11.12.21

A Póvoa

 


Póvoa de Varzim, anos 50/60.
Fotografia de Artur Pastor.
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Maioria absoluta?

 

«Muitas vezes falamos da arrogância de António Costa. Sem ela é impossível perceber a forma como lidou, nesta legislatura, com supostos parceiros que quis transformar em reféns. Não foi em 2015, em que sem eles nem sequer seria chamado a governar, que Costa a revelou. Foi quando se reforçou, em 2019. Venha essa posição a reforçar-se mais que a arrogância também se reforçará. Viesse a ter maioria absoluta, num paí.s em que são tão frágeis os contrapesos sociais, cívicos e institucionais, e encontraríamos nele a cultura de liderança que experimentámos com Cavaco Silva e José Sócrates.»

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Rendeiro e televisões



Um país que aguenta que TODAS as estações de TV dediquem horas e horas à detenção de Rendeiro, sem reagir a não ser com lamúrias (e tenho consciência de que isto não passa de mais uma…), nem o Sol e o belo tempo de Inverno que está a ter merece.
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Pandemias e crueldades

 


«Não é verdade, mas por vezes parece que a hipocrisia e a maldade humanas não têm limites.

Quando observamos as profundas desigualdades e injustiças com que se tratam os países e os povos na gestão da pandemia, a secundarização dos impactos das alterações climáticas e ambientais, a contínua pregação do medo como forma de submeter as pessoas, vemos o Mundo a tornar-se insustentavelmente cruel.

Esta semana a Unicef, Agência das Nações Unidas para a Infância, disse-nos que "A covid-19 afetou as crianças numa escala sem precedentes, tornando-se a pior crise a que a Unicef assistiu nos seus 75 anos de história". Temos agora "mais 100 milhões de crianças a viver em situação de pobreza multidimensional", ou seja, sofrendo de uma ou várias privações: fome, nutrição desadequada, falta da prestação de serviços essenciais, ausência de cuidados gerais de saúde e de bem-estar mental, inexistência de Escola e de condições de educação, trabalho infantil, abusos de diverso tipo, inclusive casamento forçado.

Segundo a Unicef, a situação continuará a piorar em resultado da pandemia, provocando o retrocesso de uma década, e o lema "primeiro as crianças" nunca "foi tão crítico como hoje". Dos pouco mais de dois mil milhões de crianças que temos no plano global, "426 milhões vivem em zonas de conflitos" que estão a agravar-se, e "mil milhões" - quase metade das crianças do Mundo - estão em países que correm "altíssimo risco", por efeito das alterações climáticas. Esta vergonhosa realidade não pode ser notícia do dia e logo esquecida. Exigem-se políticas públicas que ataquem as origens deste drama, uma forte ação solidária em vários patamares, a responsabilização de todos os poderes e dos cidadãos. Não é tempo de paninhos quentes. Perante situações de miséria e de exploração humana, deparamo-nos amiúde com opiniões de "instalados na vida" proclamando que "todos gostaríamos que assim não fosse". Trata-se de um exercício de hipocrisia. Quando surgiu a covid- 19 disse-se - com douta sabedoria e lato consenso - que estávamos perante "uma pandemia democrática", pois atingia todos de forma igual. Essa mentira serviu para esconder injustiças desde a primeira hora patentes nas políticas que iam sendo adotadas.

Os países com o Estado organizado e capacitado para agir, garantiram (e continuam a garantir) muita mais proteção aos seus cidadãos que os outros que não têm um Estado a funcionar em pleno. Mas mesmo nos primeiros vimos os trabalhadores precários, as mulheres, as crianças e os mais pobres a sofrerem mais. Os cofres dos estados dos países com recursos foram em socorro das pessoas e das empresas, com aplauso de todos os liberais. Todavia, os grandes potentados económicos e financeiros de várias áreas promoveram negócios escandalosos, apoderaram-se, em pouco tempo, de fortunas colossais, sugando indiscriminadamente. Os números divulgados pela Unicef confirmam que é preciso a miséria de milhões para criar um muito rico.

Vivemos num Mundo com organismos mundiais estruturados, como as Nações Unidas, temos direitos e deveres universais reconhecidos, nomeadamente a Carta dos Direitos Humanos que ontem completou 73 anos de existência, mas basta abrir-se uma pequena brecha e o sistema político e económico dominante logo nos vem mostrar que com ele não há direitos irreversíveis e que a justiça e a igualdade são meras ilusões. O egoísmo e a crueldade humana são perigosamente deixados à rédea solta.»

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10.12.21

Vacinação das crianças



38 páginas à disposição para satisfazem a vossa curiosidade AQUI.
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Enigma ou nem por isso

 


Nalguns tipos de serviços em estabelecimentos de nível médio que frequento – e cito, a título de exemplo restaurantes, mas há mais – a movimentação de saídas e entradas de empregados é, neste momento, estonteante.

Os mais experientes dizem aos clientes que conhecem que é o seu meu último dia de trabalho naquele local e confessam que vão ganhar mais num outro estabelecimento da mesma área de negócio. Há papéis nas vitrines a pedir empregados e lá vão aparecendo novas caras e, sobretudo, novas mãos que, claramente, nunca «mexeram» naquilo que estão a fazer: experiência igual a zero.

Quem quiser que tire conclusões.
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Efeitos colaterais

 


(Que o humor nos ajude...)
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O novo atlas do poder

 


«A era pós-Guerra Fria acabou. O fim chegou lenta e repentinamente com a retirada abrupta e caótica dos Estados Unidos do Afeganistão.

Muitos europeus foram forçados a abandonar os seus sonhos de rumar a um “mundo único” governado pela interdependência económica e pela política multilateral. Mas eles não sabem o que vai acontecer. Nos últimos tempos, os analistas têm frequentemente escrito sobre o mundo a “voltar ao normal” e encorajando-nos a pôr de lado as estruturas geopolíticas mais tradicionais para entender os assuntos internacionais.

No final do século XIX, duas grandes teorias competiram para definir o mapa do poder do século XX. A primeira - melhor descrita pelo estratega naval americano Alfred Thayer Mahan - afirmava que as tecnologias emergentes dos enormes navios movidos a combustíveis fósseis implicavam que quem quer que detivesse o comando dos mares controlaria o mundo. O segundo foi exemplificado pelo teórico britânico Halford Mackinder, cuja teoria central afirmava que, na era dos caminhos-de-ferro, o poder fluía para aqueles que controlavam a grande massa de terra e os abundantes recursos naturais da Eurásia. Estas teorias implicaram diferentes mapas do mundo e diferentes estratégias para prosperar no século XX. Os alemães seguiram o mapa de Mackinder até a ruína final; os americanos usaram o mapa de Mahan e prosperaram. Independentemente do destino, é importante usar o mapa certo.

Então, que mapa de poder explicaria o mundo moderno? Os europeus esperavam que fosse definido por fluxos de bens e serviços, em vez de blocos geopolíticos, e pelos direitos dos indivíduos, em vez de Estados concorrentes. Tentaram construir um novo mundo baseado na soberania conjunta, na interdependência mutuamente benéfica e em normas que todos iriam aceitar. Mas a soberania nacional mostrou-se muito resiliente, a interdependência muito ambígua e as normas muito contestadas.

Ao mesmo tempo, o novo mundo não é simplesmente um retorno a velhos conceitos, uma projecção geográfica baseada na terra ou no mar. No mapa antigo, os estados eram entidades bem definidas que se protegiam da influência de outros. Fazia sentido, portanto, mapear o poder geograficamente. Num mundo globalizado, no entanto, a interdependência é uma realidade.

Numa era em que o conflito entre potências nucleares é muito perigoso, os Estados usam cada vez mais a interdependência uns contra os outros. O poder já não é definido pelo controlo da terra ou dos oceanos, ou mesmo pela influência normativa do “soft power”. Agora é definido pelo controlo sobre os fluxos de pessoas, bens, dinheiro e dados e por meio das ligações que estabelecem. À medida que os estados competem para controlar essas ligações e as dependências que elas criam, esses fluxos atravessam esferas sobrepostas de influência - moldando o novo mapa do poder geopolítico. O jornalista Thomas Friedman afirmou certa vez que a globalização levaria a um mundo plano. Mas, na realidade, o mundo é montanhoso e entrecruzado por redes nas quais alguns poderes são muito mais centrais do que outros. A natureza dos laços que os unem cria grandes oportunidades para exercer poder e influência.

Esta batalha por influência estende-se por sete terrenos: economia, tecnologia, pessoas, cultura, militar, clima e saúde.

No terreno económico, penalizações equitativas e acesso a mercados - juntamente com outras ferramentas económicas, como controlos de exportação, sanções e regulamentações de dados - tornaram-se o principal campo de batalha não militar da política de grande poder.

No terreno da tecnologia, as batalhas de hoje são sobre infra-estruturas digitais, matérias-primas essenciais e novos sectores, como a inteligência artificial (IA), o controlo dos fluxos de dados e o armazenamento, semicondutores, 5G e equipamentos móveis e tecnologia quântica, bem como a definição de padrões para novas tecnologias.

As alterações climáticas e a transição de uma economia movida a carbono também estão a mudar a dinâmica do poder no mundo de hoje. Uma grande proporção dos recursos remanescentes de petróleo, gás e carvão tornar-se-ão activos perdidos - com consequências potencialmente devastadoras para os principais exportadores.

No terreno das pessoas, Fiona Adamson e Kelly Greenhill argumentam que os “trabalhadores migrantes, refugiados, turistas, estudantes, expatriados e elites globais emergem como potenciais peças de um tabuleiro de xadrez estratégico no qual os estados competem por vantagem e influência”.

Novas tecnologias e novas alianças estão a mudar o equilíbrio de poder no terreno militar, onde os gastos no ano passado alcançaram a marca de 2 biliões de dólares (dos quais quase 40% contabilizados por um único país, os Estados Unidos).

A pandemia de covid-19 transformou o terreno da saúde num campo de batalha geopolítico. Os governos entraram numa competição feroz por produtos médicos que poderão ajudá-los a reduzir as taxas de doença e permitir que a actividade económica regresse ao normal. A saúde pública tornou-se um indicador central da eficácia governamental num momento de competição sistémica.

Em última análise, a capacidade de os estados usarem os seus recursos de poder tem muito a ver com normas culturais. Há hoje um clima de “descolonização cultural” - que substitui o universalismo da Guerra Fria e o “fim da história”.

Em conjunto, estes sete terrenos formam um novo mapa de poder. Demonstram que, no mundo moderno, o poder é exercido não por navios de guerra que passam por águas contestadas, mas por pessoas, bens, dinheiro e dados que passam pelos múltiplos domínios contestados da conectividade. Mapeando os terrenos do poder de novas formas, podemos entender melhor as acções e estratégias de uns e outros - e este pode ser o primeiro passo para descobrir como conviver mais pacificamente.

Se não lerem os mapas certos, os nossos líderes podem, literalmente, ver-se perdidos na nossa nova Era da Não-Paz.»

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9.12.21

Sintra

 


Sintra, anos 60/70.
Fotografia de Artur Pastor.
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A minha Universidade



 

A minha querida Universidade, hoje Katholieke Universiteit Leuven, mas que, até 1970, incluía também a actual Université Catholique de Louvain, foi fundada em 9 de Dezembro de 1425. Nem sei quantas centenas de horas terei passado nesta magnífica Biblioteca, mas de uma coisa não duvido: sem ter estado quase seis anos da minha vida nesta Universidade, podia ser hoje não sei exactamente o quê, mas certamente não aquilo que sou.
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Mulheres (não vão) ao poder

 


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Futebol: o estado do silêncio



 

«A última assembleia geral do Bayern Munique, no final do mês passado, foi tumultuosa. Os trabalhos foram interrompidos por um grupo de sócios que exige discutir o fim da relação do clube com a Qatar Airways e que contesta as ligações ao país onde se vai realizar o próximo campeonato do mundo de futebol. O Bayern pode ter um registo imparável na Liga alemã, navegar à vontade na Champions, respirar saúde financeira, ser uma das maiores marcas desportivas do mundo e ainda há adeptos que exigem aos seus dirigentes que se preocupem com as violações dos direitos humanos...

O contraste com o ambiente que rodeia os clubes nacionais não poderia ser maior. Não custa falar de um diferente estado civilizacional. Ao longo de muitos anos, com picos como o dos últimos meses, dirigentes, jogadores e empresários têm surgido em casos de corrupção, fraude fiscal, lavagem de dinheiro, desvio de verbas, gestão danosa. Mas, na esmagadora maioria dos casos, os adeptos respondem a isso com silêncio.

É trágico que assim seja, porque poucas actividades têm tanto impacto na nossa vida colectiva como esta, capaz de alimentar com tanta paixão laços de comunidade, de união, de vontade de superação. Para uma sociedade, felizmente, cada vez mais exigente no combate à corrupção, é de uma enorme hipocrisia que seja tão muda a conviver com o que se passa no futebol – que não poupa nenhuma camada, como se pode ler no trabalho publicado hoje – e com as suspeitas que rodeiam os principais dirigentes, mesmo que seja de delapidarem o clube em proveito próprio, como acontece com o Benfica e com o FC Porto.

Para já, estamos no estado civilizacional do silêncio, em que é mais fácil os maus resultados desportivos encherem os estádios de lenços brancos do que casos criminais levarem à contestação de dirigentes. Mas há sinais de mudança. As investigações de jornais como o PÚBLICO, o trabalho das autoridades, que já não esperam que um dirigente deixe de o ser para o investigar, tornam cada vez mais visível o que não deve ser tolerado no mundo do futebol, como em nenhum outro sector da sociedade.

É provável que os apelos dos sócios do Bayern não sejam atendidos, até porque os clubes já não são verdadeiramente dos seus sócios. Mas as grandes marcas, como o clube alemão de futebol, sabem que dependem muito da opinião dos consumidores. E num outro estádio civilizacional a sua voz é cada vez mais determinante em questões que envolvam direitos humanos. Mesmo que partamos atrasados, não devíamos deixar de seguir o caminho dos adeptos do Bayern.»

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8.12.21

John Lennon

 



41 anos sem ele.
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Quando eu perdi uma Nossa Senhora

 


Quando chega o 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, lembro-me às vezes de um pavilhão ao ar livre que servia de sala de aula ao que hoje seria a minha pré-primária, com um calor absolutamente abrasador de um Verão moçambicano, não muito longe da praia da Polana.

Devia ter uns quatro ou cinco anos e tive o primeiro choque religioso de que guardo memória, quando percebi que só havia uma Nossa Senhora e não duas, tão diferentes que me habituara a vê-las! A da Conceição sempre me tinha parecido mais bonita do que a outra porque tinha aos pés muitos anjinhos e não umas pobres alpercatas, pairava nas nuvens e não em cima de uma árvore mais ou menos raquítica, marcava no calendário o Dia da Mãe (e a minha até se chamava Conceição…) e devia ser mais importante porque dava direito a um dia com praia e sem escola.

«Avant la lettre», talvez achasse mais do que normal que uma criança que tinha dois pais não ficasse atrás no que às mães dizia respeito…
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Parece que será de novo deputado e diz-se que tem grandes hipóteses de substituir Ferro Rodrigues na presidência do Parlamento, se o PS ganhar as eleições e embora haja outros que também apreciassem o cargo. Quem puder que se alegre com a ideia neste cinzento feriado.
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Covid-19, aumento das desigualdades e eleições



 

«As estatísticas são muitas vezes difíceis de compreender, mas quando mostram que os 10% mais abastados do planeta possuem três quartos da riqueza global e que a metade mais pobre da humanidade se fica pelos 2% a sua clareza não podia ser maior. Os dados são do Relatório Mundial das Desigualdades (World Inequalies Repport), elaborado por uma equipa onde se inclui o economista-estrela francês Thomas Piketty e cuja conclusão mais chocante é de que a pandemia fez aumentar o fosso entre ricos e pobres, e isto apesar da intervenção dos governos nos países mais desenvolvidos para protegerem as camadas mais frágeis da população, mesmo que a custo de endividamento recorde. A valorização do imobiliário e dos mercados financeiros fez mesmo com que os magnatas espalhados pelo mundo reforçassem a sua riqueza em quatro biliões de dólares (trillions para os anglo-saxónicos), o que é mais do que o PIB da Índia, mais do dobro do PIB do Brasil ou ainda 16 vezes o PIB de Portugal.

Um mapa das desigualdades no mundo evidencia que estas são sobretudo muito fortes no Brasil, México e Chile e ainda na África Austral, também fortes em vários outros países da América Latina além dos já citados, no Golfo Pérsico e na Índia, e que a Europa Ocidental se destaca em sentido contrário, por ser a região do mundo menos desigual. Os bons resultados europeus têm muito que ver, explicam os especialistas, com as enraizadas políticas de redistribuição da riqueza, que atenuam parte do fosso naturalmente criado pelo capitalismo. Mas sem reforço do ensino público de qualidade e de um serviço nacional de saúde também de qualidade, mesmo na Europa Ocidental as desigualdades correm risco de aumentar.

Duas outras estatísticas reveladas por este relatório dão conta de realidades evidentes, mas nem sempre abordadas: as mulheres, que são 49,6% dos 7,9 mil milhões de habitantes do planeta, apenas possuem 35% da riqueza; os 10% mais ricos são responsáveis por 48% das emissões de carbono. Ou seja, a luta contra as desigualdades sociais passa também por uma luta contra a discriminação sexual e o combate às alterações climáticas exige uma espécie de fiscalidade verde, que obrigue os mais poluidores a financiar a revolução energética.

O nome Piketty, que se tornou célebre depois do livro O Capital no Século XXI, ajuda, sem dúvida, à divulgação deste relatório, mas em termos gerais segue a linha de anteriores estudos. E obriga a refletir se estamos satisfeitos com o rumo das coisas ou se, pelo contrário, as queremos mudar. E era interessante que estatísticas como estas, nada áridas, entrassem no debate político das próximas semanas em Portugal. Como vê cada partido esta bizarra consequência da covid-19 - a de enriquecer os ricos empobrecendo os pobres - e sobretudo como se pode atuar para a contrariar? No quadro nacional, como no internacional. Certamente que seria uma campanha eleitoral para as legislativas diferente.»

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7.12.21

Albufeira

 


Albufeira, anos 50/60.
Fotografia de Artur Pastor.
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Maçãs que mudaram o mundo?

 


Mais duas:

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Ary dos Santos

 



Seriam 85 hoje.
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O vírus ri-se das fronteiras

 


«No final de novembro de 2020, uma petição de 99 países, liderados pela África do Sul e pela Índia, pediu à Organização Mundial do Comércio que suspendesse as regras das patentes associadas a medicamentos, vacinas e tecnologia para combater a covid.

Só assim seria possível contrariar os efeitos do açambarcamento das vacinas pelos países ricos e proteger a população mundial. Já nessa altura, uma coligação de organizações não governamentais como a Oxfam e a Amnistia Internacional denunciou que 14% da população detinha 53% das vacinas e que, em cada dez pessoas dos países pobres, nove não teriam acesso à vacinação.

Contra todas as evidências científicas e contra a toda a racionalidade - humanitária ou mesmo egoísta (a baixa vacinação potencia o desenvolvimento de novas estirpes que se tornarão sempre globais) -, contra os apelos da Organização Mundial de Saúde e das Nações Unidas, os países mais ricos do Mundo impediram o levantamento das patentes. Nesse grupo esteve sempre a União Europeia, com o apoio do Governo português, protegendo os interesses das farmacêuticas em vez da população mundial.

A vacina contra a covid não se tornou um bem público, como defendia António Guterres, mas um fator de reprodução da pobreza e das desigualdades que dividem o Mundo.

Recentemente, uma nova variante SARS-CoV-2, a B.1.1.529., também conhecida por ómicron, foi identificada por cientistas na África do Sul, que imediatamente alertaram o Mundo para a sua descoberta. A nova variante foi encontrada por toda a Europa, onde as infeções aumentaram muito (ainda que com muito menos internamentos e sem qualquer morte). Não existe qualquer opinião científica consolidada sobre a perigosidade da ómicron face às variantes anteriores, ou sobre a sua resistência à vacina. A ausência de casos mortais estende-se aos países da África Austral, como a África do Sul e Moçambique. Ainda assim, contra todas as evidências e bom senso, a resposta dos países mais ricos do Mundo à descoberta da ómicron foi o encerramento das suas fronteiras aos viajantes de vários países africanos. Em vez de reconhecer o seu rigor e transparência da África do Sul, os países ricos decretaram o seu isolamento.

Na segunda-feira, 29 de novembro, Portugal suspendeu os voos para Maputo, mesmo sabendo que Moçambique registava, nesse momento, cinco novos casos de infeção, zero internamentos e zero mortes por covid. O escritor José Eduardo Agualusa, que embarcou no último voo de repatriamento de Maputo descreve uma situação de caos à chegada a Lisboa, num ambiente de apertado policiamento e "desrespeito total pelos direitos das pessoas e pelas regras básicas de distanciamento e higiene num contexto de pandemia".

Recusada a via da solidariedade e da defesa comum face ao vírus, os governos dos países ricos, dominados pelo calculismo e pela pressão xenófoba, erguem muros. Mas, como escrevem Agualusa e Mia Couto, os vírus não fazem distinção geográfica: "pode haver dois sentimentos de justiça. Mas não há duas pandemias".»

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6.12.21

Legítima defesa

 

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Francisco Assis

 



Entrevistado por Daniel Oliveira. Concorde-se ou não, há aqui muita informação e matéria para reflexão.
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Pois...

 

Pergunta para um milhão de dólares.
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Precisamos de uma nova estirpe de globalização

 


«António Guterres chamou-lhe “apartheid de viagens”. O secretário-geral da ONU condenou a injustiça de que a África do Sul foi objecto por ter detectado uma nova variante da covid-19. O facto de aquela variante ter sido referenciada primeiro naquele país deve-se, antes de mais, à experiência e conhecimento dos laboratórios sul-africanos e à sua rede de vigilância genómica do SARS-CoV-2 (que já tinha permitido identificar a variante Beta no fim de 2020).

Mas isso não pode ser motivo para que os países ocidentais tenham sido tão expeditos a interromper os voos com a África austral. Ao fazê-lo, como sublinham os cientistas, estão a quebrar o normal fornecimento de reagentes importantes para que os laboratórios continuem a fazer o seu trabalho, assim como de medicamentos, vacinas ou material de protecção individual.

A injustiça é ainda maior depois de sabermos que foram identificados casos de doentes infectados com a variante Ómicron nos Países Baixos, antes de esta ter sido revelada pelos cientistas sul-africanos. Historicamente, África sempre foi alvo de todo o tipo de estereótipos e de origem de todos os males.

Jennifer Nuzzo escrevia, na Foreign Affairs de Janeiro/Fevereiro deste ano, que a covid-19 revelou tanto a fragilidade das cadeias de abastecimento globais como a distribuição desigual de medicamentos e de material de protecção em todo o mundo. Nessa altura, a epidemiologista norte-americana, professora associada da Johns Hopkins, dizia que “os países de baixos rendimentos, em particular, sofreram uma grave escassez de máscaras respiratórias, luvas, batas, e muito mais”. Quase um ano depois, a vacinação desigual acentuou o fosso.

Uma pandemia não deixará de ser uma pandemia se essas disparidades se mantiverem. Não deixaremos de ter novas estirpes se o processo de vacinação não se tornar, também ele, global, como insiste a Organização Mundial da Saúde. Neste momento, não se trata, simplesmente, de solidariedade, mas também. É do maior interesse dos países ricos que assim seja.

A globalização tinha posto em causa a era dos Estados-nação, como dizia Giddens. Um vírus veio estorvar esse modelo de globalização económica e financeira e obrigar os países a empenharem-se mais no Estado-Providência do que na procura das vantagens competitivas do mercado global. A incógnita é saber se sobreviverá a uma pandemia que se renova. Chegados aqui, é de uma nova estirpe de globalização que precisamos.»

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5.12.21

Mais imprevisível do que porcos a andar de bicicleta

 


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Assim vamos no aeroporto da capital

 

«...Já sofri muito em aeroportos. Já passei por algumas situações caóticas. Nada que se pareça com o que se passou ontem, sábado, em Lisboa, à chegada do voo procedente de Maputo. Acho que nem nunca vi em toda a minha vida uma desorganização tão bem organizada. Em primeiro lugar os funcionários contratados para fazerem a triagem dos passageiros para o teste obrigatório (85 euros) eram poucos, mal treinados e muito mal informados. Embora estivesse nas primeiras filas demorei quase três horas até conseguir sair do aeroporto. Houve gritaria, tentativas de rebelião e até de fuga, que não resultaram, porque depois do teste nos colocaram pulseiras e quem não as tinha foi forçado a voltar para trás na polícia de fronteira (fecharam as cancelas automáticas). Enfim, um caos total e absoluto. Filas e mais filas. Famílias com crianças. Doentes. Tudo amontoado, num desrespeito total pelos direitos das pessoas e pelas regras básicas de distanciamento e higiene num contexto de pandemia. As bagagens empilhadas num canto e, já na saída, mais filas e mais polícias para controlar, uma última vez, quem tinha e não tinha testes. Uma vergonha!...»

José Eduardo Agualusa, hoje, no Facebook
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Mandela

 


Oito anos sem ele.
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Por uma zona de conforto para todos

 


«Nos últimos anos, a nossa realidade foi sendo maquilhada com linguagem motivacional de segunda. Antes da pandemia já era assim. Agora é quase pornográfico. Há dias, ao ver um vídeo de um daqueles gurus que nos querem transformar a todos em líderes de qualquer coisa, com uma linguagem vinda da gestão, fiquei atónito. Pensava que a coisa se havia atenuado no actual contexto, mas não. De duas em duas frases, lá surgia o é preciso “pensar fora da caixa” ou o “sair da zona de conforto.”

Uma zona de conforto remete para um ecossistema que cada um vai construindo com os seus recursos para superar problemas materiais ou afectivos básicos. Parece uma aspiração essencial que, infelizmente, está longe de ser cumprida por uma larga percentagem dos cidadãos. Como é evidente, só pode querer sair da tal zona quem nela já está. A maioria queria aceder-lhe, mas muitos, infelizmente, estão longe de o conseguir.

É por isso estranho que tal zona raramente seja referida em termos elogiosos. É quase sempre lugar a abandonar. Espaço de conformismo. Algo que impede o desenvolvimento. Um cenário de auto-satisfação. De resistência à mudança. Neste tipo de retórica, mais não se faz do que mascarar a realidade, forma de normalizar dificuldades económicas ou emocionais, em novas tendências, onde as contingências passam a ser vistas como opções. São termos utilizados para os mais diversos sofismas, como esse de transformar pobreza, provisório ou precariedade em flexibilidade ou cenoura para mais competitividade, todos eles apontando para a ideia de que a verdadeira existência começa onde termina a zona de conforto, visto aqui como lugar de resistência ao capital. Daí os estigmas.

Se nos cingirmos às definições mais canónicas, a zona de conforto está ligada à construção de espaços de equilíbrio em que o bem-estar, material ou emocional, sejam garantidos. Muita da nossa energia vai para a tentativa de neutralizar, até onde isso é possível — porque não existe vida sem ausência total de riscos — tudo o que possa ameaçar esse equilíbrio que almejamos. Não era preciso a pandemia ter vindo acentuar essa realidade, mas resulta incompreensível que estigmatizemos quem procura algum tipo de segurança no meio de um mar de imprevisibilidade e de impotência. O não saber o que vai acontecer amanhã, do ponto de vista económico ou mental, é o quotidiano de muita gente. O sentimento de insegurança está lá, alojado, há muito tempo. Dito isto, ter iniciativa e ideias próprias é necessário. Mas é a partir de uma estrutura mínima de confiança que se atravessam tormentas como uma pandemia, ou que se pode arriscar, como é desejável, seja no amor, ou no campo profissional.

Não é verdade que tendamos à inacção quando as questões de estabilidade pessoal são satisfeitas. Os itinerários estão longe de serem lineares. São cheios de paradoxos. Ansiamos por certezas, mas sentimos necessidade de saber mais. Exploramos para além do que percebemos. Testamos as nossas capacidades. Extrapolamos a partir da nossa experiência para novos cenários e outras pessoas. Descobrimos, criamos, interagimos.

Procuramos reconhecimento, identidade social ou afecto, mas também sentirmo-nos bem connosco próprios, para nos desafiarmos, recriarmos e desenvolvermos, dessa forma (quem sabe?) iluminando o mundo. E isso só é possível com alguma segurança. A incerteza não edifica. E a certeza, sem novidade, pode enfadar. A zona de conforto devia ser o lugar de todos, não para dela sairmos em debandada, como nos dizem, mas porque é esse chão que poderá criar espaço para ousarmos ir muito mais além.»

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