«As estatísticas são muitas vezes difíceis de compreender, mas quando mostram que os 10% mais abastados do planeta possuem três quartos da riqueza global e que a metade mais pobre da humanidade se fica pelos 2% a sua clareza não podia ser maior. Os dados são do Relatório Mundial das Desigualdades (World Inequalies Repport), elaborado por uma equipa onde se inclui o economista-estrela francês Thomas Piketty e cuja conclusão mais chocante é de que a pandemia fez aumentar o fosso entre ricos e pobres, e isto apesar da intervenção dos governos nos países mais desenvolvidos para protegerem as camadas mais frágeis da população, mesmo que a custo de endividamento recorde. A valorização do imobiliário e dos mercados financeiros fez mesmo com que os magnatas espalhados pelo mundo reforçassem a sua riqueza em quatro biliões de dólares (trillions para os anglo-saxónicos), o que é mais do que o PIB da Índia, mais do dobro do PIB do Brasil ou ainda 16 vezes o PIB de Portugal.
Um mapa das desigualdades no mundo evidencia que estas são sobretudo muito fortes no Brasil, México e Chile e ainda na África Austral, também fortes em vários outros países da América Latina além dos já citados, no Golfo Pérsico e na Índia, e que a Europa Ocidental se destaca em sentido contrário, por ser a região do mundo menos desigual. Os bons resultados europeus têm muito que ver, explicam os especialistas, com as enraizadas políticas de redistribuição da riqueza, que atenuam parte do fosso naturalmente criado pelo capitalismo. Mas sem reforço do ensino público de qualidade e de um serviço nacional de saúde também de qualidade, mesmo na Europa Ocidental as desigualdades correm risco de aumentar.
Duas outras estatísticas reveladas por este relatório dão conta de realidades evidentes, mas nem sempre abordadas: as mulheres, que são 49,6% dos 7,9 mil milhões de habitantes do planeta, apenas possuem 35% da riqueza; os 10% mais ricos são responsáveis por 48% das emissões de carbono. Ou seja, a luta contra as desigualdades sociais passa também por uma luta contra a discriminação sexual e o combate às alterações climáticas exige uma espécie de fiscalidade verde, que obrigue os mais poluidores a financiar a revolução energética.
O nome Piketty, que se tornou célebre depois do livro O Capital no Século XXI, ajuda, sem dúvida, à divulgação deste relatório, mas em termos gerais segue a linha de anteriores estudos. E obriga a refletir se estamos satisfeitos com o rumo das coisas ou se, pelo contrário, as queremos mudar. E era interessante que estatísticas como estas, nada áridas, entrassem no debate político das próximas semanas em Portugal. Como vê cada partido esta bizarra consequência da covid-19 - a de enriquecer os ricos empobrecendo os pobres - e sobretudo como se pode atuar para a contrariar? No quadro nacional, como no internacional. Certamente que seria uma campanha eleitoral para as legislativas diferente.»
.
0 comments:
Enviar um comentário