de distribuição das vacinas foi entregue a um departamento cuja função era superintender a etiquetagem alimentar.

Navegando entre subsídios e facilidades, as três farmacêuticas já anunciaram aos seus acionistas que esperam ter 30 mil milhões de dólares de lucro em 2021. Sim, o mercado funciona mesmo, só que não é para garantir a vacinação universal.»

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11.2.21

11.02.1990 – Libertação de Mandela, um grande dia!

 


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Vacinação – Simplifique-se!



 

«Para: Presidente da República, Primeiro-MInistro, Ministra da Saúde, DGS 
O plano nacional de vacinação assenta numa lógica corporativa e de grupos, o que têm dificultado a sua aplicação e proporcionado a fraude, além da verificação dos critérios se ter tornado num quebra-cabeças burocrático para toda a estrutura da saúde pública, já profundamente abalada.

Afigura-se como correcto afirmar que o principal fator de risco da doença COVID-19 é a idade, conforme confirmam estudos científicos e demonstra a estatística da mortalidade e dos internamentos em Portugal. Assim, se rapidamente se chegar à imunização de cerca dos 20% da população que representam 80% das mortes (os cidadãos acima dos 70 anos), grande parte dos riscos e da pressão sobre o SNS serão aliviados e mais rapidamente o crescimento da economia poderá ser retomado.

O quadro de escassez de produto na União Europeia e os apelos feitos pela Comissão Europeia para que sejam prioridades os cidadãos com mais vulnerabilidade, bem como o objetivo comunitário assumido de ter 80% da população acima dos 80 anos vacinada o mais rapidamente possível, sedimentam a ideia da urgência na alteração dos critérios de vacinação em Portugal.

Tendo em conta o que atrás de descreve, apelamos a que as autoridades nacionais sejam sensíveis à mudança completa do paradigma da vacinação, adotando-se a idade como critério único, assim que vacinada todos os profissionais de saúde.

A vacinação por idade é fácil de comunicar (poderá ser feita uma comunicação nacional genérica que, entre os dias x e y serão vacinadas as pessoas com determinada idade) e a sua verificação é simples e fiável, através do cartão do cidadão.

Dessa forma, evitam-se fraudes, acelera-se o processo, descongestionam-se os serviços administrativos públicos de saúde e eliminam-se mais rapidamente os riscos entre a população que mais sofre com a doença.»

Assinar AQUI.
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E por se falar do 14º aniversário do SIM à IVG

 


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11.02.2007 – o «SIM» à IVG

 


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O vírus da globalização

 


«O vírus introduz-se num corpo, controla alguns órgãos e começa a desregular funções vitais. Ainda hoje não sabemos exatamente o que é nem, ao certo, de onde veio.

Certo é que chega depressa e a toda a parte. Não é bem uma metáfora. Seria difícil, aliás, encontrar expressão mais nítida e tangível para esse fenómeno contemporâneo que dá pelo nome de globalização. Há um ano, nenhum economista admitiria a possibilidade de uma tão longa e tão drástica limitação da atividade económica à escala planetária. Nenhum antropólogo, cientista social ou político ousaria prometer que restrições tão violentas de direitos e liberdades tão elementares como circular e conviver poderiam ser decretadas e cumpridas - até dentro de casa, derradeiro reduto da reserva de intimidade privada - sem que tremendas convulsões sociais explodissem por todo o lado. Mas é verdade. Fecharam-se fronteiras. Alterações súbitas e duradouras dos comportamentos habituais, rotinas, trabalho, condições de sobrevivência e práticas culturais enraizadas produziram-se até agora de modo relativamente pacífico.

Perante este cenário dramático de absoluta exceção, impôs-se a urgência de dispor de vacinas capazes de imunizar as populações do planeta antes que as mutações do vírus neutralizem ou enfraqueçam a sua eficácia. E em menos de um ano, chineses, russos, europeus e americanos, desmentindo os prognósticos dos mais céticos, inventaram-nas! Seria lógico, perante uma tragédia à escala universal, que a Organização Mundial de Saúde planeasse a coordenasse a campanha de vacinação, mas, em vez disso, estamos a presenciar logo aqui, no Ocidente rico e bem equipado, o espetáculo degradante de uma disputa sôfrega e impiedosa pelas vacinas, com vantagem para os mais ricos e chorudo benefício para os grandes laboratórios farmacêuticos.

Como é possível que de tantas restrições legitimamente impostas às liberdades comuns, tenha escapado incólume este direito peculiar: a propriedade intelectual! As patentes das vacinas registadas pelas grandes empresas farmacêuticas - que, como é sabido, contaram à cabeça com abundante financiamento público para acorrer à calamidade - permitem-lhes disponibilizar as vacinas consoante as suas expectativas de lucro, sem outro critério ou prioridades. Os dados pessoais dos eleitores britânicos foram mera oportunidade de negócio entre a Cambridge Analitica e os promotores do Brexit. O principal gestor da Amazon engordou com os lucros acrescentados à boleia dos confinamentos e do isolamento profilático e até vai mudar de ramo, diz-se, para se dedicar às viagens espaciais. E a Pfizer regateia e prospera, entretanto, à custa da nossa saúde. Enquanto as expectativas de crescimento económico caíram menos do que era esperado, continua a progredir o setor financeiro e os interesses ligados às tecnologias da comunicação. Eis o admirável mundo novo da desregulação global!»

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10.2.21

Mais um Estado de Emergência

 


«Presidente da República propõe ao Parlamento renovação do estado de emergência até 1 de Março.»

(AQUI)
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Coisas boas

 



«O tenor polonês Leszek Świdziński da Ópera Real da Polônia e o coro Medicantus, formado por médicos, surpreenderam outros médicos e enfermeiros de plantão num hospital de Varsóvia, interpretando Nessun Dorma (Que ninguém durma), a famosa ária da ópera Turandot de Giacomo Puccini. *O tenor Świdziński manteve um Re maior por 6 compassos ininterruptamente no final quando disse "Vincerò" (vencerei).»
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Sempre atentos a grandes questões


 

Um dos grandes temas nas redes sociais, desde ontem, é discutir se o novo coordenador do plano de vacinação deve ou não aparecer fardado. Até já fiquei a saber que enverga «a farda nº6 "camuflado tropical"» (se quem escreveu isto não se enganou).

Confesso que tanto me faz que use a nº6 ou a nº5, que venha fardado como «os homens de bem» com um trapo ao pescoço que dá pelo nome de gravata, ou vestido como o comum dos mortais, desde que cumpra bem a importante missão que agora exerce.
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O governo não devia propor já uma "bazuca 2.0"?

 


«As críticas ao governo que oiço com maior frequência focam-se nas questões do combate à covid-19: porque não preveniu a terceira vaga, porque deu "folga" ao pessoal no Natal, porque decretou tarde de mais o confinamento, porque insiste no estado de emergência, porque deixou os hospitais entrar em rotura, porque demorou muito a socorrer-se dos hospitais privados, porque os critérios de vacinação não são claros, porque não pune os que se vacinam antes de tempo, porque não planeou a tempo o processo de vacinação, porque não faz chegar as ajudas financeiras às empresas, porque os apoios às famílias e às pessoas são curtos, porque quer calar todas as críticas, porque limita as liberdades, porque...

Há, porém, uma crítica que não oiço e que, decorrente da pandemia e do novo período de confinamento e paragem de grande parte da atividade económica e do trabalho, me parece estar a escapar aos opositores parlamentares e aos desasados da política, que clamam por governos de salvação nacional na esperança de voltarem ao jogo: por que não está o governo português a lutar na União Europeia pela negociação de uma segunda "bazuca" financeira? Ou, se está, porque não fala disso?

Recordo que em março do ano passado, quando sucessivos Estados europeus tiveram de parar a atividade económica e o trabalho por causa do primeiro confinamento provocado pela chegada à Europa do novo coronavírus, todos os dirigentes da União e os líderes de boa parte dos Estados membros, incluindo o Presidente da República Portuguesa e o primeiro-ministro de Portugal, colocaram em cima da mesa a questão das ajudas financeiras de emergência para enfrentar a crise.

Essa pressão sobre a União Europeia, apesar de ter ocorrido bastante cedo, não foi suficiente para conseguir uma decisão lesta, quer porque o desenho de uma programação financeira dessas, fora da normalidade dos orçamentos comunitários, seria sempre complicada, quer porque vários países impuseram condições para aceitarem um acordo que fizeram arrastar o processo. Houve um pré-acordo em julho, mas o Parlamento Europeu só o aceitou, modificado, em novembro, depois de exigir várias melhorias.

No final, as luminárias da União Europeia ainda decidiram condicionar o acordo à aceitação, por parte da Polónia e da Hungria, de um compromisso de respeito pelo Estado de direito. Estes ameaçaram vetar a "bazuca" e os fervores democráticos europeus, depois de novo compasso de espera, lá foram arrefecidos num gélido acordo com aqueles países, que cairá no esquecimento, mas permitiu, já mesmo no final do ano, desbloquear 1,8 biliões de euros num pacote de recuperação económica, que virá aos poucos até 2027.

Na verdade, boa parte deste dinheiro corresponde ao orçamento "normal" da União Europeia e o reforço conseguido é de "apenas" 750 mil milhões. Para Portugal virão 30 mil milhões do orçamento "normal", e mais de 15 mil milhões de "reforço". É pouco: lembremos, para termos uma comparação, que o empréstimo a Portugal cedido pela troika após a crise de 2011 totalizou 76,4 mil milhões de euros.

Ainda há hipótese de pedir novos empréstimos, mas com a dívida pública que temos (ainda por cima a aumentar), isso parece ser um suicídio para as finanças públicas...

Um ano depois do início do processo de fabricação da "bazuca", estando o governo português no exercício na presidência europeia, e estando a generalidade da Europa a enfrentar novos períodos de paragem da economia, certamente com efeitos tão devastadores quanto foi a do ano passado, não se deveria - dada a dificuldade de tema e a previsível longa negociação que ele implicará - lançar desde já a discussão sobre uma "bazuca 2.0"? Não se deveria, até, aproveitar para colmatar falhas e insuficiências da primeira "bazuca"?

De que é que estão à espera? De, nos vários países da União Europeia, se multiplicarem nos próximos meses as manifestações de rua violentas e, nos próximos atos eleitorais, aumentarem os votos na extrema-direita?...»

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9.2.21

Humor negro



 

Também é indispensável no tempo que passa: pelo menos esta não tem de passar a vida a lavar as mãos, nem gasta dinheiro em gel. Mais complicado será colocar a máscara…
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Quando atitudes de outros me levam a pedir desculpa…

 

Uma ex-bastonária da Ordem dos Enfermeiros pede desculpa a todos os ofendidos pela megera que lhe sucedeu na função uns tantos anos depois.

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Pare, escute e olhe: uma pandemia pode esconder outra

 


«Haverá sempre quem chame exagero à classificação de terrorismo em casa para designar parte do que acontece em casos de violência doméstica. Eu não. A galeria de horrores a que muitas mulheres são submetidas, muitas delas durante anos – e refiro-me a mulheres porque são as vítimas na esmagadora maioria dos casos, em Portugal como por esse mundo fora –, é qualquer coisa de inimaginável para muitos de nós que nem damos por isso, tão ocupados estamos com as questões que nos dizem respeito. E aqui está outro erro: se há algo que, mais do que tudo, nos diz respeito, é precisamente essa situação de desamparo, abandono, isolamento, marginalização, esquecimento e desprezo em que vive quem sofre as consequências da violência doméstica.

Se isso era assim quando a vida decorria sob a normal anormalidade, pensem bem como será agora. Como será passar dias, semanas, meses, não tarda um ano, em que as liberdades estão reféns de um inimigo tão invisível quanto devastador e em que até os livros, as livrarias, a cultura, a essência de todos, sofrem a tortura dos ignorantes que cortam a eito se fingem decidir por nós? Como será sofrer em silêncio, passar o tempo amordaçada, ameaçada, sob o peso esmagador da contradição que é querer gritar para tudo contar e mal se poder mover os lábios a expressar uma única ideia? Como será o come-e-cala, o insulto a toda a hora, a submissão para que os filhos não sofram, dormir sem dormir, a asfixia psicológica, a angústia, o medo, a repugnância, o asco, a coragem de resistir uma e muitas vezes? Tantas que, de repente, tudo se perde e dizem que foi por amor quando é de ódio, escrevem que foi a paixão quando é crueldade, mostram que foi irracional quando é metódico?

Por tudo isto, porque a pandemia em que vivemos pode, afinal, esconder outra pandemia, a da violência doméstica, é importante recuperar uma frase emblemática que nos avisava para o perigo de cruzar a linha do comboio: “pare, escute e olhe”. É em grande parte disso que se trata, de exigirmos mais a cada um de nós e aos legisladores. De sermos uma sociedade adulta e não entregue a vendedores de banha da cobra que abusam da palavra vergonha sem verem no espelho a vergonhosa imagem que este lhes devolve todos os dias. De não nos limitarmos à indiferença e ao comodismo de todos os dias, mas de mostrarmos que ninguém nos fica invisível. De acabar com um sistema em que as vítimas não conseguem ter atendimento e apoio imediato e, tantas vezes, são olhadas como suspeitas. Ou então com o inqualificável “tenho pena, mas nada posso fazer”. De pôr fim à impunidade nos (poucos) casos que chegam a tribunal e (muitos) são, antes disso, arquivados sem provas. Ou, então, terminam com a mentira da pena suspensa. De não resvalar para o extremismo do bota-abaixo simplista e populista do agravamento de penas, mas também de não escolher a reintegração como mero recurso mecânico e sim num quadro de escrupuloso respeito por programas que, de facto, regenerem os agressores e não os devolvam à sociedade sequiosos de vingança.

Não sou um especialista e, por isso, não escrevo nessa qualidade. Escrevo num esforço de cidadania como contributo para que a realidade mude de forma drástica; escrevo, porque me envergonha que homens como eu sejam capazes de actos atrozes contra mulheres, crianças e idosos, que muitas vezes só ficamos a conhecer demasiado tarde, quando as histórias já se transformaram em tragédias e são relatadas como tal pelos meios de comunicação; escrevo, porque, também como jornalista, considero meu dever agir para que a realidade mude.

Quando escrevi Murro no Estômago, livro que conta histórias de vítimas/sobreviventes de violência doméstica em discurso directo e experiências de profissionais que combatem todos os dias o flagelo em diferentes papéis, disse às mulheres que confiaram em mim e contaram as suas histórias de sobrevivência: “Este livro é vosso, eu sou apenas um porta-voz. Do vosso sofrimento, das vossas lágrimas, da vossa coragem, da vossa luta, da vossa vontade de vencer, da vossa esperança.”

Neste confinamento que tudo esconde, condena a ternura, mata o amor, nos aprisiona até os livros e ameaça desumanizar-nos, saibamos ser solidários e seguir a epígrafe do Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”»

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8.2.21

Myanmar em imagens

 








Mais AQUI.
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Entretanto: Militares decretam lei marcial na sequência de protestos e greve geral
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DGS – Informação útil



(Daqui)
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Dinheiros públicos, vacinas privadas: as razões da produção a conta-gotas

 

«Hoje, a Comissão encontra-se na humilhante posição de mendigar as vacinas encomendadas junto das empresas que financiou. Os cidadãos pagaram mas não mandam, num negócio em que se misturam fanatismo liberal, captura das instituições e incompetência pura.»

José Gusmão, Moisés Ferreira e Bruno Maia

A ler AQUI.
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Vacinas e UE: já nem gananciosos conseguimos ser

 


«Escrevi, no Natal, que tudo se preparava para que os países mais pobres ficassem de fora das contas das vacinas contra a covid-19. Que os países mais ricos trataram de si e não garantiram um sistema que permitisse a mais rápida vacinação do máximo de pessoas em todo o planeta. E que isso tinha um futuro: o encerramento das fronteiras do primeiro mundo para se defender da pobreza infetada. Estava a léguas da verdadeira dimensão do problema. Longe vão os tempos em que os Estados do primeiro mundo tratavam de si. Não tinha consciência, devo confessar, da fragilidade dos contratos que estavam a ser assinados com as grandes farmacêuticas. Como não são integralmente públicos, não sou inteiramente culpado.

Como todos sabem, a muito elogiada e rápida caminhada para a vacina foi financiada por apoios públicos nunca vistos. Como se recorda aqui, os riscos ficaram totalmente cobertos pelos Estados e pela UE. Da fase de investigação e desenvolvimento aos seguros de risco, tudo foi garantido às farmacêuticas. (…) Mas deixaram as patentes incondicionalmente nas mãos das farmacêuticas, oferecendo-lhes numa bandeja todo o poder de gerir a oferta, apesar do financiamento público estratosférico que receberam. Saiu-lhes a sorte grande: o CEO da Pfizer vendeu uma parte das suas ações depois dos primeiros ensaios positivos e Moderna e Pfizer prometem encaixes financeiros de milhares de milhões aos seus acionistas.

Disse-se que a nova Comissão Europeia tinha nesta crise o teste em que os seus antecessores chumbaram, quando chegou a crise financeira. A reprovação é clamorosa. É o investigador-chefe do Centre for European Policy Studies que o diz: “é claro que a compra conjunta de vacinas pela União Europeia falhou.” De tal forma clamorosa que o Reino Unido consegue, neste momento, vender sem qualquer dificuldade as vantagens do Brexit. Já nem falo da figura que fazemos ao lado da Rússia e da China, que aproveitam a suas vacinas para fazer diplomacia.

Depois de despejar rios de dinheiro público no desenvolvimento da vacina, a União depende dos “melhores esforços” das farmacêuticas. Charles Michel insinua que os laboratórios estão a gerir a produção e distribuição em função dos seus interesses comerciais. Mas, perante sucessivas violações do contrato, que podem nem sequer o chegar a ser de tal forma são curtas as defesas de quem pagou adiantado, sobra a ameaça de litigância em tribunais. Neste momento, servem para nada.

Os mais otimistas fazem coro com os apelos de Tedros Ghebreyesus, para que as farmacêuticas disponibilizem a “receita”, aumentando rapidamente a produção que salvará muitas vidas. Não desmereço o esforço e junto-me a ele. Mas já não acredito no Pai Natal. Espero mais do que apelos. O poder de meia dúzia de grandes empresas não se pode sobrepor à vida de milhões de vidas. Para os que só entendem o discurso do mercado, o poder de meia dúzia de empresas não se pode sobrepor à reabertura da economia global. A urgência de vacinar e até de fazer atualizações por causa de novas variantes não permite que se fique à espera que as farmacêuticas temam litigância nos tribunais. Seguramente que lhes compensará.

Enquanto morrem pessoas, há inúmeros laboratórios por essa Europa fora que não estão a produzir uma única vacina, numa assombrosa exibição de desperdício de recursos. É preciso produzir mais e mais depressa. Não se trata de nacionalizar ou expropriar. Trata-se de garantir que se recebe em tempo útil aquilo pelo qual se pagou. Produzindo, como outros países fizeram no passado, o que eles estão a racionar com perda de vidas. Com a cedência das patentes a preços decentes ou libertando-as. Nada de radical. A Declaração de Doha, de 2001, reconheceu o direito de os governos tomarem as medidas necessárias para eliminar patentes e outras barreiras de propriedade intelectual, de forma a dar prioridade à saúde pública sobre os interesses comerciais. Não é de ameaças de litigância que precisamos. É da utilização dos instrumentos internacionais para impor a saúde pública aos interesses de muito poucos.

Como se escreve neste artigo, “Os Estados garantiram patentes para as suas empresas, colocando um gargalo na distribuição e assegurando que ficavam no primeiro lugar da fila para receber a vacina. O regime de oligopólio assim criado explora o desequilíbrio colossal entre uma procura global e uma oferta reduzidíssima.” Com este processo, julguei e lamentei que a Europa tivesse mostrado de novo a sua ganância, não encontrando formas de garantir que os países pobres também tinham acesso às vacinas. Descubro agora que nem de si tratou. A fraqueza do poder político perante as grandes empresas já nem sequer os países mais ricos consegue defender. Paga e depois mendiga o que pagou.

A Alemanha já fez saber que não pretende ficar amarrada à estratégia da UE e procurará diversificar as opções de compra, provavelmente indo ter com russos e chineses. Não é difícil prever que, no fim, serão os países mais pequenos e mais pobres da União Europeia a ficar amarrados à incompetência da Comissão. Como é habitual, aliás. E os seus respetivos governos não deixarão de ser responsabilizados por isso. A Comissão também não, mas essa não depende do voto dos povos. Pode ser incompetente à vontade.»

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7.2.21

O PS nos saudáveis labirintos do seu ADN

 

Não ter medo de ser livre

«Convém ter presente que maioria dos dirigentes do PS sonha com o centrismo. Resignou-se à “Geringonça” como expediente táctico para manter o Governo. Mas também é preciso repensar a esquerda: uma perspectiva progressista consistente exige um debate sério para que a convergência não se limite a uma negociação orçamental. (…)

Mas eis que um simples artigo vem incomodar os acomodados. Dirão que não é oportuno (nunca é). E que PN [Pedro Nuno Santos] pretende candidatar-se a Secretário-Geral. E depois? Ninguém está proibido de pensar e divergir. Nem de se candidatar a qualquer cargo no PS. António Costa também não foi proibido de se candidatar contra António José Seguro. Vão ainda utilizar o argumento das prioridades: a pandemia, a crise económica e social. E daí? A liberdade não está suspensa.»

Manuel Alegre
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Juliette Gréco – Seriam 94, hoje

 


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OMS: partilhem a fórmula, produzam-se vacinas 'free'



 

«Entretidos com a "pastelaria do INEM", talvez não tenhamos reparado na essencial declaração de Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, quando há dois dias apelou às farmacêuticas para disponibilizarem a "receita" das vacinas. Ou seja, uma produção aberta, em muito mais fábricas, globalmente, e a baixo preço. Isto é dito num momento crucial: sabemos que não é impossível produzirem-se mais vacinas no mundo. Teriam, sim, de deixar de ser feitas apenas nas fábricas da Pfizer, da Moderna, da AstraZeneca e da Johnson & Johnson (além das unidades chinesas e russas).

Não se trata de "nacionalizar/expropriar" a descoberta das vacinas ou querer perseguir os acionistas das farmacêuticas a quem saiu o jackpot. É por uma razão muito mais sólida. Como disse o diretor-geral da OMS, estas farmacêuticas receberam "substanciais fundos públicos" (biliões e biliões de euros/dólares) para o desenvolvimento da vacina, cobrindo-lhes esse risco. Ora, a abertura da tecnologia de produção da vacina pode ajudar a salvar milhões de vidas e o funcionamento planetário - inclusive para benefício dos próprios países ricos. Não haverá economia sem um mundo inteiro aberto.

Mais: face à escalada de novas variantes, as vacinas necessitarão de permanentes atualizações, faltando ainda saber quantos anos vamos ter de administrar doses a quase toda a população mundial. Portanto, este esforço tem de ser open source e global.

A Covax (que Durão Barroso preside) foi criada com dotações de Estados, empresas e milionários para fazerem chegar a vacina a todo o mundo, mas a tarefa é hercúlea. A organização não governamental OXFAM calcula que nove em cada dez pessoas dos países pobres não vão ter acesso à vacina neste ano. Em simultâneo, três quartos das vacinas produzidas até agora tiveram como destino apenas dez países e há uma guerra diplomática em curso por causa disso. Solução: produzir mais e libertar a produção. Há inúmeras fábricas de vacinas em todo o mundo disponíveis para acelerar esta luta contra a covid-19.

O controlo da vacina por meia dúzia de empresas/nações superpoderosas gerará um mundo ainda mais desequilibrado no final da pandemia. Um exemplo desta semana: o agradecimento (sentido) do presidente do Paquistão à China por lhe fornecer a vacina. Como se pagará este favor no futuro? Que engrandecimento de uma ditadura isto acarreta aos olhos das opiniões públicas de tantos países como aquele, por todo o mundo?

Foi, aliás, ultrajante, a posição do enviado da União Europeia a Moscovo, Josep Borrell, a quem se pediu simultaneamente uma ação firme de condenação do encarceramento do líder da oposição, Alexei Navalvy, e ao mesmo tempo uma atitude de charme para se negociarem vacinas russas para a Europa.

Vai continuar a existir mundo depois da covid. A pior coisa que nos poderia acontecer seria acordarmos num globo dividido em dois - o que foi controlado pela diplomacia da vacina chinesa (e russa), em contraponto ao mundo ocidental, fechado em si mesmo, que só se preocupou em salvar os seus cidadãos à frente de todos os outros - e onde realmente ninguém quer saber se os profissionais de saúde ou idosos de África, Ásia ou América Latina podem sobreviver.

Como não há vacina nem para a ansiedade nem para a demagogia, ataque-se o mal na raiz: abra-se a produção da vacina a todos. Infelizmente, só as opiniões públicas dos países ocidentais podem gerar essa mudança porque o establishment dirá que é impossível de ser feito. Até acontecer.»

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