«A era pós-Guerra Fria acabou. O fim chegou lenta e repentinamente com a retirada abrupta e caótica dos Estados Unidos do Afeganistão.
Muitos europeus foram forçados a abandonar os seus sonhos de rumar a um “mundo único” governado pela interdependência económica e pela política multilateral. Mas eles não sabem o que vai acontecer. Nos últimos tempos, os analistas têm frequentemente escrito sobre o mundo a “voltar ao normal” e encorajando-nos a pôr de lado as estruturas geopolíticas mais tradicionais para entender os assuntos internacionais.
No final do século XIX, duas grandes teorias competiram para definir o mapa do poder do século XX. A primeira - melhor descrita pelo estratega naval americano Alfred Thayer Mahan - afirmava que as tecnologias emergentes dos enormes navios movidos a combustíveis fósseis implicavam que quem quer que detivesse o comando dos mares controlaria o mundo. O segundo foi exemplificado pelo teórico britânico Halford Mackinder, cuja teoria central afirmava que, na era dos caminhos-de-ferro, o poder fluía para aqueles que controlavam a grande massa de terra e os abundantes recursos naturais da Eurásia. Estas teorias implicaram diferentes mapas do mundo e diferentes estratégias para prosperar no século XX. Os alemães seguiram o mapa de Mackinder até a ruína final; os americanos usaram o mapa de Mahan e prosperaram. Independentemente do destino, é importante usar o mapa certo.
Então, que mapa de poder explicaria o mundo moderno?
Os europeus esperavam que fosse definido por fluxos de bens e serviços, em vez de blocos geopolíticos, e pelos direitos dos indivíduos, em vez de Estados concorrentes. Tentaram construir um novo mundo baseado na soberania conjunta, na interdependência mutuamente benéfica e em normas que todos iriam aceitar. Mas a soberania nacional mostrou-se muito resiliente, a interdependência muito ambígua e as normas muito contestadas.
Ao mesmo tempo, o novo mundo não é simplesmente um retorno a velhos conceitos, uma projecção geográfica baseada na terra ou no mar. No mapa antigo, os estados eram entidades bem definidas que se protegiam da influência de outros. Fazia sentido, portanto, mapear o poder geograficamente. Num mundo globalizado, no entanto, a interdependência é uma realidade.
Numa era em que o conflito entre potências nucleares é muito perigoso, os Estados usam cada vez mais a interdependência uns contra os outros. O poder já não é definido pelo controlo da terra ou dos oceanos, ou mesmo pela influência normativa do “soft power”. Agora é definido pelo controlo sobre os fluxos de pessoas, bens, dinheiro e dados e por meio das ligações que estabelecem. À medida que os estados competem para controlar essas ligações e as dependências que elas criam, esses fluxos atravessam esferas sobrepostas de influência - moldando o novo mapa do poder geopolítico. O jornalista Thomas Friedman afirmou certa vez que a globalização levaria a um mundo plano. Mas, na realidade, o mundo é montanhoso e entrecruzado por redes nas quais alguns poderes são muito mais centrais do que outros. A natureza dos laços que os unem cria grandes oportunidades para exercer poder e influência.
Esta batalha por influência estende-se por sete terrenos: economia, tecnologia, pessoas, cultura, militar, clima e saúde.
No terreno económico, penalizações equitativas e acesso a mercados - juntamente com outras ferramentas económicas, como controlos de exportação, sanções e regulamentações de dados - tornaram-se o principal campo de batalha não militar da política de grande poder.
No terreno da tecnologia, as batalhas de hoje são sobre infra-estruturas digitais, matérias-primas essenciais e novos sectores, como a inteligência artificial (IA), o controlo dos fluxos de dados e o armazenamento, semicondutores, 5G e equipamentos móveis e tecnologia quântica, bem como a definição de padrões para novas tecnologias.
As alterações climáticas e a transição de uma economia movida a carbono também estão a mudar a dinâmica do poder no mundo de hoje. Uma grande proporção dos recursos remanescentes de petróleo, gás e carvão tornar-se-ão activos perdidos - com consequências potencialmente devastadoras para os principais exportadores.
No terreno das pessoas, Fiona Adamson e Kelly Greenhill argumentam que os “trabalhadores migrantes, refugiados, turistas, estudantes, expatriados e elites globais emergem como potenciais peças de um tabuleiro de xadrez estratégico no qual os estados competem por vantagem e influência”.
Novas tecnologias e novas alianças estão a mudar o equilíbrio de poder no terreno militar, onde os gastos no ano passado alcançaram a marca de 2 biliões de dólares (dos quais quase 40% contabilizados por um único país, os Estados Unidos).
A pandemia de covid-19 transformou o terreno da saúde num campo de batalha geopolítico. Os governos entraram numa competição feroz por produtos médicos que poderão ajudá-los a reduzir as taxas de doença e permitir que a actividade económica regresse ao normal. A saúde pública tornou-se um indicador central da eficácia governamental num momento de competição sistémica.
Em última análise, a capacidade de os estados usarem os seus recursos de poder tem muito a ver com normas culturais. Há hoje um clima de “descolonização cultural” - que substitui o universalismo da Guerra Fria e o “fim da história”.
Em conjunto, estes sete terrenos formam um novo mapa de poder. Demonstram que, no mundo moderno, o poder é exercido não por navios de guerra que passam por águas contestadas, mas por pessoas, bens, dinheiro e dados que passam pelos múltiplos domínios contestados da conectividade. Mapeando os terrenos do poder de novas formas, podemos entender melhor as acções e estratégias de uns e outros - e este pode ser o primeiro passo para descobrir como conviver mais pacificamente.
Se não lerem os mapas certos, os nossos líderes podem, literalmente, ver-se perdidos na nossa nova Era da Não-Paz.»
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