«Mesmo quando a vitória lhe permite, Rui Rio não consegue manter a gravitas de ficar-se pelo que é politicamente relevante. E lá vieram as queixas em relação às sondagens. Sim, elas falharam. Na realidade, não sabemos se falharam. Porque elas não são um ato de adivinhação. Elas falam do momento em que foram feitas. E até agem sobre a realidade.
A direita quase toda junta teve mais um ponto percentual do que o PS, em Lisboa. Contando com IL e Chega, a direita teve, no conjunto, 43%. A esquerda (incluindo nela o PAN), 53%. Há uma transferência de votos para a direita, é verdade. Mas no momento em que se julgava que Moedas podia perder por pouco começou logo a sentir-se a pressão sobre a IL, por ter impedindo o voto útil. Então, o que dizer sobre os 17% de votos à esquerda de Medina?
Numa eleição em que a direita quase toda unida ganhou por pouco, a esquerda à esquerda do PS segurou a sua votação (perdeu, em conjunto, 1500 votos, apesar da subida do PCP em 1400). Em contraciclo com o que aconteceu no país, aliás. Porquê? Porque havia um descontentamento do eleitorado de esquerda com Medina. E porque Medina nunca se conseguiu libertar da arrogância, que era o seu calcanhar de Aquiles.
Não está em causa a vitória de Moedas e o desastre de Medina, que perdeu 25 mil votos. Mas numa eleição ganha por poucos e em minoria vale a pena estar atento aos pormenores. E Rui Rio chamou à atenção para um, queixando-se: as sondagens. Elas contaram. Mas contra Fernando Medina. Deram a sua eleição como certa.
A esquerda (incluindo PAN) perde 27,8 mil votos, a direita conquista mais 23,8 mil. A esquerda perde mais 4 mil votos do que a direita conquistou. Ou seja, para além das perdas para a direita, uma parte da esquerda desmobilizou. Não é adivinhação. Basta olhar para os números. E poucos votos fazem, com uma margem tão curta entre Medina e Moedas, toda a diferença.
As freguesias mais populares, tradicionalmente de esquerda, onde esta ganhou mais uma vez claramente, tiveram quase todas abstenções superiores a 50%. E em todas elas a abstenção subiu. Santa Maria Maior (61%, mais 4% do que há quatro anos), Marvila (59%, mais 2%), Santa Clara (59%, mais 1%), Penha de França (55%, mais 2%), Ajuda (53%, mais 3%), São Vicente (53%, mais 2%). Ou próximo disso: Alcântara (48%, mais 2%) e Olivais (49%, mais 1%). A exceção foi Carnide (45%), onde o PCP ganha a junta de freguesia e mobiliza para isso (há aqui uma enorme diferença entre as votações para a freguesia e a câmara). Mas mesmo aí a abstenção subiu 1%.
Pelo contrário, as freguesias tradicionalmente de direita, mais elitistas, onde esta ganhou claramente, tiveram abstenções inferiores que desceram: Belém (42%, menos 2%), Avenidas Novas (44%, menos 2%), Alvalade (44%, menos 2%), Areeiro (45%, menos 2%), Estrela (46%, menos 1%). A abstenção subiu nas freguesias que votam tradicionalmente mais à esquerda e desceu nas que votam mais à direita.
E a esquerda que foi votar manteve a dispersão, mais do que a direita. O BE, que teve um mandato atribulado, perdeu votos, mas segurou o vereador. A CDU reforçou, em contraciclo com a queda da esquerda na cidade e a queda do partido no país. A esquerda achou que a vitória estava garantida. Medina estava eleito. Estava-se a discutir com quem ele ia governar, como se viu nos debates.
Em autárquicas não há geringonças. A esquerda, apesar de ter a maioria dos votos e dos eleitos na Câmara e na Assembleia Municipal, não governará. São estas as regras do jogo. Tem quatro anos para preparar uma alternativa, provavelmente conjunta, se quiser não sofrer a mesma derrota mesmo tendo a maioria dos lisboetas. Até lá, Carlos Moedas terá de dialogar para aprovar orçamentos, como acontece com quem não tem maiorias. Sem vereador da IL e do Chega, terá mesmo de ser com o PS. E a lista de Medina foi uma lista para governar, adivinhando-se várias desistências substituídas por vereadores de segunda linha.
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