2.6.07

Lançamento do «Brumas» em Coimbra (II)

No post anterior a este, deixei algumas fotografias e remeti para um outro blogue onde foi feita uma apreciação da sessão por um dos participantes.

Só mais algumas considerações.
Tratou-se de um evento substancialmente diferente do seu correspondente em Lisboa, que teve lugar no passado dia 20 de Março.
Desde logo para mim: enquanto que em Coimbra eu só conhecia uma pessoa (o José Dias), em Lisboa tanto os dois apresentadores (Nuno Teotónio Pereira e José Manuel Galvão Teles) como a maioria esmagadora das pessoas que constituíam a plateia tinham sido protagonistas das histórias comigo vividas e contadas no livro, ou com elas muito aparentadas.
Além disso, o próprio esquema da sessão foi diferente já que, em Coimbra, se dedicou uma hora a perguntas e respostas o que, na prática, proporcionou uma troca de impressões muito interessante e sem peias, que até testemunhos pessoais incluiu. Saí de lá mais esclarecida, nomeadamente sobre algumas diferenças de comportamento, tipicamente geracionais, entre os chamados «católicos progressistas» da década de 60 e os seus correspondentes deste início do séc. XXI. Talvez com uma linguagem um tanto cifrada para quem nunca andou pelas catolicidades (as minhas desculpas pela parte que me toca...), mas tratou-se de um serão muito gratificante.

Quanto às intervenções iniciais, a do José Dias, mais ou menos improvisada, teve o seu cunho pessoal característico, muito incisivo e com grande sentido de humor. Recordou vivências passadas, nomeadamente algumas especificamente relacionadas com Coimbra.






Rui Bebiano leu um texto que, pelo seu valor e precisão, aqui deixo na íntegra.

Intervenção na apresentação de «Entre as Brumas da Memória - Os Católicos Portugueses e a Ditadura», de Joana Lopes
Rui Bebiano
(Livraria Almedina, Coimbra – 31 de Maio de 2007)

Todas as revoluções mostram o tempo que as antecedeu como um tempo de combate directo entre o bem e o mal, e a nossa historiografia do imediato pós-Abril não constituiu uma excepção. Durante um colóquio sobre o fascismo em Portugal organizado em Março de 1980, diversos intervenientes destacaram o conteúdo de classe e o carácter monolítico do regime salazarista. A oposição, pelo seu lado, surgia também essencialmente como um bloco, constituído, refiro a expressão tantas vezes repetida, pelos «comunistas e outros democratas». Num país retratado a preto e branco, parecia fácil distinguir os bons e dos maus.

Hoje sabemos que não era tanto assim. A partir do final da 2ª. Guerra Mundial, o poder passou a sofrer diversas clivagens, algumas delas irreversíveis, ao mesmo tempo que a oposição, após o desaparecimento dos «republicanos» da primeira geração, ia integrando grupos crescentemente diversificados. O PCP permanecia, sem sombra de dúvida, o mais activo, o mais organizado, e aquele em relação ao qual a repressão se mostrava menos condescendente, mas outros sectores de opinião iam ganhando autonomia e capacidade de intervenção. A sociedade, essa também se tornava cada vez mais complexa, particularmente no que respeita à definição da classe média em crescimento, de uma cultura juvenil que rejeitava os valores e a estética do regime, de um número crescente de trabalhadores que desprezavam o discurso corporativista, e de estudantes e intelectuais, muitos deles sem partido ou sequer militância, que em comum tendiam a demonstrar uma rejeição visceral do modelo político e cultural do Estado Novo.

A partir dos inícios da década de 1990, começou, todavia, a conhecer-se um pouco melhor esse país que se ia erguendo à margem do Portugal de Salazar e dos chamados «valores de Braga». Esse «outro Portugal» para o qual Deus, a Pátria, a Família, a Autoridade, o Trabalho, não constituíam valores absolutos, mas estavam condicionados a um tempo de mudança que transcendia até próprias fronteiras do país. A fase de decadência do Estado Novo, afirmada ao longo do período que mediou sensivelmente entre os anos de 1958 e de 1974, teve como pano de fundo o cenário complexo e em permanente construção que se afastava de uma vez por todas desse «doce viver habitualmente» que Salazar ambicionara instalar para todo o sempre.

Uma parte muito importante desse mundo é abordada – pela primeira vez de uma forma sistemática – neste livro de Joana Lopes. Refiro-me àquele sector que a esquerda de formação marxista designava então como os «católicos progressistas» – termo que os próprios rejeitavam por definir uma concepção do tempo histórico que não partilhavam – e cuja actividade, pela intervenção das censuras, permanecia invisível para a larga maioria dos portugueses.

Pelos inícios da década de 1970 – não se importarão que agora integre aqui um breve testemunho pessoal – eu pertencia a um grupo de jovens activistas da esquerda radical, que se julgava bastante bem informado e acreditava conhecer perfeitamente o país e os seus ritmos de mudança, mas para o qual, no entanto, os nossos «católicos progressistas» não passavam de um punhado pessoas, sem dúvida simpáticas, talvez tão idealistas como nós, mas que considerávamos um pouco excêntricas, sem os pés assentes na terra, e, acima de tudo, sem uma percepção clara dos caminhos do país e do mundo, que ainda considerávamos dotados de um sentido histórico inevitável.

E, todavia, este livro vem hoje mostrar-nos o quanto enganados andávamos nós.

Desde logo por revelar uma dimensão da esquerda católica que contraria a falsa ideia de acordo com a qual os seus activistas não passavam de um punhado de pessoas que apenas apareciam, como flores decorativas, em um ou outro momento do combate anti-salazarista. Olhamos para este livro e vemos como nele se aborda, por exemplo, o posicionamento dos católicos portugueses perante a presença de Paulo VI na Índia e em Fátima, na altura para consternação destes sectores renovadores, ou a intensa participação em episódios como a fundação da revista O Tempo e o Modo, a criação das cooperativas Pragma e Confronto, o debate em redor do encerramento do Concílio, o lançamento das publicações de opinião crítica Direito à Informação, Concilium, Cadernos Socialistas No. 3, Tribuna Livre e Cadernos GEDOC, a «tomada a partir de dentro» da Acção Católica, a participação portuguesa no II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, a comemoração do Dia da Paz em 1968, a agitação em redor do caso Padre Felicidade Alves, a revitalização do Centro Nacional de Cultura, a participação nas listas oposicionistas da CDE e da CEUD em 1969. Para além da vasta actividade em colóquios e reuniões de reflexão disseminada por diversos núcleos de padres e de leigos. Para não falar da resistência diária contra aqueles que, constituindo a maioria da hierarquia da Igreja católica portuguesa e mantendo uma relação de cumplicidade com o poder e com o catolicismo pós-tridentino, se manifestavam abertamente contra os ventos que sopravam do Concílio Vaticano II, sobretudo contra esse aggiornamento que pretendia afirmar um espírito de abertura à mudança, ao outro e à modernidade.

Observamos tudo isto e vemos como, afinal, os católicos que se opunham ao regime eram bem mais numerosos e encontravam-se envolvidos em iniciativas bem mais centrais e decisivas, e dotadas também de um maior vigor cultural, do que a informação censurada e o sectarismo de alguns deixavam perceber, mesmo a sectores com os quais o seu combate partilhava alguns dos objectivos.

Ao mesmo tempo, foi também absolutamente central o espaço ocupado por esta oposição católica na divulgação de informações e de pontos de vista relacionados com a actividade dos movimentos emancipalistas das ex-colónias e com a guerra colonial. Aqui, aliás, o seu papel terá sido mesmo decisivo e julgo poder afirmar que a construção de um movimento de resistência à guerra colonial junto dos estudantes universitários e dos intelectuais teria sido muito mais difícil sem o apoio, e muitas vezes a informação obtida por vias que se encornavam vedadas à maioria, que chegavam através da rede de ligações internacionais que esta esquerda católica então mantinha. Recordo apenas a importância dos Cadernos Necessários, publicados no Porto mas que circularam de mão em mão por todo o país, bem como os já mencionados Cadernos GEDOC, o Direito à Informação e o Boletim Anti-Colonial.

Outro aspecto saliente prende-se com a importância decisiva que, na construção de uma corrente crítica da posição dominantemente conservadora da igreja católica portuguesa e no seu distanciamento em relação ao regime tiveram as mulheres. O que é particularmente notável conhecendo nós o papel subalternos originalmente atribuído pelo cristianismo às mulheres e, em especial, o lugar de dependência que, na sociedade portuguesa de então, a esmagadora maioria delas ainda detinha. Bem sei que o essencial desta actividade se distribuía pelas regiões de Lisboa e do Porto, e que tal seria muito mais difícil, por exemplo, em Coimbra, onde, em 1961, em redor da «Carta a uma Jovem Portuguesa» se teceram considerações que ainda chocaram profundamente os sectores conservadores mas que seriam perfeitamente banais, mesmo nessa época, numa cidade como Lisboa. Ainda assim, é assinalável este destaque da participação feminina, da qual, naturalmente, Joana Lopes representa um excelente exemplo.

Aquilo que ela faz neste livro, a partir da sua própria memória, das recordações das pessoas que contactou e da investigação que foi desenvolvendo, foi, pois, relembrar a actividade intensa e subavaliada destes sectores.

Diz-nos a autora, logo de início, que considera não ser este um livro de História («não sou historiadora nem pretendo parecê-lo», escreve a dado passo), mas apenas «um livro de histórias». Não posso discordar mais da sua despretensão. Porque, de facto, procedeu a um levantamento completo das grandes causas e dos momentos centrais da luta, difícil e prolongada, na qual participou. Um trabalho que não se encontrava feito, que passa agora a estar disponível para todos os interessados, e que retira do silêncio aquilo que durante tempo de mais se manteve opaco. E a História, relembrando uma evidência, é feita em primeiro lugar de fragmentos do passado.

Por outro lado, ao assumir o carácter pessoal de muitos dos testemunhos dos quais se serviu, praticou um esforço de recuperação memorialista que é, cada vez mais, indispensável para o conhecimento da nossa história recente. Neste sentido – e integrando também, naquilo que este livro pode oferecer, os documentos transcritos em anexo – oferece-nos um conjunto de ferramentas de uma enorme utilidade. Como tive já a oportunidade de escrever, Joana Lopes pode não ser historiadora de profissão, mas este é, sem sombra de dúvida, um livro para a História.

Não quero terminar sem declarar uma expectativa. A história da esquerda radical em Portugal encontra-se ainda por fazer. Só agora estão a começar a aparecer os primeiros estudos, e ainda assim apenas no que diz respeito ao período que antecede o 25 de Abril. Os «anos de brasa» de 1974-1975 e o período de recuo no terreno das grandes utopias igualitárias que se lhe seguiu, continua, em larga medida, por redescobrir. E, todavia, muitos projectos, muitos caminhos, muitas discussões acaloradas, muitas reuniões até altas horas, muitas expectativas e desilusões se viveram então. Eles são parte integrante da nossa história recente e, tal como a parte do passado que este livro tão bem tratou, também eles devem escapar ao esquecimento. Sabendo nós quantos católicos e ex-católicos participaram desse universo – uma concepção igualitária, redentora e messiânica da sociedade havia-os aproximado de posições mais radicais – e sabendo nós também, pois di-lo neste livro, que Joana Lopes foi também um deles, não terá ela vontade de nos ajudar a restabelecer esse elo?

Este volume, nada nostálgico, mas emotivo, e por vezes optimista, agora incontornável para quem pretenda conhecer a complexidade da oposição política e cultural nos últimos quinze anos do Estado Novo, parece prometer-nos mais.

1.6.07

Lançamento do «Brumas» em Coimbra


A sessão teve lugar na Livraria Almedina Estádio, em Coimbra, no dia 31 de Maio e foi organizada pela Âmbar e por «Ideias Concertadas». Na sua origem, esteve uma iniciativa de um velho amigo - o José Dias -, como sempre inexcedível em dinamismo e simpatia.

Darei em breve notícias mais pormenorizadas. Por hoje, ficam algumas forografias.

Entretanto, o João Tunes (que se apresentou como «um beduíno que se deslocou propositadamente do Seixal a Coimbra»), já publicou um excelente texto sobre a sessão, que muito agradeço e cuja leitura recomendo.

Rui Bebiano, Joana Lopes, António J. Silva (Ideias Concertadas),
Marta Morais (Âmbar), José Dias


João Tunes e Manuela Cruzeiro


Com José Manuel Pureza


Com João Tunes e Rui Bebiano
(Encontrámo-nos pela primeira vez.
Só nos conhecíamos por frequentes contactos na blogosfera...)

As «Redacções da Guidinha»


@ André Carrilho, 2004


Entre 1969 e 1980, Luís Sttau Monteiro (1926-1993) publicou as suas célebres «Redacções da Guidinha», primeiro no suplemento A Mosca do Diário de Lisboa, depois em O Jornal.

Com um estilo e um tipo de humor absolutamente originais, os seus textos eram tentativas permanentes de fintas à Censura, como é bem patente na «Redacção» abaixo transcrita, que foi publicada em A Mosca de 6 de Outubro de 1973. Recorde-se que, no fim desse mês, iriam realizar-se eleições para a Assembleia Nacional, com as habituais dificuldades para as diferentes oposições fazerem as suas campanhas.


Eleições no Rebenta Canelas

Ena pai o que para aqui vai por causa das eleições! ena pai! quem não conhecesse o Rebenta Canelas cá da Graça e visse o que está a acontecer até era capaz de pensar que valia a pena tomar conta dele e que os vencedores iam ganhar muito com a vitória! é claro que as pessoas que sabem como as contas andam o que querem é estar de fora ai não! enfim o melhor é eu começar do princípio senão ninguém me entende pois os sócios do Rebenta Canelas da Graça Futebol Clube vão votar uma gerência nova e há os que são do pró e os que são do contra os que são do pró votam na gerência que está à frente do clube e os que são do contra votam contra ela está-se mesmo a ver que não podia deixar de ser assim os que são do pró findam a colar cartazes a dizer que está tudo bem e como têm muito pilim andam a colar cartazes nas paredes nas árvores em toda a parte só ainda não colaram cartazes nas costas da gente porque os distribuidores não têm comissão nisso senão já estávamos cartizados que era uma limpeza os que são do contra coitados não podem colar cartazes porque se os colarem vão parar à chana por andarem a fazer propaganda contra a moral da Graça que toda a gente sabe que é muito boa mas isto ainda não é tudo não senhor o grande problema que há cá no clube é o do bufete que custa os olhos da cara aos sócios de maneira que há uns que querem o bufete e há outros que querem largá-lo esse é que é o grande problema mas não se pode falar nele não senhor porque a direcção não deixa os do contra podem falar disto e daquilo mas quem falar do bufete já sabe o que lhe acontece de maneira que as eleições do nosso Rebenta Canelas Futebol Clube da Graça são assim como um jogo de futebol em que seja proibido tocar com os pés na bola não sei se me percebem se não perceberam venham até cá ver o que se está a passar que eu prometo gargalhadas a todos mas de qualquer forma a Graça está a ser um bom exemplo para todos nisso de correcção somos todos tão correctos que nem sequer falamos das coisas que nos interessa não vá alguém ficar magoado em matéria de correcção ninguém nos leva a palma não senhor e os outros clubes podem pôr os olhos no que se está a passar na Graça porque se seguirem o nosso exemplo ficam como nós e se todos ficarem como nós deixamos de ser subdesenvolvidos porque como os outros começam a subdesenvolver-se ficamos todos iguais e ninguém nota que a gente é diferente o que é preciso é que os outros sigam o nosso exemplo palavra que o mundo vai ser bestial quando os Rebenta Canelas Futebol Clube de Londres de Paris de Nova Iorque e de Moscovo ficarem como o da Graça o que não se percebe é que eles não nos imitem sim não se percebe como é que eles vendo como a gente é bestial e sabe tudo não nos imitem às vezes penso que eles são parvos mas o meu pai diz que há uma data de anos que lê nos jornais artigos escritos por senhores bestialmente importantes a dizer que o mundo vai acabar por nos dar razão diz ele que anda a ler artigos há mais de quarenta anos e que o mudo não há meio de nos seguir o exemplo o que eu digo é que ou anda malandrice no caso ou que os directores do Rebenta Canelas estrangeiros não lêem o nosso diário de notícias da Graça quem sabe se eles falarão a nossa língua eu cá se fosse importante traduzia os artigos cá do nosso diário de notícias e mandava-lhes as traduções para ver se eles conseguem entender-nos é que se eles não seguirem o nosso exemplo vão continuar a minguar a minguar enquanto a gente cresce com as nossas boas ideias e daqui a uns anos somos uma grande potência e eles coitaditos estão todos subdesenvolviditos e lá se vai o equilíbrio do mundo sim porque quem sabe tudo somos nós e basta olhar para o diário de notícias cá da Graça para se ficar espantado com o nosso saber e com a ignorância dos outros mas além disso há outra razão para os outros seguirem o nosso exemplo que tão bons resultados está a dar e esse motivo é que é uma pena que este nosso exemplo que é tão bom e tão útil fique desperdiçado sem ninguém o aproveitar quando penso nisto que se está a passar de termos tão bons exemplos já que não podemos exportar mais nada pronto sempre exportávamos qualquer coisa cá por mim estou convencida de que a direcção ganha as eleições e que mais tarde ou mais cedo o mundo vai seguir o seu exemplo para bem da humanidade sim porque a Graça é um modelo.

31.5.07

Amar Deus, a Pátria e a Família


Os 5 projectos:

1º - AMAR: a Deus; à minha Pátria; à minha Família.

2º ESTUDAR: a minha religião para ser uma católica convicta; as minhas lições para não ficar uma ignorante.

3º AMPLIAR OS MEUS CONHECIMENTOS: com boas leituras, bom cinema e visitas a museus e exposições interessantes.

4º APRENDER: a governar a minha casa.

5º DISTRAIR-ME: sã e alegremente


(Revista Ao Largo,
Orgão da Juventude Escolar Católica Feminina, 1945)


Isto foi escrito em 1945, enquanto o mundo festejava o fim da Segunda Guerra e descobria muitas outras liberdades.

Em Portugal, moldavam-se assim as cabeças dos adolescentes. Só passaram 60 anos – será necessário mais tempo para que os efeitos desapareçam.



30.5.07

Canções na memória (VI) - Le Roi Renaud





Yves Montand,
magnífico como sempre


Complainte du Roi Renaud
(Canção polular do séc. XV, Yves Montand)

Le roi Renaud de guerre revient
Portant ses tripes dans ses mains.
Sa mère est à la tour en haut,
Qui voit venir son fils Renaud.

Renaud, Renaud réjouis toi!
Ta femme est accouchée d'un roi!
Ni de ma femme ni de mon fils,
Mon coeur ne peut se réjouir.

Je sens la mort qui me poursuit,
Mère faites dresser un lit.
Mais faites le dresser si bas
Que ma femme n'entende pas.

Guerre de temps n'y dormirai,
A minuit je trépasserai.
Et quand ce fut vers la minuit,
Le roi Renaud rendit l'esprit.

Il ne fut pas soleil levé
Que les valets l'ont enterré.
Sa femme en entendant le bruit,
Se mit à gémir dans son lit.

Ah, dites moi ma mère, ma mie,
Ce que j'entends cogner ici.
Ma fille, c'est le charpentier
Qui raccommode l'escalier.

Ah, dites moi ma mère, ma mie,
Ce que j'entends chanter ici.
Ma fille, c'est la procession
Qui fait le tour de la maison

Ah, dites moi ma mère, ma mie,
Ce que j'entends pleurer ici.
Ma fille, c'est la femme du berger,
Qui a perdu son nouveau né

Ah, dites moi ma mère, ma mie,
Ce qui vous fait pleurer aussi.
Ma fille, ne puis le cacher:
Renaud est mort et enterré.

Ma mère, dites au fossoyeur
Qu'il creuse la fausse pour deux,
Et que le trou soit assez grand
Pour qu'on y mette aussi l'enfant.

Terre fend toi, terre ouvre toi,
Qui j'aille rejoindre Renaud mon roi.
Terre fendit, terre s'ouvrit
Et la belle rendit l'esprit.

29.5.07

Felicidade Nacional Bruta


N. B. - Já tinha escrito este texto, quando li, no Público de hoje (28/5), um artigo sobre o mesmo tema.


Vi que vai realizar-se em Lisboa um colóquio sobre «A Busca da Felicidade», o que me fez pensar no Butão.

A ideia não é nova, mas voltou a ser lembrada recentemente por alguma imprensa. No reino do Butão, mede-se a Felicidade Nacional Bruta (e a Felicidade Interna Bruta), em vez dos nossos correspondentes «Produtos».

O conceito foi introduzido pelo rei Jigme Singye Wangchuck, em 1972, para concretizar o propósito de construir uma economia baseada nos valores espirituais do budismo. Parte de um pressuposto: se o desenvolvimento das sociedades resulta da complementaridade entre progresso material e espiritual, há que promover ambos e não faz sentido medir só o primeiro.

A teoria assenta em quatro pilares:
* desenvolvimento sócio-económico justo e estável;
* preservação do meio ambiente;
* conservação e promoção da cultura e dos valores tradicionais;
* boa governação.


Nada fácil de manter num mundo global consumista.
Por exemplo: fazem-se agora os primeiros balanços do impacto da entrada da televisão no país, que só aconteceu em 1999. A este propósito, o Ministro da Informação e Comunicação disse recentemente à Reuters:
«O que me está a perguntar é o seguinte:”A televisão torna as pessoas mais ou menos felizes?” – Aumenta as expectativas e, por isso, talvez as torne mais infelizes».

Mas ela lá está. E a Internet também. Terão que ver se há Felicidade Interna Bruta que lhes resista.

P.S. – Será que o Manuel Pinho lá do sítio tem o título de Ministro da Felicidade? Fazia sentido – e era tão bonito!

28.5.07

Sócrates no Kremlin

28 de Maio - A «Revolução Nacional»


1926


O Almanaque Republicano publicou recentemente uma resenha detalhada de factos e protagonistas:

«OS QUE ARRANCARAM EM 28 DE MAIO DE 1926

A revolução recebeu inicialmente apoio de variadas facções, de anarco-sindicalistas a católicos, passando por seareiros, integralistas, republicanos conservadores e monárquicos, mas cujos líderes foram sucessivamente devorados (primeiro Cabeçadas e depois Gomes da Costa), até se atingir a estabilidade com Carmona, muito devido ao apoio do Ministro das Finanças, Oliveira Salazar que, pouco a pouco, emergiu como verdadeiro líder. Com efeito, Gomes da Costa, Cabeçadas e Carmona foram as três principais figuras durante três meses.»

Aconselha-se a leitura do texto completo aqui .


1936

No 10º aniversário da Revolução Nacional, o célebre discurso de Salazar:

«Não discutimos Deus... Não discutimos a Pátria»




1966

No 40º aniversário, foram muitas as celebrações. Os mais interessados podem ler as descrições detalhadas que delas faz Franco Nogueira (*).

Deixo aqui um excerto do texto que escrevi sobre o assunto em Entre as Brumas da Memória..., pp. 50-51.

«Nesse ano de 1966, quando se iniciou na China a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, Portugal festejou os quarenta anos da Revolução Nacional, tendo como lema Celebrar o passado, construir o futuro.

Para assistir a esta celebração em Braga, no dia 28 de Maio, Salazar, então com 77 anos, viajou pela primeira vez de avião até ao Porto – entre os outros passageiros, acompanhado pela governanta.

Quase no fim do discurso que então proferiu, deixou o país suspenso com a seguinte frase: “Eis um belo momento para pôr ponto nos trinta e oito anos que levo feitos de amargura no Governo.” Mas continuou: “Só não me permito a mim próprio nem o gesto nem o propósito, porque, no estado de desvairo em que se encontra o mundo, tal acto seria tido como seguro sinal de alteração da política seguida em defesa da integridade da pátria.”»

(*) Franco Nogueira, Salazar, vol VI – O Último Combate (1964-1970), Civilização, 3ª ed. Coimbra, 2000, pp. 180-186.

27.5.07

As histórias dos católicos progressistas num "passado [que] deixou marcas"

(Texto publicado aqui)

A livraria Almedina Estádio apresenta “Entre as Brumas da Memória”, da autoria de Joana Lopes, numa sessão que terá lugar em Coimbra, no dia 31 de Maio (Quinta-feira), às 21h15, e contará com a apresentação de Rui Bebiano, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e José Dias, presidente do Conselho da Cidade de Coimbra.

“Entre as Brumas da Memória”, livro publicado pela Ambar este ano, retrata o papel que as elites católicas tiveram na luta contra o regime fascista vigente em Portugal, durante a década de 60. É indiscutível que a maioria dessas elites se identificou com os posicionamentos do salazarismo. Mas poucos sabem que foi crescendo na altura o número dos que, de dentro da Igreja, se opuseram ao regime e o afirmaram cada vez mais claramente. É sobre essa organização informal e as suas iniciativas que Joana Lopes escolheu escrever.

Em 1963/1964, os efeitos do Concílio Vaticano II – um dos grandes motores da abertura da Igreja - começam a fazer-se sentir. O conservadorismo da Igreja portuguesa, a ausência de liberdades elementares e a manutenção da guerra colonial deixam parte dos Portugueses descontentes com o regime vigente. Movimentos de contestação aparecem. O dos “católicos progressistas” é um deles.

Apesar de a acção dos católicos da oposição nas últimas décadas da ditadura já ter sido objecto de algumas publicações, Joana Lopes decidiu dar a essa luta uma abordagem mais aprofundada, dando conta da dimensão do movimento, em termos de número de iniciativas e de pessoas envolvidas. “Poucos dos que protagonizaram [essas iniciativas] têm parado para as descrever”, argumenta a autora. Resolveu então fixar no papel o que aconteceu. “(…) Cresceu em mim o desejo de contar algumas histórias, pouco conhecidas ou já esquecidas, de um vasto conjunto de pessoas (…), que viveram intensamente os últimos anos do salazarismo e o início do marcelismo acreditando que a pertença a uma comunidade de católicos e muitas iniciativas que foram tendo - em parte por causa dessa pertença - podiam ajudar a Igreja a renovar¬ se e Portugal a sair do fascismo. Muitas dessas pessoas, nas quais me incluo, há muito que deixaram a Igreja. Mas o passado deixou marcas”, explica Joana Lopes.

Até ao fim da década de 60 – época em que se desenrolaram os acontecimentos abordados neste livro –, Joana Lopes participou activamente em várias organizações e iniciativas dos que ficaram conhecidos como «católicos progressistas». Contudo, “Entre as Brumas da Memória” não é uma autobiografia nem um livro de história, mas sim um “livro de histórias” para os que “ignoravam que alguns dos seus conterrâneos não se limitaram a viver tranquilamente sob o manto, protector e único, do Estado Novo e da Igreja portuguesa” e também “[para] os nossos filhos, que nasceram ou atingiram a idade adulta já em democracia, [e que] pouco sabem de tudo isto e têm talvez o direito de saber”, conclui a autora.

Joana Lopes nasceu em 1938 em Lourenço Marques (actual Maputo, capital de Moçambique) e é licenciada em Filosofia pela Universidade de Lovaina (Bélgica), onde também se doutorou em Lógica Matemática.