Raras vezes vi um filme tão violento como Hunger, de Steve McQueen, (hoje no doclisboa), sobre os últimos meses da vida de Bobby Sands, o célebre activista do IRA. A visão das cenas de tortura na prisão ultrapassa quase o limite do suportável - não será fácil esquecê-las.
Quem viu o filme, gostará talvez de voltar a ouvir o extraordinário diálogo em que Bobby Sands explica a um padre as razões pelas quais vai começar a greve de fome que o levará à morte.
Paulo Côrte-Real, economista, doutorado em Harward, dirigente da ILGA, em entrevista hoje ao DN:
«A experiência nas duas peles, a de perito em economia e a de homossexual "assumido"/militante pela igualdade, resulta em contrastes muito curiosos. "Passo a vida a prestar declarações a jornalistas enquanto membro da ILGA. Mas no ano passado, quando o meu orientador de doutoramento foi Nobel da Economia, o Jornal de Negócios entrevistou-me enquanto 'professor doutor'. No fim, perguntaram-me se podiam citar-me, com todo o respeito e reverência." Ri. "Uma notável diferença de tratamento." A diferença entre "o homossexual reivindicativo", ou seja, "curiosidade" que os media tendem a desconsiderar como irrelevante, e "o especialista reputado".(...) Apesar de "não lidar lá muito bem com a exposição", considera que "a assunção da homossexualidade é fundamental, porque a não assunção acaba por parecer vergonha, como se houvesse algo de errado que faz com que não seja possível assumir. É lido como tal, pelo menos"».
Quando algumas dezenas de homossexuais «importantes» (passe a palavra para evitar longas explicações) se assumirem publicamente como tal, mais uma etapa será percorrida na luta pela igualdade neste país. Isto não vai lá só com protestos contra cobardias de deputados palacianos.
Fácil de teclar numa manhã de Sábado, certamente muito mais difícil de concretizar e nunca atirarei a primeira pedra a quem não tiver (ainda) coragem para o fazer. Mas lá chegaremos.
Quando se celebra o 40º aniversário da encíclica Humanae Vitae, de triste memória e ainda mais triste vigência, acaba de sair um livro de Miguel Oliveira da Silva, onde se pergunta se a Igreja não deve reconhecer os seus erros, «se não há uma outra ética da sexualidade compatível com a fé» e «porque se calam nesta matéria tantos dos bioeticistas, crentes e não crentes».
O autor é médico obstreta-ginecologista, professor de Ética Médica e Bioética na Faculdade de Medicina de Lisboa e licenciado em Filosofia. Sempre activo em muitas lutas e diversas frentes, muitos recordarão certamente a presença pública do Miguel durante a campanha a favor da IVG, em 2007.
Já estão no ar as duas primeiras mini-crónicas sobre blogosfera, que fiz para o Rádio Clube Português, Porto. Podem ser ouvidas aqui, escolhendo o programa «Ao Fim do Dia (Porto», Joana Lopes.
Na que será emitida esta noite, deixarei as generalidades e começarei a falar de blogues concretos. Quais? Surprise...
Para tristeza de chineses e sinófilos, e apesar das pressões de Pequim, o Parlamento Europeu atribuiu o prémio Sakarov 2008 a Hu Jia, de 34 anos.
Hu Jia está preso há seis meses por incitação à subversão «do Estado e do poder socialista», como consequência de uma declaração feita, por teleconferência, à Subcomissão de Direitos Humanos do Parlamento Europeu. Há muito que utilizava a internet como palco para as suas denúncias.
Aqui ficam os meus agradecimentos para as diversas nomeações de que este blogue foi/está a ser alvo - com a maior das sinceridades. Fui a jogo com a primeira que recebi, mas é absolutamente impossível, e não teria qualquer sentido, entrar numa cadeia de cadeias. Dentro em breve, estaríamos mesmo todos «encadeados».
No blogue Caminhos da Memória, foram publicados hoje três textos a propósito da problemática vivida neste momento em Espanha: um de Rui Bebiano, outro de Irene Pimentel e este meu, abaixo transcrito praticamente na íntegra.
Memória e cidadania
Um artigo de Jorge Almeida Fernandes (JAF) no suplemento P2 do Público de ontem abriu uma discussão, tão importante quanto complexa, a propósito das polémicas geradas em torno da recuperação da Memória Histórica em Espanha e da actuação do juiz Baltasar Gárzon na mesma. Desta vez, o que está principalmente em causa é o papel dos historiadores em toda esta problemática, a relação entre a sua actividade e os poderes político e judicial, entre «liberdade» de quem investiga e leis de criminalização do passado.
Regressando ao artigo de JAF (que, diga-se de passagem, parece misturar diferentes temas e planos distintos): a polémica sobre este papel do historiador está muito acesa em França e reflecte-se no texto do abaixo-assinado citado no P2. Acaba de ser lançado um livro de Pierre Nora e Françoise Chandernagor precisamente sobre a mesma problemática. Repito: trata-se de um tema apaixonante mas complicadíssimo.
Talvez por isso, nunca me senti tão aliviada por não ser historiadora, mas apenas alguém que se interessa muito pelas questões relacionadas com a memória. Porque história e memória não são a mesma coisa.
Não sei se os republicanos espanhóis foram vítimas de crimes comuns ou contra a humanidade (e, portanto, se os respectivos processos prescreveram ou não). Não sei se Gárzon é competente ou não para se ocupar do problema (questão muito polémica em Espanha neste momento), nem se o faz por exibicionismo, nem se um juiz pode «escolher» as suas vítimas.
Sei que, tal como não há almoços grátis, também não existem políticas de memória inocentes e imparciais: o governo de Zapatero não promulgou a lei da Memória Histórica por acaso, o PP não põe entraves à toa, Bento XVI não beatificou quase 500 «mártires» franquistas só porque sim. E eu, cidadã comum, sinto-me com todo o direito de escolher as memórias que quero preservar, as vítimas que quero «desenterrar», não só para que justiça se faça, mas porque acredito que é assim que posso tentar contribuir para o progresso da humanidade, nos caminhos que me parecerem mais correctos. Com todos os compagnons de route que for encontrando, sejam eles políticos, juízes, historiadores – ou simples mortais como eu.
Com dedicatórias várias para quem passar por aqui e se recordar das muitas vezes em que cantarolámos este «Caminhando», na calada semi-clandestina de sessões à porta fechada – nos idos de 68, evidentemente, «pra não dizer que não falávamos de flores».