29.9.12

É a economia, estúpidos!



A crónica de Miguel Sousa Tavares, no Expresso de hoje (sem link) – «Yale, Campo de Ourique» – começa com uma pequena história, mais elucidativa do que muitas teorias, longos discursos ou contas de percentagens definidas e não atingidas. Ilustra bem a nossa «sina», neste fim do ano da graça de 2012

«Quando o Governo subiu o IVA de 13 para 23% na restauração, António, temendo as consequências da subida de preços no seu pequeno restaurante de Campo de Ourique, resolveu encaixar ele o aumento, sem o repercutir no preço das refeições. Aguentou até poder, mas mesmo assim a clientela começou a baixar lentamente: parte dela, que lhe assegurava umas trinta refeições ao almoço e metade disso ao jantar, era composta por funcionários públicos, que trabalhavam ali ao lado e cujos salários e subsídios tinham diminuído, como medida destinada a satisfazer as condições do “ajustamento” da economia. Quando reparou que Bernardo, um cliente fiel e diário, tinha passado a frequentar os seus almoços apenas três vezes por semana, António tomou aquilo como sinal dos tempos que aí vinham: sem outra alternativa, despediu a ajudante de cozinha, ficando apenas ele e a mulher no serviço de balcão e mesas e, lá dentro, um cozinheiro sem ajudante. Mas a seguir notou que também Carolina e Deolinda, que vinham almoçar umas três vezes por semana, agora vinham apenas uma e pouco mais comiam do que saladas ou ovos mexidos. Em desespero, teve de subir os preços e Eduardo, um reformado cuja pensão tinha diminuído, desapareceu de vez. Foi forçado a cortar drasticamente nas compras a Francisco, o seu fornecedor de peixe, e a atrasar-lhe os pagamentos: com cinco outros restaurantes, seus clientes, na mesma situação, Francisco viu o seu lucro reduzido a zero e optou por fechar a sua pequena empresa e inscrever-se no Fundo de Desemprego. Mais tarde, quando Gaspar, o ministro das Finanças, anunciou mais um aumento do IRS e declarou que o “ajustamento” não se faria através do consumo interno, também Bernardo desapareceu para sempre e, depois de três meses sentado na sala vazia, dando voltas à cabeça com a mulher e tendo ambos concluído que já era tarde para emigrarem, António tomou a decisão mais triste da sua vida, encerrando o restaurante Esperança de Campo de Ourique e indo os dois engrossar também o rol dos desempregados à conta do Estado. Apesar de ter gasto parte, agora importante, das suas poupanças de anos a anunciar o trespasse, António não conseguiu que ninguém lhe ficasse com o estabelecimento e não lhe restou alternativa senão entregá-lo ao senhorio Henrique, para não ter de pagar mais rendas. Quando desabou, demolidor, o novo aumento do IMI, já Henrique tinha desistido de conseguir alugar o espaço ou mesmo vender o imóvel: não pagou e deixou que as Finanças lhe levassem o prédio. 

Assim se concluiu, neste pequeno microcosmos económico de Campo de Ourique, o processo de “ajustamento” da economia portuguesa: vários trabalhadores reconvertidos à marmita, cinco outros desempregados, duas pequenas empresas encerradas e um senhorio desprovido da sua propriedade. Nessa altura, Gaspar, Rufus e Selassié deram-se conta, com espanto, de várias coisas que não vinham nos livros: que, apesar de aumentarem sistematicamente a carga fiscal, podia acontecer que a receita do Estado diminuísse; que os sacrifícios sem sentido implicavam mais recessão e a recessão custava mais caro ao Estado, sob a forma de mais subsídios de desemprego a pagar; que uma e outra coisa juntas não tinham permitido, ao contrário das suas previsões, diminuir o défice ou a dívida do Estado; e que o que mantinha o país a funcionar não eram as grandes empresas e grupos económicos protegidos, nem sequer os 7% de empresas exportadoras, mas sim os 93% de empresas dirigidas ao mercado interno, que respondiam pela esmagadora maioria dos empregos e atendiam às necessidades da vida corrente das pessoas comuns. E, passeando melancolicamente nos jardins de Yale, numa chuvosa manhã do Thanksgiving, Rufus e Selassié deram com um velho cartaz colado a uma parede, desde os tempos da primeira campanha eleitoral de Bill Clinton: “É a economia, estúpidos!”.» 

(Foto: Tommy Inberg)
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Hoje foi assim



Lisboa. Do chão, não dava para ver...



Madrid
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Já não está assim, mas continua linda



A caminho.

(Foto de Henri Cartier Bresson, 1955) 
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Freitas do Amaral dixit



«O esforço pedido a Portugal — de passar de um défice de 6,6% em 2012 para um défice virtuoso de 2,5% em 2014 — é pura e simplesmente impossível de concretizar em democracia.» 

No Expresso de hoje.
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João Proença



Houve quem se escandalizasse com este cartaz que um manifestante levou para a concentração junto ao Palácio de Belém, no passado dia 21.

Ontem, João Proença fez estas declarações:



Há obviamente muitos que aprovam, muitos que lamentam mais esta posição do responsável da UGT neste momento particularmente difícil da vida dos portugueses, outros que se limitam a chamar-lhe «palhaço».

Não é o meu caso, gostei de o ouvir porque foi, uma vez mais, cristalino: troika e troikistas podem contar com João Proença desde que não exagerem, ele é dos que acredita que é com consensos deste tipo que avança a História, por mais que esta o desminta.

Não fará falta, logo à tarde, no Terreiro do Paço. Como não faz em parte nenhuma. 
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Alguma dúvida?


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28.9.12

Faria hoje 80



Víctor Jara que ainda bem podia andar por cá se não tivesse sido assassinado por um comando militar secreto, em 1973, cinco dias depois do golpe em que morreu Salvador Allende.

Hoje, que regressem as «clássicas»:


 

Yo pregunto a los presentes
si no se han puesto a pensar
que esta tierra es de nosotros
y no del que tenga más.

Yo pregunto si en la tierra
nunca habrá pensado usted
que si las manos son nuestras
es nuestro lo que nos den.

¡A desalambrar, a desalambrar!
que la tierra es nuestra,
tuya y de aquel,
de Pedro, María, de Juan y José.

Si molesto con mi canto
a alguien que no quiera oír
le aseguro que es un gringo
o un dueño de este país.
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Uma leitura destas por dia, nem sabe o bem que nos fazia...



 ... porque reflectir sobre a realidade nunca fez mal a ninguém.

Pode-se começar por um texto do Zé Neves: Que se vayan todos? 


E, finalmente, mergulhar num outro texto, duro de ler porque é longo, mais duro ainda de roer porque sim: A classe trabalhadora vai à rua e encontra os mesmos do costume.

Há 38 anos, a manifestação que não existiu



Esteve marcada para 28 de Setembro de 1974 e tinha como objectivo reforçar a posição do presidente da República, António de Spínola, então já em confronto com o governo e com o MFA, não só mas também por questões ligadas à independência das colónias.

Teria sido a chamada manifestação da Maioria Silenciosa, acabou por ser proibida e, na véspera, o COPCON prendeu cerca de setenta pessoas suspeitas de estarem ligadas à iniciativa. Apesar disso, os partidos políticos de esquerda desencadearam, no próprio dia, uma gigantesca operação de «vigilância popular»: desde as primeiras horas da manhã, dezenas de grupos de militantes distribuíram panfletos e pararam e revistaram carros em todas as entradas de Lisboa.

Os sinais públicos de ruptura crescente entre o presidente da República e o governo de Vasco Gonçalves e o MFA tinham sido mais do que evidentes, dois dias antes, durante uma tourada organizada pela Liga dos Combatentes, no Campo Pequeno, durante a qual Spínola foi aplaudido e Vasco Gonçalves apupado.

Em 30 de Setembro, Spínola demitiu-se do cargo de presidente da República, sendo substituído pelo general Costa Gomes. 

Nesse Sábado cinzento de Setembro, fechou-se o primeiro ciclo político do pós 25 de Abril. 

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#29S


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Sobre os incidentes com um segurança de Passos Coelho



«A Direcção do Sindicato dos Jornalistas (SJ) exige que a tentativa de impedimento da recolha de imagens e de agressão, por parte de um membro da segurança pessoal de Passos Coelho, contra um repórter de imagem ao serviço da TVI, seja investigada e punida.

Em cartas enviadas hoje ao Primeiro-ministro, à Inspectora Geral da Administração Interna, ao Director Nacional da Polícia de Segurança Pública e ao Presidente do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), o SJ apresenta o seu “mais veemente protesto” contra a “tentativa de impedir que o repórter em causa realizasse o seu trabalho no átrio do Instituto de Ciências Sociais e Políticas, com indesmentível recurso à intimidação e até violência por parte do referido elemento da segurança”, e reclama a “punição de um claro atentado contra a liberdade de informação”.

Segundo o SJ, as imagens do incidente divulgadas pela TVI – disponíveis em www.agenciafinanceira.iol.pt – o elemento da segurança pessoal de Passos Coelho “agiu de forma consciente, deliberada, completamente ilegítima e violando a lei, nomeadamente o Art.º 19.º do Estatuto do Jornalista”.

Face à gravidade do incidente, o SJ solicita às entidades referidas que mandem averiguar os factos, com vista a apurar todas as responsabilidades e a extrair todas as consequências da ocorrência.»

27/9/2012

 (Daqui, via Facebook)

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27.9.12

Governo maço de cigarras



Mais um hilariante texto de Ricardo Araújo Pereira, hoje, na Visão. 

«A cigarra da história tem dois desejos: cantar e ficar com uma parte do trabalho da formiga. Passos Coelho anunciou a intenção de ficar com uma parte do trabalho dos portugueses e depois foi cantar (para o concerto de Paulo de Carvalho). É, sem tirar nem pôr, o comportamento da cigarra – e é nocivo para o país, como o ministro daa Administração Interna assinalou, e bem. (...) 

A cigarra que ocupava a cadeira em que Passos Coelho se senta agora também se fartou de confiscar o fruto do trabalho das formigas e hoje leva uma vida de sonho, precisamente em Paris.» 

 Na íntegra, AQUI.
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Um herói da «rua»



Alberto Casillas trabalha no Café do Prado, em Madrid, e tornou-se um dos protagonistas dos protestos da 25 de Setembro, ao dar abrigo a um grande número de manifestantes que lá se refugiaram. Pôs-se à porta da empresa e recusou-se a deixar entrar a polícia.



(Imagem com adaptação do quadro de Goya via Italian Revolution - Democrazia reale ora no Facebook)
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Da Memória



No Público de hoje (sem link), mais um texto de Manuel Loff, que ainda se relaciona com a polémica com Rui Ramos mas apenas lateral e não unicamente, pelo que não o divulgo na íntegra.

No entanto, o tema é fulcral e destaco: 

«Uma vez superada uma ditadura, para que nos recordamos dela? Para enraizar a própria democracia que lhe sucedeu? Mas temos bem a certeza de que a democracia em que vivemos radica mesmo na memória da opressão que a precedeu? Os Estados democráticos descrevem habitualmente a sua (re)fundação como resultando da superação e da rejeição da opressão (política, social, étnica, cultural, de género...) que caraterizou as ditaduras que os precederam. Isto significa que há um sentido político, cultural, moral, na recordação de uma ditadura. (...)

Em Portugal, não está encerrado o debate sobre a natureza política do Salazarismo ou o peso da violência e opressão exercida pelo Estado, e muito pouco se discutiu sobre o peso do colonialismo e da Guerra Colonial na vida de milhões de portugueses e de africanos. 

É fácil perceber como a (des)memória das ditaduras é um índice decisivo da qualidade da democracia em que vivemos. Especialmente num momento em que a agressão brutal perpetrada pelos poderes político e económico ao conjunto da sociedade produz uma crise tão evidente da legitimidade democrática, que se faz acompanhar, habitualmente, da crise da crítica do autoritarismo.» 
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Em Atenas, a fome organiza-se



«Por favor, deixem pão e comida fora do contentor»  

Entretanto, os três líderes da coligação governamental reuniram-se para um último acordo sobre as novas trinta medidas a serem aplicadas e que, em resumo, parecem apontar para:  


Mais contentores serão necessários em Atenas – destinados apenas a restos de comida. 
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26.9.12

Solidariedade



Grécia 26 de Setembro ||| Espanha 25 de Setembro ||| Portugal 15 de Setembro 

... e o que se seguirá. 

Bem a propósito: Cristina Fernández, presidente da Argentina, insurgiu-se ontem contra a repressão exercida, pela polícia espanhola, durante as manifestações de Madrid contra as medidas de austeridade impostas pelo governo, e estabeleceu um paralelo com as que o seu país viveu em 2001, ano em que foi suspenso o pagamento da dívida soberana argentina. 

«A Argentina chegou a dever 160% do PIB, em consequência de endividamento e de ajustes permanentes que vemos agora aplicar, de modo feroz, a países como a Espanha, Grécia ou Portugal.» 

Registe-se – para memória futura. 

(Fonte)

Em vão



Um belíssimo de texto de Luís Januário, publicado no «i» e agora também no blogue, a propósito da manifestação do passado dia 15. 

Excertos, para abrir o apetite:

«A manifestação de Lisboa acabou na Praça de Espanha, em anti clímax. A incrível ocupação do espaço contrastava com a ausência de meios acústicos, de liderança e organização (como inevitavelmente foi sublinhado). O carácter espontâneo do protesto, a sua maior força, era também a sua debilidade. Faltou a voz que traduzisse aquela raiva em palavras e propostas. O que é em si uma coisa boa, pois, tal como num work in progress, a obra está ainda aberta à multiplicidade de leituras e blindada a tentações caudilhistas.(...)

Quando os bolcheviques tomaram o Palácio de Inverno encontraram uma cave com os melhores vinhos da Europa. O primeiro regime de soldados, operários e camponeses começou numa ressaca de grandes colheitas. Se os manifestantes tivessem tomado a sede do FMI encontrariam um apartamento com mobiliário de escritório e Coca-Cola na geleira. Não é a mesma coisa. E aqui voltamos às imagens fortíssimas. Uns momentos antes das objectivas terem registado o abraço de Adriana ao seráfico guerreiro, uma outra mulher cantava a Portuguesa, à beira das lágrimas. Quando lhe perguntaram porque chorava, ela disse:
– Porque vai ser tudo em vão. Como sempre. (...)

O dispositivo económico é, na fase actual, compatível com alguns enfeites democráticos, desde que o nosso estado de inanição continue a permitir que dancemos a sua valsa.

No passado sábado as multidões desceram a Avenida da República e depois inflectiram perigosamente para a Avenida de Berna, sem saber que a Praça de Espanha era a cloaca do dispositivo económico, o lugar onde toca a sineta surda de dispersar e cada um fica de novo entregue à solidão e ao destino final. A menos que ...»

(Na íntegra.)
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Piegas!...



Todo o governo está protegido pela polícia. «Neste momento as solicitações são tantas que até existe dificuldade em gerir os horários dos polícias desta unidade», dia uma fonte da PSP. 

Felizmente que há poucos ministros, ou a segurança dos portugueses estaria mesmo comprometida!  

(Daqui)

Há 44 anos, a primeira noite sem Salazar


No dia 26 de Setembro de 1968, às 20:00, Américo Tomás anunciou a substituição de Salazar por Marcelo Caetano, neste curto e tétrico discurso: 



No dia seguinte tomou posse o novo governo e, do discurso de MC, ficaria a célebre frase: «Não me falta ânimo para enfrentar os ciclópicos trabalhos que antevejo.» (Texto do discurso aqui.)

Sabendo o que se seguiu entre 1968 e 1974, não é fácil, sobretudo para os mais novos, compreender que muitos, mesmos entre os resistentes antifascistas, criaram grandes expectativas com a nomeação de Marcelo (ter um chefe de governo que NÃO era Salazar constituía, por si só, uma experiência única...). A «Primavera Marcelista», expressão usada para caracterizar os dois anos que se seguiram, alimentou muitas sonhos quanto ao sucesso de uma «evolução na continuidade». .

Mas foram também numerosos os que nunca alimentaram quaisquer esperanças e, a 44 anos de distância, acho graça e alegro-me ao reler o que então escrevi, num depoimento para O Tempo e o Modo (não esquecer que as revistas eram submetidos a «exame prévio», o que nos forçava a exercícios de encriptação em que éramos exímios...) (*):

«O que penso do actual momento político?
1º – Que o Estado, agora novíssimo, merece os nossos parabéns. Simplesmente porque há muita gente contente. Pois então não é bom que os jornais embandeirem em arco porque podem dizer que já podem dizer e começam mesmo a dizer, que haja regressos anunciados e partidas «aboatadas» e que os empregados da CP escrevam ao Presidente do Conselho? Que sejam prometidas prioridades para o ensino e apareça já uma reforma (!)? Afinal o De Gaulle é um grande homem! Vai ajudar-nos daqui a uns anos (se ainda formos vivos). O pior é o Marcuse. E os outros.
2º – Que não faltarão boas vontades para a acção imediata. Esperemos também que haja quem queira parar, não ter pressa (de quê, agora?), tirar lições. Porque há muito, muito que pensar, que estudar e que fazer a longo prazo. Com havia há dois meses.»

(*) Dossier especial publicado durante o quarto trimestre de 1968, que incluía vários artigos e depoimentos de pessoas, pró ou contra MC, que aceitaram responder à pergunta «Como encara o actual momento político?»: António Alçada Baptista, Eduardo Prado Coelho, Francisco Balsemão, Joana Lopes, Jorge Sampaio, Luís Moita, Manuel Roque, Nuno de Bragança e Raul Rego. Este dossier foi republicado em O Tempo e o Modo – Antologia, Fundação Calouste Gulbenkian / Centro Nacional de Cultura, Lisboa, 2003, pp. 613-648. 
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Ontem foi assim




La manifestación de hoy ha reflejado la brutal violencia de un gobierno que niega la democracia y es vasallo del poder económico. Hay decenas de heridos, uno de ellos muy grave (lesión medular), mientras la policía limpiaba las calles de manifestantes. En una de ellas nos han empujado a varios cargos públicos de IU (está grabado y lo subiremos) que simplemente estábamos en la acera. Violencia desmesurada para proteger la violencia de un sistema inhumano. Una manifestación absolutamente pacífica que muestra la irracionalidad de un gobierno traidor con sus ciudadanos. 

Alberto Garzón Espinosa (no Facebook)  
Deputado pela Izquierda Unida


25.9.12

Espanha



Vi dezenas de imagens sobre as manifestações de hoje em Madrid. Esta foi a que mais me impressionou. 
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Ser «bom aluno» ou «mau aluno» é indiferente


(Alfredo Cunha)

Elias Soukiazis, economista grego, professor da Universidade de Coimbra: «Não interessa ser bom ou mau aluno. As receitas são erradas e portanto esta é a demonstração que Portugal vai sofrer as mesmas consequências que a Grécia.»

A ouvir AQUI

«A culpa não pode ser atribuída à Grécia, Portugal ou Irlanda, mas às «políticas erradas europeias e da troika», uma vez que "têm de mudar alguma coisa e pensar no crescimento e no emprego". "Chegamos a ter níveis de desemprego e de recessão equivalentes aos anos 29 e 30, portanto não podemos continuar assim. A receita naquela altura era dinamizar o investimento. Não podemos ter apenas políticas de recessão e temos de pensar no crescimento".» 
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Contra a criminalização do protesto social. Texto aberto à subscrição



Têm surgido em órgãos de comunicação social diversas referências ao RDA69, ao GAIA e aos Ritmos de Resistência, que atribuem a estas associações e aos seus associados qualificativos como “radicais violentos”, “activistas anarquistas” ou “militantes perigosos”. Este conjunto de peças jornalísticas – nomeadamente as publicadas no Diário de Notícias e no Correio da Manhã - veicula várias informações falsas, com o intuito de criar um clima alarmista e permitir uma escalada repressiva contra os movimentos sociais.

Rejeitamos o processo de criminalização de indivíduos e grupos que integram o amplo movimento de contestação à austeridade e ao processo de devastação social em curso. Responsabilizamos o Governo e os defensores das imposições da troika pelas situações de violência ocorridas nas ruas das nossas cidades ao longo do último ano e meio. Confrontadas com uma resistência generalizada e uma gigantesca contestação popular, as autoridades desenvolvem uma grosseira encenação, em busca de bodes expiatórios, de maneira a encobrir o facto de se ter tornado insustentável o que ainda há pouco era apresentado como inevitável. O seu desespero é já um sinal da nossa força.

Repudiamos todas as tentativas de atribuir a uns poucos o que é da responsabilidade de todos. Somos tão radicais como os tempos que correm e o nosso único crime é a determinação com que continuaremos a resistir a todas as formas de injustiça e opressão. Violento é o desemprego e a exploração. Violenta é a miséria e a emigração forçada. Violenta é a ordem social que contestamos e a repressão que a sustenta.

Que se lixe a troika, queremos as nossas vidas.

SUBSCRITORES:

Quem tem medo de António José Seguro?



Desengane-se quem julgue que o governo recuou por causa das centenas de milhares de portugueses nas ruas (que se manifestaram, não só mas também, contra a mais canhestra das medidas anunciadas por este governo), por causa da opinião quase unânime de economistas, comentadores e empresários, pela crise na coligação, pelas démarches de Cavaco nos bastidores, pela convocação do Conselho de Estado, etc., etc., etc. 


É certo que, mais abaixo, a notícia cita o porta-voz do PS, dizendo que este partido «contribuiu para o recuo do primeiro-ministro». Mas esse «contributo» terá sido irrelevante: não tivesse acontecido tudo o resto e Passos não teria perdido um minuto de sono, nem teriam crescido as olheiras de Gaspar.

Já que estamos em época de histórias infantis: sempre que AJS abre a boca, renasce a ameaça do lobo mau. 
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Sim, Mr. Romney



... abra já no seu próximo voo, se possível!...

Mitt Romney quer abrir as janelas dos aviões

24.9.12

Outro carreiro


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Tantas horas de Conselho de Estado para nada


Comunicado de Imprensa por subscritoras e subscritores das manifestações de 15 e 21 de Setembro.

Quando o país esperava que o Conselho de Estado o percebesse, este fechou os olhos. Para quem se manifestou a 15 de Setembro e esteve nas vigílias de 21 de Setembro, os problemas deste país não se resolvem pelo facto de o governo passar a tirar-nos de outra maneira aquilo que nos roubava na TSU. Ao conquistarem as ruas das suas cidades sob o lema “Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!”, centenas de milhares tomaram uma posição firme de denúncia de um programa, o da troika, de um governo, o dos troikistas, e de um método anti-democrático, o de sujeitar a população portuguesa a políticas que as pessoas não discutiram nem votaram.

Os resultados comunicados ao país, após mais de oito horas de reunião, apenas sugerem, sem concretizar, um possível recuo na subida da TSU para os trabalhadores. Não nos congratulamos por isso: consideramos grave a avaliação de que sem o protesto cívico não se teria alterado sequer esta aberrante medida. Congratulamo-nos, antes, pelos milhares de pessoas que fizeram exercício da sua participação política, muitas intervindo pela primeira vez e muitas outras reiterando protestos desencadeados em diversos sectores da sociedade, face aos sucessivos cortes nos rendimentos do trabalho e nas reformas, na Saúde, na Educação, na Cultura, as privatizações das companhias fornecedoras de gás e electricidade, os consequentes aumentos de preço e do IVA, o agravamento de custos e as limitações às redes dos transportes públicos. Os problemas do país não se resolvem com estas medidas de austeridade. A resolução passa por dar voz ao povo, para que decida em conjunto como garantir um país justo, defendendo os interesses de quem cá vive e trabalha e invertendo cruéis assimetrias em prol de subservientes acordos assumidos com a troika.

O Conselho de Estado – em que não se garante, de maneira alguma, uma verdadeira representação do espectro político português – revelou os mesmos defeitos de cegueira e surdez à voz do povo, característicos do governo, desrespeitando e reinterpretando a seu gosto estes últimos e inequívocos protestos, num texto paupérrimo e vazio, uma manobra de bluff político. Confirmámos assim que não é apenas o governo quem vira as costas ao seu povo. O incansável protesto da multidão demonstrou que, nitidamente, também o Presidente da República perdeu por completo o respeito dos cidadãos e das cidadãs que vivem e trabalham neste país.

É por isso necessário que continuemos a protestar. É cada vez mais urgente traçar um novo rumo. Um rumo que tenha finalmente as pessoas como centro das atenções, e não bancos e mercados ou interesses financeiros e especulativos. Um rumo que reforce a participação democrática e cidadã e não nos limite a vulgares espectadores de uma tragédia colectiva, ditada de gabinetes e de bolsas. Um rumo que aponte para uma verdadeira solidariedade internacional, numa mudança de regime que beneficie todos os povos, e que começa cada vez mais a ser desenhado por plataformas e acções que apelam à convergência cívica em vários países e designadamente à construção de uma nova Europa. Ao contrário do primeiro-ministro Passos Coelho que considerou ser de menor importância uma reunião de governos de Itália, Grécia, Espanha e Irlanda e Portugal para discutir as politicas europeias, nós achamos fundamental que os povos da Europa ajudem a traçar políticas para desenvolver a economia e o emprego em vez de planos para garantir e multiplicar os lucros dos especuladores e agiotas que jogam com as dívidas soberanas.

Consideramos ainda premente, para o nosso país e para as nossas vidas, que as cidadãs e os cidadãos esqueçam eventuais e pontuais divergências e se unam, se solidarizem e se juntem a outras forças organizadas e aos movimentos que recusam este rumo, numa frente de resistência comum. Apelamos por tudo isto à participação massiva no protesto entretanto convocado pela CGTP-Intersindical para o próximo sábado, dia 29 de Setembro. Juntos reclamaremos esse novo rumo, que inverta totalmente a sujeição do governo aos joguetes políticos de entidades não sufragadas, que cinicamente nos impõem “ajudas” com juros fatais e sacrifícios que jamais ousariam sequer imaginar para si próprios. Um rumo onde não cabem a troika nem os troikistas. 

Queremos as nossas vidas.

E por elas estamos dispostos a fazer, em cada dia de luta, em cada novo protesto, algo de extraordinário.

(Daqui)

Alô Pyongyang

Rui Ramos sobre a guerra colonial e o 25 de Abril


Mais um episódio, mais um texto – de Dalila Mateus, hoje, no Público. 

A obediência aos limites espaciais determinados pela direcção do PÚBLICO explica a linguagem telegráfica que se segue.

O historiador Rui Ramos, na parte da História de Portugal que redigiu, alinha abertamente com aqueles que procuram, ainda hoje, criar a ideia de que a guerra colonial era justa e “sustentável ad eternum", estando praticamente ganha, não fora o “trágico” obstáculo do 25 de Abril. Afirma, pois, que “a situação militar não era dramática”. 

A conclusão passa por cima de tudo o que foi dito pelos responsáveis máximos do país, no plano político e militar: Marcelo Caetano, o chefe do Governo, e Costa Gomes, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. E até passa ao lado da opinião da própria PIDE, nó central da teia de informações estratégicas e sua componente essencial. Estes reconheciam que a guerra estava perdida na Guiné. Em Moçambique, diziam que a situação militar se agravava de dia para dia, antevendo também o colapso. E afirmavam que apenas em Angola se vivia numa situação transitória de aparente sossego. Mais reconheciam que os meios bélicos e, sobretudo, os recursos humanos começavam a faltar e que os militares tinham chegado ao fim da sua resistência física e moral. 

Além disso e tal como outros, partindo de dados de significado discutível ou até de ficções, Ramos exalta a política e as realizações do Estado Novo, pois a situação económica, financeira e social do país era a melhor, tendo tão magnífico legado sido desbaratado pela revolução. “Nunca se vivera tão bem em Portugal, com pleno emprego, subida de salários e expansão do Estado social”, afirma.

Ora, nos últimos anos do Estado Novo, baixara o ritmo do desenvolvimento, diminuíra a produção agrícola e recorria-se de forma crescente a importações para cobrir as faltas da produção nacional. A economia portuguesa atrasava-se cada vez mais em relação aos países desenvolvidos. E, simultaneamente, pioravam as condições de vida dos trabalhadores e das classes médias. Em resultado desta política, a parte dos trabalhadores no Rendimento Nacional, que já era das mais baixas da Europa, passou de 35,8% em 1972 para 34,2% em 1973. 

Ramos defende que, com a revolução, a economia portuguesa entrara na era do desastre, com baixa do PIB, aumento do desemprego e da dívida pública. E declara terem sido dissipados, então, 100 milhões de contos em divisas. De modo que as reservas do dr. Salazar teriam pago a revolução.

Só que, no dia 25 de Abril de 1974, não existiam os apregoados 100 milhões de contos de reservas em divisas. Os gastos com a guerra, correspondentes não a 29% mas a mais de 40% das despesas do Estado, explicam o défice orçamental de 5,5 milhões de contos, em 1973. De modo que a balança de pagamentos, depois de muitos anos de saldos positivos, se torna deficitária, o que obriga a uma sangria de 7 milhões de contos de divisas nos primeiros meses de 1974. 

A evolução para défices generalizados revelava que a base produtiva do país era cada vez mais débil e anunciava uma rutura próxima do sistema económico. Foi esta, realmente, a herança do Estado Novo. 

Quanto aos efeitos da revolução, em Dezembro de 1975 e a pedido da OCDE, uma missão do conceituado MIT, constituída por três eminentes professores, esteve em Portugal para avaliar a situação económica e financeira do país. A missão publicou um estranhamente esquecido relatório.

Os economistas mostraram que os resultados de Portugal não eram muito diferentes dos de outros países, pois, em 1975, a queda do PIB era de 2,8% em Portugal, de 3% nos Estados Unidos, de 4% na Alemanha Ocidental e de 4,5% na Itália. Mas, ao contrário de outros países, o consumo pessoal e a participação do factor trabalho no rendimento nacional tinham aumentado em Portugal. E o consumo privado e público evitavam uma maior queda do PIB. De modo que os economistas norte-americanos declaravam: “Para um país que recentemente experimentou uma complexa reforma social, uma alteração total do seu comércio externo e seis governos revolucionários nos últimos 19 meses, Portugal goza, inesperadamente, de boa saúde económica”. 

O jornal PÚBLICO, na sua edição de 15.10.2011, sugeria que, hoje, estamos como no PREC. E titulava: “Portugal arrisca recessão de 3% no próximo ano, a pior desde 1975”. Fica a interrogação: como é que alguém com “boa saúde económica” (MIT dixit) se pode comparar a quem está “gravemente doente” e pode até morrer socialmente com a brutal medicação que lhe estão a aplicar?

Assim, refutando os que, hoje como ontem, falam da “crise na economia” no PREC, os insuspeitos especialistas norte-americanos demonstraram que a revolução deixara o país com “boa saúde económica”. Oxalá pudéssemos dizer o mesmo da situação actual do país. 
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Assim devera eu ser




Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha.
Assim devera eu ser
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder.
Assim devera eu ser:
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.
Assim devera eu ser
se não fora não querer.

 Alexandre O'Neill




(Recordado por Ferreira Fernandes.)
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