2.10.21

José Cardoso Pires

 


Seriam 96, hoje.
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Inquietações



 

A época balnear já lá vai e não fomos brindados, este ano, com imagens de férias de Marcelo em calções azul bebé no Algarve, no Guincho ou mesmo em praias fluviais. «Qué pasa?» Será que ocupou os tempos livres a estudar variantes de receitas de vichyssoises e que já começou a servi-las por aí? Segundo mandato de presidência exige subtileza de coturno.
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Vocação minoritária

 


«Os compreensíveis festejos da direita por perder por menos, no país, mostram a dimensão da sua ambição: acomodou-se a uma vocação minoritária. Na realidade, juntando PSD e CDS, a solo ou nas dezenas de modalidades de coligação, até perderam meio ponto percentual em relação a 2017: de 34,5% para 34%. Já Lisboa, em que a vitória é, pela surpresa, um feito extraordinário, levanta questões difíceis ao PSD. Em aliança com o CDS, consegue ficar à frente do PS por um ponto percentual. É verdade que com a IL e o Chega ia aos 43%, mas a esquerda teve mais de metade dos votos. Com as regras das eleições autárquicas, em que ganha o primeiro, foi suficiente para Moedas. Noutras eleições, como aprendemos em 2015 e nos Açores, não chegaria. E o que vimos em Lisboa é o mais provável numa improvável vitória do PSD e do CDS a nível nacional. Daria “geringonça” de novo. Na capital, a direita mobilizou-se e concentrou voto. Como mostra o aumento da abstenção nas freguesias mais de esquerda e a sua diminuição nas de direita, a esquerda desmobilizou. Parte disto resultou da convicção que Medina estava eleito. Mas a verdade é que não havia vontade de votar no PS, como se viu pela facilidade com que os eleitores debandaram também para a direita. Conhecidos os resultados, instalou-se um mantra: a esquerda deve deixar Moedas governar. António Costa, que gostaria de esquecer que tem um governo minoritário que o obriga a negociar, juntou-se ao apelo. Deve o PS aceitar que a política de mobilidade regresse ao século XX? Devem PCP e BE passar a acreditar que o mercado resolve o problema da habitação? Em quem votariam os seus eleitores nas próximas eleições? Nenhum vereador tem o dever ou o direito de se anular, esquecendo o seu programa e fazendo com que parte dos munícipes deixe de ter quem os represente. O PSD deve ter cuidado, aliás, com a cartada da ingovernabilidade, que pode fazer ricochete nas suas posições nacionais contra um governo minoritário. Moedas governará com toda a legitimidade. Para aplicar todo o seu programa teria de ter maioria. Em minoria, negoceia e terá de ceder nas suas propostas mais radicais e de rutura. O oposto seria silenciar 10 vereadores em 17 e, com eles, mais de metade dos lisboetas. A oposição tem de estar disponível para negociar, não para se anular. E preparar-se para concorrer coligada, com um rosto mobilizador, daqui a quatro anos.»

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1.10.21

Edgar Morin

 


Uma vez mais, de acordo com Edgar Morin – infelizmente, neste caso.
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Quanto a Chefes do Estado-Maior da Armada

 


Sobre a saga relacionada com a substituição do Chefe do Estado-Maior da Armada, vale a pena ouvir Ângelo Correia. Deita mais umas achas para a fogueira ou talvez retire algumas delas.
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Charles Aznavour

 



Três anos sem ele. Um dos meus cantores preferidos e não só. Passou a merecer um lugar muito especial desde que fui à Arménia. Ler AQUI.
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Os cartazes dos vencidos

 


«De carro pelos subúrbios, constato este paradoxo: uma paisagem laissez-faire num território avesso ao liberalismo. Num bairro pacato, encavalitado, cada casa é de uma nação e respeita apenas a medida do sonho do seu proprietário. Chego a Lisboa e outro paradoxo: onde a sensibilidade é liberal, as pessoas e as casas tendem a parecer-se umas com as outras.

Quem não viaje para fora da cidade não dará conta da homogeneidade a que pertence e do conformismo reinante, independente do sentido de voto. Quem o faz todos os dias habitua-se à diferença, à desigualdade de circunstâncias, trajes e oportunidades, conforma-se (que remédio) à condição do trajeto: à ondulante perceção de classe que nele se projeta e se sedimenta. Conforma-se à ficção de que vive no lado errado da existência.

Fazia bem aos citadinos um estágio nas margens da periferia fora do âmbito das campanhas eleitorais. Perceberiam por experiência direta os benefícios da paisagem desregulada. Fazia bem aos periféricos um estágio nas avenidas. Perceberiam, por experiência direta, não existir um lado errado da existência; que, embora por fora se pareçam bastante entre si, tal como os seus penteados, restaurantes, comércio, escritórios, o interior dos outros é tão desregulado como as paisagens dos subúrbios. Incoerente, hostil, contraditório, mas também convencional, belo, pateta, ternurento, patológico, diverso, solidário, hospitaleiro. Estabelecidas as diferenças, somos todos muito mais parecidos do que imaginamos.

Ainda pela janela do carro, os cartazes dos vencidos. Que álbum de família. Basta uma madrugada eleitoral para, da noite para o dia, entrarmos no futuro pela estrada do passado. Não me refiro à comédia que colore as campanhas: os nomes castiços, as gafes, os lemas, o ímpeto delirante ou as emoções desvairadas. Toda essa comédia é um espelho falante. Quando o ridicularizamos, escarnecemos de nós mesmos e do lugar que nos calhou. Mas isso vem antes do plebiscito. É um riso nervoso, coletivo, meio redentor, que nos prepara para um novo ciclo de disparates e tentativas. Refiro-me, antes, aos cartazes dos vencidos no dia a seguir às eleições. Às promessas, às certezas enfáticas, às intenções grandiosas, ao álbum disperso de maus retratos e maus fatos, sorrisos amarelos e arzinhos vitoriosos perante o correr indiferente do trânsito local.

Aquele assegura que nascerá aqui um multiusos. Outro, uma biblioteca onde haverá para sempre um descampado. Estradas, aterros, passadiços, piscinas municipais. Nesta rotunda, anuncia-se uma grande mudança. Na seguinte, a mudança em marcha é para continuar. Progresso, desenvolvimento. Olha-se em redor — a paisagem bizarra cala e consente. Que legenda, os cartazes dos vencidos. O eleitoralismo revela-nos pessoal e coletivamente. Vamos dizendo a nós e aos outros que fazemos e acontecemos enquanto as nossas vidas se parecem cada vez mais com cartazes do partido errado deixados à mercê das estações — desbotados, fora de época, rasgados. Os cartazes dos vencidos são um monumento aos nossos estragos: deixem-nos lá de castigo, a ver se aprendemos alguma coisa.»

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30.9.21

Mudam-se os tempos

 

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E agora, Ventura?

 



«O Tribunal Constitucional deu razão ao Ministério Público e considera que o Chega está ilegal há mais de um ano, desde o congresso do partido em Évora. (…)
O MP terá pedido também ao Tribunal Constitucional para invalidar todos os atos do partido desde setembro de 2020.»
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Assim devera eu ser

 

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Rendeiro e a Justiça em parte incerta

 


«O país assistiu atónito a mais um caso que é um tiro em cheio na credibilidade das nossas instituições: João Rendeiro, o antigo banqueiro no centro da falência do Banco Privado Português (BPP), fugiu para parte incerta e estará num país sem acordo de extradição com Portugal. Ironia das ironias, anunciou que o fez no exacto dia em que foi condenado em mais um processo relacionado com o BPP, desta vez a três anos e meio de prisão efectiva por burla qualificada.

Vale a pena esboçar uma brevíssima cronologia do caso Rendeiro para melhor se perceber o que está em causa: o BPP faliu em 2008, acumulando prejuízos de 700 milhões só nesse ano e deixando um rasto de 3000 clientes lesados. Rendeiro levou anos a ser acusado e só em 2014 começou a responder em tribunal pela queda do banco. Foi condenado em três processos, a dez, cinco e três anos de prisão, e só num deles a sentença transitou em julgado – aconteceu agora mesmo, no passado dia 17 de Setembro, 13 anos depois do colapso do BPP. Foi a sua prisão iminente que o levou a viajar para Londres, de onde partiu agora em trânsito para parte incerta.

A fuga de Rendeiro encerra três pecados capitais: demonstra uma vez mais a ineficácia de um sistema de justiça demasiado moroso e em permanente plano inclinado para as garantias da defesa – de recurso em recurso, de incidente em incidente, o caso Rendeiro é todo um manual de instruções sobre como ludibriar a Justiça e arrastar as decisões para lá do limite do razoável; acentua a percepção de que há uma Justiça para ricos e outra para pobres e que o Estado de direito não serve a todos por igual; e é, pelo que representa de descrédito numa instituição primordial à vitalidade das democracias, o pasto perfeito de que se alimentam os populismos e todo o tipo de justiceirismo popular.

Nas três últimas décadas, Portugal acumulou uma galeria apreciável de arguidos notáveis que deram o salto para fugir à Justiça – praticamente todos, é certo, acabariam mais cedo ou mais tarde por regressar ao país. Há processos demasiado importantes a serem dirimidos nos tribunais para que continuemos a ser confrontados com fugas espectaculares e a terrível sensação de impunidade.»

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29.9.21

Mariana Mortágua a propósito do caso Rendeiro

 

 
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Samora Machel

 


Seriam 88, hoje.
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Lisboa

 


Fotografia de Artur Pastor 
Série “De volta à Cidade”. Lisboa, Torre de Belém, décadas de 50/60.
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O vice-almirante terminou a missão

 


«Neste ano e meio de pandemia, Portugal foi exemplo do que correu mal e do que correu bem. O primeiro coordenador do plano nacional, Francisco Ramos, demitiu-se devido a irregularidades no processo de selecção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha, do qual era dirigente.

Antes disso, num momento crucial para conter o vírus e conferir segurança à população, demasiados casos de vacinação irregulares mancharam a credibilidade de um plano que deveria estar acima de qualquer dúvida. Acrescente-se a este cenário a cacofonia das conferências de imprensa diárias com a evolução da covid-19 no país, cujas mensagens nem eram sempre claras e compreensíveis, e as dúvidas permanentes sobre a eficácia ou o efeito das vacinas administradas.

A entrada em cena do vice-almirante Gouveia e Melo introduziu um discurso mais sensato e pragmático, mais focado na necessidade da inoculação. Pôs termo às arbitrariedades, aos fura-filas e compadrios, alargou o processo a nível nacional de forma homogénea e coerente e fez de Portugal o segundo país a nível mundial com a taxa mais elevada de vacinação, segundo os dados do Our World in Data.

Não é pouco. O recurso às Forças Armadas para gerir a logística deste plano teve ganhos óbvios; acabou com a subjectividade e com a facilidade da cunha administrativa e acelerou o processo, nomeadamente entre os jovens com mais de 12 anos, em época de férias, acautelando eventuais surtos no início do ano lectivo.

O fim da task force que Gouveia e Melo coordenou de forma empenhada e destemida, a ponto de se tornar no alvo privilegiado do insulto negacionista, é uma excelente notícia. Sem o ritmo imprimido, com quase 85% da população já vacinada com duas doses, o plano de desconfinamento não teria sido possível e o regresso à normalidade teria sido adiado.

O fim da task force é o fim de uma fase que não deixa saudades. Agora que falta vacinar apenas 345 mil das pessoas elegíveis, Gouveia e Melo tem razão para proclamar que a “missão está terminada”. A forma como organizou e planeou a operação deixa uma herança logística, centros de vacinação geridos por uma equipa de militares mais reduzida, para administrar uma eventual terceira dose e a vacina da gripe. É o melhor exemplo dos últimos anos do papel e da importância que os militares podem ter na gestão de crises no país. Foi preciso um submarinista para evitar que o processo de vacinação contra a covid-19 não tivesse afundado logo no início.»

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28.9.21

Quem foi eleito em Lisboa?

 

EXECUTIVO
Carlos Moedas (PSD)
António Anacoreta Correia (CDS)
Joana Castro e Almeida (Independente)
Filipa Roseta (PSD)
Diogo Moura (CDS)
Ângelo Pereira (PSD)
Laurinda Alves (Independente)

PS
Fernando Medina (PS)
Inês Lobo (Independente)
João Paulo Saraiva (Independente)
Inês Ucha (Independente)
Rui Tavares (Livre)
Paula Marques (Independente)
Miguel Gaspar (PS)

PCP
João Ferreira
Ana Jara

BE
Beatriz Gomes Dias
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28.09.1974 – A «Maioria [que ficou] Silenciosa»

 


Tinha sido anunciada a realização da chamada «Manifestação da Maioria Silenciosa» – uma iniciativa de apoio ao apelo do general Spínola, convocada dias antes por cartazes que invadiram a cidade de Lisboa. Mas Spínola, que tinha tentado, sem sucesso, reforçar os poderes da Junta de Salvação Nacional, acabou por emitir um comunicado, pouco antes do meio-dia, a agradecer a intenção dos manifestantes, mas declarando que, naquele momento, a manifestação não seria «conveniente».

Os partidos políticos de esquerda (CARP M-L, CCRM-L, GAPS, LCI, LUAR, MDP/CDE, MES, PCP m-l, PCP, PRP-BR, URML), sindicatos e outras organizações tinham desencadeado, no próprio dia, uma gigantesca operação de «vigilância popular»: desde as primeiras horas da manhã, dezenas de grupos de militantes distribuíram panfletos e pararam e revistaram carros em todas as entradas de Lisboa e não só.

Em 30 de Setembro, Spínola demitiu-se do cargo de presidente da República, sendo substituído pelo general Costa Gomes. Fechou-se assim o primeiro ciclo político do pós 25 de Abril.
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No rir é que está o ganho

 

«Segundo as notícias, o Medina é filho de comunistas, o António Costa é filho de comunista e agora o Moedas também é filho de "um histórico comunista" (sic). Se fosse verdade que eles comem criancinhas ao pequeno-almoço nada disto acontecia.»

Marco Santos no Facebook
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Quem foi prejudicado e ajudado pelas sondagens de Lisboa?

 


«Mesmo quando a vitória lhe permite, Rui Rio não consegue manter a gravitas de ficar-se pelo que é politicamente relevante. E lá vieram as queixas em relação às sondagens. Sim, elas falharam. Na realidade, não sabemos se falharam. Porque elas não são um ato de adivinhação. Elas falam do momento em que foram feitas. E até agem sobre a realidade.

A direita quase toda junta teve mais um ponto percentual do que o PS, em Lisboa. Contando com IL e Chega, a direita teve, no conjunto, 43%. A esquerda (incluindo nela o PAN), 53%. Há uma transferência de votos para a direita, é verdade. Mas no momento em que se julgava que Moedas podia perder por pouco começou logo a sentir-se a pressão sobre a IL, por ter impedindo o voto útil. Então, o que dizer sobre os 17% de votos à esquerda de Medina?

Numa eleição em que a direita quase toda unida ganhou por pouco, a esquerda à esquerda do PS segurou a sua votação (perdeu, em conjunto, 1500 votos, apesar da subida do PCP em 1400). Em contraciclo com o que aconteceu no país, aliás. Porquê? Porque havia um descontentamento do eleitorado de esquerda com Medina. E porque Medina nunca se conseguiu libertar da arrogância, que era o seu calcanhar de Aquiles.

Não está em causa a vitória de Moedas e o desastre de Medina, que perdeu 25 mil votos. Mas numa eleição ganha por poucos e em minoria vale a pena estar atento aos pormenores. E Rui Rio chamou à atenção para um, queixando-se: as sondagens. Elas contaram. Mas contra Fernando Medina. Deram a sua eleição como certa.

A esquerda (incluindo PAN) perde 27,8 mil votos, a direita conquista mais 23,8 mil. A esquerda perde mais 4 mil votos do que a direita conquistou. Ou seja, para além das perdas para a direita, uma parte da esquerda desmobilizou. Não é adivinhação. Basta olhar para os números. E poucos votos fazem, com uma margem tão curta entre Medina e Moedas, toda a diferença.

As freguesias mais populares, tradicionalmente de esquerda, onde esta ganhou mais uma vez claramente, tiveram quase todas abstenções superiores a 50%. E em todas elas a abstenção subiu. Santa Maria Maior (61%, mais 4% do que há quatro anos), Marvila (59%, mais 2%), Santa Clara (59%, mais 1%), Penha de França (55%, mais 2%), Ajuda (53%, mais 3%), São Vicente (53%, mais 2%). Ou próximo disso: Alcântara (48%, mais 2%) e Olivais (49%, mais 1%). A exceção foi Carnide (45%), onde o PCP ganha a junta de freguesia e mobiliza para isso (há aqui uma enorme diferença entre as votações para a freguesia e a câmara). Mas mesmo aí a abstenção subiu 1%.

Pelo contrário, as freguesias tradicionalmente de direita, mais elitistas, onde esta ganhou claramente, tiveram abstenções inferiores que desceram: Belém (42%, menos 2%), Avenidas Novas (44%, menos 2%), Alvalade (44%, menos 2%), Areeiro (45%, menos 2%), Estrela (46%, menos 1%). A abstenção subiu nas freguesias que votam tradicionalmente mais à esquerda e desceu nas que votam mais à direita.

E a esquerda que foi votar manteve a dispersão, mais do que a direita. O BE, que teve um mandato atribulado, perdeu votos, mas segurou o vereador. A CDU reforçou, em contraciclo com a queda da esquerda na cidade e a queda do partido no país. A esquerda achou que a vitória estava garantida. Medina estava eleito. Estava-se a discutir com quem ele ia governar, como se viu nos debates.

Em autárquicas não há geringonças. A esquerda, apesar de ter a maioria dos votos e dos eleitos na Câmara e na Assembleia Municipal, não governará. São estas as regras do jogo. Tem quatro anos para preparar uma alternativa, provavelmente conjunta, se quiser não sofrer a mesma derrota mesmo tendo a maioria dos lisboetas. Até lá, Carlos Moedas terá de dialogar para aprovar orçamentos, como acontece com quem não tem maiorias. Sem vereador da IL e do Chega, terá mesmo de ser com o PS. E a lista de Medina foi uma lista para governar, adivinhando-se várias desistências substituídas por vereadores de segunda linha. 

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27.9.21

Semáforo laranja para o PS

 


«O PS pode declarar-se vencedor destas autárquicas — tem mais câmaras do que o PSD e mantém a presidência da Associação Nacional de Municípios —, embora o até agora presidente desta, Manuel Machado, tenha perdido com estrondo a Câmara de Coimbra. Mas depois destas autárquicas nada será como dantes. A erosão do poder foi evidente. A queda de Lisboa é um sinal óbvio de que existe um descontentamento que ainda não chegou às sondagens — o que fez com que, até à última hora, ninguém acreditasse nas possibilidades do candidato do PSD-CDS, Carlos Moedas.

António Costa quis falar ao país antes de ser conhecida a derrota de Fernando Medina em Lisboa, o que, em si, é todo um programa. Medina foi simpático ao dizer que a sua derrota era “pessoal e intransmissível" mas dificilmente é possível dissociar o secretário-geral do PS e primeiro-ministro à queda, para o PSD, da capital do país. Se se associar ao desastre de Lisboa a queda de Coimbra para o PSD e o resultado miserável dos socialistas no Porto, estas autárquicas são obviamente um semáforo laranja para o PS. É hora do “páre, escute, olhe” antes que chegue mesmo o fim de ciclo. A rodovia e a ferrovia dão imensas metáforas para tempos que não são seguramente o pântano de há 20 anos — quando a queda de várias câmaras levou António Guterres, já muito desgastado no Governo, a demitir-se. Mas são um alerta para o PS, que já vai com seis anos de Governo sem maioria absoluta, mas às vezes com absoluta arrogância.

Se António Costa fizer uma leitura “fina” destes resultados eleitorais, vai objectivamente concluir que o melhor para o seu futuro político - e, quem sabe, para o PS - será abandonar o Governo e o partido antes do fim da legislatura. Empenhou-se como nunca nesta campanha, quase como se tratasse de legislativas, e tanto a vitória como o amargo de boca também lhe pertencem. Uma nova candidatura em 2023, oito anos depois, pode não ser o melhor projecto de vida. E também aprendemos nesta noite eleitoral que as sondagens que dão o PS em alta podem não estar certas - eram as mesmas que davam maioria absoluta a Fernando Medina.

Outra saída a que devemos estar atentos é a de Jerónimo de Sousa do cargo de secretário-geral do PCP. Na sua face triste, a anunciar que os comunistas tinham ficado abaixo das expectativas, havia qualquer coisa de despedida.»

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Autárquicas: a tentar entender...

 


... a barafunda dos resultados. Não está fácil.
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Autárquicas: «A situação é desesperada, mas não é grave»

 


Fui-me deitar com a frase que pus em título na cabeça. No dia de ontem, (quase) todos perderam mas a vida continua, não temos um vulcão a lançar lava, nem talibãs à cabeça de qualquer município.

A esquerda da esquerda perdeu – e muito –, o PS ganhou em números, mas perdeu em «almas»: o que nos foi mostrado pelos OCS, e em especial pelas TVs, foi desesperante, porque António Costa se enganou de campanha, matraqueou-nos com uma bazuca que tapou tudo o resto e talvez tenha recebido um cartão amarelo. A direita da direita não foi longe – graças a um manto de bom senso que ainda nos protege. O centro direita também perdeu mas menos: Rui Rio pode respirar de alívio e a vitória em Lisboa foi uma belíssima flor que pôs na lapela.

Moedas, sim, ganhou com a inesperada vitória na principal câmara do país. Fiquei feliz? Claro que não, mas estou a léguas de dramatizar.

Bom dia e boa sorte.
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26.9.21

Querido Certificado de Vacinação

 


Ufa, lá cumpriu a sua função! No último dia em que é necessário mostrá-lo para comer dentro de um restaurante, controlaram o meu pela primeira vez (que podia / devia ter sido exigido em todos os últimos fins de semana). Portugueses somos e lá nos vamos safando – enfim, mais ou menos.
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Em dia de eleições

 


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Extenuado

 


Já reflecti tudo, estou extenuado.
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Podem os homens que têm tanto medo das mulheres governar o Afeganistão?



 

«Na década de sessenta do século passado, quando os países do Médio Oriente se levantaram contra as potências coloniais, o Islão foi incorporado como elemento constitutivo do movimento de libertação nacional na maioria dos países árabes, com exceção da Arábia Saudita que sempre esteve fechada no seu mundo absolutista da dinastia da casa Saud.

O movimento do chamado renascimento árabe Al Bath na Síria e no Iraque, a FLN na Argélia com Houari Boumediene, no Egito de Nasser, no Iémen do Sul são exemplos vibrantes de sociedades renascidas da ocupação em que o papel das mulheres assumiu relevo.

Era perfeitamente possível ver nas ruas do Cairo, Aden, Argel, Damasco ou Bagdad jovens namorados e casais de braço dado e era muito raro encontrar mulheres nos centros urbanos de cara tapada com hijab ou nicab e muito menos com burqa.

Na OLP era perfeitamente visível o extraordinário papel das mulheres na luta mais geral do povo palestiniano pelo direito a edificar o seu Estado livre e soberano da ocupação israelita.

Estes países tinham uma conceção do islão que permitiu aos movimentos de libertação nacional integrá-lo de forma positiva nesse quadro político e sociológico.

O Afeganistão dos anos 60/70 era nesta matéria um país ainda mais avançado nos grandes centros urbanos onde as mulheres tinham o seu papel nos mais variados setores da vida económica, social e cultural.

A partir dos anos oitenta, a Arábia Saudita com todo o seu poderio financeiro e económico foi investindo um pouco por todos os países árabes e muçulmanos grandes somas para difundir a sua conceção fundamentalista e retrógrada do islão. Financiavam a construção de mesquitas, enviavam religiosos e acenavam com novos investimentos.

A Arábia Saudita espalhou por todo o mundo muçulmano os seus pregadores e as suas escolas de difusão do wahabismo sunita, a versão mais fundamentalista e retrógrada do islão.

Com a invasão do Afeganistão pela URSS, a Arábia Saudita investiu com os EUA somas incalculáveis de dólares no apoio aos autodesignados mujahedin

A implosão da URSS também contribuiu para uma viragem do nacionalismo árabe para uma visão fundamentalista que a Arábia Saudita impulsionou. Fez medrar uma nova guinada no sentido do mais recalcitrante conservadorismo que foi da Al-Qaeda ao Daesh, ao Hamas, e aos taliban apoiados pelo Paquistão e saídos das entranhas da guerra contra a URSS e que os EUA e a Arábia Saudita apoiaram.

Como sempre seguindo as peugadas da História as criaturas foram nos seus desígnios muito para além dos seus criadores.

A desastrosa invasão do Iraque criou em todo o mundo muçulmano um desespero e uma revolta que muito contribuiu para esta viragem nos valores do Islão dada a ausência de alternativas no plano das políticas dos países árabes. O Islão apareceu aos muçulmanos como a sua única identidade.

Esta nova visão misógina e retrógrada, própria das sociedades tribais de mentalidade atrasada, foi promovida pela Arábia Saudita.

O papel da mulher na Arábia Saudita serviu também de inspiração aos taliban. Foi daquele país que se transpôs a sharia para ser a lei fundamental, ou seja, a Constituição do país, a qual não tem normas e resulta do que se diz do que o Profeta disse e de umas tantas citações do Corão.

Na Arábia Saudita as mulheres para estudarem precisam do parecer favorável de um familiar masculino, as escolas não são mistas; uma mulher que precise de uma intervenção cirúrgica tem de ter o parecer favorável do familiar masculino mais próximo e têm obrigatoriamente de ser vistas por médicas. Não podem andar na rua sós. Nas mesquitas em que podem entrar, ficam atrás dos homens. O seu depoimento como testemunhas vale metade do dos homens e no direito sucessório recebem metade do que recebem os herdeiros homens. Já podem tirar carta de condução, mas não é fácil.

Os jihadistas sunitas beberam até a última gota este fel/inferno que impõem às mulheres onde tomam o poder desconsiderando e perseguindo-as como seres inferiores. 

Os taliban acabam de criar o Ministério da Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, encarregado de promover a pureza da sharia.

Num mundo em que o tempo acelera, os talibans vão tentar impor o regresso ao passado com todo o cortejo de horrores. Não querem que as mulheres calcem sapatos para não ouvirem o barulho que fazem as suas pernas a andar na rua porque os perturba.

Podem os homens que têm tanto medo das mulheres governar um país? Vamos ver.»

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