30.4.22

Futuro???

 


PROVE YOU’RE NOT A HUMAN BEING
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30.04.1975 – O dia em que terminou a Guerra do Vietname

 


No dia 30 de Abril de 1975, a rendição de Saigão (actual Ho Chi Minh) pôs fim à Guerra do Vietname que durou quase duas décadas e se saldou, como se sabe, por uma estrondosa derrota dos norte-americanos.

Foi motivo para grandes contestações enquanto durou, despertou para a política toda uma geração, nos Estados Unidos e não só, esteve na origem de protestos um pouco por toda a parte. Até em Portugal, em tempos de fascismo e apesar de proibidas, tiveram lugar pelo menos duas manifestações em Lisboa, em 1968 e em 1970. Quem lá esteve lembra-se certamente da polícia a pé e a cavalo, na Duque de Loulé (era lá que se situava então a Embaixada dos EUA), a dispersar tudo e todos à bastonada. Mas confesso que só interiorizei verdadeiramente a dimensão do que foi o conflito em questão quando estive no Vietname.

Nunca esquecerei o War Remnants Museum, um dos mais terríveis que conheço, onde se encontram muitas imagens, instrumentos de tortura e outros pavorosos testemunhos da ferocidade de que o homem foi e é capaz. Foi muito difícil percorrê-lo depois de ter visitado Cu Chi, «Terra de ferro, cidadela de bronze», como se autodenomina, localidade a 60 quilómetros a Noroeste de Ho Chi Minh, que se orgulha de ter contribuído de um modo muito especial para a vitória da «Guerra anti-Yankees». É lá que se encontram 200 quilómetros de túneis que serviram de vias de comunicação, de esconderijo, de hospitais, e até de salas de parto, para os resistentes vietnamitas. Se tinha lido várias descrições, o que vi toca os limites do inacreditável.

E, para além de tudo isto, é quase impossível perceber como é que os americanos alguma vez acreditaram que podiam ganhar aquela guerra, apesar dos dois milhões de mortos que ficaram para trás.

Dois vídeos, um sobre o Museu, outro sobre os túneis de Cu Chi:






Uma coisa é Putin, outra a Rússia

 


«Eu tenho as melhores memórias da Rússia, melhor, eu devo muito à Rússia, e por isso me repugna confundir Putin com “os russos”, como agora se faz. Mais do que essas memórias, tenho uma grande admiração pelos russos e, quanto à cultura russa, ela “fez-me”, tanto como tudo o resto.

Conheci a Rússia ainda era URSS e depois logo a seguir, nos anos conturbados de transição, e no retorno a essa maldição russa, a autocracia, a ditadura. Lembro-me de um russo, membro da Duma, provavelmente do Partido Comunista, feliz por encontrar estrangeiros, convidar-me a ir a sua casa, muito modesta, num daqueles blocos de apartamentos dos subúrbios de Moscovo, iguais aos que os mísseis russos estão a destruir em Kiev. Abria os armários onde tinha a sua reserva de comidas “especiais”, aquelas que era difícil arranjar, por exemplo, uma espécie de fiambre, e oferecia-as ao “estrangeiro” por pura generosidade, porque nada tinha a ganhar com o que estava a fazer. Falámos do Hadji Murat, de Tolstoi, que ele tinha tido de estudar na escola, uma história do “império” que muito provavelmente tínhamos “lido” de forma muito diferente.

Saí pela porta daqueles prédios sinistros e hoje nem me lembro do nome do homem e da família que o acompanhava, mas sei o que significou a palavra hospitalidade. Havia uma proximidade muito parecida com a nossa, sem cerimónias nem protocolos, apenas companhia e conversa, entre dois mundos que estavam bastante longe na geografia e mesmo na história. O meu, por muito mau que fosse, com 48 anos de ditadura, o dele com a tragédia dos milhões de mortos às costas, alguns da sua família. Tragédia não é uma palavra leve, mas não se conhece nada da Rússia sem a perceber. E, no entanto, eu sabia que ele era da burocracia do poder soviético em extinção, e ele que eu era do “inimigo”. Mas, como já disse várias vezes, aquele foi um período excepcional em que as coisas podiam ter evoluído de forma diferente. Ou talvez não.

A Federação Russa de Putin estava a caminho, melhor, já lá estava. Conheci oligarcas, burocratas, militares, membros do PCUS, e não era difícil perceber que, à medida que se subia na escala do poder e do dinheiro, aumentava a brutalidade, na proporção directa do sofrimento histórico do povo russo em nome do qual exerciam o poder, e com essa indiferença pela violência quando os seus interesses estavam ameaçados. Indiferença que começava nos “seus”, em nome dos quais falavam.

Mas, na conversa anódina com o meu anfitrião russo, o território comum era o muito que aprendi sobre a Rússia e que veio dos livros, essa forma de saber cada vez mais desprezada pela ignorância atrevida das redes sociais e do mundo obsessivamente presencial dos dias de hoje. Foram estas memórias e a Rússia de Pushkin, Turgueniev, Tchekov, Tolstoi, Tsvetaeva, Akhmatova, Pasternak e Soljenitsin que me ajudaram a nunca me ter enganado sobre Putin. Em 2014, escrevi a propósito da sublevação da Praça Maidan que “a questão da Ucrânia chegou aqui, porque os europeus e os americanos foram irresponsáveis e atiçaram um conflito para que não tinham saída viável, e porque Putin é perigoso e não é de agora”.

Também não me enganei sobre Putin, nem sobre a elite dirigente da Ucrânia, sobre a qual convém não ter muitas ilusões, em particular não retratando esta guerra como uma guerra entre a democracia e a ditadura, mas sim como outra coisa: uma guerra entre um agressor e um agredido. O agressor não é o povo russo, é Putin e a sua corte militar e civil, mas o agredido é o povo ucraniano, seja quem for quem o governe. Esta diferença é aquela que, não sendo feita, faz com que quem a omite fique do lado do agressor. E nesta guerra ficar do lado do agressor é espezinhar a liberdade, a soberania, o direito, a humanidade e as pessoas. Não as pessoas “especiais”, mas as pessoas comuns. 

Admito que a maioria dos russos apoie esta guerra e não é apenas porque a censura de Putin evita o conhecimento do que se passa e a dura repressão impede qualquer liberdade para o protesto. Proibir e prender, agredir e matar é uma coisa que quem tem o poder na Rússia sabe muito bem fazer desde sempre, da Okrana à Cheka, ao KGB e ao SVR, dos czares, passando por Estaline, até Putin. Mas o que também faz parte dessa tragédia russa é que alguma da sua cultura esteja exactamente nos antípodas dessa violência, e que descreva melhor do que ninguém a combinação da obediência e da rebeldia, que a história com h pequeno fez ao povo russo, aos “humildes”. Nestes dias é do conto de Tolstoi Aliocha, o Pote que me lembro, descrevendo a sua morte após cair de um telhado:

“Rezou com o pope, apenas com as mãos e com o coração. E, no seu coração, havia o sentimento de que, se aqui é bom para aquele que obedece e não ofende, também lá será bom.
Falou pouco. Pediu apenas que lhe dessem de beber e surpreendeu-se com alguma coisa.
Surpreso com alguma coisa, estendeu a mão e morreu.”»

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29.4.22

Tudo explicado

 

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29.04.1945 – As francesas votam pela primeira vez


 

Em França, foi só em 1945 que as mulheres exerceram pela primeira vez o direito de voto. Em eleições municipais, 87 anos depois dos homens.

Em Outubro do mesmo ano, foram 33 as eleitas para a Assembleia Constituinte, num total de 586 deputados.

(Clicar AQUI para ver dois vídeos, num post do ano passado.)
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O tempo passa, a saudade não

 


Cinco anos sem o Nuno.
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Ajoelhados perante Putin

 


«Há duas semanas, assinalei aqui os cinquenta dias da guerra com uma pergunta: “Estamos mesmo com a Ucrânia?” Infelizmente, os acontecimentos dos últimos dias mostram que não estamos. De joelhos perante o agressor, não podemos estar ao lado do país invadido.

O The Russian Energy Export Tracker, disponível no site do finlandês Center for Research on Energy and Clean Air, rastreia o transporte de combustíveis fósseis em navios de carga e via gasoduto para nos permitir acompanhar as exportações russas. Ontem a meio da tarde, o tracker dizia que, desde 24 de fevereiro, a União Europeia já pagara à Rússia 46.667.715.000 euros. O contador continuava a mexer, mas o meu texto tinha de seguir viagem.

O valor é obsceno quando comparado com dois outros. O primeiro: a Rússia exportou um total de 63 mil milhões de euros desde o início da guerra até 27 de abril, pelo que a parte da UE no financiamento da guerra de Putin é sem paralelo com qualquer outro país ou bloco económico: pagámos 71% do sangue ucraniano. O segundo: a UE anunciou três pacotes de 500 milhões de ajuda militar à Ucrânia, a 28 de fevereiro, 23 de março, e agora a 13 de abril. Um total de 1,5 mil milhões, ou o equivalente ao que pagamos a Putin em apenas dois dias pela energia.

Daniel Yergin, historiador económico especialista em energia, explicou recentemente ao colunista Ezra Klein, do New York Times, que tanto a anexação da Crimeia como a invasão da Ucrânia coincidiram com períodos de preços elevados da energia. Preços elevados significam escassez de energia, ou seja, períodos nos quais a oferta disponível no mercado está a ter mais dificuldade em satisfazer a procura, o que aumenta a dependência energética. São momentos em que a genuflexão se acentua.

A Rússia é o maior fornecedor de combustíveis fósseis à União Europeia: em 2021, pagámos a Putin mais de 100 mil milhões de euros. Além disso, é entre 2,5 a 3 vezes mais importante do que os países que se lhe seguem em termos de peso dos fornecimentos. Em 2020, a União Europeia importava da Rússia 26,9% do petróleo. O segundo fornecedor mais importante era o Iraque, com apenas 9%. Importava igualmente 46,7% do carvão da Rússia. O segundo fornecedor mais importante eram os EUA, responsáveis por 17,7% do carvão utilizado na UE. Quanto ao gás, à frente estava a Rússia, com 41,1% e atrás a Noruega, com 16,2%.

Genuflexão europeia só é mesmo fletida quando verga a Alemanha, que importa 65% do seu gás da Rússia. Há países ainda mais dependentes (Chéquia e Hungria, com 100%), mas que importam muito menos e não têm o peso da Alemanha nas instituições da União. A Alemanha é responsável por um quarto dos pagamentos europeus à Rússia por conta dos combustíveis fósseis. Não pode ser só por ingenuidade que se chega a este ponto. A genuflexão alemã inclui a cabeça de Gerhard Schroeder, que se tornou assalariado de Putin escassos 17 dias depois de deixar de ser chanceler alemão em 2005. Os seus vários cargos em empresas energéticas russas rendem-lhe 1 milhão de euros por ano.

A administração Trump tinha imposto sanções às empresas europeias que participassem na construção do gasoduto Nord Stream 2, avisando que a Alemanha se arriscava a ficar “cativa” da Rússia. Em face da resistência de vários Estados-membros que também tinham reservas quanto a esta ideia alemã de meter o lobo na toca do coelho, Merkel tinha afirmado perentoriamente que o seu país não iria ficar dependente do gás russo. Visto a esta distância, tem a sua piada. É que o NordStream 2 foi parado em fevereiro e ia duplicar a capacidade de importação. Se estamos como estamos só com o Nord Stream 1, imaginem se o segundo estivesse a funcionar.

O que nos traz aos pagamentos em rublos. A utilidade dos euros para a Rússia diminuiu bastante com as sanções, devido à decisão de muitas empresas ocidentais de deixar de ter comércio com a Rússia. Mesmo se fosse só por isso que Putin queria rublos, não era razão para lhe fazer a vontade. Mas a verdade é tragicamente outra. Putin está a pôr as companhias europeias de energia a fazer o trabalho que o seu banco central está impedido de fazer para segurar o valor da sua moeda. A usá-las como marionetas para desfazer o impacto das sanções da UE. Senão, vejamos.

Nas semanas que se seguiram à invasão da Ucrânia, a moeda russa perdeu valor, tendo atingido um mínimo a 7 de março, quando os 100 rublos que no início de fevereiro valiam pouco mais de 1 euro atingiram o valor de 61 cêntimos – o mais baixo em mais de duas décadas. Desde meados de abril que o rublo recuperou o seu valor pré-guerra. Ontem, os tais 100 rublos já valiam 1,31 euros.

Vários países – EUA, Japão, França, Alemanha, Reino Unido, Áustria e Canadá – congelaram as reservas do Banco Central russo nos seus países, o que representa quase metade dos 585 mil milhões detidos pelo Banco da Rússia em países estrangeiros. Assim, a Rússia ficou impedida de vender essas reservas e comprar rublos, o que lhe permitiria segurar o valor da sua moeda.

Como explicou o Think Tank Bruegel num artigo recente, uma interpretação abrangente das sanções impostas pela União Europeia ao Banco da Rússia pode impedir a Rússia de ter acesso a qualquer ativo estrangeiro na sua posse, o que inclui os pagamentos em euros feitos ao Gazprombank. Para pagar em rublos, o importador europeu tem de abrir uma conta denominada em rublos no Gazprombank, para além da conta em euros que já detém. Para pagar à Gazprom, o importador deposita o pagamento em euros e ordena ao banco que os converta em rublos. O Gazprombank levanta depois os rublos do Banco da Rússia, utilizando a conta em euros como garantia. E usa estes rublos para pagar à Gazprom – que é como quem diz, ao Estado russo – que vendeu o gás. Assim, não há transações em euros com o Banco da Rússia; as operações em rublos entre o Gazprombank e o banco central estão fora do âmbito das sanções.

A UE, muito devido ao peso da Alemanha e à sua resistência às sanções, anda empenhada em fazer figura de parva. Primeiro, mantiveram o Gazprombank no sistema SWIFT para garantir que os pagamentos de gás natural não iam ser afetados. Depois, anunciaram o embargo ao carvão, que representa pouco mais de 5% das importações de combustíveis fósseis russos. Um arranhãozinho. Há um mês atrás, Putin assina o decreto que, na prática, exige às energéticas europeias que desfaçam as sanções que a UE lhe impôs e a união esperneia, faz umas declarações, diz que é ilegal porque os contratos não preveem pagamentos em rublos e tal, mas nada faz que doa mesmo.

Como se não bastasse, Putin resolveu mesmo cortar o fornecimento a dois países – Polónia e Bulgária – na quarta-feira. Se a UE quisesse guardar alguma réstia de credibilidade, retaliaria banindo as importações dos restantes países imediatamente. Ao invés, as companhias energéticas alemãs, austríacas, húngaras e eslovacas começaram a fazer o necessário para abrir contas em rublos na filial suíça do Gazprombank e fazer a vontade a Putin. Vamos lá ver se nos entendemos: a ideia das sanções é mostrar a Putin que temos uma arma económica para usar contra ele. Assim, de joelhos, só lhe mostramos que é ele que manda em nós.»

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28.4.22

Sempre a aprender

 

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É só fazer as contas

 

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Saudades?

 


Hoje, ele chegaria já aos 133!
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Solidários a tempo inteiro ou pelo bem da reputação?

 


«Estamos a assistir a uma guerra em directo, graças ao crescente uso das tecnologias e redes sociais, e, nesse contexto, as organizações vêem-se também confrontadas com o desafio cada vez mais exigente de gerir a sua reputação online. Todos os dias nos chegam notícias de mais uma personalidade ou uma empresa que disponibiliza serviços para ajudar, como o caso de Elon Musk com o sistema de satélites, ou a Google que acolhe refugiados nos seus escritórios polacos.

O actual conceito de guerra e a forma como as guerras acontecem é completamente diferente do que conhecíamos antes — joga-se mais no plano do mercado, da economia e da diplomacia económica. Joga-se igualmente no campo reputacional e da necessidade de criar uma imagem para a opinião pública, que tanto peso tem nos negócios das empresas, e nas suas escolhas de gestão.

Estamos, assim, perante um paradigma de mudança da reputação e da opinião pública, muito por culpa da guerra da Ucrânia e das sanções económicas impostas que alteram a opinião dos consumidores. No entanto, e quando falamos em mudanças, devemos ter também um pensamento a longo prazo e sobre qual o futuro de problemas sociais complexos e profundos, que precisam de respostas consistentes. Não podemos cair no erro de avaliar as alterações destas dinâmicas apenas no agora, no imediato.

Celebrou-se a 24 de Abril o Dia para o Multilateralismo e a Diplomacia para a Paz, da ONU, e, enquanto todos ansiamos pelo restabelecimento da paz na Ucrânia e assistimos da Europa e do resto do mundo às sanções económicas, empresas a retirarem-se da Rússia e mesmo organizações a quebrarem negócios de longa data (como o caso das gasolineiras, por exemplo), é altura também de pensar no futuro do fim deste conflito: qual a reputação da Rússia quando a guerra acabar? Qual a imagem da empresa X que fechou escritórios em território russo? Foi só naquele momento ou será para durar? E a empresa Y, que nada fez para ajudar, vamos continuar a comprar os seus produtos?

Não chega ser neutro. A neutralidade é cada vez mais vista da pior forma e não são só os países que são chamados a tomar uma posição, também as empresas e os cidadãos têm de escolher um lado.

A própria integração dos refugiados entra para a balança da reputação das empresas, e é a ilustração do que sempre defendemos na Casa do Impacto: há uma acrescida importância de uma sociedade civil cada vez mais forte e preocupada em ter um impacto positivo para resolver possíveis problemas sociais e ambientais. A grande diferença está na inclusão das empresas e das organizações na tomada de acção para criar impacto, para além dos governos e instituições públicas. Assistimos a empresas a terem uma posição, uma causa, uma tomada de acção, uma mão amiga que contribui activamente para a inclusão dos refugiados, assim como para a conclusão da guerra.

Há empresas que deixam de ter relações comerciais com um país e também há empresas a fazerem inúmeras coisas para ajudar (para além de apoio monetário e voluntariado), como alguns exemplos que nos têm chegado de empresas portuguesas que abriram vagas para receber cidadãos ucranianos para trabalhar e querem também integrar as crianças e jovens familiares desses trabalhadores. Nesta grande onda de solidariedade vimos crescer também no ecossistema das start-ups projectos como o Speak for Ukraine, que apoia refugiados através da sua plataforma ligando-os a quem possa ajudar — sejam cidadãos ou empresas.

Questões ambientais e questões sociais têm cada vez mais peso na forma como as empresas têm de ser geridas, no sentido em que não é só a qualidade dos produtos ou serviços prestados, mas também a forma como funcionam para além da lei da oferta e da procura, que contam cada vez mais para a sua reputação e para a forma como são vistas pelos consumidores. Fala-se mesmo do desenvolvimento de um capitalismo ético e inclusivo, como cunhou o Papa Francisco, no ano passado.

O grande desafio vai ser a longo prazo — neste momento temos quase seis milhões de refugiados em dois meses de guerra, mas no futuro como será a integração destas pessoas e a ajuda para a reconstrução do país? Temos de abraçar a questão das consequências, tantas vezes tão nefastas quando abandonamos a maratona a meio. O que acontece se as empresas e a sociedade civil decidirem que já não navegam esta onda solidária? A solidariedade a que assistimos será de curto prazo?

Fazendo um paralelo com o empreendedorismo de impacto: é sempre preciso capital paciente (gíria do investimento), pois problemas altamente complexos implicam uma consistência para a resolução eficaz e duradoura de problemas.»

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27.4.22

Medo

 

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27.04.1974 – Pides, os novos «hóspedes» de Caxias

 


O Diário de Lisboa de 27 de Abril relata que, na madrugada desse dia, 170 agentes da PIDE foram levados da António Maria Cardoso para a prisão de Caxias, depois de cerca de outros 200 terem fugido por uma passagem subterrânea que ligava a sede daquela polícia a um outro prédio. 24 horas depois da saída dos presos, Caxias teve novos «hóspedes».

Além disso:
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A memória das guerras prescreve?

 


«“A guerra é uma caçada em que os homens são simultaneamente os caçadores e a caça”
Curzio Malaparte (in Kaputt, 1944)

A sirene é estridente e o veículo de emergência médica avança em grande velocidade para salvar uma vida humana. O 112 transporta a esperança da sobrevivência. Médicos e enfermeiros tudo farão para a salvar. Face a uma pandemia, tentamos evitar as mortes e outros efeitos sociais. Reconhecemos o esforço sem descanso da ciência e das instituições, incluindo as forças armadas, que se empenharam nesse objectivo. A vontade atendeu a um imperativo: evitar a dor de um ou de milhares. Em 2022, após milénios de vivência, não faltam exemplos da vontade de adiar a morte apesar de esta ser a inevitabilidade mais certa que cada humano carrega desde que nasce.

Mas mantém-se, em 2022, uma inexplicável e paradoxal situação não civilizada: as violências armadas, as guerras entre humanos, organizadas por grupos, países ou Estados. Onde se mata e morre. Existem há milénios, mas não é conhecido quando tiveram início, talvez esteja associada à caça como Malaparte pensou. Mas eis o que a experiência nos diz: a História parece apreciar as guerras, é muito masculina e, com o desenvolvimento da técnica, são cada vez mais mortíferas e ameaçadoras. O ateniense Tucídides, considerado o primeiro historiador da guerra, descreve a submissão ao mais forte e diz-nos que a guerra resulta de honra, medo ou interesses. Talvez ainda o seja, mas a guerra foi sendo justificada ao longo do tempo e o conceito de “guerra justa” continua a ser pertinente. As guerras não são actos isolados, têm uma dinâmica, inserem-se em processos históricos e marcam os futuros. Uma boa notícia pouco conhecida: no Índice Global da Paz, Portugal mantém-se em 4.º lugar entre 163 países. Que se mantenha.

A avaliação do número de vítimas mortais das guerras que ocorreram durante milénios é impossível. No século XX foram cerca de 160 milhões. Na I Guerra Mundial 20 milhões; na segunda 60 milhões; e já no século XXI (até 2018) dois milhões. Só as epidemias matam mais. A percentagem de vítimas civis tende a aumentar: 14% na Grande Guerra; 67 a 70% na II Guerra Mundial; e estima-se em 90% nos conflitos posteriores. Felizmente, a exaltação da violência da guerra é agora muito contida, mas não foi assim no séc. XX e os civis sofreram como nunca antes. Os bombardeamentos aéreos a cidades tiveram como um dos objectivos desmoralizar a população pela destruição e número de vítimas.

Em Portugal, em 2022, quem tenha filhos e netos tem vivido com guerras no mundo, algumas vividas com o corpo, outras sentidas como um zumbido. Em 2022, uma nova guerra foi desencadeada pela Rússia na Ucrânia. Outras sirenes tocam. Dor e violência em países que foram dos que mais sofreram com conflitos no séc. XX. Não se compreende e parece que a memória prescreve ou atemoriza e as guerras continuam a parecer inevitáveis. Serão mesmo?

Os poetas e os filósofos não necessitam de estatísticas para lembrarem a guerra. A criança loura jaz no meio da rua… (Tomamos a Vila depois de um Intenso Bombardeamento, de F. Pessoa), O general entrou na cidade ao som de cornetas e tambores… Mas porque não há “vivas” nem flores? ... (O General, de J. Gomes Ferreira), Pensem nas crianças… (A Rosa de Hiroshima, de V. de Moraes). L. Tolstoi mostra em Guerra e Paz como se detonam guerras (ao tempo as Napoleónicas) com a exaltação da honra e do patriotismo e outros escritores descreveram o horror em cidades bombardeadas por aviões, como se Pompeia fosse (e.g. W. G. Sebald, autor de História Natural da Destruição). Resposta definitiva não tenho para o que Carl Jung designou de “epidemia psíquica” que se manifesta por vezes em delírio, como o de confundir paz com armistício e cobardia ou considerá-la ao serviço de um adversário. Acreditamos em executores do Mal que nos ameaçam permanentemente, na Terra e no Espaço. Mas também nas nossas mentes. O herói guerreiro é um dos doze arquétipos psicológicos que herdamos, segundo Jung. Donde a paz parecer não ser um estado natural e exigir uma permanente preparação para a guerra, para um vírus cuja vacina é armamento.

Em 1932, Einstein escreveu a Freud para lhe perguntar se era possível controlar a evolução da mente de modo a eliminar a pulsão da destrutividade. Em resposta, Freud escreveu que os instintos humanos balançam entre dois modos: o que tende a preservar e a unir, com amor; e o que tende a destruir e matar. Segundo Freud, as guerras só poderão ser evitadas com uma autoridade mundial (o mesmo escreveu B. Russell em 1972) e os impulsos agressivos devem ser desviados para que não se concretizem numa guerra. Como fazer? O filósofo I. Kant fez seis propostas, em 1795, no texto “A Paz Perpétua”. Uma das propostas: os “exércitos permanentes devem, com o tempo, desaparecer totalmente” para evitarem ameaçar com a sua prontidão (actualmente só dez pequenos países é que não possuem exército), mas reconhece que “uma coisa inteiramente diferente é defender-se e defender a Pátria dos ataques do exterior”. Lembramos a Ucrânia. Tal como Freud, Kant afirma que “a guerra não precisa de um motivo particular pois parece estar enxertada na natureza humana”. Precisamos de guerras para sobreviver? Os ministérios da Guerra passaram a ser de Defesa, mas a memória das barbáries do séc. XX tem contribuído para a paz no séc. XXI? É o momento certo para reflectirmos e tentar responder.

A ciência e a técnica (agora tecnologia) foram tendo a pretensão de tornar a guerra inútil ou impossível. Mas ambas tornaram-se aliadas e indispensáveis à guerra. Novas bombas, minas, mísseis, drones, robots e armas inteligentes autónomas estão aí. Uma indústria, um comércio a nível mundial que não rejeitamos e por vezes apreciamos: a Internet resulta da “guerra fria” e o microondas na cozinha vem da segunda guerra mundial. A guerra comunicacional mudou muito e parece acompanhar a guerra na Ucrânia em directo, entre verdades e não-verdades, por vezes com uma candura desconcertante. O tempo dirá os efeitos. O tempo da guerra é tempo propício para pensar num futuro de mais paz. É o que se fez durante a segunda grande guerra.

“As Guerras são inevitáveis?”, eis o tema de dois inquéritos de opinião nacional realizados em 1943 pela Universidade de Denver para avaliar a posição dos EUA na paz pós-guerra: 60% considerou que as guerras futuras seriam inevitáveis! Mas, após 1945, a ONU tem-se esforçado por ser um garante da paz através da sua Carta, das suas agências e da diplomacia. Em 2022 existem tribunais internacionais e um conjunto de instrumentos de direito humanitário relativos a crimes de guerra (sem prescrição) e a restrições ao uso de algumas armas, mas falta uma jurisdição mundial efectiva (aceite por todos os países) que seja dissuasora e com a capacidade de resolução justa de conflitos, sem guerra. Como acontece num Estado de direito relativamente aos homicídios! As armas nucleares detidas por nove países são ainda a principal e demoníaca dissuasão de guerras em que esses países se confrontem. Até quando?

A moral, a ética e a educação dos jovens para a erradicação dos conflitos armados parece ser fundamental. Perfilado, o tenente teu filho, despede-se – a última linha da última carta na obra As Cartas de Estalinegrado (as cartas dos soldados alemães que iam morrer): deveria ser lida pelos adolescentes? Ou então o livrinho A Guerra, de J.J. Letria, muito bem conseguido, para mais jovens. Guerra à Guerra era o título do livro, com fotografias assustadoras, de Ernest Friedrich publicado em 1924 e de um museu em Berlim para esse efeito. O autor foi perseguido, considerado um pacifista derrotista, e o seu museu transformado em local de torturas do grupo nazi SA. Eu tenho a esperança que a memória do horror na Ucrânia e de outras guerras possa contribuir para a paz perpétua como estado natural, em 2122 ou 2222 ou 2322. Uma utopia?»

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26.4.22

26/27.04.1974 – A libertação dos presos de Caxias

 


Clicar AQUI para ver seis vídeos sobre a libertação.
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Guernica

 



Foi bombardeada em 26 de Abril de 1937.
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Liberdade(s) e identidade(s)

 


«Há 48 anos, os Capitães de Abril levaram a cabo uma revolução original em Portugal: sem derramamento de sangue, puseram termo ao regime fascista que se prolongava no país desde 1933 e, além de devolverem a liberdade ao povo português, negociaram com os movimentos de libertação das antigas colónias o fim da guerra colonial, abrindo, assim, o caminho para a independência dos novos países.

A relação entre a luta dos povos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe e o 25 de Abril é, pois, intrínseca: o desejo de acabar a guerra colonial (a que os povos africanos chamavam guerra de libertação nacional) foi o fator determinante que esteve por detrás do 25 de Abril.

Quase cinco décadas depois, o debate sobre a liberdade continua, não apenas em Portugal ou nos novos países surgidos tardiamente na sequência do 25 de Abril, mas em todo o mundo. Para além das manipulações ou dos equívocos inconscientes ou estrategicamente alimentados (vide as intervenções imperiais nos países incómodos, sob a alegação da implantação da democracia à força dos canhões ou das "revoluções híbridas", com resultados desastrosos), o facto é que a liberdade está a ser posta em causa globalmente, sendo o crescimento da extrema-direita apenas um sintoma: a aliança entre o capital financeiro, atual formato do modo de produção capitalista, e as novas tecnologias de comunicação, em que os algoritmos desempenham um papel central, é o grande cenário e fator dos diferentes movimentos "tectónicos", às vezes aparentemente contrários, que tendem a pôr em causa a liberdade, muitas vezes em seu próprio nome.

Ao mesmo tempo, entretanto, e também em todo o mundo, a luta por novos direitos mantém-se e amplia-se. As lutas sociais contemporâneas (antirracismo, feminismo, direitos LGBT+, ecologia e tantas outras), a que alguns chamam "causas fraturantes", exigem, obviamente, um combate prévio pela liberdade, confirmando que essa intrínseca aspiração humana é permanente e contínua. Os homens precisam da liberdade para lutar pelos seus direitos e pelas suas causas, alguns e algumas das quais, por vezes, precisam de ser renovados e reconquistados, pois a vida em sociedade não é linear, sendo feita de progressos e retrocessos constantes.

No último fim de semana, participei no Festival de Poesia de Leiria, tendo intervindo, juntamente com poetas portugueses e brasileiros, numa mesa sobre "poesia e novas liberdades". Na verdade, algumas dessas novas liberdades, no sentido de novos direitos, já existiram, em contextos outros, tendo passado posteriormente a ser reprimidos, razão pela qual faz todo o sentido a luta pela sua atualização. É o caso, por exemplo, de certas práticas sexuais aceites normalmente nas sociedades tradicionais e que mais tarde foram postas fora da lei, sobretudo por influência das religiões de base cristã.

Na minha intervenção, destaquei três tendências das atuais lutas sociais que, no meu entendimento, apenas contribuem para a sua menorização: a ausência de uma perspetiva social de classe, a sua transformação em lutas identitárias fechadas e sectárias e a sua contínua fragmentação, sem um esforço estratégico de unificação.

A ausência de uma perspetiva de classe impede que os grupos oprimidos tenham condições (educação, renda, etc.) para debater em pé de igualdade com os opressores e os grupos dominantes; a transformação das lutas sociais, como o antirracismo, o feminismo, a luta pelos direitos LGBT+ e outras, em lutas identitárias fechadas e muitas vezes sectárias, de que são exemplo a distorção de conceitos como o de "lugar de fala", apenas provoca o enclausuramento dos indivíduos envolvidos nessas lutas, impossibilitando alianças necessárias para o sucesso das mesmas; a sua fragmentação contínua serve os interesses dos grupos dominantes e a sua milenar estratégia de "dividir para reinar".»

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24.4.22

Vitória de Macron

 

«Deveria ser inventada uma palavra para este alívio triste e doloroso do momento…»

Luísa Semedo no Facebook
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Foi isto

 

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Apregoar e praticar a liberdade

 


«À medida que o tempo vai apagando o testemunho direto dos que viveram na pele os anos sombrios que antecederam o 25 de Abril, será inevitável que a nossa relação com esse período se torne cada vez mais documental. Poderemos olhar para as estatísticas da escolarização, da proteção no desemprego, da saúde infantil, e perceber o alcance das conquistas de Abril, mas tocaremos cada vez menos o país real que éramos nesse tempo, quando em grande parte do território não havia água canalizada, luz ou esgotos.

Hoje, parece-nos já ficção a via-sacra das mulheres quando não podiam exercer o comércio sem o consentimento do marido, nem aceder às carreiras da magistratura, diplomática ou militar. Certas profissões implicavam limitação de direitos, como o de casar. Mães solteiras não tinham proteção legal e o Código Penal permitia ao marido matar a mulher em flagrante adultério, sofrendo apenas um curto desterro como consequência.

Sendo inequívocas as portas que Abril abriu, muitas promessas continuam por concretizar. Numa sociedade mais equitativa, na permanente renovação das condições de participação cívica, na aposta efetiva na qualificação e na Cultura. A política é sempre ação, seja ela exercida numa tribuna parlamentar ou na associação de bairro. A liberdade não se apregoa: pratica-se. Celebrar a revolução não é um exercício retórico, muito menos evocativo ou histórico. É o reconhecimento de que tantas liberdades continuam a ser atropeladas, mais ainda num tempo que acreditamos ser de expansão da palavra por via da facilidade de acesso tecnológico a tudo.

Pacheco Pereira sublinha, na entrevista de hoje ao JN e à TSF, a importância insubstituível da mediação, numa altura em que rumores e polémicas ocas das redes são elevadas à categoria de acontecimento. E é frágil o vigor do jornalismo, num setor em crise e desgaste há duas décadas, abalado por debilidades financeiras e por isso exposto ao risco de pressões de toda a natureza. Celebrar Abril é valorizar o direito de informar e ser informado, num exercício imparcial e rigoroso essencial para a democracia. A liberdade, mais uma vez, não se apregoa: pratica-se. Mas por vezes até apregoar é preciso. Para que não nos esqueçamos nunca da fragilidade dos direitos.»

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