21.12.25

Os caminhos que a greve geral abriu

 


«Há um país vivo, que sabe o que é a governação da direita e o que custa a perda de direitos no trabalho, e está disposto a lutar para combater isso. Quem se perde em disputas sobre a perceção da greve geral e sobre se ela terá sido “inexpressiva”, como é o caso do ministro Leitão Amaro, não percebe que já perdeu. Porque esse movimento, que no dia 11 de dezembro foi expressão de uma oposição profunda ao pacote laboral, conseguiu mostrar muito para além disso. Mostrou mobilização e combatividade na recusa da estratégia do Governo. Mas, mais que isso, mostrou uma ambição que vai para lá da resistência. Essa foi a evidência indesmentível da greve geral de 11 de dezembro.

Mas mesmo antes daquele dia, já se viam as vitórias antecipadas da greve geral. A mais importante delas é que mudou os termos do debate político no último mês. Depois dos debates sobre as burqas que não existem em Portugal e sobre uma Lei da Nacionalidade cruel, cujo principal objetivo é distrair das crises na habitação e na saúde, o país foi obrigado a discutir aquilo que é central na vida das pessoas.

Juntaram-se as intersindicais e sindicatos independentes, juntaram-se as associações de trabalhadores imigrantes e os artistas, e ainda se juntaram os movimentos da sociedade civil e as associações. Tudo para dizer que não aceitamos retrocessos, mas para dizer também que exigimos um futuro.

“A greve geral existiu”, dizia uma manchete no dia que se seguiu à greve. Perante o bate-boca de quem procura desvalorizar a mobilização para conseguir impor a sua vontade, não há mensagem mais clara. Estive no piquete de greve da Autoeuropa, ainda não era meia-noite de quarta-feira, e vi a determinação dos trabalhadores que fecharam uma das maiores fábricas do país. Vi também a determinação dos professores e dos jovens universitários que se juntaram aos piquetes nas universidades, e ainda dos jornalistas que combatem a precariedade da sua profissão.

Essa luta presente, carregada de futuro, só agora começou, mas já faz mossa. Desde logo no campo da extrema-direita, que se viu embaraçada e forçada a dar uma cambalhota na sua posição sobre um pacote laboral que desde o início apoiava e que admitia viabilizar. Os caminhos que se abrem agora para este confronto, creio eu, são aqueles que ditarão a agenda do país com o atual Governo.

Será um caminho das pedras que é construído sobre pontes. Onde será preciso juntar forças, criar raízes e falar para quem se sente abandonado – não só por este Governo, mas por um Estado que nos está a falhar na habitação, na saúde e na educação. Foi a greve geral, como haviam sido as manifestações pelo direito à habitação, que abriu esse caminho, e isso não é coisa pequena. É a pedra angular do futuro.

É por aqui que passa o caminho para combater as guerras culturais fraturantes que a direita quer impor ao país, e para falar para quem quer estabilidade na sua vida. Porque a precariedade, um flagelo que nunca abandonou este país, espalha-se agora por todas as áreas da vida. Já não é só a precariedade laboral de quem trabalha a recibos verdes, é a precariedade habitacional de quem salta de casa em casa porque as rendas são sempre aumentadas, ou a precariedade na saúde, de quem não sabe se terá uma urgência aberta para o socorrer. Quem quer estabilidade na casa, no trabalho e na saúde, não pode ficar refém da direita identitária.

Um último caminho que a greve geral abriu, vi-o bem vivo na manifestação que saiu do Rossio para a Assembleia da República, e tenho a certeza que em todo o país foi assim também. É a esperança contra o desespero, a solidariedade contra a solidão, a unidade contra o sectarismo. O entusiasmo de quem, lutando por uma vida melhor, percebe que a melhoria está ao seu alcance. O resultado desta luta não está escrito. Mas, sobre ela, sei duas coisas: que ela começou muito forte e que ir para além disso, pensar no que podemos ganhar, é indispensável.

Sempre foi sina da esquerda não se resignar aos possíveis, sempre tão convenientes para quem manda. Disputemos então o campo dos possíveis para que neles caiba uma vida boa para quem tem uma vida de aflição.»


Memórias

 


“E ASSIM, ACONTECE”

Era a frase com que Carlos Pinto Coelho rematava as emissões do seu magnífico magazine cultural na RTP 2.

Completaram-se ontem, dia 15 de Dezembro de 2025, 15 anos sobre o falecimento do saudoso autor e apresentador do também saudoso ACONTECE, iniciado em 1994 e estupidamente extinto em 2003.

O então ministro da Presidência, Morais Sarmento, insensível ou desconhecedor do significado cultural do programa, criticara a quantidade de dinheiro gasto para o produzir, dizendo “ser mais compensador oferecer uma volta ao Mundo a cada espectador”. Na sequência, o presidente da RTP, Almerindo Marques, obediente à tutela, anunciava o fim do programa.

Acontece a todos. Uns hoje, outros amanhã. Sempre assim foi e assim será. Todos deixamos este mundo. Todos, sem excepção. Os bons como tu, que fazem falta à sociedade e que nós desejaríamos ter por cá muito mais tempo, e dos outros, os que não prestam, como aqueles que, estupidamente, te afastaram da RTP, privando-nos do, até hoje, o melhor programa cultural televisivo em Portugal, e aqueles (os do governo de José Sócrates) que, afastada a rapaziada que sancionou esse atentado à inteligência, não quiseram ou não souberam ir buscar-te e repor-te no lugar de onde nunca devias ter saído...

Deixaste saborosas saudades em muitos dos teus concidadãos e eu sou um deles. É um privilégio póstumo de que nem todas as almas se podem gabar. Mas com a tua, isso acontece.»

António Galopim de Carvalho no Facebook