«Durante mais de uma década, os parlamentares portugueses andaram para trás e para a frente a tentar aprovar uma lei que, finalmente, viu a luz do dia. Há pouco mais de uma semana, a lei do lóbi passou - só o PCP votou contra - com o objectivo de melhorar a transparência nas relações entre as entidades públicas e privadas. Os advogados, por exemplo, ao exercerem a representação de interesses em nome de terceiros, têm de se registar para que se possam escrutinar essas relações. A tal transparência que os candidatos presidenciais andam a pedir uns aos outros, mas para a qual nunca foram capazes de garantir suporte legal.
Então e como é que foi até agora? Foi num vazio legal, que é um sitio por onde qualquer lobista experimentado, advogado ou não, sabe caminhar. Não sendo mosca, não vi a quantidade de vezes em que, no vazio legal, a actividade do lobista se confundiu com a do facilitador de negócios e vice-versa. O primeiro procura influenciar decisões políticas ou legislativas, o segundo ajuda a fechar negócios, no privado ou entre público e privado.
É muito difícil exigir transparência aos candidatos presidenciais ou aos líderes partidárias se fizermos essas exigências sem explicarmos ao resto do mundo do que é que estamos a falar. A divulgação da lista dos clientes em empresas familiares não é o alfa e o ómega da transparência, mas sem ela não se faz escrutínio nenhum. Marques Mendes fez bem, portanto, em divulgar a lista dos clientes da empresa familiar mas, se não pode fazer o mesmo em relação aos clientes da Abreu Advogados, para efeitos de transparência, era muito mais importante saber se no trabalho que fez no escritório de advogados actuou como lobista ou facilitador de negócios.
Quando falamos do processo Influencer e do melhor amigo do primeiro-ministro, o advogado Diogo Lacerda Machado, estamos a falar de corrupção ou de vantagem indevida? Não. Parece que o Ministério Público viu gigantes onde havia apenas moinhos de vento, mas teria sido mais transparente se soubéssemos em devido tempo até onde ia a relação de amizade. Ou então, faziam valer a velha máxima: “amigos, amigos, negócios à parte”. E quando Ana Gomes atira a António Vitorino chamando-lhe “espertalhuço” com um “passado de advogado lobista” está a acusá-lo de cometer ilegalidades? Não, quando muito está desqualificá-lo como candidato a um cargo político.
Acaso alguém tem ideia da quantidade de ex-governantes que faz vida profissional usando os conhecimentos políticos que adquiriu na passagem pelo corredores do poder, valorizando o seu percurso com a rede de contactos que adquiriu e as portas que é capaz de abrir? São muitos, seguramente. Não se trata apenas de aplicar a lei da cunha, mas o país dava uma excelente imagem de si próprio se não precisasse destes profissionais para fazer as coisas acontecer. Infelizmente, é assim que funciona.
Marques Mendes, seguramente, não se deixará condicionar pelo seu passado profissional, se vier a ser escolhido pelos portugueses para a Presidência da República. Sabia desde o momento em que decidiu candidatar-se que a sua actividade na Abreu Advogados entraria na campanha eleitoral e fez bem em reagir rapidamente em relação à lista de clientes da empresa familiar. Só não se percebe que tenha reagido em vez de deixar tudo claro por iniciativa própria, a tempo e horas de não condicionar a sua campanha.»

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